O desenvolvimento da agricultura brasileira e mundial e a

pouco competitivos, de forma a garantir que o produto importado chegue a um preço mais elevado de que os custos de produção naqueles países...

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O desenvolvimento da agricultura brasileira e mundial e a idéia de 1 Desenvolvimento Rural Sidemar Presotto Nunes

Apesar de suas particularidades, a agricultura é dependente do que acontece na economia mundial como um todo. Para entender as mudanças pelas quais passa, devem-se considerar, além da ação do Estado e das políticas públicas, como o desenvolvimento tecnológico e o capital se recolocam em nível mundial. A própria análise do desenvolvimento da agricultura familiar deve ser entendida nesse contexto. As principais transformações ocorridas na agricultura mundial tiveram início com a Revolução Verde, iniciada após o fim da Segunda Guerra Mundial, e seguiu com as transformações mais recentes, em curso a partir do início dos anos 90, marcada pela globalização econômica e pela constituição de grandes empresas, agroindústrias e varejistas, que controlam o mercado mundial. O texto analisa, inicialmente, alguns aspectos da agricultura mundial: o processo de modernização da agricultura; a produção mundial de alimentos; a evolução da população rural e urbana; a importância econômica da agricultura aos países e a proteção à agricultura pelos países desenvolvidos mediante subsídios, as políticas agrícolas e as tarifas de importação. Em seguida, analisam-se algumas especificidades da agricultura brasileira, principalmente no que se refere às transformações mais recentes, que vêm ocorrendo a partir do início dos anos 90: as exportações de produtos agrícolas como estímulo ao aumento da produção; a concentração do controle do setor em mãos de grandes empresas nacionais e transnacionais; a agricultura familiar e a competitividade das agroindústrias; a competitividade da agricultura familiar; a reforma agrária e, por último, a produção de biocombustíveis. 1. Algumas conseqüências do aumento da produtividade da terra, do trabalho e do capital na agricultura mundial A agricultura mundial passou, a partir da segunda guerra mundial, por uma série de transformações decorrentes do processo de modernização, conhecida como Revolução Verde. A modernização consistiu na utilização de máquinas, insumos e técnicas produtivas que permitiram aumentar a produtividade do trabalho e da terra. A Revolução Verde permitiu um pequeno aumento da oferta per capita mundial de alimentos. Esse aumento ocorreu ao mesmo tempo em que a população mundial crescia, a população rural decrescia e a área agrícola se reduzia (1,91% entre 1975 e 2005).

1

O presente texto irá compor o segundo capítulo da dissertação de mestrado que estou desenvolvendo na UFPR. Contou com o inestimável apoio de várias pessoas da equipe do DESER através da leitura e sugestões à versão preliminar, a quem sou muito grato. Thiago de Angelis contribuiu com a preparação de grande parte dos dados aqui apresentados, particularmente os que tiveram origem no banco de dados da FAO.

Tabela 1 – Indicadores da evolução populacional e da produção agrícola mundial entre 1975 e 2005 Indicadores População total (milhões) Produção (milhões de toneladas) Área cultivada (milhões de hectares) Produtividade média (mil kg/hectare) Oferta per capita anual (kg)

1975 3.693 1.225 695 1,76 310,00

2005 Variação (%) 6.453 74,74 2.219,4 81,18 681,7 -1,91 3,26 84,71 340,00 9,68

Fonte: FAO, 2006.

Verifica-se, com base nos dados apresentados na Tabela 1, que a oferta mundial de alimentos não foi comprometida com a queda da população rural e com a queda da área de produção. Apesar dos resultados positivos conseguidos por meio da modernização da agricultura, cabe considerar que se trata de um processo que ainda tem curta duração, pouco mais de 50 anos, substituindo as formas de produção agrícola utilizadas a milhares de anos. A intensificação da agricultura tem demonstrado resultados prejudiciais ao meio ambiente, principalmente no que tange à disponibilidade e qualidade da água, à qualidade do ar e dos alimentos e ao surgimento, quase todos os anos, de novos problemas fitossanitários resultantes do desequilíbrio ecológico (ano a ano tem crescido a utilização de inseticidas e fungicidas na agricultura mundial e na agricultura brasileira). A agricultura ecológica tem sido colocada como alternativa a esses problemas. No entanto, há alguns limites à ampliação desse tipo de agricultura e, em conseqüência, à democratização do consumo: uma maior penosidade do trabalho e uma baixa produtividade do trabalho na maior parte dos produtos agrícolas, não em todos. Evolução e projeção da população mundial (total, urbano e rural) a partir de 1960 9.000.000 8.000.000 7.000.000 6.000.000

Total

5.000.000

Rural Urbano

4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020

2030

O gráfico acima demonstra que por volta do ano 2010 a população rural e urbana mundial deve se igualar e que, somente em 2000, a população rural iniciou um processo de queda em termos absolutos, embora já estivesse decrescendo em termos relativos. Apesar da redução da população rural na maioria dos países que passaram por um processo de modernização de suas agriculturas, a China e a Índia, os dois países mais populosos do mundo, ainda possuem a maior parte de seus habitantes vivendo no meio rural e de atividades agrícolas. Com a abertura comercial da China, país que possui uma das maiores produções agrícolas e o maior consumo em diversos produtos alimentícios, poderá acontecer grandes transformações no meio rural daquele país, culminando em uma elevada queda da população rural. Hobsbawm (1995) afirma que a mudança social mais importante e de maior alcance na segunda metade do século XX, e “que nos isola para sempre do mundo do passado”, é a mudança do perfil demográfico. Para o autor, Desde a era neolítica a maioria dos seres humanos vivia da terra com seu gado ou recorria ao mar para a pesca. Com exceção da Grã-Bretanha, camponeses e agricultores continuaram sendo uma parte maciça da população empregada, mesmo em países industrializados, até bem adiantado do século XX. (...). Mesmo na Alemanha e nos EUA, as maiores economias industriais, a população agrícola apesar de estar de fato em declínio constante, ainda equivalia mais ou menos a um quarto dos habitantes; na França, Suécia e Áustria, ainda estava entre 35% e 40%. Quanto aos países agrários atrasados – digamos, na Europa, a Bulgária e a Romênia -, cerca de quatro em cada cinco habitantes trabalhavam na terra (Hobsbawm, 1995, pp. 284).

Os dados sobre a evolução da produção segundo os produtos agrícolas mostram que o milho, o trigo e o arroz continuam sendo os principais produtos agrícolas mundiais, com produções acima de 600 milhões de toneladas cada um (conforme Tabela 2). No entanto, em virtude do crescimento do consumo de carne produzida em sistema de confinamento, a soja foi o cultivo agrícola que mais cresceu, quase 700% entre 1961 e 2005, passando de 26,8 milhões de toneladas para 214 milhões de toneladas. Os usos industriais da soja também contribuíram para aumentar a demanda pelo produto, como a proteína texturizada, a lecitina, entre outros. Os fatores que interferem na demanda por produtos agrícolas, em nível mundial e nacional, são a urbanização, o aumento da produção e do consumo de carnes, o nível de utilização da soja na alimentação humana e animal, as tarifas de importação aplicadas pelos países e blocos econômicos, as políticas governamentais de apoio ao setor, a disponibilidade de áreas agricultáveis, o controle exercido pelas grandes indústrias do setor alimentício que priorizam alguns produtos em detrimento de outros.

Tabela 2 - Produção mundial dos principais produtos agropecuários entre 1961 e 2005 (toneladas) Produto

1961

1970

1980

Arroz Cana-de-açúcar Carnes (total) Feijão Fumo Laranja

215.654.697 316.384.298 396.871.255

Leite (mil litros)

Milho em grão 205.004.683 265.831.145 396.623.388 26.882.808 43.696.887 81.039.568 Soja em grão 222.357.231 310.741.644 440.204.101 Trigo Fonte: FAO, 2006.

1990

2000 599.097.676

Var. % 2005/1961

618.440.644

186,8

447.977.522 608.616.105 734.589.630 1.053.280.735 1.252.291.571 1.291.685.924

188,3

71.343.133 100.623.729 136.678.927

518.229.077

2005

179.939.905

235.096.410

265.428.707

272,0

11.228.313

12.629.727

13.711.771

17.449.341

16.859.908

18.747.741

67,0

3.573.815

4.663.176

5.258.295

7.137.437

6.678.927

6.564.017

83,7

15.946.492

24.922.858

40.004.524

49.654.470

64.147.270

59.672.201

274,2

344.185.940 391.758.948 465.559.150

542.533.887

579.614.725

629.101.719

82,8

483.336.300

592.790.116

701.666.160

242,3

108.453.156

161.406.339

214.347.289

697,3

592.309.008

586.059.624

629.566.041

183,1

2. A importância econômica e social da agricultura aos países e os mecanismos de proteção Mesmo que a agricultura responda por um pequeno percentual do Produto Interno Bruto (PIB) dos países desenvolvidos, a União Européia e os Estados Unidos não abrem mão dos subsídios à agricultura em virtude da pressão política do setor, por considerarem estratégico à segurança nacional e também porque a atividade contribui para movimentar outros setores da economia. Para isso, aplicam tarifas e cotas de importação. Atualmente, a competitividade internacional da agricultura se dá através das condições naturais (solo, clima), das diferenças na produtividade do trabalho, da intervenção dos Estados (políticas públicas de apoio, cotas e tarifas de importação), da proximidade do mercado consumidor, da compatibilidade entre os lucros da atividade agrícola e em outros setores da economia e do nível de importância do custo da aquisição de terras. A Tabela 3 demonstra as taxas aplicadas pela União Européia, pelos Estados Unidos e pelo Japão para alguns produtos agrícolas negociados no comércio mundial. Tabela 3 – Tarifas de importação de produtos agrícolas nos países desenvolvidos - % Produto Açúcar (bruto) Álcool Leite em pó Frango (cortes) Carne suína Carne bovina Milho Tabaco Suco de Laranja

União Européia 160,8 46,7 68,4 94,5 50,6 176,7 84,9 24,9 15,2

EUA

Japão 167,0 47,5 49,1 16,9 0 26,4 2,3 350,0 44,5

154,3 83,3 196,7 11,9 309,5 50,0 95,4 0 21,4

Fonte: Mello, 2006.

Verifica-se, com base nas informações da Tabela acima, que os países desenvolvidos aplicam tarifas de importação altas aos produtos agrícolas, principalmente àqueles que são

pouco competitivos, de forma a garantir que o produto importado chegue a um preço mais elevado de que os custos de produção naqueles países. Além das tarifas de importação, esses países utilizam um sistema de cotas, limitando a uma certa quantidade de produto que poderá ser importado anualmente. É provável que as próximas reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC) indiquem uma redução dos subsídios agrícolas por parte dos países desenvolvidos, o que deve beneficiar a agricultura brasileira. Entretanto, também como resultado dessas negociações e como moeda de troca, o Brasil facilitará a entrada de capital industrial, gerando prejuízos à indústria nacional, grande e pequena. Se, de um lado, o setor agrícola brasileiro é valorizado pela “vantagem comparativa” proporcionada pela extensão dos recursos naturais e por uma menor remuneração do trabalho, de outro lado, perde-se a dinâmica que a indústria coloca à economia nacional e, com isso, o País reserva-se do direito de ampliar a exportação de commodities com baixo valor agregado (soja, açúcar, álcool, madeira, biodiesel etc.). 3. As exportações como estímulo ao aumento da produção agrícola brasileira A agricultura sempre desempenhou um papel importante na geração de riquezas no Brasil. No período mais recente, o estabelecimento da agricultura como âncora do processo de estabilização dos preços e como fonte para obtenção de divisas (via exportações) causou uma série de problemas para o setor, especialmente para a agricultura familiar. Entre os principais problemas, pode-se citar: a elevação forçada das escalas de produção, a elevação dos custos acima das receitas, a redução dos preços recebidos, a compressão da renda agrícola, a concentração dos agentes compradores da produção agropecuária e a queda da renda da população consumidora. O aumento da produção agrícola brasileira, superior a 100% entre 1990 e 2005, foi estimulado principalmente pelas exportações em detrimento da produção ao mercado interno. Entretanto, o crescimento da produção não significou o aumento da população ocupada na agricultura, já que a introdução de novas máquinas, equipamentos e também de insumos agrícolas contribuiu para continuar a ampliação da produtividade do trabalho e da terra na maioria dos cultivos agrícolas. Tabela 4 – Evolução da área colhida dos principais cultivos agrícolas no Brasil (ha) Var. % 2005/1965

Produto

1965

1975

1985

1995

2005

Cana-de-açúcar Soja em grão Milho Laranja Arroz Fumo Trigo Feijão

1.705.081

1.969.227

3.912.042

4.559.060

5.767.180

238,2

Fonte: FAO, 2006.

431.834

5.824.492

10.153.405

11.675.000

22.895.300

5.201,9

8.771.318

10.854.687

11.798.349

13.946.300

11.468.600

30,8

150.257

403.192

663.063

856.419

808.379

438,0

4.618.898

5.306.270

4.754.692

4.373.540

3.936.150

(14,8)

273.849

253.736

268.992

293.425

492.889

80,0

766.640

2.931.508

2.676.725

994.734

2.373.730

209,6

3.272.525

4.145.916

5.315.890

5.006.400

3.812.040

16,5

Identifica-se, através da Tabela acima, a existência de uma tendência de ampliação da área produtiva dos produtos destinados à exportação, em especial da soja, e uma redução da área destinada aos produtos de mercado interno. A queda na área de cultivo dos produtos de mercado interno foi compensada em parte pelo aumento da produtividade. No caso do feijão, houve uma queda de 16,5% na área cultivada, mas um aumento de 34% na produção total. Atualmente, a soja é o produto agrícola que mais ocupa área no Brasil e o que exerce maior pressão sobre os recursos naturais através do desmatamento, da drenagem de áreas alagadas, da redução da biodiversidade e das diversas formas de contaminação ambiental e da saúde, devido à utilização de insumos agrícolas. Entretanto, não se trata de uma particularidade da soja, nem é a soja a grande vilã. Deve-se às próprias mudanças nas relações de produção em nível mundial, em decorrência do mercado (oferta, demanda, preços) e da ação do Estado (políticas públicas, subsídios), que alteram as formas de produzir e as relações sociais no campo. Ou seja, a soja atualmente ocupa um lugar de destacada importância na pauta de exportações, mas, no médio prazo, poderá ser um outro produto agrícola qualquer que ocupe espaço na mesma lógica da acumulação. Em virtude do estímulo à produção de biocombustíveis, a cana-de-açúcar ampliará bastante a área de cultivo nos próximos anos. Tabela 5 – Evolução da quantidade produzida dos principais produtos agropecuários no Brasil entre 1965 e 2005 (toneladas) Ano

1965

1975

Cana-de-açúcar Soja em grão Milho em grão Laranja Arroz Fumo Trigo Feijão Carnes Total Leite (mil litros)

75.852.864

91.524.560

1985

1995

2005

Var. % 1965/2005

247.199.472

303.699.488

420.120.992

453,9

523.176

9.893.008

18.278.592

25.682.636

52.700.000

9.973,1

12.111.921

16.334.516

22.018.176

36.266.952

34.859.600

187,8

2.285.524

6.313.171

14.214.307

19.837.212

17.804.600

679,0

7.579.649

7.781.538

9.024.555

11.226.064

13.140.900

73,4

248.182

285.934

410.474

455.986

878.651

254,0

585.384

1.788.180

4.320.267

1.533.871

5.200.840

788,4

2.289.796

2.282.466

2.548.738

2.946.168

3.076.010

34,3

2.420.782

3.589.592

5.898.738

12.807.517

19.919.135

722,8

6.857.813

10.054.500

12.572.830

17.126.100

23.455.000

242,0

Fonte: FAO, 2006.

O desenvolvimento tecnológico leva a uma separação das etapas do trabalho. Em virtude da divisão do trabalho, a agricultura tende a perder participação na composição do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo dos anos. Isso porque a separação/especialização das etapas do trabalho permite que se produzam novas mercadorias e serviços e em maiores quantidades. Na agricultura, uma parte do trabalho que era realizada pelos agricultores passa a ser realizada em outros setores (indústria ou serviços). As conseqüências desse processo, no que se refere à concentração dos meios de produção e renda e do nível de emprego, são diversas. Na agricultura, as máquinas, os insumos e as novas técnicas de produção elevam a produtividade do trabalho, permitindo que um número cada vez menor de pessoas produzam a mesma (ou maior) quantidade de mercadorias, como acontece no caso da suinocultura. Nos últimos anos, embora a produção tenha se elevado, houve redução no número de produtores

de suínos. Isso não significa que em outros setores do “agronegócio da suinocultura” o número de empregos não tenha se mantido (ou aumentado), mas na agricultura diminuiu, mesmo em um sistema em que predomina a produção familiar. A Tabela 6 demonstra que, apesar do expressivo aumento da produção agrícola dos produtos exportáveis, o valor bruto da produção de 20 produtos agrícolas se manteve quase estável entre 1989 e 2005, embora tivesse oscilado um pouco entre os anos analisados. Isso reflete a tendência de queda de preço das commodities agrícolas. Tabela 6 – Valor Bruto da Produção de 20 produtos agrícolas vegetais produzidos no Brasil entre 1989 e 2005 (R$ milhões) Ano 1989 1994 1996 1998 1999 2002 2003 2004 2005

Valor Bruto da Produção (VBP) 89.921 90.513 75.884 87.232 86.769 87.251 114.854 109.878 96.256

Fonte: Mello, 2006.

Atualmente, a agricultura brasileira responde por aproximadamente 9% do PIB, emprega aproximadamente 14% da população economicamente ativa e o meio rural possui em torno de 21% da população total. Verifica-se, através desses dados, que no meio rural brasileiro os rendimentos são menores do que em relação ao meio urbano, já que a proporção do PIB é inferior à população ocupada e bem inferior que a população total. Se, de um lado, a economia no meio rural é menos mercantilizada e o custo de vida é inferior ao meio urbano, de outro lado, ganham importância as rendas não-agrícolas, sejam elas derivadas da venda de trabalho, seja através de transferências sociais e da previdência social rural. O Brasil ainda possui fronteiras agrícolas em que o preço da terra é baixo, sendo comercializada a menos de R$ 100,00/ha, enquanto que em alguns lugares da região Sul esse valor pode chegar a mais de R$ 20.000,00/ha. Isso possibilita que empresas ou até mesmo agricultores médios do Sul adquiram grandes extensões de área, que se valorizam a partir do momento em que passam a ser dotada de infra-estrutura pública e comercial. Na região de Santarém, no estado do Pará, por exemplo, a terra que era comercializada por R$ 200,00/hectare no ano de 2000, atualmente possui valor de mercado superior a R$ 5.000,00 (25 vezes maior). Esse mesmo processo de valorização do preço da terra aconteceu no estado do Mato Grosso, a partir do início dos anos 80. Com a diversificação das fontes energéticas alternativas ao petróleo e a ampliação da produção de biocombustíveis, a tendência é de que a propriedade fundiária já que a passe por um novo ciclo de valorização, demanda por ela se ampliará. A pressão pelo uso dos recursos naturais e pela propriedade fundiária também deverá provocar uma nova onda de conflitos sociais no campo, principalmente nas regiões consideradas ainda como fronteiras agrícolas.

4. A concentração do controle do setor pelas agroindústrias multinacionais e pelas grandes redes varejistas Ocorreu, no Brasil, a partir dos anos 90, um processo de concentração do setor exportador nas mãos de um pequeno número de grandes agroindústrias inseridas no mercado mundial. Essas empresas passaram a interferir fortemente nas estratégias de desenvolvimento da agricultura brasileira, já que possuem capacidade de investimento e podem definir os preços dos produtos agrícolas (em virtude da redução dos estoques públicos e do aumento dos estoques privados e também em função de sua importância no controle do mercado interno e externo). Essas empresas possuem unidades ou subsidiárias em diversos países, permitindo-lhes facilidades para a inserção de seus produtos no mercado mundial, bem como para a redefinição dos locais de produção economicamente mais vantajosos. Em virtude do poder econômico que possuem, conseguem influenciar a política agrícola de muitos países, como o que vem acontecendo em relação à soja transgênica, em que a Monsanto jogou muitos esforços para garantir a liberação do uso da tecnologia por ela produzida. No Brasil, a partir dos anos 90, ocorreu uma série de fusões e aquisições entre as empresas do setor agropecuário. Atualmente, as norte-americanas Cargill e Bunge são as principais empresas do setor. Além de serem as maiores exportadoras de produtos agrícolas, essas empresas possuem investimentos diversificados, atuando na produção de fertilizantes, alimentação animal, industrialização de produtos alimentícios e no setor financeiro. O controle do setor nem sempre se dá mediante o controle de todas as fases da produção, já que algumas fases podem ser economicamente mais interessantes. Assim, algumas grandes empresas formam parcerias com outras, no sentido de garantir o controle do setor. Esse é o caso dos citros no Brasil, setor que sempre foi controlado por três ou quatro empresas, em que a Cargill abriu mão de controlar a produção para controlar o consumo, atuando como uma espécie de agenciadora do suco de laranja na Europa e na produção de outros alimentos derivados do suco de laranja. A inserção mundial tem permitido também que essas empresas driblem o fisco, exportando para unidades próprias ou de subsidiárias, a um preço baixo. No caso do fumo, a maior exportação é de fumo em folha em relação à de cigarros, já que a tributação sobre o primeiro é bem inferior do que sobre o segundo, sendo o produto transformado nos países em que o cigarro é consumido. Se de um lado tem aumentado a concentração e o controle do setor por um pequeno número de grandes agroindústrias, de outro lado, tem aumentado a concentração do setor varejista através de grandes redes mundiais de supermercados (Wal-Mart, Carrefour, etc). Essa concentração do setor varejista acontece também em outros setores, não somente nos alimentos. Atualmente, no Brasil, aproximadamente 50% dos alimentos consumidos no país são comercializados através dessas grandes redes de supermercados, cuja participação vem crescendo ano a ano. Em diversos países esse percentual é ainda maior e nos Estados Unidos chega à 90%. Devido a importância econômica dessas grandes redes varejistas em termos de participação no volume global de alimentos comercializados diretamente aos consumidores, elas tem ampliado seus lucros em relação aos lucros totais da cadeia (agricultores, indústria) e obrigam os setores à jusante se ajustarem às suas demandas, tanto no que se refere à escala quanto ao tipo e aos processos utilizados na produção e na industrialização. Está clara a capacidade de controle por parte das grandes agroindústrias e, cada vez mais, por parte das

grandes redes varejistas. No entanto, mesmo considerando o discurso atual de que tudo teria que se ajustar às necessidades e os desejos dos consumidores, o que isso pode significar para modificar o padrão de consumo é uma questão complexa. A tendência é que a indústria e as grandes redes varejistas segmentem os consumidores de acordo com o nível de renda que possuem. Alguns, particularmente aqueles que possuem níveis de renda altos, poderiam pagar um preço mais elevado pelos alimentos em virtude de incorporar alguns atributos relacionados ao tipo de produção (origem, cuidado com o meio ambiente). Para outros, no entanto, aqueles que possuem níveis de renda baixos, o padrão de consumo seria definido pelo próprio varejo e pelas grandes agroindústrias, pois o atributo que possui maior peso é o preço baixo em detrimento de outros, em virtude da alta participação dos alimentos na composição dos custos de manutenção familiar. A questão de fundo que aqui se coloca é da capacidade das campanhas que fazem apelo à consciência ambiental e social em modificar o próprio consumo. 5. A agricultura familiar brasileira e a competitividade das agroindústrias A agricultura familiar brasileira tem garantido uma maior competitividade nas exportações brasileiras de fumo, aves, suínos e outros produtos. No entanto, isso tem contribuído para gerar uma maior competitividade às grandes indústrias desses setores, que tem aumentado a produção no país com vistas a atender, em grande parte, as exportações. O Brasil ampliou bastante a produção e a exportação dos três produtos acima citados a partir do início dos anos 90. No entanto, em virtude de diferentes evoluções da produtividade do trabalho, o número de produtores de fumo praticamente dobrou e de suinocultores e de avicultores caiu praticamente à metade. Onde o Estado de Direito garante a propriedade privada da terra, ou seja, onde as terras estão regularizadas e possuem um valor de mercado mais elevado, o capital industrial procura redesenhar sua ação mediante a integração com os agricultores. Outro fator é o custo dos encargos sociais do trabalho, já que o trabalho escravo passa ser denunciado pela sociedade e monitorado e punido pelo Estado. Isso se verifica de forma explícita, por exemplo, na entrevista de um empresário paraense quando questionado sobre a parceria de sua empresa com agricultores familiares da região na produção de dendê. O entrevistado disse que a empresa não faz benemerência social, pois esse é papel do Estado. Só o fazem porque é interessante para a empresa e para os agricultores. Afirmou também que, assim, a empresa não precisa imobilizar capital com a aquisição de terras e não necessita contratar funcionários, uma vez que, além dos salários, os encargos sociais implicariam num aumento de até 102% na folha de pagamento dos funcionários2. No Brasil, as políticas públicas (agrárias, agrícolas e sociais) desenvolvidas pelo Estado, a integração/terceirização agroindustrial e a redução do nível de crescimento industrial e do emprego urbano têm garantido a competitividade da agricultura familiar, especialmente nas atividades em que a produtividade do trabalho é baixa, como na fumicultura. A propriedade da terra é outro fator que contribui com a permanência e a reprodução da agricultura familiar, principalmente aonde ela tem um valor de mercado mais elevado, por dois motivos: ela pode ser transmitida por herança a membros de uma mesma 2

PLANETA ORGÂNICO. Diretor da Agropalma fala sobre Biodiesel ao Planeta Orgânico. Disponível em http://www.planetaorganico.com.br/entrev-marcellobrito05.htm. Acesso em 10 de novembro de 2006.

família e ao fato de que a aquisição de terras por grandes agricultores ou empresas significa uma alta imobilização de capital, que não poderá ser reavido em um curto prazo, salvo quando se presta apenas à especulação imobiliária. 6. A política agrícola Os instrumentos de política econômica que influenciam a agropecuária são diversos3: • Política fiscal: tributação, gastos do governo, mecanismos de isenção fiscal e de incentivos fiscais. • Política monetária: taxa de juros de captação versus taxa de juros de empréstimos, taxas de juros nominal versus taxas de juros real. • Política cambial: câmbio valorizado versus câmbio desvalorizado. • Política de rendas: legislação trabalhista e política de zoneamento do uso da terra. • Política comercial: acordos comerciais entre países. • Política agrícola: crédito rural, política de garantia de preços mínimos, seguro rural, pesquisa, extensão rural, sanidade vegetal e animal, políticas específicas para certos produtos e insumos, política de uso florestal e de incentivo ao reflorestamento. Além desses instrumentos de política agrícola mais gerais, outros podem ser desenvolvidos visando atender um público específico, como os de apoio à agricultura familiar. Como toda política pública, as políticas agrícolas podem induzir mudanças desejadas pelos governos no setor, através do arranjo de instrumentos que estimulem a produção (preços, crédito, juros, seguro, formação de estoques, exportações, compras internas) e promovam a distribuição social da riqueza da agricultura4. Sendo assim, a orientação dessas políticas é dada pelo papel que se espera que a agricultura cumpra em um dado momento histórico (liberar mão-de-obra, baratear o custo da cesta básica, promover as exportações de determinados produtos, garantir a segurança alimentar, fortalecer a agricultura familiar ou patronal, etc). Pode-se considerar quatro fases na trajetória das políticas agrícolas brasileiras, após o início da Revolução Verde: 1) 1965–1985: modernização conservadora. A agricultura se modernizou, mas não alterou sua estrutura fundiária; 2) 1985–1995: desmonte das políticas agrícolas e liberalização dos mercados; 3) 1995-2002: retomada da política de crédito com juros controlados, mas com recursos privados; desenvolvimento de mecanismos privados de escoamento e estoques da produção; 4) 2003 até agora (2006): fortalecimento da política de crédito e pequena retomada de outros mecanismos, principalmente dos direcionados à agricultura familiar (seguro agrícola, seguro de preços, compras institucionais, assistência técnica etc.). É importante destacar que, embora tenha havido uma certa retomada da política agrícola, isso não foi suficiente para conter o processo de ampliação do poder econômico das grandes empresas inseridas no mercado mundial.

BACHA, Carlos José Caetano. Economia e política agrícola no Brasil. Editora Atlas, São Paulo, 2004. Como exemplo, entre meados da década de 60 e meados da década de 80, o governo federal planejou as políticas agrícolas nas áreas de pesquisa, de assistência técnica e de crédito, principalmente, visando liberar mão-de-obra da agricultura para a indústria.

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Nos últimos anos, além de buscar incrementar o saldo da balança comercial, as políticas agrícolas brasileiras foram sendo desenvolvidas com vistas a reduzir o preço final dos produtos agrícolas, permitindo assim que os setores urbanos mais pobres diminuíssem a parcela dos gastos de suas rendas com a alimentação. Se, de um lado, o baixo preço de alguns produtos agrícolas prejudicou os agricultores, de outro, permitiu a redução do custo da cesta de alimentos e o aumento do consumo de alguns produtos, como o caso das carnes. Atualmente o salário mínimo permite a aquisição de 2,3 cestas básicas, contra 1,3 em dezembro de 2002. Nesse período, houve um aumento do poder de compra e do consumo estimulados por um aumento real do salário mínimo em 26% e pela ampliação das transferências sociais do governo federal. 7. A Reforma Agrária Nos anos 60, quando a reforma agrária era colocada como necessidade ao desenvolvimento nacional, via criação de um mercado interno de massas, colocou-se a Revolução Verde como a grande promessa à resolução dos problemas sociais do campo. O Estado estimulou, através de políticas de crédito, assistência técnica e pesquisa, a utilização de máquinas, insumos e técnicas produtivas que permitiram aumentar a produtividade do capital, do trabalho e da terra. Pela ausência de uma reforma agrária concreta e pela redução do crescimento econômico e do nível de emprego, isso resultou em grandes problemas sociais, empurrando milhões de pessoas para as grandes cidades, com grande parte se concentrando nas favelas. A esse processo costuma-se chamar de modernização conservadora, pois não provocou grandes alterações nas estruturas sociais do campo. Apesar de se ter ampliado o número de famílias assentadas nos anos 90 em diante em relação ao período anterior, a reforma agrária é um tema que passou a dividir opiniões no que se refere a sua importância ao mercado interno. Apesar da pressão dos movimentos de luta pela reforma agrária, particularmente o MST, a maior parte das famílias foram assentadas em terras públicas ou de regularização (quilombolas, indígenas) e uma menor parte mediante desapropriação. Apesar de se utilizar a idéia de reforma agrária, o que predomina hoje são os assentamentos rurais. 8. Os problemas sociais e ambientais e a idéia de Desenvolvimento Rural O processo de modernização da agricultura foi estimulado pelo Estado brasileiro a partir dos anos 60, época em que o crescimento econômico e industrial mantinha-se alto. Os problemas sociais resultantes do “desemprego tecnológico” da agricultura se intensificaram com a redução do crescimento econômico e com a queda do nível de emprego urbano. Os problemas decorrentes do aumento da produtividade do trabalho e do êxodo rural tendem a não ser tão nefastos quando o ritmo de desenvolvimento industrial e a evolução do emprego urbano são elevados, mas problemáticos quando são baixos. Nos anos 70, no Brasil, quando houve a intensificação da revolução verde e o aumento da produtividade do trabalho e da terra, ocorreu, ao mesmo tempo, a redução do crescimento industrial devido ao tipo de política interna, à crise do petróleo e à redução do nível de crescimento da economia mundial. Nesse momento, os problemas sociais se agravaram e os movimentos sociais (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, sindicalismo rural, movimento de mulheres agricultoras

etc.) e as ONGs surgiram com força renovada em questionamento ao “modelo de desenvolvimento”. Uma série de mudanças na interpretação sobre o meio rural ocorreu no período em que a noção de agricultura familiar passou a ser adotada, particularmente a partir de meados dos anos 90. A mais importante delas é que, para um grande número de estudiosos e políticos (governantes, sindicalistas), o meio rural passou a ser considerado como espaço estratégico ao desenvolvimento, em oposição ao que predominantemente se considerava ser um espaço em vias de decomposição, que perdia cada vez mais em importância social e econômica. Pode-se considerar que isso ocorreu devido a alguns motivos: a difusão da “positividade da noção de agricultura familiar5”; a emergência das questões ambientais; os problemas sociais decorrentes do desemprego e das dificuldades econômicas do Estado em desenvolver políticas de grande impacto social e econômico (reforma agrária, política industrial, etc.). Em que pese o fato de que a idéia de desenvolvimento rural carregue um componente de busca, do meio político e dos pesquisadores, em defender seus próprios objetos (de luta política e de pesquisa, respectivamente), cabe considerar que se trata de uma mudança profunda, entretanto, fundada em matrizes teóricas distintas. De um lado, trata-se de considerar a busca de novos projetos de desenvolvimento com a pretensão de “gerar justiça social” e, de outro lado, trata-se de considerar o meio rural e a agricultura familiar pelo seu caráter funcional, como colchão ou menisco dos problemas sociais decorrentes da redução do crescimento industrial, do desemprego e da crise ambiental. São perspectivas que por ora se colocam lado a lado, sob um nível maior ou menor de conflito, mas sob um discurso aparentemente consensual. 9. Biocombustíveis: uma nova Revolução Verde? Atualmente, é surpreendente a velocidade de implantação de novos projetos para a produção de biocombustíveis no Brasil. Vários investimentos nacionais e estrangeiros já foram anunciados e outros já estão em fase de implantação. Diante da possibilidade de esgotamento do petróleo enquanto matriz energética, a produção de biocombustíveis tem sido colocada como alternativa ao Brasil, mobilizando muito rapidamente os interesses econômicos de grandes empresas. No que se refere à cana-de-açúcar, a previsão de que a área de cultivo passasse de 5 milhões para 10 milhões de hectares em 10 anos já foi reduzida para 5 anos. George Soros, um dos maiores investidores mundiais, anunciou recentemente que investirá 900 milhões de dólares em usinas de álcool no Brasil. Bill Gates investirá 250 milhões de dólares e os criadores do Google, uma das maiores empresas da Internet, também manifestaram interesses em investir na produção de álcool no Brasil. Além da possível ampliação da importância do álcool como combustível, uma energia limpa de acordo com o Protocolo de Kioto, a divulgação de que a cana-de-açúcar consegue reter altos níveis de gás carbônico da atmosfera tende a estimular os investimentos no cultivo. Aí se verifica um grande contra-senso, que parece não ter muita importância nos acordos mundiais, já que a remuneração poderá ser garantida mesmo que a paisagem seja coberta por 5

Quem defende essa idéia tende a afirmar que a agricultura familiar seria dotada de características sociais e econômicas que, impulsionada politicamente, poderia apontar para um desenvolvimento diferente daquele que se colocava até o momento e que gerava crises econômicas, sociais e ambientais.

grandes monocultivos com reduzida biodiversidade, uma vez que se pressupõe que bastaria produzir “energias limpas”. Na produção de biodiesel vários investimentos já foram anunciados por diversas empresas. A Brasil Ecodiesel, empresa do setor termoelétrico que ficou responsável pelo abastecimento energético brasileiro em virtude do risco de apagão, já tem diversos investimentos em curso e outros em fase de implantação, principalmente a partir da mamona. A empresa, que tem projetos espalhados por todo o Brasil e pretende se tornar líder no setor, participa e tem ganhado vários leilões do governo brasileiro para a venda de biodiesel de mamona. Divulgou-se também que empresas americanas e francesas estariam interessadas em adquirir ou arrendar áreas de 20 mil a 50 mil hectares no estado da Bahia, na expectativa de que a mamona possa ser estimulada pelo Programa Nacional de Biodiesel. Para isso seria necessário o desenvolvimento de cultivares de mamona com porte baixo e período de maturação uniformes, visando a colheita mecânica. Atualmente, a aquisição e o arrendamento são estimulados pelo preço baixo, já que o estímulo econômico da mamona provocaria um aumento do preço da terra e do valor do arrendamento. A produção de mamona, assim como outros produtos destinados à produção de biocombustíveis, também poderia ser incluída nos projetos de seqüestro de carbono e possibilitar ganhos econômicos às empresas que investirem. Outro setor importante nesse contexto, particularmente ao seqüestro de carbono, é o florestal. De um lado estão as florestas naturais e de outro as florestas cultivadas (silvicultura). No primeiro caso, verifica-se o investimento privado na aquisição direta ou indireta (através de ONG´s, por exemplo) de florestas que atualmente possuem baixo valor de mercado, mas que poderão se elevar e proporcionar ganhos econômicos pelo seqüestro de carbono e pela renda fundiária, dada pelo aumento do preço da terra. No segundo caso, das florestas cultivadas, verifica-se também a aquisição de áreas com o objetivo de se ganhar com o seqüestro de carbono e pela expectativa de redução da oferta mundial de madeira. No município de Pelotas (RS), uma empresa nacional está adquirindo 300 mil hectares com esse fim. Suspeita-se também que empresas madeireiras e produtoras de óleo vegetal utilizam áreas de produção integradas com agricultores para comercializar créditos de carbono, ficando para si os lucros dessa operação, e através da comercialização dos produtos a um preço mais elevado. Embora se afirme que os biocombustíveis sejam ecologicamente corretos, em virtude da baixa emissão de gás carbônico, normalmente não se leva em consideração os impactos decorrentes da produção destes. Extensas áreas cultivadas com cana-de-açúcar, mamona, soja, dendê ou florestas cultivadas tendem a manter um baixo nível de biodiversidade animal e vegetal. Nos cultivos temporários também há alta utilização de agroquímicos (adubos, herbicidas, inseticidas, fungicidas – cujo crescimento tem sido exponencial) que contribuem para contaminar os recursos naturais. Cabe considerar que ambos os processos podem se dar em regiões em que predominam ou pequenas ou grandes propriedades, ao menos é isso que se observa atualmente nas regiões tipicamente produtoras de grãos. Nessas regiões verifica-se o predomínio de um único cultivo em toda a paisagem e redução no nível das águas pluviais. As áreas de mata ciliar e de preservação permanente tendem a ficar bem abaixo do que estipula a legislação em vigor. Sem levar em consideração os impactos sociais e ambientais que poderão decorrer com o desenvolvimento da produção de biocombustíveis, fala-se, normalmente, que o Brasil

está diante de uma grande oportunidade de desenvolvimento econômico. No âmbito internacional, está se criando condições que facilitem os investimentos na produção de biocombustíveis, pois se daria em “benefício de toda humanidade”. Em nome da produção de energias limpas e sem considerar o aumento da pressão sobre os recursos naturais, o discurso do grande agronegócio está se renovando. Assim, os problemas fundiários e sociais do campo tendem a ficar ofuscados. Com o apoio internacional e concessões do Estado brasileiro, veremos, nos próximos anos, uma reedição da Revolução Verde e da modernização conservadora, semelhante àquela dos anos 60 e 70.

Referências bibliográficas BACHA, Carlos José Caetano. Economia e política agrícola no Brasil. Editora Atlas, São Paulo, 2004. FAO – Food and agriculture organization. The world agricultural production. Disponível em http://faostat.fao.org/site/339/default.aspx. Acesso em setembro de 2006. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o Breve Século XX (1914-1991). Companhia das Letras, São Paulo, 1995. MELLO, Fernando Homem de. Construindo uma nova política agrícola. Congresso da Sober, Fortaleza, 2006. PLANETA ORGÂNICO. Diretor da Agropalma fala sobre Biodiesel ao Planeta Orgânico. Disponível em http://www.planetaorganico.com.br/entrev-marcellobrito05.htm. Acesso em 10 de novembro de 2006.