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NOVEMBRO / 2011 EmergênciaEmergência 2323 Reportagem de Melissa Becker / Cartola - Agência de Conteúdo C rojão lançado por um dos espectadores deu iní...

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ESPECIAL / PLANO DE ABANDONO

ABANDONO SEGURO Sem

legislação única, plano de escape depende de análises e treinamentos para garantir segurança na saída de uma situação de emergência

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erca de 3.000 jovens assistiam ao show da banda de rock Callejeros na noite de 30 de dezembro de 2004, em Buenos Aires. Em meio à festa, um rojão lançado por um dos espectadores deu início a um incêndio no teto da boate Republica Cromañón – e a uma das principais tragédias da capital argentina dos últimos anos, que resultou em 194 mortes e 1.432 feridos. Quesitos fundamentais de segurança não foram observados – entre eles, o que poderia ser a alternativa para salvar vidas também era inexistente. A saída de emergência estava trancada a cadeado, e vítimas ficaram amontoadas contra a porta. Corpos foram pisoteados. No meio da confusão, sobreviventes retornavam à boate para socorrer outros. O pânico em uma catástrofe aumenta danos e perdas, e a maneira de deixar um local de risco de forma segura é o objetivo principal de um Plano de Abandono bem elaborado, treinado e executado. É neste planejamento que são traçadas as estratégias para a remoção eficaz, rápida e sem atropelos de todo o público da edificação para um ponto seguro. No entanto, o desenho adequado destes procedimentos, muitas vezes, é dificultado pela falta de uma legislação federal que o especifique. LEGISLAÇÃO NBRs (Normas Brasileiras), da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), relacionadas ao tema fazem referência ao Plano de Abandono, que consta como requisito mínimo de um Plano de Emergência na NBR 15219/2005 – Plano de Emergência contra Incêndio – Requisitos (confira no quadro Onde buscar orientações), mas elas funcionam como recomendação técnica, não compulsória. “Não existe uma lei federal que defina como fazer o abandono propriamente dito. Algumas citam algo relacionado ao Plano de Emergência. A norma regulamentadora 23, que trata da proteção contra incêndio, cita a questão do abandono de forma superficial. Ela que, teoricamente, deveria dar mais informações, não dá. A vantagem da NBR é que ali se reúne uma série de pessoas da sociedade. É uma norma mais democrática e, com isso, se consegue uma visão

geral da sociedade”, observa Walter Blassioli Junior, secretário da Comissão de Planos e Equipes de Emergência Contra Incêndio do CB 24 (Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio) da ABNT. No entanto, para que sejam usadas como instrumento legal, a NBRs devem estar citadas em um decreto, portaria ou legislação específica. Uma legislação que deve ser cumprida plenamente ao se elaborar um Plano de Abandono é a do Corpo de Bombeiros local, mas somente ela é insuficiente para ter uma área como segura, analisa Rogério Crotti, engenheiro de Segurança do Trabalho e consultor em proteção contra incêndios. Alguns estados, por meio de leis e decretos estaduais, sob fiscalização de seus corpos de bombeiros, cobram estes Planos, mas o técnico de Segurança e Emergência e especialista em Gestão de Emergência e Desastres, Marco Aurélio Rocha, observa que em muitos estados da federação não há uma padronização das legislações estaduais sobre o que deve constar e como deve ser feito o Plano de Abandono. “Um estado tem instruções técnicas, outros códigos e resoluções. Não há um padrão clássico de emergência. Fica a cargo de cada estado, então, torna-se confuso”, opina Rocha. No entanto, Crotti destaca que a legislação do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo – a primeira e a mais ampla no país, com a maior parte de suas ITs (Instruções Técnicas) remetendo para NBRs – serve de base para outros estados. “Muitos dos outros estados da federação acabaram assumindo estas 44 ITs dentro de seu corpo técnico, mas de outra forma. Aproveitaram o texto e mudaram o nome. O conteúdo é praticamente o mesmo, e muitas copiam exatamente o que está nas NBRs. Se trabalhar com NBR, fundamentalmente, você está cobrindo tudo. Mas existem estados que não fizeram isto ainda, como o Rio Grande do Sul”, observa. O Estado do Rio de Janeiro conta com seu Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico (COSCIP), Decreto nº 897, de 21 de setembro de 1976. Posteriormente, o Decreto nº 35.671, de 9 de junho de 2004, instituiu que as edificações de maior risco de incêndio, mesmo aquelas construídas anterior ao COSCIP, devem ter diversos aparatos de proteção contra incêndio, além de Brigada de Incêndio, lembra Rocha. No entanto, ele observa que a legislação gaúcha é menos detalhada do que o Código fluminense, por exemplo – no Rio Grande do Sul, não há instruções técnicas, mas a lei estadual nº 10.987 de 11/08/1997 que atribuiu ao Corpo de Bombeiros Militar a competência para aproReportagem de Melissa Becker / Cartola - Agência de Conteúdo

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ESPECIAL / PLANO DE ABANDONO

ONDE BUSCAR ORIENTAÇÕES Diferentes normas e instruções técnicas citam pontos relacionados ao Plano de Abandono. Saiba onde buscar suas referências: ABNT NBR 15219/2005 – Plano de Emergência Contra Incêndio – Requisitos NBR 9077/2001 – Saídas de Emergência em Edifícios NBR 13434/2004 – Sinalização de Segurança Contra Incêndio e Pânico NBR 10898/1999 – Sistema de Iluminação de Emergência Site: http://www.abnt.org.br/

NR 23 A Norma Regulamentadora 23, de Proteção Contra Incêndios, do Ministério do Trabalho e Emprego, é ligada à CLT e define que todos os empregadores devem adotar medidas de prevenção de incêndio para todos os funcionários de acordo com a legislação estadual e as normas técnicas aplicáveis. Site: http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm

Legislação estadual Procedimentos de prevenção a incêndio devem sempre seguir a legislação de cada estado. Há unidades federativas em que o Corpo de Bombeiros elaborou Its (Instruções Técnicas). No Estado de São Paulo, estas são as instruções relacionadas ao Plano de Abandono: Instrução Técnica Nº 11 – Saídas de emergência Instrução Técnica Nº 12 – Centros esportivos e de exibição – requisitos de segurança contra incêndio Instrução Técnica Nº 15 – Controle de fumaça Instrução Técnica Nº 16 – Plano de emergência contra incêndio Instrução Técnica Nº 17 – Brigada de incêndio Instrução Técnica Nº 18 – Iluminação de emergência Site (São Paulo): http://www.corpodebombeiros.sp.gov.br

National Fire Protection Association (NFPA) A entidade americana tem, segundo especialistas, orientações mais detalhadas que podem sugerir medidas a serem adotadas em Planos de Abandono no Brasil. Site: http://www.nfpa.org Fontes: Rogério Crotti, Walter Blassioli Junior e cap. Humberto Shigueo Shirotori

var os Planos de Prevenção contra Incêndio. Nesta avaliação, de acordo com Rocha, serão analisadas as rotas de fuga, saídas e iluminação de emergência, alarmes de incêndio e outras condicionantes previstas pelas normas da ABNT, sem citar as normas de Planos de Emergência que conste abandono de área. “Acho que deve ser mais especificado. As ITs de SP vêm bem a calhar. São ITs do Corpo de Bombeiros, que dizem como fazer e por que fazer”, opina Rocha. DIFERENÇAS Ao mesmo tempo em que ITs estaduais mais específicas restringem conflitos de interpretações das normas, a existência de diferentes fontes para definição do Plano de Abandono dificulta o trabalho de quem procura parâmetros para adotar esta medida de forma eficiente. “Uma empresa com filiais em vários estados pode ter que cumprir legislações diferentes ou gerar um procedimento próprio que atenda a todas. Estes ajustes acarretam maior estudo por parte dos órgãos corporativos das empresas, bem 24 Emergência

como readequações constantes, um custo desnecessário se a legislação fosse única. O maior problema do conflito normativo entre as NBRs e as ITs é o avanço tecnológico. Vamos supor que tenhamos uma NBR que seja de ponta, com a melhor tecnologia possível, e uma

legislação tecnologicamente desatualizada. Neste caso, teremos que atender à legislação e talvez dispensar a melhor tecnologia, o que passa a ser um retrocesso”, ressalta Crotti. Sem um passo-a-passo definido por lei federal, resta fazer um compilado de orientações para se garantir a segurança. Ao mesmo tempo, chegar ao Plano de Abandono ideal não segue uma fórmula matemática. Cada aspecto do procedimento depende dos riscos que o empreendimento apresenta – em geral, já levantados pelo Plano de Emergência. Por isso, a indicação é que seja feito por alguém com competência técnica. Especialistas apontam ainda outra questão que complica a ação do Plano de Abandono: a falta de treinamento. Algumas empresas não levam o plano do papel para a prática para testá-lo com frequência, mas são os exercícios e simulados que melhor preparam os funcionários para agir corretamente em uma situação crítica e preservar vidas. “Treinamento é condicionamento. O exercício repetido várias vezes leva a menor probabilidade do pânico. Se não existe capacitação para vencer o medo, vai acontecer uma desgraça. Todos saem correndo para o mesmo local, no chamado efeito de convergência, o ‘estouro da boiada’, porque não tem treinamento. Mas se existe capacitação, verifica-se onde está o sinistro e vai para outro lugar. Isso é o Plano”, afirma Carlos Henrique dos Santos, coordenador geral de Brigada da empresa Sprink.

Estrutura traçada Um bom Plano de Abandono leva em consideração vários determinantes como os riscos e as rotas Uma torre de escritórios e uma indústria petroquímica oferecem desafios diferentes para um escape. Dados como processos desenvolvidos, produtos manipulados, riscos ambientais, distâncias de segurança, autoridades que devem ser envolvidas e responsabilidades durante a emergência e abandono dos locais, entre outros, são questões que precisam ser consideradas. “Deve haver uma previsão em cima dos problemas da empresa, não só de incêndio. Se há vazamento de cloro, um material extrema-

mente tóxico, preciso tirar a população do local, às vezes, até de empresas e áreas vizinhas, e, ao mesmo tempo, a equipe de emergência deve entrar em operação. Não é apenas um ‘sai correndo’”, alerta Rogério Crotti engenheiro de Segurança do Trabalho e consultor em proteção contra incêndios. O principal na elaboração do Plano de Abandono está em direcionar a população fixa e flutuante para as saídas de emergência, alerta o tenente-coronel Flávio José Bianchini, do Corpo de BomNOVEMBRO / 2011

ROTAS As rotas de fuga e as saídas de emergência devem ser bem sinalizadas, desobstruídas e com iluminação de emergência, ressalta o tenente-coronel Flávio José Bianchini. Para garantir que elas assegurem a vida das pessoas até um ponto afastado do perigo, as recomendações da ABNT que devem ser seguidas, conforme Crotti, são a NBR 9077/2001 – Saídas de emergência em edifícios, a NBR 13434/2004 – Sinalização de segurança contra incêndio e pânico e a NBR 10898/1999 – Sistema de iluminação de emergência. Nestas normas, se definem especificações da estrutura física, como saídas, corredores e escadas, com cálculos para chegar a dimensões e quantidades proporcionais ao número de pessoas, entre outras. Mas só essas adequações não bastam. Segundo especialistas, o importante é o plano como um todo, pois levará em conta observações como a velocidade e o tempo que a equipe leva para NOVEMBRO / 2011

ARQUIVO PESSOAL

beiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo e presidente da Instrução Técnica nº11 (Saídas de Emergências). “A população máxima permitida e, em especial, seu controle são fatores fundamentais para determinar a largura e número exato de saídas de emergência”, complementa. Assim como o perfil da população que trabalha no local – quantidade de funcionários, turno em que trabalham e até faixa etária –, a presença de pessoas de fora influencia. Há indústrias em que visitantes têm acompanhamento em tempo integral, enquanto outras exibem um vídeo sobre o que fazer em caso de emergência cada vez que se começa uma visita, segundo Walter Blassioli Junior, secretário da Comissão de Planos e Equipes de Emergência contra Incêndio do CB 24. Já consumidores de um shopping center ou hóspedes de um hotel precisam receber orientações dos empregados durante o abandono e isto deve estar previsto desde o início. Em alguns casos, a equipe de brigadistas não tem número suficiente para fazer a retirada adequada de todos os colegas. Por isto, Blassioli ressalta que deve estar claro aos funcionários o que fazer ao ouvir o alarme: se esperam pela equipe de emergência ou se, calmamente, devem ir ao ponto de encontro definido.

percorrer estas rotas, um não são considerados. “Se caminho alternativo para há um vazamento de amôpermitir a saída do pessonia no fundo da fábrica e al quando a rota de fuga um vento predominante definida estiver sinistrada, de lá para o ponto de enos pontos de encontro e contro na portaria, o vento como chegar a eles com vai trazer o produto para segurança. cima deste pessoal. Está Os trajetos não devem encaminhando todos para apenas conduzir até o lado a morte, dependendo da de fora do prédio, mas a concentração”. um local de encontro toConforme o tamanho da talmente seguro, onde a Blassioli: visitantes unidade, mais de um ponpopulação deve aguardar a próxima ori- to de encontro será adequado. Empreentação. Parece simples, mas no lugar sas que tenham um controle de pessoal onde as pessoas finalmente respiram ali- fazem lista de chamada para verificar se viadas, aspectos nem sempre previstos, todos chegaram ao local combinado. Ana prática, podem causar vítimas – des- lém disso, é importante a equipe de ede uma parede próxima que ameace de- mergência estar atenta para a evacuação sabar até a direção do vento, o que, de deste lugar, caso o sinistro aumente e coacordo com Rogério Crotti, geralmente loque as pessoas em risco.

Treinar, treinar e treinar Prática constante leva ao condicionamento e ao controle em uma situação crítica A cadeira mexeu um pouco, e a advogada Marjori Roselli ficou com uma leve sensação de vertigem. “Será que estou com tontura?”, pensou. Enquanto alguns não perceberam nada, outros colegas do 11º andar confirmaram ter notado o tremor na unidade da Allianz Seguros na Rua Conselheiro Crispiniano, no centro de São Paulo. Era um terremoto com epicento no Chile, que chegou a 7,7 graus na escala Richter e atingiu diferentes bairros da capital paulista, em novembro de 2007. A advogada lembra que, com orientação dos brigadistas, os funcionários desceram pela escada de emergência e se dirigiram para o ponto de encontro, sem saberem o que estava acontecendo. “O treinamento ajuda muito nestas horas. Não tinha fumaça, não tinha fogo, nem todo mundo sentiu o tremor, mas já fazíamos o simulado há alguns anos. Saímos de forma ordenada, e a brigada fez cumprir as regras”, conta Marjori. Após vistoria do Corpo de Bombeiros, o prédio foi liberado, sem danos. A unidade – que conta com 450 colaboradores, dos quais 50 são brigadistas – adota treinamento e atualizações anuais. “O Plano de Abandono faz parte

da cultura da empresa. Não existe restrição: tudo o que pode ser implementado, tentamos fazer. Faço pesquisas para trazer algo novo a cada ano. Se mostrarmos sempre o mesmo, ninguém mais vai querer participar”, observa Enivan Nogueira, técnico de Segurança do Trabalho e Patrimônio da Allianz Seguros. Duas rotas de fuga direcionam para dois pontos de encontro distintos. Além do alarme, mapas e sinalização de emergência atualizada orientam o caminho para saída em situações de perigo. Segundo Nogueira, o treinamento não serve apenas para condicionar os empregados, mas também para testar o funcionamento da administração de risco e pânico. FREQUÊNCIA A NBR 15219 recomenda exercícios simulados de abandono, com a participação de toda a população, a cada seis meses para parciais (uma opção a ser colocada em prática quando o sinistro é mais localizado) e 12 meses para completos em locais de risco baixo ou médio. Para o risco alto, o período máximo é de três meses para simulados parciais e seis meses para completos. No mínimo uma vez por ano deve ser Emergência

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ESPECIAL / PLANO DE ABANDONO Tabela 1 Número de ações voltadas à prevenção de sinistros pelos Corpos de Bombeiros Militares no Brasil (2007) Ações voltadas à prevenção de sinistros Prevenção a incêndio urbano Prevenção de afogamento Outras ações de prevenção Prevenção de acidentes domésticos Prevenção em festas e eventos Prevenção de segurança comunitária Atividades em escolas Prevenção à vulnerabilidade social Prevenção a incêndio florestal Prevenção de acidentes de tráfego Prevenção de desabamento Prevenção de inclusão social Operações simuladas de salvamento, busca e resgate Prevenção em ações simuladas em escolas e edificações Total de ações

Nº Absoluto 44.808 25.602 15.175 11.124 6.118 5.692 2.816 1.185 989 902 552 410 324 259 115.956

(%) 38,64 22,08 13,09 9,59 5,28% 4,91% 2,43% 1,02% 0,85% 0,78% 0,48% 0,35% 0,28% 0,22% 100%

Fonte: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Departamento de Pesquisa. Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/ Pesquisa Perfil Organizacional dos Corpos de Bombeiros Militares 2005/2007.

recomendado um simulado com o máximo de cenários possíveis – como pessoas feridas, incêndio e vazamento de produto químico –, sempre se atendo ao Plano. “É comum observarmos que alguns exercícios simulados de combate ou de abandono de área não seguem as recomendações dos Planos de Emergência, sendo que a formação, treinamento

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e atualização dos grupos de resposta, muitas vezes, não são elaborados considerando as hipóteses acidentais e procedimentos contidos nos planos de resposta à emergência”, observa Marco Aurélio Rocha, técnico de Segurança e Emergência e especialista em Gestão de Emergência e Desastres, que sugere ainda a evacuação sem comunicado pré-

vio de que é um simulado, para avaliar sua eficácia e o tempo de resposta, levando em conta fatores psicológicos e subjetivos do inesperado, mas atentando para redobrar as atenções objetivando evitar possíveis acidentes pelo pânico. DIFICULDADES Mesmo considerando cenários catastróficos, a conscientização das pessoas é uma das maiores dificuldades enfrentadas em um Plano de Abandono para os especialistas, mais até do que características estruturais (como altura ou antiguidade da edificação). A importância dada ao treinamento se inicia nos altos escalões – se a administração da empresa não está interessada ou não quer parar a linha de produção para a execução de um simulado, a preocupação com a medida não se difunde entre os funcionários. É com chefias que estimulem a adesão que empregados se envolvem e participam melhor dos treinamentos. Carlos Henrique dos Santos, coordenador geral de Brigada da Sprink nota ainda que empresas de estados onde uma fiscalização mais rigorosa ocorre – como São Paulo e o Distrito Federal – são mais preocupadas.

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Prédios mistos também representam um desafio. “Em um edifício com várias empresas condôminas, a administração quer fazer, mas não acontece. Os condôminos não aderem. Às vezes, a gente precisa dar treinamento para 500, 400 pessoas, e vão 50”, descreve o coordenador de Brigada da Sprink, que atende mais de cem clientes pelo país. Apesar de sua importância, ações simuladas em escolas e em edificações ocupam o último lugar entre os trabalhos especificados de prevenção feitos pelos Corpos de Bombeiros no Brasil. Em 2007, dado mais recente, correspondeu apenas a 0,22%, ou 259 ações em todo o país naquele ano (ver Tabela 1). Para o tenente-coronel Flávio José Bianchini, do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo e presidente da Instrução Técnica nº 11 (Saídas de Emergências), a maior dificuldade que poderá ocorrer na realização de um Plano de Abandono diz respeito à adequação nas edificações existentes, pois há um layout definido e limitações quanto às rotas de fuga. Por isso, o Plano de Abandono deve ser elaborado e realizado por pessoas que tenham ou que venham a ter um amplo conhe-

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cimento da edificação. Uma arquitetura antiga, sem rotas de fuga, larguras de escadas e saídas adequadas, exige um treinamento maior de seus ocupantes, inclusive com intervalos menores para simulados, para que fiquem mais condicionados a um escape seguro conforme as condições do local. No entanto, Santos alerta que mesmo edificações recentes, muitas vezes, não contam com rotas de fuga projetadas dentro das normas da ABNT, o que dificulta o treinamento e o planejamento. Outra situação recorrente é o Plano de Abandono engavetado – feito apenas para cumprir uma formalidade e sem aplicação prática. “Isso é comum. Só em-

presas com muita bagagem, longa existência, que já enfrentaram problemas em vários lugares, têm uma preocupação maior com a segurança. Em geral, são corporações grandes, industriais e multinacionais. Elas sabem que compensa investir em segurança. As outras, a gente tem que continuar com o trabalho de convencimento, para que elas invistam em segurança. Melhorou bastante nos últimos anos, mas ainda temos, principalmente, em serviços e comércio, deficiências”, observa Humberto Shigueo Shirotori, capitão do Corpo de Bombeiros de São Paulo e coordenador da Comissão de Planos e Equipes de Emergência Contra incêndio do CB 24.

A missão de cada um Dependendo da estrutura, diferentes funções podem

garantir uma saída organizada para um local seguro Em empresas com quadro funcional reduzido ou em turnos com equipe pequena, todos podem ser treinados para saber agir em todas as ações necessárias em um Plano de Emergência. Em uma

estrutura maior, definir funções previamente é o ideal, de acordo com os especialistas. Dividir o grupo entre os que farão o combate ao incêndio e os que cuidarão da retirada dos colegas evita

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ESPECIAL / PLANO DE ABANDONO vistoria do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo. A distância do batalhão mais próximo e seu tempo de resposta a um chamado é outro fator a ser analisado em um Plano. Shirotori defende que o órgão conte até com uma cópia do Plano de Emergência de empresas com maior risco, pois permite organizar melhor o atendimento e fará diferença na hora da busca.

erros de atuação. As denominações variam, assim como as necessidades da empresa. Em uma evacuação, existem algumas funções usuais para se manter a organização, como o líder do abandono, o abre-fila (que vai na frente, para conduzir o grupo sem atropelos pela escada de incêndio) e o cerra-fila (para garantir que ninguém fique para trás). Às vezes, a única coisa a ser feita por alguém é nada mais além de seguir as ordens para deixar o local com segurança. “Em prédios, que são cada vez mais altos, se não houver uma organização, vira uma babilônia dentro da escada de incêndio”, comenta Walter Blassioli Junior, secretário da Comissão de Planos e Equipes de Emergência Contra Incêndio do CB 24. Equipamentos especiais ajudam na remoção de portadores de necessidades especiais e de grávidas por integrantes da equipe destacados para isso, como o elevador de emergência – normalizado na NBR 9077, mas sem aplicação difundida no país, segundo o consultor Rogério Crotti – ou a cadeira de rodas para descida de escadas nestas situações.

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Alto risco, alto envolvimento Em Angra dos Reis, simulado geral de central nuclear

exigiu megaoperação em dois dias de exercícios

Um fictício acidente simultâneo nas duas usinas nucleares envolveu cerca de duas mil pessoas por 30 horas em Angra dos Reis, Rio de janeiro, nos dias 31 de agosto e 1º de setembro deste ano. Pela primeira vez, o Exercício Geral do Plano de Emergência Externo da CNAAA (Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto) foi realizado em dois dias, uma megaoperação que reuniu entidades civis e militares, além de moradores da região. Embora seja muito baixa a probabilidade de ocorrer um acidente que leve a uma liberação de material radioativo

nas usinas de Angra, um acidente deste terá um impacto significativo na região, o que exige um planejamento de resposta muito abrangente e detalhado, explica Paulo Roberto Werneck de Carvalho, coordenador do Plano de Emergência Local da Eletronuclear. O Plano abrange a central nuclear, a vila residencial de Praia Brava e a localidade de Piraquara de Fora, e é combinado com o Plano de Emergência Externo, que cuida da população, coordenado pelo Departamento Geral de Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro. “O plano de evacuação é o último elo desta cadeia

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BOMBEIROS Outra importante figura em um abandono é quem irá repassar dados sobre a ocorrência e a retirada das pessoas para o Corpo de Bombeiros – e antes mesmo de o socorro chegar ao local. Capitão do Corpo de Bombeiros de São Paulo e coordenador da Comissão de Planos e Equipes de Emergência contra Incêndios do CB 24, Humberto Shigueo Shirotori, ressalta que ter o número de contato desta pessoa faz diferença para determinar que uma viatura com equipamento mais especializado também vá. A troca de informações colabora para a busca no local e, para ele, esta relação entre o órgão e a empresa deve começar antes, na elaboração das ações. “Não tem como fazer um plano correto, bem feito, sem a interação dos serviços especializados de atendimento à emergência. É necessário que a empresa entre em contato com o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar, o policiamento ostensivo, o serviço de ambulâncias local, pois todos vão interagir na emergência”, opina. Segundo ele, esta participação implica que os detalhes do abandono já foram vistos antes da fiscalização, que ocorre quando existe a renovação do auto de

DIVULGAÇÃO Comunicação é fundamental em um Plano. Por isso, rotas de fuga e pontos de encontro devem estar bem sinaliza-

dos na edificação, e a empresa deve buscar a melhor metodologia para explicar o procedimento à população fixa: palestras, vídeos ou reuniões, conforme tamanho, condições e estrutura. “Alguns lugares distribuem um resumo sobre caminhos de saída e ramal de emergência, além de colocar isto impresso nos locais de circulação – mais ou menos, como em um avião. Além da aeromoça, há explicações no bolsão na frente da poltrona, de tal maneira que as pessoas conheçam e entendam bem. Nos simulados, elas se habituam em seguir rotas de fuga para chegar até o ponto de encontro”, sugere Blassioli.

CENTRAL NUCLEAR

Uma escala define que alguns atuem na emergência e outros sigam para os pontos de reunião a partir de onde os ônibus farão o transporte numa emergência NOVEMBRO / 2011

ALBERTO JACOB FILHO

tenha recebido treinaORIENTAÇÃO mento para a escolta. No Para orientar a fuga de final de cada ano, 60 mil dentro da usina, a empresa calendários são distribuíconta com totens espalhados para a comunidade dos com instruções, sinacom instruções do Plano lização para os quatro ponde Emergência e, atualtos de reunião e sistema de mente, alunos do 9º ano som com dois sinais – um da rede municipal têm de alerta e um de evacuação, que servem ainda coparticipado de visitas às mo canal de voz. Da cenusinas por meio de suas tral nuclear, há três saídas escolas. até a rota principal, a ro- Werneck: série de treinamentos Por enquanto, nunca dovia Rio-Santos. Existe uma escala das ocorreu uma situação em que o Plano pessoas que vão atuar na emergência, de Emergência, incluindo o abandono, enquanto os demais só devem ir para fosse posto em prática. A empresa seos pontos de reunião, a partir de onde gue recomendações da Agência Interos ônibus farão o transporte. Visitantes nacional de Energia Atômica, órgão da ficam permanentemente sob responsa- ONU, e diretrizes da CNEN (Comisbilidade de um funcionário da usina que são Nacional de Energia Nuclear).

Crianças conscientes Exercícios práticos nas escolas dos EUA estimulam valorização de procedimentos de segurança A figura de um simpático cão dálmata vestido de bombeiro leva crianças americanas a aprenderem desde como se comportar em uma situação de emergência até como socorrer alguém. O personagem Sparky, da NFPA (National Fire Protection Association), completa 60 anos em 2011, acompanhando gerações treinadas em todas as escolas do país para agirem em diferentes tipos de acidentes e desastres, inclusive na hora do abandono. De acordo com o coronel Marco Antonio Secco, engenheiro na área de Proteção e Combate a Incêndio – que acompanhou simulações de evacuação em escolas nos Estados Unidos – a ação da NFPA é ampla. Em geral, no país, exercícios para abandono ocorrem até quatro vezes ao ano. A mobilização nas instituições de ensino chega a ser mais fre-

PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES DADAS ÀS CRIANÇAS NOS EUA QUANTO AO PLANO DE ABANDONO E SUAS PRÁTICAS - Ter o conhecimento do local em que está - Ficar calmo - Manter uma organização - Buscar pelas indicações de saída que levam para fora do local - Ligar para o 911 e cumprir as instruções do atendente Fonte: Cel. Marco Antonio Secco, engenheiro na área de Proteção e Combate a Incêndio

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REPRODUÇÃO/NFPA

que a gente chama de defesa em profundidade. Só que não se espera chegar no fim para se tomar providência. Já no alerta, os três centros de emergências em Angra, no Rio e em Brasília são ativados preventivamente”, ressalta Werneck. Cerca de 1,4 mil pessoas trabalham na operação e no suporte às usinas. Em todos os anos ímpares, como em 2011, há exercício geral com evacuação de voluntários, bloqueios de rodovias e marítimo e remoção de supostos acidentados por aeronaves das Forças Armadas para o Rio de Janeiro. Nos anos pares, é a vez do simulado parcial. “Cada usina, independente destes simulados, faz cinco exercícios anuais do Plano de Emergência interno. Todo o trabalhador, para ter acesso à central nuclear, faz uma série de treinamentos, inclusive do Plano de Emergência, e eles são treinados anualmente”, aponta Werneck. O simulado mais recente incluiu o risco de liberação de radiação para o ambiente e a decretação de situação de emergência. A retirada dos trabalhadores da central nuclear – inclusive dos operários da construção de Angra 3 – foi testada no primeiro dia do evento. Mais de 100 ônibus transportaram cerca de 4.000 pessoas em menos de uma hora. Além disso, parte dos cerca de 16 mil moradores em um raio de cinco quilômetros em torno das usinas, incluindo habitantes das ilhas, participou voluntariamente do treinamento. Uma campanha nos meios de comunicação anunciou o simulado com antecedência aos quase 170 mil habitantes da cidade. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República é o responsável pela coordenação dos exercícios, sendo o órgão central do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro. A organização das ações coube ao Comitê de Planejamento de Resposta a Situações de Emergência Nuclear em Angra dos Reis (Copren/AR).

quente. “Visitei uma escola em Memphis na qual a diretora fazia o treinamento de evacuação a cada dois meses. Era um meio que ela tinha de cumprir o programa do NFPA”, relata Secco. Sparky Para o momento da fuga, as crianças são treinadas para que elas se organizem e deixem o prédio quando o alarme disparar em uma situação crítica. A professora exerce um papel fundamental no ensino desta ação, que depois é realizada apenas com os alunos, para que saibam exatamente o que fazer. Com material pedagógico variado e treino, se busca criar uma mentalidade em crianças a partir de quatro anos que trará duas principais vantagens numa ocorrência: não ser vítima e salvar a vida de alguém. Os ensinamentos de Sparky não ficam restritos ao ambiente escolar. No site especial do personagem (http:// www.sparky.org), uma das atividades convida o pequeno internauta a criar um Plano de Abandono para sua casa, passando instruções de como elaborálo – desde a observação de duas saídas em cada cômodo à divulgação do plano aos outros moradores da casa. Emergência

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