A cerimônia do Adeus e Noivas: o universo feminino

Rosângela Rennó, na sua produção Cerimônia do Adeus, utiliza negativos de imagens fotográficas de casamento, apropriando-se de um arquivo adquirido em...

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Anais do VII Seminário Fazendo Gênero 28, 29 e 30 de agosto de 2006

Gênero no texto visual: a (re)produção de significados nas imagens técnicas (fotografia, televisão e cinema) – ST 35 Letícia Segurado Côrtes Universidade Federal de Goiás Fotografia – gênero feminino – representação do casamento e de noivas.

A cerimônia do Adeus e Noivas: o universo feminino transposto em imagens fotográficas, permeado com as questões de gênero O trabalho em questão vem instaurar apontamentos entre a imagem fotográfica e as questões de gênero a partir da produção de duas artistas-fotógrafas brasileiras: Rosângela Rennó (com sua série Cerimônia do Adeusi) e Cris Bierrenbach (com sua série Noivas – Aluguel e Vendaii). O casamento como ritual significativo e a imagem da noiva confluem para uma investigação a partir de um olhar feminino direcionado por essas artistas com intencionalidades dessas produções específicas da representação do universo feminino. A série destacada da produção de Cris Bierrenbach apresenta-se numa narrativa, com uma seqüência de quatro auto-retratos (só podemos perceber vestidos e poses diferentes) em que o rosto é eliminado por uma luz ao iluminar a cena por um flash acoplado à cabeça da fotógrafa. É como se ela própria estivesse representando todas as mulheres ou quisesse destituir a aura que a imagem da noiva possui. Imagens que se apresentam como para serem comercializadas, denominada pela artista-fotógrafa, “Aluguel e Venda”. Em nossa sociedade ocidental, há um destaque para o vestido da noiva, em que na cerimônia de casamento todos os olhares se voltam para a mulher que adentra no recinto cerimonial, que ainda tem na simbologia de pureza, a utilização da cor branca. Chris Bierrenbach nos causa uma dissolução do sonho feminino, que mesmo vendo o vestido branco, o rosto de quem se está vestido nele, não pode ser admirado. A imagem fotográfica não poderia, conseqüentemente, ser preservada pois, o rosto imaculado daquela que tanto se preparou para a mudança de estado civil, não pode ser visto, imagens que não foram produzidas para serem guardadas num álbum de casamento. A mulher-artista-fotógrafa inverte a significação dos olhares e nos instiga como observadores a rever nossos próprios valores. A narrativa contundente das imagens conflue em uma possível crítica, por serem imagens de vestidos como numa vitrine à disposição para se alugar ou vender. A denominação que utiliza para identificar as quatro imagens reforça essa intenção do aluguel e da venda, como algo que comumente se associa aos nomes das

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lojas que alugam ou vendem vestidos de noiva: Center noivas, Talento noivas, Nova noiva, Noiva Brasil. Rosângela Rennó, na sua produção Cerimônia do Adeus, utiliza negativos de imagens fotográficas de casamento, apropriando-se de um arquivo adquirido em Cuba, e com a digitalização dessas imagens, constitui a série de quarenta fotografias, confluindo para um auto-retrato coletivo de um ritual, mostrando noivos e noivas recém-casados num primeiro registro do ritual de passagem dessas pessoas, beijando-se e despedindo-se da câmera fotográfica. A situação se repete com diferentes casais e mudanças sutis de cenário. São também imagens veladas como numa lembrança fugidia. Essa artista-fotógrafa apropria-se de imagens de pessoas anônimas, que fizeram parte de uma memória afetiva que não se pode identificar, repassando a construção de narrativas criadas pelo espectador. São imagens que não fazem mais parte de álbuns de casamento, são transpostas também para o ambiente de exposição. Esse ritual de passagem valorizado principalmente para a mulher, que utiliza uma indumentária diferenciada com um destaque evidenciado para o vestido de noiva, as imagens fotográficas possuem o papel de resgatar a qualquer momento aquele ritual, ou as sensações que essas imagens suscitaram. Indagações se instauram, não só em relação ao que se é perceptivelmente visível, pois há interferência na própria constituição imagética das fotografias (utilizam-se recursos digitais), mas também com relação às intenções dessas artistas para as questões de gênero, provocando questionamentos que transpõem para o feminino, para os rituais de passagem, para as representações que provocam estranhamentos, ou mesmo, a relevância dessas próprias representações para a construção de sentidos. Desse modo, como bem pontua Annateresa Fabris, “não olhamos apenas para uma foto, sempre olhamos para a relação entre nós e ela. Pensamos simultaneamente por conceitos e imagens.” (FABRIS : 2001, pág. 145). A transposição dessas imagens para um local de exposição tende a provocar questionamentos, ou pelo menos suscitar estranhamentos. Nessas percepções e fazendo referência ao texto de Roland Barthes, a foto-retrato, que está presente nas obras das fotógrafas-artistas, “é um campo cerrado de forças. Quatro imaginários aí se cruzam, aí se afrontam, aí se deformam. Diante da objetiva, sou ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte.” (BARTHES: 1980, pág.27).

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O velar-revelar da imagem da mulher nessas produções, depende dos julgamentos de quem capta a imagem e como se serve para expô-la. Ao velar o seu próprio rosto, Cris Bierrenbach induz a um julgamento que se constitui além do que se estabelece como o revelar de propósitos que vão além das imagens estigmatizadas do universo feminino, como são as imagens de noivas, numa cristalização e esvaziamento dessas imagens quanto à intensa circulação numa alusão à destituição de sentido. Rosângela Rennó reconstrói um repertório de imagens, que também são propositadamente veladas. Na perspectiva barthesiana, a artista-fotógrafa transpõe, para a imagem fotográfica e seus referentes, a percepção de julgamentos para quem é espectador dessas imagens. Ao transpor para as relações de gênero, “para criar novas imagens de si próprias as mulheres tiveram de aprender a adoptar e a cultivar novas atitudes para consigo próprias, para com seus corpos e para com o seu lugar na sociedade. Nunca na história mudaram de forma tão radical e tão rápida as imagens de mulheres e feitas por mulheres.(HIGONNET : 1993 pág. 427). Consubstancialmente às intenções e novas percepções, as representações do feminino e das visualidades da mulher tendem a serem revistas pelas próprias mulheres, principalmente por aquelas que influenciam no constructo imagético. Espera-se uma tendência de maior divulgação e interação com os espectadores (preferencialmente espectadoras) dessas obras.

Referências bibliográficas BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BIERRENBACH, Cris. Fotoportátil 2. São Paulo: Cosac Naify, 2005. LEITE, Miriam L. Moreira. Retratos de Família : Leitura da Fotografia Histórica. 3ºed. São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 2001. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. SANTOS, Maria Ivone dos; SANTOS, Alexandre (org.). A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre: 2004. RIBEIRO, Niura Legramente. Procedimentos fotográficos nos processos de criação nas Artes Visuais. SANTOS, Maria Ivone dos; SANTOS, Alexandre (org.). A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura: Editora da UFRGS, 2004.

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HIGONNET, Anne. Mulheres, imagens e representações. In: História das mulheres no ocidente: o século XX. Afrontamento: Porto, Ebradil: São Paulo. V.5, 1993.

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Série Cerimônia do Adeus, 2003, 40 fotografias digitais em cor, 50x68cm cada, edição de 5, coleção da artista. Será analisada, no decorrer do trabalho, a constituição da produção como um todo. ii Série Noivas – aluguel e venda (Center noivas, Talento noivas, Nova noiva, Noiva Brasil), 2004 – cartaz (impressão digital Encad), 150x100 cm cada. A análise faz alusão às quatro imagens da série.