A Massificação da Cultural e a Indústria Cultural em Adorno

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A Massificação da Cultural e a Indústria Cultural em Adorno Autoria: Carolina Machado Saraiva de Albuquerque Maranhão

Resumo Este artigo tem como propósito discutir o conceito de indústria cultural cunhado pelos frankfurtianos, em especial Adorno e Horkheimer em seu famoso livro “Dialética do Esclarecimento” (1985). Nossa intenção não é descrever o conceito tal como ali presente, mas compreendê-lo de maneira crítica como esfera de constelação de idéias e momentos expressivos da filosofia social crítica. As discussões acerca da função da cultura e da obra de arte no capitalismo são anteriores ao conceito de indústria cultural. Os próprios frankfurtianos Benjamin e Marcuse já haviam escrito sobre o tema, como podemos perceber nos escritos “A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica” (BENJAMIN, 1985), e “Sobre O Caráter Afirmativo da Cultura” (MARCUSE, 1997), cujas tônicas são uma forte crítica à dimensão da arte entendida em um sentido convencionali (DUARTE, 2003). O sentido convencional refere-se à concepção de produção da obra de arte como esfera cultural dissociada da produção cultural derivada da nascente indústria de cultura. Esse debate aprofunda à medida que o capitalismo se desenvolve. O desenvolvimento tecnológico revelava cada vez mais o significado reservado às obras de arte na esfera pública. Foi ficando cada vez mais claro para os teóricos críticos que a promessa de universalização da cultura – contida na massificação dos meios culturais - não passou de uma forma sofisticada de opressão: “os valores do bom, verdadeiro, justo e belo são válidos universalmente e realizáveis no ‘interior de cada sujeito’, sem que esteja implícito o compromisso de transformar a realidade” (SILVA, 2005, p. 31). A compreensão aprofundada das raízes deste conceito, bem como suas reformulações feitas ao longo dos anos por Adorno, é fundamental para o seu uso como base argumentativa em pesquisas na área de administração e especificamente no campo dos Estudos Organizacionais, em que tem sido muito utilizado para a compreensão de fenômenos culturais próprios ao campo. Procuramos apresentar neste artigo os elementos principais que constituem o conceito de indústria cultural, revelando seus antecedentes e pensamentos influentes, bem como descrevendo as saídas críticas apresentadas por Adorno ao domínio da indústria cultural, através da Estética como elemento de experiência formativa. A compreensão da complexidade do conceito de indústria cultural e a análise da proposta de emancipação presente na estética enriquece a área dos estudos organizacionais e imprime mais acuidade nos conceitos e pesquisas realizados.

 

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Introdução “O introvertido arquiteto de pensamentos reside atrás da lua que os extrovertidos técnicos confiscaram” (ADORNO, 1996, p. 15).

Este artigo tem como propósito discutir o conceito de indústria cultural cunhado pelos frankfurtianos, em especial Adorno e Horkheimer em seu famoso livro “Dialética do Esclarecimento” (1985). Nossa intenção não é descrever o conceito tal como ali presente, mas compreendê-lo de maneira crítica como esfera de constelação de idéias e momentos expressivos da filosofia social crítica. O conceito de indústria cultural foi criado com base em diversas influências, como as de Benjamin e Marcuse. As leituras destes colegas sobre o fenômeno da massificação da cultura, nos idos dos anos de 1930 foram preciosas para Adorno, em especial. As releituras de seus conceitos sobre a cultura e civilização, feitas por Marcuse, e a realizada por Benjamin sobre a aura das obras de arte também foram forte influência para Adorno nas releituras que este mesmo fez sobre o conceito original de indústria cultural. A obra Teoria da Estética, escrita por Adorno também contém diversos elementos relativos ao conceito original da indústria cultural. A compreensão aprofundada das raízes deste conceito, bem como suas reformulações feitas ao longo dos anos por Adorno é fundamental para o uso deste referencial como base argumentativa em pesquisas nas diversas áreas do conhecimento. Na área de administração e especificamente no campo dos Estudos Organizacionais ele tem sido muito utilizado para a compreensão de fenômenos que vão desde a cultura de consumo, a mercantilização dos meios culturais e até mesmo na área de ensino, em que se discute a educação como um fenômeno da indústria cultural. Procuraremos apresentar neste artigo os elementos principais que constituem o conceito de indústria cultural, revelando seus antecedentes e pensamentos influentes, bem como descrevendo as saídas críticas apresentadas por Adorno ao domínio da indústria cultural, através da Estética como elemento de experiência formativa. Para desenvolvermos este trabalho, introduziremos um breve histórico da Teoria Crítica, seguido de uma seção sobre o conceito de indústria cultural, onde revelaremos sua multiplicidade de significados, influências e dilemas vivenciados por Adorno e outros integrantes da Escola de Frankfurt no que se referia ao fenômeno da massificação dos bens culturais. Breve Histórico da Teoria Crítica Em 1924, surgiu o Instituto de Pesquisa Social (Institut fuer Sozialforschung - IPS), criado por um grupo de intelectuais neomarxistas. O objetivo destes pesquisadores era reforçar, no âmbito das universidades, o marxismo como teoria social. Esta tarefa não era simples, pois eles se encontravam em um momento histórico de apropriações e revisionismos da teoria marxiana no cenário acadêmico e no movimento operário alemão (VILELA, 2006). A ciência só pode ser algo mais do que simples duplicação da Realidade no pensamento se estiver impregnada de espírito crítico. Explicar a realidade significa sempre romper o círculo da duplicação. Crítica não significa, neste caso, subjetivismo, mas confronto da coisa com seu próprio conceito. O dado só se

 

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  oferece a uma visão que o considere sob o aspecto de um verdadeiro interesse, seja de uma sociedade livre, de um Estado justo ou do desenvolvimento da humanidade. E quem não compara as coisas humanas com o que elas querem significar, vê-as não só de uma forma superficial, mas definitivamente falsa (HORKHEIMER e ADORNO, [1956] 1978a, p. 21. grifo nosso).

O IPS foi fundado por Felix Weil filho de um rico comerciante de trigo. A proposta inicial era de denominar o IPS de “Instituto para o Marxismo”, mas esse nome foi considerado por demais ideológico pelo Ministério da Educação Social-Democrata, gestor da Universidade de Frankfurt. Kurt A. Gerlach, foi o primeiro diretor do Instituto, mas sua gestão foi curta, já que ele morreu subitamente aos 36 anos de idade. Ele foi substituído por Karl Grünberg, conhecido como “marxista de cátedra”, afastando-se do cargo em 1928, por motivos de saúde. A diretoria passou a ser interinamente ocupada por Friedrich Pollock. Este momento foi muito conturbado, pois Felix Weil queria para o cargo um intelectual de esquerda, com forte tradição na pesquisa de cunho marxista. O Ministério, no entanto, pressionava por um nome mais neutro. Após algumas disputas, entram em acordo com a nomeação de Max Horkheimer, que preenchia os requisitos teóricos e não possuía envolvimento político/partidário comprometedor (DUARTE, 2003). O IPS já nasce com um propósito de desenvolvimento de pesquisas empíricas. No discurso de posse de Horkheimer, em 1931, já fica clara esta orientação “fortalecida por uma concepção de filosofia social que postulava superar a crise do próprio marxismo e ampliar as bases epistemológicas, para orientar a prática de uma ciência social empírica, dimensão que vai permanecer presente e sustentar os trabalhos de grande parte do grupo de cientistas do IPS” (VILELA, 2006, p. 2). O significado do termo crítica, portanto, supera uma delimitação teórica, indicando uma verdadeira declaração de princípios (SOARES, 2002). O esclarecimento se torna o projeto epistemológico destes teóricos para quem a crítica significa compromisso em dizer como as coisas podem ser construídas da melhor forma (SCHWEPPENHÄUSER apud VILELA, 2005). O projeto da Teoria Crítica buscava libertar o homem da menoridade e acompanhá-lo na realização do projeto Kantiano da lei da liberdade: “a Teoria Crítica almeja o esclarecimento do homem sobre a sua condição de agente histórico da produção de suas condições de vida e das relações sociais às quais está submetido, a fim de criar as condições capazes de mobilizá-lo para uma ação transformadora” (VILELA, 2006, p. 4). A Teoria Tradicional, de fundamentação positivista, pretensamente neutra, fornecia uma análise descontextualizada e com pretensão de universalidade, reproduzindo uma imagem fetichista do mundo, tal como ele era numa categoria de aparentemente dado (das ist). por isso ela tratava de justificar o mundo e reproduzí-lo (VILELA, 2006). A Teoria Crítica, em oposição a essa, fundava uma ciência contextualizada, não neutra, engajada na transformação do mundo, buscando apreender a sociedade e suas instituições na totalidade da vida social concreta, desvendando as relações e acontecimentos sociais na dialética das relações sociais historicamente determinadas. “Na Teoria Crítica não existe lugar para uma crítica sem consequências” (VILELA, 2006, p. 18). Na passagem abaixo, fica clara a determinação de valores na Teoria Crítica, conforme proposta por Horkheimer e Adorno:

 

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  uma verdadeira teoria da sociedade tem a responsabilidade de medir, incansavelmente, a sua própria concepção teórica em função da efetividade dessas relações. (...) uma teoria da sociedade em que a transformação não seja apenas uma frase domingueira deve integrar a fatualidade, em toda a sua força de resistência, sob pena de continuar sendo apenas um sonho impotente, cuja impotência só beneficia, uma vez mais, o poder do que está estabelecido. A afinidade da investigação social empírica com a práxis, cujos momentos negativos certamente não são subestimados, fecha uma relação potencial com a realidade, à medida em que se rompeu o círculo da automistificação, para uma ação precisa e eficaz. Finalmente, os seus procedimentos encontrarão legitimação numa unidade de teoria e práxis, capaz de evitar tanto a divagação na liberdade sem freios do pensamento como na vinculação a um ativismo científico de vistas curtas. A especialização técnica não pode ser superada com reivindicações humanistas abstratas e desvinculadas da realidade, dadas, por assim dizer, como suplementos aglutinadores. O caminho do verdadeiro humanismo passa por problemas técnicos e especializados, desenvolvese na medida em que consegue entender o seu sentido na totalidade social e tirar proveito das suas conseqüências (HORKHEIMER e ADORNO, [1956] 1978b, p. 125. grifo nosso).

Os Frankfurtianos precisavam opor-se a uma nova forma de se fazer pesquisa social crítica emergente à época, oriunda das leituras partidárias do marxismo e dos limites de ação política dos intelectuais de esquerda nos anos de 1920. A escolha feita foi pela “possibilidade de uma ação política na condução de um projeto de crítica social que conduzisse uma investigação teórica do próprio marxismo para ampliar os seus horizontes e criar as condições que pudessem interferir nos rumos da política nacional, abrindo novas perspectivas para o futuro” (VILELA, 2006, p. 12). Para Horheimer (1990; 2002) trata-se de encorajar uma teoria da sociedade em sua totalidade, que seja precisamente crítica e dialética de forma a fazer emergir as contradições da sociedade capitalista. Cabe à Teoria Crítica, como sugere Adorno (1986; 1993), investir contra as imagens deformadas da realidade que desenvolvem a função de servir ao poder, não dando voz à realidade desordenada do capitalismo. O Conceito de Indústria Cultural As discussões acerca da função da cultura e da obra de arte no capitalismo são anteriores ao conceito de indústria cultural. Os próprios frankfurtianos Benjamin e Marcuse já haviam escrito sobre o tema, como podemos perceber nos escritos “A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica” (BENJAMIN, 1985), e “Sobre O Caráter Afirmativo da Cultura” (MARCUSE, 1997), cujas tônicas são uma forte crítica à dimensão da arte entendida em um sentido convencionalii (DUARTE, 2003). O sentido convencional refere-se à concepção de produção da obra de arte como esfera cultural dissociada da produção cultural derivada da nascente indústria de cultura. Benjamin (1985) e Marcuse (1997) defendem, através de teses diferentes, que os meios tecnológicos oriundos da nascente indústria do cinema poderiam ser utilizados de maneira crítica para o desenvolvimento de consciências esclarecidas, através do acesso da massa às obras de arte. Esta concepção sobre as obras de arte rendeu aos autores o título de progressistasiii. Essa visão sobre a massificação da cultura, no entanto, não era uma unanimidade, principalmente se considerarmos os estudos realizados nos idos dos anos de 1920-30. Nesta época, podemos afirmar que havia pelo menos duas visões diferentes sobre o tema.

 

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Uma visão, representada por Benjamin (1985) e Kracauer (apud RÜDIGER, 2004), via na massificação da cultura uma atitude democrática e uma possibilidade de maior esclarecimento das pessoas. Essa corrente era denominada progressista já que “os intelectuais progressistas tendiam a saudar a nova cultura, especialmente o potencial democrático que supunham contido em sua base tecnológica” (RÜDIGER, 2004, p. 73). Outra visão era a dos conservadores, entre eles Adorno e Horkheimer (1985), que qualificavam a massificação da cultura como uma “concepção bárbara” que geraria dependência da arte às técnicas industriais. Na visão de Rüdiger, “foram os reacionários que viram o que os outros subestimaram – o surgimento de um novo homem primitivo” (RÜDIGER, 2004, p. 73). Esse debate aprofunda à medida que o capitalismo se desenvolve. O desenvolvimento tecnológico revelava cada vez mais o significado reservado às obras de arte na esfera pública. Foi ficando cada vez mais claro para os teóricos críticos que a promessa de universalização da cultura – contida na massificação dos meios culturais - não passou de uma forma sofisticada de opressão: “os valores do bom, verdadeiro, justo e belo são válidos universalmente e realizáveis no ‘interior de cada sujeito’, sem que esteja implícito o compromisso de transformar a realidade” (SILVA, 2005, p. 31). Colocada desta maneira, a cultura passa a ser utilizada como uma forma eficiente de dominação, agravando as desigualdades sociais: “uma vez alçada ao poder e diante da reivindicação de liberdade, igualdade e fraternidade concretas, a burguesia responde com a cultura afirmativa: liberdade abstrata, igualdade abstrata e fraternidade abstrata. Todas as realizações da cultura evocam esses valores abstratos” (SILVA, 2005, p. 31. grifo nosso). A visão progressista da massificação da cultura, porém, foi reelaborada por seus integrantes, após vivenciarem o sentido que ela tomou com o desenvolvimento das técnicas de comunicação de massa (cinema, rádio e TV): A massificação cultural cumpre assim um papel de não elevar a consciência da massa, ao contrário, das mais diversas e ardilosas formas, fragmentar a subjetividade humana para nela introjetar uma objetividade ideológica que retroalimente a própria estrutura dominante (FABIANO, 1998, p. 161).

Os adeptos da corrente progressista perceberam que a promessa democrática contida no acesso da população às obras de arte não significou esclarecimento, ao contrário, possibilitou a instauração de uma forma de barbárie que exclui os indivíduos do gozo da obra de arte. Eles ficam impossibilitados de experimentá-las, tornando-se meros observadores, impermeáveis à linguagem revolucionária que ela contém: a indústria cultural anula o potencial crítico da cultura ao realizar ilusoriamente aquele ideal de liberdade e felicidade por meio de sua mercantilização. A cultura, reduzida a simples valor de troca, deixa de prestar-se à reflexão crítica sobre as condições de existência em que vivem os homens para servir aos propósitos de perpetuação do status quo por meio da acomodação e do conformismo (WEBER, 1998, p. 146).

Destarte, as esperanças contidas na “A Obra de Arte” são tomadas por Benjamin em “O Narrador” (1996) como efetivação da incapacidade dos sujeitos de terem experiência do mundo (DUARTE, 2003). Neste texto, Benjamin começa com a constatação da dissociação entre a vida concreta e as “leis da liberdade” (HERMAS, 2009 – sobre Kant):  

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cada vez mais frequentemente alastram-se dificuldades numa roda de pessoas, quando o desejo por uma história torna-se patente. É como se uma faculdade, que nos parecia inalienável – a mais assegurada entre as seguras – tivesse sido tomada de nós. Uma causa desse fenômeno é imediatamente visível: a experiência caiu fora de curso (BENJAMIN, 1996, p. 98).

A gravidade da deseducação dos indivíduos de narrarem suas próprias experiências no mundo indica para a fragmentação da vida em sociedade e, portanto, da incompreensão dos significados políticos e sociais das ações dos homens no plano macro econômico. Narrar sua própria história indica a capacidade do sujeito de “fazer a mediação espacial e temporal de sua experiência que não só é dele, mas, por assim, dizer, do gênero humano, através de sua narrativa” (DUARTE, 2003, p. 29). Outra análise crítica sobre o fenômeno da massificação da cultura, que foi extremamente caro para Adorno e Horkheimer terem condições de elaborar conceito de Indústria Cultural, foi a realizada por Marcuse (1997) sobre o caráter afirmativo da cultura, nas duas interpretações que ele faz sobre o fenômeno. Em um primeiro momento, Marcuse (1997) empreende uma análise extensa sobre o papel que a obra de arte ocupa na sociedade capitalista. Utilizando-se das noções de civilização - compreendida como o mundo material, o mundo do trabalho - e de cultura - mundo espiritual, o mundo do belo, da moral e da ética, ele analisa que o discurso burguês sobre valores universais não passou de uma grande falácia, pois não cumpriu o que prometeu, qual seja, a integração entre estas duas dimensões através da democratização das obras de arte e da quebra da desigualdade social. O que não havia sido claramente explicitado no projeto burguês é que o mundo da cultura se transformaria em uma categoria abstrata, descolada de qualquer vínculo com o social/histórico. Esta supressão dos vínculos concretos das obras de arte com a práxis humana transformou-as em elementos alienantes das consciências. A separação entre o útil e o necessário do belo e da fruição constitui o início de um desenvolvimento que, por um lado, abre a perspectiva para o materialismo da práxis burguesa e, por outro lado, para o enquadramento da felicidade e do espírito num plano à parte da “cultura” (MARCUSE, 1997, p.90).

A arte tornou-se um momento de sublimação das opressões e dificuldades da vida material, porém despida de qualquer caráter crítico, que promovesse em seus observadores a reflexão sobre suas próprias condições de vida em sociedade. A arte, neste sentido, carrega em si a abstração dos valores universais, como a ética, a moral e o belo. Ela se tornou acessível a todos somente como uma promessa de uma vida melhor no futuro, uma promessa de felicidade que há de se concretizar em algum momento a-histórico. A cultura passa a ter um caráter afirmativo devido a sua positividade, sua unidimensionalidade adquirida na ordem burguesaiv. Marcuse (1997, p. 95) conceitua o caráter afirmativo da cultura como: (...) pertencente à época burguesa que no curso de seu próprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar o mundo espiritual anímico, nos termos de uma esfera de valores autônoma, em relação à civilização. Seu traço definitivo é a afirmação de um mundo de valores, universalmente obrigatórios, incondicionalmente confirmados, eternamente melhor, que é essencialmente diferente do mundo de fato da luta diária pela existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si, ‘a partir de seu interior’.

 

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Este conceito foi reformulado por Marcuse (1997) anos após sua fuga para os Estados Unidos, devido à ascensão do nazismo na Alemanha. O autor reflete sobre o papel que as obras de arte passaram a ter na sociedade mercantilizada e compreende que, apesar de ser um instrumento sistematicamente utilizado para o embotamento das consciências críticas, as obras de arte guardam em si um potencial revolucionário, já que, diferentemente da ciência e da política, a arte seria a única que ainda guardaria “uma linguagem contestatória e revolucionária nos tempos de hoje” (MARCUSE, 1997, p. 95). A arte agiria como o elemento que promoveria uma nova percepção de mundo. Mesmo em sua dimensão técnica, a arte poderia proporcionar o desenvolvimento da razão. Essas dimensões conteriam um potencial revolucionário caso fossem usados em benefício de uma mudança radical da ordem hegemônica. (...) a arte por si nunca poderia cumprir essa transformação, podendo, entretanto, liberar a percepção e a sensibilidade necessitadas para a transformação. E, uma vez a mudança social houvesse ocorrido, a arte, forma da imaginação, poderia guiar a construção da nova sociedade. E à medida que os valores estéticos são valores não agressivos por excelência, a arte como tecnologia e como técnica também viria a implicar a emergência de uma nova racionalidade na construção de uma sociedade livre, isto é, a emergência de novos mundos e novas metas do próprio progresso técnico” (ibidem, p. 251).

Esta nova significação feita por Marcuse sobre o caráter afirmativo da cultura não foi totalmente incorporada por Adorno e Horkheimer na conceituação da Indústria Cultural. Adorno, principalmente, temia que esta relativização do conceito significasse a banalização da crítica e sua submissão à realidade factual. Por isso, eles preferiram manter a posição radical presente no conceito original da indústria cultural. Além das influências recebidas pelas discussões realizadas pelos colegas Benjamin e Marcuse sobre a massificação da cultura, o termo indústria cultural também é oriundo de diversos estudos anteriores sobre a música, realizados pelo próprio Adorno. Em “Fetichismo da Música e a Regressão da Audição” (1983), por exemplo, já vemos as críticas sobre a diminuição da capacidade das pessoas de experienciarem uma obra de arte. Neste sentido, a regressão da audição significa: O comportamento perceptivo, através do qual são preparados o esquecimento e o súbito reconhecimento, é o da desconcentração. (...) se igualam desesperadamente e não permitem uma audição concentrada, sem se tornar insuportáveis aos ouvintes, então esses não são de modo algum mais capazes de ouvir concentradamente. Eles não conseguem aturar a tensão de uma atenção dirigida e se entregam resignados àquilo que chega até eles e daquilo que eles se agradam apenas se eles não ouvem muito exatamente (ADORNO, 1983, p.179).

Essa incapacidade crescente dos indivíduos de desenvolverem experiências formativas pode ser explicada através do esquematismo Kantianov, a partir da relação a objetos. Este conceito nos ajuda a compreender “em que medida uma instância exterior ao sujeito, industrialmente organizada no sentido de proporcionar rentabilidade ao capital investido, usurpa dele a capacidade de interpretar os dados fornecidos pelos sentidos segundo padrões que originariamente lhe eram incertos” (DUARTE, 2003, p. 54). O esquematismo kantiano – Esquematismo dos Conceitos Puros do Entendimento – refere-se à parte da doutrina transcendental da faculdade de julgar, que trata das condições sensíveis sob as quais as categorias – ou conceitos puros do entendimento – podem se referir a objetos  

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externos. Somente através deste é que os indivíduos conseguem desenvolver a “Faculdade de Julgar” (capacidade intelectual de subsumir casos específicos sob regras gerais). Essa capacidade é fundamental para a experiência formativa, pois é ela que distingue aquele que apenas conhece as regras daquele que sabe aplicá-las corretamente, sendo que “sua insuficiência coincide com uma forma de estupidez” (DUARTE, 2003, p. 53). Com o “ouvido treinado”, o indivíduo é capaz de sentir-se feliz, pois está adequado ao sistema; ao que se espera dele. Essa previsibilidade gera para o indivíduo uma espécie de serenidade, pois usurpa dele a responsabilidade de interpretar as coisas, de ter que estar atento à sua vida concreta: “a Indústria Cultural executa o esquematismo como primeiro serviço a seus clientes (...). Para os consumidores nada há mais para classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção”(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 145. Grifo nosso). Isso é chamado de “reprodução simples do espírito” em que há uma espécie de catarse da necessidade de transcendência do indivíduo, sem que isso signifique esforço e comprometimento “sem que ocorra qualquer amadurecimento, qualquer crescimento espiritual” (DUARTE, 2003, p. 56). o resultado do cuidado com que se procura cativar o consumidor, poupando-lhe o desgaste psíquico, é o surgimento de uma série de esquemas, através dos quais as mercadorias estruturam e mediatizam a subjetividade do homem contemporâneo (RÜDIGER, 2004, p. 191).

Deturpados pela Indústria Cultural, os esquemas vêm a constituir uma espécie de estrutura articuladora do fetichismo de mercadoria, com um poder guardado dentro de si que é de satisfazer integralmente todas as nossas necessidades (RÜDIGER, 2004). Abaixo veremos alguns dos esquematismos preparados pela indústria cultural, apresentados aos consumidores, dirigindo-lhes sobre a forma como devem interpretar os fenômenos culturais da sociedade e destruindo o potencial de experiência formativa: 1. Padronização: fórmulas e estruturas formais, variáveis conforme a época, em que se baseiam os conteúdos singulares das mercadorias; 2. Pseudo-individuação: as mercadorias precisam ser padronizadas, mas, ao mesmo tempo, diferentes entre elas, para serem vendidas no mercado; 3. Glamourização: o esquema faz eco às práticas de promoção que constituem o próprio núcleo da indústria cultural e remete aos expedientes que procuram dar relevância às mercadorias; 4. Hibridização: os conteúdos estéticos dos bens culturais da indústria cultural não só tendem a mesclar diversos gêneros como costumam ser distribuídos de maneira mais ou menos fungível, vindo a formar uma espécie de coletânea, que os faz desfilar diante de nós como se estivéssemos em um show de variedades; 5. Esportização: as mercadorias são esquematizadas formalmente de modo que duas partes pareçam ser ou fazer parte de um evento esportivo; 6. Aproximação: o consumo das mercadorias estimula o surgimento da sensação esquemática e ilusória de que, por meio delas, se pode não apenas acessar de forma imediata, mas apoderar-se da maneira que se desejar da essência dos fenômenos sociais; 7. Personalização: os esquemas tratam os aspectos objetivos dos conteúdos como se não passassem de problemas humanos e individuais; 8. Estereotipagem: as mercadorias são construídas através de procedimentos simplificadores que articulam o significado e reduzem a complexidade contida no material sujeito à atividade artística e intelectual (RÜDIGER, 2004, p. 195-196).

 

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Neste contexto, a indústria cultural transmuta a cultura - produto substancialmente social - em esfera de dominação econômica. Ela deixa de ser uma expressão espontânea da vida humana, transformando-se em um processo de pseudo-individualização que compensa os limites de consciência com “a mistificação constante das atitudes sociais que possam se traduzir em lastros de emancipação” (FABIANO, 1998, p. 161). A aparente liberdade que temos no sistema da indústria cultural foi paga ao preço do envolvimento dos indivíduos e sociedade em relações cada vez mais reificadas com sua vida concreta, que “mudaram o próprio sentido original desta liberdade” (RÜDIGER, 2004, p. 55). Muito mais problemático que ser apenas uma forma de exploração econômica, a indústria cultural impõe a adaptação dos indivíduos a uma estrutura ideológica de liberdade e lazer, atacando não somente a esfera do trabalho, mas também a espiritual, “conservando o status quo espiritual” (ADORNO apud RÜDIGER, 2004, p. 163). Esse quadro só é possível devido à tendência totalitária da sociedade, que não permite manifestações culturais individuais que fujam da diretriz de conduta estabelecida pela indústria cultural (DUARTE, 2003). Os bens culturais produzidos sob a égide da indústria cultural são neutralizados e petrificados e promovem o desenvolvimento de consciências danificadas, preocupadas com os valores de consumo imediato (PUCCI, 1998). A questão que nos fica é: como a sociedade capitalista consegue a adaptação ao coletivo (a imitação) no lugar da percepção e ação autônomas dos indivíduos? “O resultado é a perda da consciência individual que é substituída pela massificação” (VILELA, 2006, p. 25). É curioso percebermos, no entanto, que o inconsciente social até sabe dos ocultamentos da origem de muitos fatos, no entanto ele já é tão desestimulado que pouco lhe importa tomar consciência (FABIANO, 1998). A semicultura, ícone da indústria cultural, tornou-se o espírito objetivo. Na fase da dominação, ela “vocaciona os charlatães provincianos da política e, com eles, como ultima ratio, o impinge à maioria dos administrados, domados pela grande indústria e pela indústria cultural” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 223). Apesar de ser um conceito criado na época do desenvolvimento da indústria cinematográfica nos EUA, a indústria cultural ainda continua presente em nossa sociedade. Duarte (2003) nos apresenta uma série de parâmetros que demonstram a atualidade deste conceito. São eles: (1) econômico; (2) ideológico – apresentado em seus aspectos objetivos e subjetivos; e (3) estético. Em relação ao parâmetro econômico, tem-se a relação estreita dos setores de ponta do capitalismo com os elementos da cultura. O ideológico é mais complexo, em virtude da posição-chave assumida pela indústria cultural na manutenção do status quo nas sociedades capitalistas. Este aspecto pode ser subdividido em duas esferas: a primeira é a objetiva, referindo-se à produção do “esquematismo exterior”, que se apresenta como uma chave para interpretação da realidade social, através do consumo dos bens culturais. A segunda é a subjetiva, representada pelas respostas das pessoas– ainda que transformadas em insetosvi – aos avassaladores estímulos emitidos pela indústria cultural. O último parâmetro é o estético que refere-se ao enorme esforço empreendido no sentido de apresentar as novidades da mercadoria cultural com relação às formas convencionais da cultura imitadora e adaptadora (DUARTE, 2003). Entrementes, por mais totalitária que seja a tendência da indústria cultural, ela não se apresenta sem contradições e fendas (FABIANO, 1998). A indústria cultural revela sua natureza contraditória, quando submetida ao crivo da análise crítica. Afirma Horkheimer:

 

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  Atualmente [os seres humanos] se tornaram mais capazes e ainda mais incapazes de se libertarem. Subsiste não apenas a possibilidade de uma libertação, mas também a criação de novas formas de opressão no futuro (HORKHEIMER apud RÜDIGER, 2004, p. 45).

Encontramos também citação de Adorno sobre a natureza contraditória da indústria cultural: Dentro do presente estado de coisas, hoje ou amanhã podem surgir situações que, provavelmente, venham a ser catastróficas, mas também podem restaurar a possibilidade de uma ação prática hoje obstruída (ADORNO apud WIGGERSHAUS, 2002, p. 566).

A lógica da indústria cultural não é totalitária. Os “indivíduos resistem a ser patrolados e consumidos de todo pelas rotinas da vida burocrática e do sistema empresarial, incluindo abrir mão da liberdade de consciência conquistada no curso da era moderna” (RÜDIGER, 2004, p. 61). Esta visão é corroborada pelo próprio Adorno, que chegou a afirmar – muito próximo à concepção de estética de Marcuse - que o consumo de bens culturais pode representar uma forma pela qual as pessoas buscam preservar seus impulsos internos e percepção sensível. Seu significado simbólico indica “uma espécie de conciliação entre o corpo impotente e a engrenagem, entre o átomo humano e a violência coletiva’ (ADORNO apud RÜDIGER, 2004, p. 62). Bloch (apud Rüdiger, 2004) é outro autor que vem em defesa do resgate da ação voluntária dos indivíduos da esfera da indústria cultural. O contexto social que origina esta forma de uso da cultura não reduz toda a cultura em ideologia, na medida em que “sua ressonância entre as camadas dominadas pressupõe que haja nelas algum ideal universal e emancipatório” (BLOCH apud Rüdiger, 2004). O próprio ato de consumir bens culturais já indica a busca dos indivíduos pela realização da promessa de emancipação, do belo e do justo: A crítica cultural que se contenta em demonstrar o conteúdo ideológico da produção cultural passa por alto um ponto essencial; isto é, o fato de que ela não pode ser separada de certos conteúdos ideais que escapam à reificação e, assim, projetam-se utopicamente em direção ao futuro (BLOCH apud Rüdiger, 2004).

Segundo o autor, não é correto restringirmo-nos ao relato histórico e sociológico das raízes materiais dos bens culturais. É necessário que seja feita uma crítica para além dos fatos; uma crítica que busque desvendar o potencial transcendente em relação à situação social e histórica: No ofício da crítica, convém, pois, não se esquecer de pesquisar as potencialidades transcendentes e possibilidades não-realizadas presentes nos bens simbólicos, porque nelas que se acham as energias necessárias para buscar a boa sociedade. Em virtude de não se adequarem totalmente à realidade vivida, as representações artísticas e literárias de todos os níveis contêm, além do caráter ideológico, um sentido radical utópico (BLOCH apud RÜDIGER, 2004, p. 89. grifo nosso).

A este pensamento positivo sobre a tecnificação da cultura, Adorno responde que o “potencial contido na imagem não nos deve cegar para o modo como essa imagem funciona na atualidade” (ADORNO apud RÜDIGER, 2004, p. 97). Ele está ciente das possibilidades utópicas e emancipatórias inerentes às forças tecnológicas do capitalismo avançado e que estas mesmas potencialidades são capazes de desmantelar os monopólios da cultura e a própria idéia de classe ociosa (RÜDIGER, 2004). Diz Adorno:  

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por um lado, precisamos abandonar a arrogância típica de quem entende a música séria e crê que se pode ignorar totalmente a única música consumida pela vasta maioria da população. O kitsch deve ser defendido e jogado contra todo o tipo de música medíocre que se quer elevada, contra os ideais apodrecidos da cultura, da personalidade, etc. Por outro lado, porém, precisamos evitar cair na tendência atualmente muito em moda (...) de simplesmente glorificar o kitsch e considerá-lo a verdadeira arte de nossa época, apenas porque desfruta de popularidade (ADORNO apud RÜDIGER, 2004, p. 99).

O “culto ao mimeógrafo” como Adorno costumava dizer sobre aqueles que apregoavam o tradicionalismo no campo cultural, não é a saída para a indústria cultural. Ao contrário, este comportamento a reforça, pois a torna onipotente: Posso me considerar tudo menos um derrotista (...) renunciar à mídia, para se dedicar a escrever em folhas soltas, não é senão aferrar-se a aderir a um conservadorismo cultural que, em última instância, apenas beneficia a indústria cultural (Conversa com Hans Magnus Enzernsberger, apud RÜDIGER, 2004).

O risco da intervenção capitalista na estética é que a obra de arte pode perder sua “aura”, que a torna única e distante da realidade (FREITAG, 1986). Por outro lado, sabemos que a lógica do capital não solapa todas as consciências e que em seu próprio movimento há o gérmen da revolução. Rüdiger (2004, p. 44), ao analisar a obra de Adorno, vê possibilidade de mudança na indústria cultural ao afirmar que “As contradições sociais permeiam o modo de produção, expressando-se no corpo dos bens simbólicos, e, talvez por isso, nenhum deles possa ser totalmente blindado a um uso produtivo”. A possibilidade de resistência à indústria cultural encontra reforço na afirmação de Adorno (1993, p. 48) “na sociedade industrial de troca nem tudo que pertence à sociedade pode ser imediatamente deduzido de seu princípio. Ela encerra inúmeros enclaves não capitalistas”. Adorno e Horkheimer (1985) parecem admitir a dupla função da cultura, a de representar e consolidar a ordem existente e ao mesmo tempo criticá-la, denunciá-la como imperfeita e contraditória. Contudo, o teor da crítica desses autores reside no processo de popularização da produção artística. No contexto da indústria cultural, a arte tem função de ocupar o horário de lazer do trabalhador, sem dar-lhe tempo de refletir sobre sua realidade imediata. Ao misturar os planos da realidade material e as formas de representação, a cultura traria a falsa impressão de que a felicidade está concretizada no presente, anulando mecanismos de reflexão e crítica. Para Adorno e Horkheimer (1985), portanto, a obra de arte só conserva seu conteúdo revolucionário quando resguarda seu valor intrínseco estético, simbolizando a promessa de felicidade. Quando a mesma se torna mercadoria, tal valor é perdido e a arte passa a ser simples instrumento de alienação e controle das massas. Não há diferença entre a arte leve e a arte séria no contexto da indústria cultural. Ambas podem estar comprometidas com a lógica de mercado, independente do que a gerou. Uma produção independente, portanto, pode ser elemento da indústria cultural, se buscar gozar do “prestígio” proveniente do fetiche da mercadoria, assim como uma arte patrocinada pelo capital privado pode manter-se autônoma, ao não se reificar, mantendo vital sua condição de atividade sensível do homem enquanto coletividade. Benjamin (apud Adorno e Horkheimer 1985, p. 102) expressou isso com maestria ao afirma que “toda cultura, elevada ou não, contém um momento de barbárie”.

 

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Uma atitude propriamente crítica seria a persistência da análise negativa sobre os efeitos da indústria cultural, mas também o reconhecimento dos potenciais emancipatórios, provenientes das contradições do próprio sistema capitalista. Para Adorno, a teoria estética apresenta-se como superação à indústria cultural e o resgate do esclarecimento e experiência formativa na esfera da cultura. Pela sua própria constituição, a perspectiva estética proporciona a educação dos sentidos e da sensibilidade, ampliando o universo perceptivo das pessoas. A mediação feita pela obra de arte com o real não leva ao imediatismo e nem à unidimensionalidade. Essa mediação nos guia para a construção de uma relação de entre sujeitos na constituição dos significados sociais da vida humana. Não há relação de consumismo nas obras de arte, quando realmente apreendidas em sua esfera esclarecedora. A fruição estética resulta em uma experiência que libera os sentidos para aguçar a percepção da realidade. “No contexto da indústria cultural esse processo é corrompido e, contrariamente à liberação dos sentidos, uma espécie de estética caduca é imposta à sensibilidade do indivíduo numa perspectiva identificatória e catártica” (FABIANO, 1998, p. 168). Fabiano (1998, p. 169) reforça que o discurso estético é capaz de direcionar as pessoas a momentos de autoreflexão sobre si mesmas, sobre o mundo e sobre seu ser no mundo, possibilitando a construção da alteridade. Essa conquista é fruto dos aspectos da não linearidade presentes nas obras de arte que “desarticulam o estado confirmativo que liga a consciência ingênua aos vasos comunicantes ideológicos, inaugurando assim uma atitude negativa da apreensão pragmática e utilitarista da realidade”. Uma das razões pela qual a arte é rejeitada pela maioria das pessoas, em oposição à rápida aceitação dos produtos culturais de massa, deve-se à exigência feita pelas obras de arte de um comprometimento intelectual e sensível de seus espectadores. Os bens culturais de massa não exigem isso. Eles são imediatos; frugais. Eles se apresentam como aquilo que já se espera deles, para as “retinas acostumadas a registrar aquilo que nunca ameaça passividades mentais” (FABIANO, 1998, p. 169). O discurso estético, entrementes, é composto de elementos alegóricosvii que “flagram ângulos ocultados da realidade e assim ampliam a capacidade reflexiva; a sua força de ação é sempre rejeitada e substituída por equivalentes estereotipados” (FABIANO, 1998, p. 169). É exatamente esta exigência que possibilita ao sujeito ser sujeito e é neste trânsito – na fruição estética – que é possível resgatar a dimensão da coletividade, rompendo com a lógica do individualismo que toma o outro como objeto de consumo. A obra de arte nos apresenta uma nova realidade à espera de um descortinamento, de um significado, de um sujeito que possa interpretá-la e dar a ela sentido. A realidade da obra de arte possui certa autonomia, pois aponta para algo para além de si mesma: A realidade está na obra, mas uma realidade transfigurada pela reflexão; um mundo refeito enquanto mimese que não é pura cópia, mas interação de subjetividade na apreensão do objeto. (...) Se a dimensão estética contém em si esta tensão com a realidade porque a nega por princípio, enquanto forma de representação, por sua vez, a confirma em outros planos como conhecimento dessa mesma realidade. A atitude crítica é, portanto, aquela capaz de penetrar nos fundamentos desta tensão, traduzindo a tensão entre realidade e representação para extrair do material estético o material histórico. (...) A dimensão estética não é, portanto, criação artística como refúgio de determinantes da realidade ou um esquivar-se da práxis política. Muito pelo contrário, a síntese que uma obra de arte consegue carrega em si as antinomias

 

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  daquilo que é afirmativo no social ‘como práxis brutal da sobrevivência’, no dizer de Adorno (FABIANO, 1998, p. 175).

É por isso que Adorno aponta a saída estética como recuperação da experiência formativa e da capacidade de superação da indústria cultural. A arte é emancipatória, através de sua capacidade de possibilitar aos indivíduos um distanciamento da práxis material para refletir e nela intervir mais conscientemente. Considerações Finais Buscamos neste artigo recuperar o conceito de indústria cultural em suas diversas constituições, influências e significados dados pelos frankfurtianos, em especial Theodor Adorno. Este filósofo inovou ao manter uma postura conservadora sobre a massificação dos bens culturais em uma era em que a tônica adotada por seus colegas era da aceitação utópica e muitas vezes ingênua do potencial de industrialização da cultura. Anos após os primeiros escritos sobre o tema, Benjamin e Marcuse se vêem na obrigação de atualizar suas leituras sobre este fenômeno, adotando uma postura muito mais pessimista sobre ele, aproximando-se à leitura inicial feita por Adorno e Horkheimer. Adorno, no entanto, também reelaborou o conceito de indústria cultural algumas vezes, considerando os novos contextos econômicos e sociais em que a massificação da cultura ocorria. Ele também não se permitiu cair no ostracismo, renegando as formas tecnológicas da cultura, bem como os meios de divulgação de massa presentes à época. Ao contrário, Adorno foi um filósofo que fez diversos programas na televisão, além de programas de entrevista em rádio, que chegavam a durar até 4 horas. Obviamente, os conteúdos de suas intervenções não eram desprovidos de riqueza crítica. Discutir de maneira mais aprofundada o conceito de indústria cultural, demonstrando que o mesmo não é monolítico e nem uma camisa de forças, recontextualiza a obra de Adorno e oferece ao campo de Estudos Organizacionais uma oportunidade de discussão mais densa sobre o aporte teórico deste frankfurtiano. A compreensão da complexidade do conceito de indústria cultural e a análise da proposta de emancipação presente na estética, tal como apresentado por Adorno, enriquece a área da administração e imprime mais acuidade nos conceitos e pesquisas. Esperamos ter contribuído para o desenvolvimento de um corpus teórico robusto referente à Teoria Crítica, evidenciando sua importância para a área de Estudos Organizacionais. Este empreendimento aqui realizado não se deu sem falhas. O conceito de indústria cultural vai muito além do que aqui foi possível apresentar, porém pensamos que ele pode servir como contribuição à área e ao desenvolvimento de estudos mais aprofundados em elementos específicos da construção deste conceito, como aqui apresentado.

Referências ADORNO, Theodor. O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição. In: BENJAMIN, W.; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W.; HABERMAS, J. Textos Escolhidos. São Paulo, Abril Cultural, 1983. ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. BENJAMIN, Walter. A Obra De Arte Na Era De Sua Reprodutibilidade Técnica. In: Magia E Técnica, Arte E Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.  

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O sentido convencional da arte refere-se ao distanciamento do campo artístico do econômico. A produção artística convencional era uma expressão estética dos artistas. Suas obras não eram produtos da fabricação do sistema econômico capitalista. Adorno discorreu longamente sobre esta questão da arte convencional em contraposição à arte patrocinada pelo que futuramente denominou de indústria cultural. ii O sentido convencional da arte refere-se ao distanciamento do campo artístico do econômico. A produção artística convencional era uma expressão estética dos artistas. Suas obras não eram produtos da fabricação do sistema econômico capitalista. Adorno discorreu longamente sobre esta questão da arte convencional em contraposição à arte patrocinada pelo que futuramente denominou de indústria cultural. iii A visão progressista refere-se às teorias culturais que vislumbravam o potencial crítico das tecnologias aplicadas às indústrias de cultura dos anos 1920-30. A massificação das obras de arte era vista de uma perspectiva positiva pelos teóricos que compunham este grupo. iv Marcuse recupera este conceito em “One-dimensional Man: studies in the ideology of advanced industrial society”(Boston: Beacon, 1964), em que argumenta que a sociedade industrial avançada cria necessidades falsas que integram o indivíduo ao sistema de produção e de consumo. v “Os esquemas dos conceitos puros do entendimento são as únicas e verdadeiras condições de proporcionar a esses uma relação a objetos e, com isso, significado” (DUARTE, 2003, p. 54). vi Adorno denomina estes indivíduos de jitterbugs: “o caráter de padronização da música de massa é tão evidente que requer um certo engajamento psicológico do seu consumidor no sentido de se deixar enganar. É nessa

 

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                                                                                                                                                                                             ambivalência entre a passividade da condição de objeto da indústria fonográfica e a atividade de quem, no fundo, gostaria de ser respeitado – de não ser reduzido a mero inseto – se prestando, por outro lado, exatamente aos maiores desrespeitos, que o entusiasmo dos jitterbugs às vezes se transforma em destrutiva fúria, canalizada não apenas a quem critica seus ídolos, mas por vezes a esses próprios” (DUARTE, 2003, p. 37). vii

Alos, outro; agorien, falar, em grego. Alegoria significa, portanto, dizer o outro; que fala de outra coisa que não de si mesma; que cada elemento que a constitui que dizer outra coisa que não o seu sentido primeiro. Podese pensar o quanto esse processo se constitui dialeticamente da apreensão do real para além da sua convencionalidade. Este possível contra-discurso que carrega em si o outro para além de si mesmo, para interpretá-lo enquanto uma realidade exegética (FABIANO, 1998, p. 170).

 

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