Apostila de Administração do Capital de Giro

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MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria

Apostila de Administração do Capital de Giro Professor: Murilo Castellano, Msc

I.

Introdução

As principais teorias financeiras, desde a publicação do artigo Portfolio Selection de Harry Markowitz, consideram um mercado ideal líquido por natureza e postulam que o agente econômico pode tomar ou emprestar recursos à taxa livre de risco. Por mais sofisticadas que sejam estas teorias (e são sofisticadas e mereceram as premiações que receberam!) não conseguem explicar na prática, sobretudo com relação à nossa realidade brasileira, como que um Empresário ou Gestor deveriam lidar com a questão dos fundos ou recursos de curto prazo. E sabemos, da prática, que a empresa tem que se preocupar com o seu lado econômico (lucro, patrimônio) e com o seu lado financeiro (suficiência dos fundos de curto prazo para fazer frente às necessidades correntes). E os recursos de curto prazo não forem bem geridos talvez ela não experimente o longo prazo. Neste texto abordamos os recursos de curto prazo bem como a sua interação com a liquidez e a rentabilidade da empresa. Indicamos um método para se administrar a solvência da empresa bem como de suas contas a receber e a pagar.

I.

Ativo Circulante (Capital de Giro) e Capital Circulante Líquido (Capital de Giro Líquido)

Ativo Circulante: Disponibilidades (caixa, bancos, títulos para negociação imediata); Valores a receber no curto prazo (duplicatas, contas e aplicações no curto prazo); estoques (material em geral, embalagens, produtos em fabricação e produtos acabados) e despesas diferidas (valores já pagos mas ainda não apropriados como despesas porque os serviços ainda não foram prestados). Esses itens são facilmente conversíveis em dinheiro e normalmente tem o prazo de até um ano. Entretanto, para algumas empresas com ciclo operacional mais longo do que um ano, o ativo circulante tem a maturidade do ciclo operacional. Exemplo: estaleiro de navios. O disponível é o ponto de partida para todo o fluxo do ativo circulante. Regra geral, é com as disponibilidades que se compram as matérias primas, que manufaturadas se transformam em produto acabado que são estocados para, em seguida, serem vendidos à vista ou prazo. A venda a gera uma disponibilidade imediata e as vendas a prazo serão disponíveis em breve. Este é o ciclo ininterrupto ao qual se dá o nome de GIRO. Tipicamente, a empresa financia-se no seu lado esquerdo do balanço por recursos próprios (patrimônio líquido) ou de terceiros (duplicatas a pagar, fornecedores e empréstimos bancários). Em geral, procura-se tomar recursos de curto prazo para financiar os ativos, também, de curto prazo. Caso contrário, a empresa incorre em riscos de liquidez uma vez que o financiamento de ativos de longo prazo a partir de recursos de curto prazo impõe um descasamento ou gap perigoso para a empresa. Quando não há recursos de curto prazo suficientes para financiar os ativos de longo prazo é preciso sustentar parte do ativo circulante por recursos (próprios ou de terceiros) de longo prazo. Assim, definimos: Capital Circulante Líquido = Capital de Giro Líquido = Ativo Circulante – Passivo Circulante 1

Ou ainda, o Capital Circulante Líquido pode ser definido como sendo o excedente dos recursos permanentes (Exigível a longo prazo + Patrimônio Líquido) sobre os ativos alocados a longo prazo (Ativo Permanente + Realizável a Longo Prazo)

Capital Circulante Líquido = (Patrimônio Líquido + Exigível a Longo Prazo) – (Ativo Permanente + Realizável a Longo Prazo)

Nas figuras 1 e 2 abaixo representamos os balanço de empresas hipotéticas, a primeira tendo um capital circulante líquido positivo e a segundo com capital circulante líquido negativo. No primeiro caso a situação de liquidez é melhor, mais tranqüila pois há uma parte de recursos permanentes financiando o ativo circulante (capital de giro). No segundo, dizemos que a empresa tem uma situação pior no que diz respeito a solvência pois os recursos passivos de curto prazo financiam parte dos ativos permanentes da empresa. Ativo

Passivo

Circulante

Circulante (PC)

(AC)

Real.Longo Prazo (RLP)

Ativo Permanent e (AP)

Exigível Longo Prazo (ELP)

Patrimonio Líquido (PL)

Figura 1: Baixo Risco de Solvência Ativo

Passivo

Circulante

Circulante (PC)

Real.Longo (AC) Prazo (RLP)

Exigível Longo Prazo (ELP)

Ativo Permanent e (AP)

Patrimonio Líquido (PL)

Figura 2: Elevado Risco de Solvência

2

De maneira que o balanço da Figura 1 apresenta Capital Circulante Líquido (ou capital de giro líquido) positivo pois AC > PC e na figura 2, o Capital Circulante Líquido é negativo. II. Ciclo Operacional, Financeiro e econômico Considere a figura 3 abaixo onde apresentamos os intervalos de tempo típicos ocorridos numa indústria. Compra de Matéria Prima

Início da Fabricação

Fim da Fabricação

Venda

Recebimento de venda

|----------------------------|----------------------------|-----------------------------|-----------------------------| PME

PME PMF PMV PMC

PMF

PMV

PMC

 Prazo médio de Estocagem de matérias primas  Prazo médio de fabricação Prazo médio de venda (prazo médio de estocagem de produtos acabados) Prazo médio de cobrança

Figura 3 – Prazos médios dentro do ciclo operacional Os prazos variam de indústria para indústria e irá demandar investimento de recursos, próprios ou de terceiros, em grau mais elevado ou não e isto irá configurar a necessidade de capital de giro de uma empresa e, também, a necessidade média de um determinado setor econômico. O ciclo operacional, portanto, vai desde o momento da aquisição da matéria prima até o recebimento das vendas. Tipicamente, a maior parte das empresas tem um ciclo operacional com prazo menor do que um ano de maneira que, dentro de um ano, o ciclo repete-se várias vezes. Entretanto, algumas empresas, como construtoras e empresas que exercem atividade agrícola demandam mais do que um ano para completar o seu ciclo operacional.

Figura 4 – Valor do Capital de Giro acumulado ao longo do ciclo operacional 3

Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento. Isto varia de empresa para empresa e de setor econômico para setor econômico. Entretanto, há espaço para a gestão produzir economias seja pela diminuição de tempos, pelo barateamento da estocagem, pela substituição de fontes onerosas (como os empréstimos bancários) pela extensão dos prazos de financiamentos de fornecedores, pela diminuição dos estoques de produto acabado, aumentando a produção Just in time. Aliás, estes são exemplos de coisas que pretendemos ver neste curso de Administração do Capital de Giro. A partir do ciclo operacional podemos identificar o ciclo financeiro e o ciclo econômico conforme figura 5 abaixo.

Compra de Matéria Prima

Início da Fabricação

Fim da Fabricação

Venda

Recebimento de venda

|----------------------------|----------------------------|-----------------------------|-----------------------------| PME

PMF

PMV

PMC

PMPF (pgto fornecedor)

Ciclo econômico Ciclo Financeiro Figura 6 – Ciclo Operacional, Econômico e Financeiro Podemos montar as seguintes equações para obtermos os tempos médios de cada ciclo, a partir do ciclo operacional: Ciclo Operacional = PME (MP) + PMF + PMV + PMC (conforme definido na figura 3) Ciclo Financeiro = Ciclo operacional – PMPF (pgto fornec) – PMDD (desconto duplic) Ciclo Econômico = Ciclo Operacional – PMC O investimento em capital de giro acompanha o princípio do conflito histórico entre risco e retorno. Uma empresa que tenha um maior nível de CCL (capital circulante líquido ou capital de giro líquido) terá um menor risco de insolvência, entretanto, isso não se dá gratuitamente, mas à custa de sacrifícios no retorno empresarial. Uma empresa que enfrenta dificuldades em função de lhe ser exigido pelo mercado prazos maiores de financiamento das vendas e prazos menores de financiamento de suas compras terá que aportar mais recursos permanentes (e, na maioria dos casos, próprios) para garantir o funcionamento do negócio. Tal exigência não necessariamente virá acompanhada de maiores retornos. Não exige um nível ótimo (único) para no nível de capital circulante líquido, este dependerá da característica do setor de atuação da empresa e, também, do nível de aversão a risco do empresário. Um aspecto interessante para o equilíbrio financeiro da empresa é perceber o volume de capital de giro (ativo circulante) permanente, ou seja, aquele volume minimamente demandado e que não se altera com os meses ao longo do ano. Este conceito se opõe ao capital de giro sazonal que 4

surge em função de períodos nos quais a empresa é mais demandada, por exemplo no final do ano para aquelas empresas de bebidas e alimentos. Como regra geral a empresa deveria procurar financiar o capital de giro permanente com recursos permanentes (longo prazo) e o capital de giro sazonal com recursos de curto prazo. Isto traria um equilíbrio financeiro. Veja a figura 7, onde apresentamos graficamente a idéia dos dois tipos de capital de giro, permanente e sazonal.

Capital de Giro sazonal

Figura 7 – Evolução do Capital de Giro permanente e total ao longo dos trimestres Note que a distância entre o valor permanente e o valor total é exatamente o capital de giro sazonal que, em tese, deveria ser financiado com recursos de curto prazo, enquanto o valor da linha pontilhada, também em tese, deveria ser financiado por recursos permanentes.

III. Estruturas de financiamento do capital de giro Já dissemos e aqui repetimos que a escolha do nível de capital de giro (capital circulante) que será financiada com recursos de curto prazo ou com recursos permanentes depende do tipo de indústria (setor econômico) e do nível de aversão a risco dos gestores/empresários. Acrescentamos o fato de dependerá também do poder que a empresa tenha em sua cadeia produtiva. Se ela detiver poder de barganha ela poderá, por exemplo, alargar os seus prazos de pagamento das compras e reduzir o prazo de financiamento das vendas, reduzindo o capital de giro. Veja na figura 8 uma estrutura arriscada para o financiamento do capital de giro. Os recursos passivos de longo prazo são menores do que os ativos permanentes (de longo prazo). Logo, é preciso financiar uma parte dos ativos de longo prazo com recursos de curto prazo, situação que configura elevado risco de insolvência. Neste caso o capital circulante líquido é negativo dado que o passivo circulante é maior do que o ativo circulante. Na figura 9 percebese uma situação muito mais tranqüila onde os recursos passivos de longo prazo (permanentes) chegam a financiar, inclusive, uma parte do capital de giro sazonal. Em suma, na figura 9, temos uma situação tal que todo o capital de giro permanente e alguma parte do capital de giro sazonal é financiada por recursos de longo prazo. 5

Ativos circ. + parcela de ativo de longo prazo financiados com passivos de curto prazo

Capital circulante líquido negativo

Figura 8: estrutura arriscada para financiamento do capital de giro

Capital circulante líquido positivo financiando até mesmo capital de giro sazonal.

Figura 9: estrutura de baixo risco para financiamento do capital de giro

6

IV. Indicadores de Liquidez O capital de giro líquido ou capital circulante líquido embora seja um importante indicador do grau de solvência da empresa, no curto prazo, não esgota totalmente o assunto. Mais à frente estudaremos a dinâmica do giro e perceberemos que é preciso mais informação para se avaliar se a empresa está, de fato, otimizando o seu investimento em giro, sobretudo quando comparada com os seus pares no mesmo setor de atuação. Desde já enunciamos que é possível encontrar empresas com volume elevado de CCL mas com dificuldades de caixa e, ao contrário, empresas com volume baixo de CCL mas com aperto de caixa. É só lembrar que algumas contas que compõe o ativo e o passivo circulante tem natureza diferente de disponibilidade. Basta imaginar uma empresa que tem baixo poder de barganha na sua cadeia produtiva e que se vê obrigada a conceder bastante prazo para vender e, ao contrário, não consegue prazo equivalente para as suas compras. A empresa acaba tendo necessidade de muito caixa ou de financiamento bancário para conseguir sobreviver. Isto denota uma situação de aperto de caixa.

Liquidez Im ediata 

Liquidez Seca 

Disponivel Passivo Circulante

Ativo Circulante  Estoques  Despesas Antecipada s Passivo Circulante

Liquidez Corrente 

Ativo Circulante Passivo Circulante

Empresa FOLGADONA S.A.

ATIVO Ativo Circulante

PASSIVO Passivo Circulante

110.000,00

ATIVO Ativo Circulante

Fornecedores

110.000,00

Caixa e Bancos

PL

500.000,00

310.000,00

Caixa e Bancos

200.000,00

Dupl.a Receb.

0,00

Estoques

50.000,00

Alug. Antecip.

60.000,00

Ativo Permanente

EMPRESA APERTADONA S.A.

300.000,00

Total

610.000,00

CCL 1,82

Liquidez Seca

1,82

Liquidez Corrente

2,82

450.000,00

20.000,00

Fornecedores

200.000,00

Dupl.a Receb.

180.000,00

Bancos

250.000,00

Estoques

110.000,00

PL

160.000,00

Ativo Permanente

300.000,00

Total 610.000,00

160.000,00

Liquidez Imediata

PASSIVO Passivo Circulante

Total 610.000,00

CCL Liquidez Imediata Liquidez Seca Liquidez Corrente

Figura 10 – Exemplo de cálculo dos índices de liquidez. 7

310.000,00

140.000,00 0,04 0,44 0,69

Total 610.000,00

V. Análise dinâmica do capital de giro Uma metodologia bastante útil para aprofundarmos a análise da solvência da empresa no curto prazo bem como para avaliarmos com maior precisão o investimento necessário em giro é a análise da necessidade de capital de giro, introduzida no Brasil pelo Professor Michel Fleuriet, através da obra A dinâmica financeira das empresas brasileiras, 1980. Ao calcular os índices de liquidez apresentados nos capítulos anteriores o leitor deve ter percebido a falta de algum outro instrumento que detalhasse mais o problema. No caso das empresas folgadona e apertadona, mostradas na figura 10, fica clara esta necessidade. A metodologia da necessidade de capital de giro separa os ativos em cíclicos (ou operacionais) e financeiros (ou erráticos). Veja na Figura 11 a estrutura básica na qual os elementos do balanço são colocados para efeito de aplicação desta metodologia. Ativo

Financeiro

Passivo

Caixa e Bancos

Empréstimos Bancários

Aplicações Financeiras

Financiamentos

Financeiro

Duplicatas Descontadas Dividendos e IR Circulante

Circulante

Operacional

Permanente

Duplicatas a Receber

Fornecedores

Estoques

Salários e encargos

Adiantamentos e Despesas

Impostos e taxas

de competência exerc. Seguiinte

Adiantamentos de clientes

Realizável a Longo Prazo

Exigível a Longo Prazo

Investimento Fixo

Patrimônio Líquido

Operacional

Permanente

Figura 11 – Classificação de contas utilizada pela metodologia de análise dinâmica do capital de giro O ativo financeiro, de natureza aleatória, não guarda uma relação direta com ciclo operacional da empresa. Varia, sobretudo, em função do nível de aversão a risco dos proprietários ou gestores. De outro lado, o ativo e o passivo circulante operacional ou cíclico mantém relação direta com o ciclo operacional. O prazo concedido aos clientes, o nível de estoque necessário para manter o bom atendimento, o prazo conseguido de fornecedores, tudo isso irá influenciar na determinação do volume mínimo necessário de capital próprio destinado ao giro. O Investimento fixo é representado pelos direitos da empresa no longo prazo, incluindo aqui o ativo permanente. De forma análoga, o passivo financeiro não guarda relação direta com o ciclo operacional. O fato de um fornecedor não conceder mais prazo para pagamento de compras irá repercutir diretamente sobre o passivo operacional ou cíclico mas não sobre o passivo financeiro, a não ser por vias indiretas. O passivo permanente constitui as fontes de financiamentos de longo prazo, que deve corresponder, sobretudo, ao investimento fixo, de forma a permitir o equilíbrio financeiro da empresa. 8

Uma vez já apresentada a classificação das contas, indicamos abaixo a fórmula para cálculo da Necessidade de Investimento em Capital de Giro (NIG). NIG = Ativo Circulante Operacional – Passivo Circulante Operacional De uma maneira geral, quando a atividade operacional produzir mais saídas de caixa do que entrada, ou seja, o dispêndio com compras, estocagem e fabricação, ocorrer antes do recebimento das vendas isto irá produzir uma necessidade de investimento permanente em giro. Note, por exemplo, que a empresa folgadona, indicada na figura 10, não tem uma necessidade de capital de giro pois o seu NIG é nulo: NIG (empresa folgadona) = 110.000 (estoques + desp. Antec.) – 110.000 (fornec.) = 0 Seria até mesmo o caso de se analisar, do ponto de vista do dilema rentabilidade x liquidez, porque o gestor da folgadona mantém tanto dinheiro em caixa e em bancos. De outro lado o NIG da apertadona é positivo evidenciando a necessidade que a mesma tem de manter um capital fixo (próprio ou de terceiro) para financiar o seu giro. NIG (empresa apertadona) = 290.000 (estoques + desp. Antec.) – 200.000 (estoques) = 90 mil. Ora, esta segunda empresa não conseguiu uma fonte natural, não onerosa, para financiar o seu ciclo operacional e, então, precisa manter recursos permanentes, de longo prazo, no valor de $ 90.000,00 para financiar o seu giro. Numa época de elevada inflação ficou famosa no mercado a estratégia de algumas empresas de varejo que vendiam rapidamente as mercadorias, muito antes do prazo que tinham para pagar as suas compras e, em alguns casos, conseguiam vender a preços abaixo do custo porque se davam ao luxo de aplicar os recursos em aplicações financeiras de curto prazo muito rentáveis. De uma maneira geral o investimento em giro tem a ver com o ciclo financeiro da empresa. Aquelas empresas, semelhantes ao caso citado para empresas de varejo, quase não precisavam de investimento em giro pois conseguia prazos maiores para pagamento de suas compras. De outro lado um ciclo financeiro mais longo irá pressionar a necessidade de investimento em giro, fazendo com que a empresa invista recursos permanentes, próprios ou de terceiros, no seu giro. Alterações nas fases operacionais, como aumento dos prazos de cobranças, diminuição do prazo de fornecedores, aumento de estoques implicam em aumento da necessidade de investimento em giro. Claro que, para movimentos contrários das variáveis citadas implicarão em redução da necessidade de investimento em giro.

9

Não é só as alterações no ciclo operacional que modificam a necessidade de investimento em giro. O aumento das vendas, quando acompanhado do aumento de duplicatas a receber (vendas a prazo) e de estoques irá exigir mais investimento no giro. Claro que a empresa pode gerir o negócio no sentido de conseguir aumento de prazo de fornecedores e mesmo aumento de impostos e salários a pagar de maneira a atenuar um pouco essa necessidade. Resumindo, as características do ciclo operacional e do volume de vendas vão definir a necessidade de investimento em giro, valor este que, regra geral, para o bem do equilíbrio financeiro da empresa, deve ser mantido por recursos permanentes. Assim, a empresa que vem aumentando fortemente as suas vendas deve procurar gerar caixa a partir de suas operações (vendas a vista) para financiar esta expansão e, nos casos em que não é possível, deve procurar recursos de longo prazo para garantir o equilíbrio financeiro da empresa. Definimos agora as métricas abaixo que podem ajudar na compreensão e na gestão dos ativos e passivos de curto prazo da empresa: NTFP (Necessidade Total de Financiamento Permanente) = NIG + Investimento Permanente (Realizável a Longo Prazo + Ativos Permanentes) Saldo de Disponível (SD) = Passivo Permanente – NTFP = Ativo Financeiro – Passivo Financeiro O saldo de disponível funciona como uma reserva de liquidez para fazer frente a eventuais expansões da necessidade de investimento operacional em giro, em particular, aquelas de caráter sazonal. Claro que se a necessidade de investimento persistir aí a empresa terá que buscar uma fonte de longo prazo. V.1

Exemplos de estruturas patrimoniais e de necessidade de investimento em giro

Veja na figura 12 duas estruturas distintas de necessidade de giro. A empresa tranqüila ltda à esquerda e a empresa aflita ltda à direita. Vamos calcular os indicadores vistos até aqui para ambas as empresas: Empresa Tranquila LTDA Empresa Aflita LTDA Ativo Circulante Operacional = 60.000 Passivo Circulante Operac. = 40.000 NIG = 20.000 Ativo Permanente = 50.000 NIG = 20.000 NTFP = 70.000 Saldo de Disponível = Ativo Financeiro – Passivo Financeiro = 30.000 – 20.000 = 10.000 Saldo de Disponível = Capital de Giro Líquido – Necessidade de Capital de Giro = (90.000-60.000) – 20.000 = 10.000 Saldo de Disponível = Passivo Permanente – NTFP = 80.000 – 70.000 = 10.000

10

Ativo Circulante Operacional = 35.000 Passivo Circulante Operac. = 30.000 NIG = 5.000 Ativo Permanente = 75.000 NIG = 5.000 NTFP = 80.000 Saldo de Disponível = Ativo Financeiro – Passivo Financeiro = 30.000 – 50.000 = -20.000 Saldo de Disponível = Capital de Giro Líquido – Necessidade de Capital de Giro = (65.000-80.000) – 5.000 = -20.000 Saldo de Disponível = Passivo Permanente – NTFP = 60.000 – 80.000 = -20.000

Empresa Tranquila ltda Passivo

Ativo

Passivo

Financeiro

Financeiro

Financeiro

30.000,00

20.000,00

30.000,00

50.000,00

Circulante

Financeiro

Operacional

Operacional

35.000,00

Operacional

60.000,00

40.000,00

Permanente

Permanente

Permanente

Permanente

50.000,00

80.000,00

75.000,00

60.000,00

30.000,00

Circulante

Operacional Circulante

Circulante

Ativo

Empresa Aflita ltda

Figura 12: duas estruturas patrimoniais básicas, duas exigências distintas de NIG A estrutura patrimonial da empresa Aflita ltda é bem diferente da empresa Tranquila Ltda. A primeira está financiando parte de sua necessidade total de financiamento com recursos de curto prazo. Note que a NTFP da Aflita é de 80.000 enquanto os seus recursos (passivo) permanentes montam a 60.000. Esta é uma situação de risco que indica potenciais problemas de solvência. De outro lado a empresa Tranquila ltda tem uma NTFP de 70 para um passivo permanente (recurso fixo) de 80.000. É de fato uma situação bastante tranqüila pois o recurso permanente consegue financiar o ativo permanente, o investimento necessário em giro (NIG de 20.000) e ainda sobram 10.000 na forma de disponível ou saldo de tesouraria. Note, também, que se a empresa Aflita ltda não conseguir renovar (rolar) o seu passivo financeiro (não cíclico) de curto prazo ela estará em dificuldade financeira e até mesmo risco de insolvência. V.2

Necessidade de capital de giro (NIG) e Capital de Giro Líquido (CCL) É fácil perceber que temos:

Capital de Giro Líquido (CCL) = NIG + SD Como o CCL engloba as contas financeiras e cíclicas, o NIG trata somente das contas cíclicas. Vamos considerar um balanço extraído de Assaf Neto e Silva (1) e representado na figura 13 para fixarmos o sentido da equação apresentada acima. Note que apuramos facilmente: Ativo Circulante = 377.000 =

Ativo Circulante Operacional + 297.000 + 11

Ativo Circulante Financeiro 80.000

Ativo

Passivo

Disponível

30.000,00 Empréstimos Bancários

Aplicações Financeiras

50.000,00 Duplicatas descontadas

Ativo Circulante Financeiro

80.000,00

Duplicatas a Receber

Passivo Circulante Financeiro

140.000,00 Fornecedores

(-) PDD

-

Adiantamento a Fornecedores Estoques

90.000,00 20.000,00

6.000,00 Adiantamento de Clientes

10.000,00

7.000,00 Outros Valores Circulantes

Outros Valores Circulantes

40.000,00 100.000,00

5.000,00 Encargos sociais e fiscais 104.000,00 Dividendos propostos

Despesas Antecipadas

60.000,00

8.000,00 32.000,00

45.000,00

Ativo Circulante Operacional

297.000,00

Passivo Circulante Operacional

160.000,00

Ativo Circulante

377.000,00 Passivo Circulante

260.000,00

Realizável a Longo Prazo

123.000,00 Exigível a Longo Prazo

340.000,00

Ativo Permanente

500.000,00 Patrimônio Líquido

Total do Ativo

1.000.000,00

Total do Ativo

400.000,00 1.000.000,00

Figura 13 – Exemplo de um balanço para avaliação de NIG e SD Passivo Circulante = Passivo Circulante Operacional + Passivo Circulante Financeiro 260.000 160.000 100.000 CCL 117.000

=

NIG 137.000

+ +

NTFP 760.000

=

NIG 137.000

+ +

SD (20.000)

=

SD (20.000) Ativo Permanente + Realizável Longo Prazo 500.000 + 123.000

Passivo Permanente 740.000

-

NTFP 760.000

Note que existem passivos circulantes (20.000) financiando ativos fixos (ou permanentes) na empresa da figura 13. Não chega a se configurar como algo crítico mas já sinaliza a necessidade de se administrar melhor as operações da empresa, analisando reduções nos prazos concedidos aos clientes, aumento dos prazos dos fornecedores, diminuição de estoques e assim por diante.

V.3

Volatilidade e Financiamento do Investimento Necessário em Capital de Giro

Tal e qual o apresentado nas figuras 8 e 9 o NIG varia ao longo do tempo e apresenta sazonalidades. Uma idéia razoável para financiamento do giro da empresa é apresentada na Figura 14 a seguir, onde o NIG e o ativo permanente, em outras palavras, a NTFP, a 12

Necessidade Total de Financiamento Permanente é coberta por Passivos permanentes e as necessidades sazonais de capital de giro são financiadas com passivos financeiros de curto prazo. $ Fonte de Financiamento:

Passiv os Financeiros NIG Permanente

Fonte de Financiamento:

NTFP

Passivos Permanentes (Patrim.Liq+Ex.L.Prazo)

Ativo Permanente

Tempo Figura 14 – Volatilidade do NIG e estrutura ideal de financiamento

Vamos a um exemplo extraído de Assaf Neto e Silva (1):

Ativo

Passivo

Ativo Circulante Financeiro

100,00

Passivo Circulante Financeiro

120,00

Ativo Circulante Operacional

400,00

Passivo Circulante Operacional

280,00

Ativo Permanente

500,00

Passivo Permanente

600,00

Total do Ativo Indicadores:

1.000,00 Total do Passivo

NIG

120,00 20,00

SD

1.000,00

NTFP 620,00 Figura 15: exemplo de NTFP com elemento sazonal incluído Suponha que além dos dados apresentados na Figura 15 você saiba também que, do total de 120,00 do NIG, cerca de 70,00 sejam devidos à sazonalidade. E, mais, que dos 100,00 de Ativo Circulante Financeiro, cerca de 10,00 precisam estar sempre ali para atender a necessidades constantes e cíclicas de caixa. Ora, podemos, portanto, recalcular a NTFP conforme abaixo: Verdadeira NTFP = NTFP + caixa mínimo – NIG sazonal = 620,00 + 20,00 – 70,00 = 570,00

13

Neste caso, note que o Passivo Permanente cobre toda a necessidade de capital de giro permanente, ficando o sazonal para ser financiado com recursos de curto prazo, recaindo naquela situação que já reputamos como sendo cômoda ou tranqüila. Uma situação de desequilíbrio financeiro, onde passivos correntes financiam ativos permanentes é uma situação que também tende a produzir maiores retornos dado que, regra geral, os ativos de mais longo prazo custam mais caro. Esta é uma lógica válida nos mercados de países de primeiro mundo e, para situações de normalidade. Mas, pode se ter, em determinadas ocasiões, inversões desta lógica onde os recursos de curto prazo custam mais do que os de longo prazo. Em países em desenvolvimento é comum não se ter volume suficiente de recursos de longo prazo no mercado, exceto nos órgãos governamentais de fomento como BNDES e Fundos Constitucionais.

V.4

Dimensionamento do NIG em termos de dias de vendas

Vamos observar os dados da empresa CAGIR extraída de Assaf Neto e Silva (1) representado na figura 16 a seguir.

Ativos Circulantes Operacionais

$

Duplicatas a Receber

7.500,00

Estoques Matérias Primas

400,00

Produtos em Processo

700,00

Produtos Acabados

1.050,00

Informações Adicionais do Quadrimestre - Vendas = $ 15.000 - Custo do Produto Vendido (CPV) = $ 7.000 - MP consumida no quadrimestre = $ 1.600 - Compras no quadrimestre = $ 6.000 - Desp. Oper.Incorridas no quadrim. = $ 2.400 Figura 16: Dados do cliclo operacional e financeiro

14

Passivos Circulantes Operacionais

$

Fornecedores a Pagar

4.000,00

Despesas Operacionais a Pagar

400,00

A partir destas informações podemos avaliar o NIG em termos de dias e não em termos monetários: NIG = (PME + PMF + PMV + PMC) – Máximo{PMPF,PMPD) Prazo Médio de Estocagem (PME)

PME 

Matéria Pr ima 400 x 120  x 120  30 dias Consumo de Matéria Pr ima 1.600

Prazo Médio de Fabricação – PMF

PMF 

Pr oduto em Pr ocesso 700 x 120  x 120  12 dias Custo dos Pr odutos Elaborados 7.000

Prazo Médio de Venda – PMV

PMV 

Pr odutos acabados 1.050 x 120  x 120  18 dias Custo dos Pr odutos Elaborados 7.000

Prazo Médio de Cobrança – PMC

PMC 

Duplicatas a Re ceber 7.500 x 120  x 120  60 dias Vendas 15.000

Prazo Médio de Pagamento a Fornecedores – PMPF

PMPF 

Fornecedor es a Pagar 4.000 x 120  x 120  80 dias Compras 6.000

Prazo Médio de Pagamento de Despesas Operacionais – PMPD

PMPD 

Despesas a Pagar 400 x 120  x 120  20 dias Despesas Incorridas 2.400

Logo, temos: NIG = (PME + PMF + PMV + PMC) – (PMPF) NIG = (30 + 12 + 18 + 60 ) - (80) NIG = 40 dias Isto pode ser interpretado da seguinte maneira: ao longo dos 120 dias do ciclo operacional, a empresa tem financiamento natural (passivo cíclico) para 80 dias, que é o tempo médio que ela consegue paga pagar os seus fornecedores. Entretanto, como o ciclo operacional dura 120 15

dias, ela precisará investir capital de giro por 40 dias, para fazer frente a este gap no financiamento natural. PMC PME

PMF

|

PMV

|

|

|

|

|

30

42

60

80

100

Prazo Médio de Pagamento a Fornecedores Figura 17: ilustração da necessidade de investimento em dias

| 120

(dias)

Necessidade de Investim.

Os cálculos que fizemos expressam os indicadores em dias, mas dias de que? Ora, é possível relativizar os indicadores em termos das vendas e, então, teríamos os números expressos como dias de venda e isso seria mais palpável e mais lógico. Para tanto, utilizaríamos as fórmulas abaixo: Indicadores de Estoque:

PME 

Materia  prima Consumo de Materia Pr ima x 120 x Consumo Materia Pr ima Vendas

PMF 

Pr odutos em Elaboração CPV x 120 x CPV Vendas

PMV 

Pr odutos em Acabados CPV x 120 x CPV Vendas

Podemos também utilizar a fórmula de Prazo Médio de Estocagem Total, onde:

 Estoque Total   CPV  PMET    x 120 x   CPV    Vendas  Fornecedores:

 Fornecedor es   Compras   x120 x  PMPF     Vendas   Compras 

Despesas a Pagar

 Despesas a Pagar   Despesas Incorridas   x120 x  PMPD    Vendas    Despesas Incorridas  16

No exemplo da empresa CAGIR da figura 16 temos: Duplicatas a Receber-------------------------------------60 dias (este indicador já é relativo a vendas) Estoques: Matéria Prima ------30 x (1.600/15.000).................3,2 Prod.em Processo...12x(7.000/15.000)................ 5,6 Prod.acabados.......18 x (7.000/15.000)................. 8,4 Ativo Operacional..........................................77,2 dias Fornecedores: 80 x (6.000/15.000)......................32,0 Despesas a pagar: 20 x (2.400/15.000)..................3,2 Passivo Operacional........................................35,2 dias NIG (em dias de vendas)........................................42 dias V.5

Overtrading

Caracteriza-se como uma rápida e forte expansão das atividades da empresa sem que haja recursos disponíveis para financiar as suas necessidades de giro. Ou seja, a empresa possui recurso financeiro capaz de suportar um volume máximo de vendas, quando este máximo é superado os problemas começam a aparecer na forma de dívidas bancárias e elevado nível de despesa com juros. Tipicamente, no overtrading, a NIG cresce bastante e supera o CCL da empresa. Nas figuras 18-a e 18-b notamos os efeitos de uma expansão em dois casos distintos. No primeiro caso os recursos permanentes foram crescendo para acompanhar a demanda do giro. Notamos que o novo volume de vendas foi financiado por mais PL e também por mais passivo cíclico. No segundo caso, notamos que a expansão das vendas não foi acompanhada de uma expansão nos recursos permanentes e nem mesmo de passivos cíclicos, pressionando o caixa da empresa. Note também que o PL da empresa, na figura 17-b, que representa a única fonte de recursos de longo prazo ou permanentes, aumentou proporcionalmente menos do que a dívida bancária, enquanto, de outro lado, a NIG aumentava mais do que proporcionalmente ao aumento do CCL. Uma boa sugestão para a empresa do caso b seria arranjar novo capital próprio (sócios, abertura de capital) ou conseguir exigíveis de longo prazo para financiar a sua expansão. Se ainda não fosse possível, poder-se-ia tentar vender mais à vista ou mesmo conseguir mais prazo de fornecedores. Todas seriam medidas válidas para diminuir a NIG. Se esboçássemos o gráfico Vendas x NIG x CCL teríamos uma figura parecida com uma tesoura com as vendas crescendo e formando uma curva com concavidade para cima e o NIG crescendo com a concavidade para baixo, daí o overtrading é chamado efeito tesoura.

17

Ano I Ativo

Ano II Passivo

Ativo

Ano III Passivo

5.000,00

Bancos

5.000,00

6.000,00

Bancos

6.000,00

7.200,00

Bancos

7.200,00

Dupl.a receber

10.000,00

Fornec.

10.000,00

Dupl.a receber

12.000,00

Fornec.

12.000,00

Dupl.a receber

14.400,00

Fornec.

14.400,00

Estoques

10.000,00

PL

50.000,00

Estoques

12.000,00

PL

52.000,00

Estoques

14.400,00

PL

54.400,00

Ativo Perman.

40.000,00

Ativo Perman.

40.000,00

Ativo Perman.

40.000,00

Totais

65.000,00

Totais

70.000,00

Totais

76.000,00

CCL

10.000,00

CCL

12.000,00

CCL

14.400,00

NIG

10.000,00

NIG

12.000,00

NIG

14.400,00

70.000,00

Caixa/Bancos

Passivo

Caixa/Bancos

65.000,00

Caixa/Bancos

Ativo

76.000,00

Figura 18-a : NIG crescendo proporcionalmente ao CCL

Ano I Ativo

Ano II Passivo

Ativo

Caixa/Bancos

5.000,00

Bancos

5.000,00

Dupl.a receber

10.000,00

Fornec.

10.000,00

Estoques

10.000,00

PL

50.000,00

Ativo Perman.

40.000,00

Totais

65.000,00

CCL NIG

Ano III Passivo

6.000,00

Bancos

9.000,00

Dupl.a receber

14.000,00

Fornec.

12.000,00

Estoques

12.000,00

PL

51.000,00

Ativo Perman.

40.000,00

Totais

72.000,00

10.000,00

CCL

10.000,00

NIG

65.000,00

Caixa/Bancos

Ativo 7.200,00

Bancos

13.000,00

Dupl.a receber

18.000,00

Fornec.

14.400,00

Estoques

14.400,00

PL

52.200,00

Ativo Perman.

40.000,00

Totais

79.600,00

11.000,00

CCL

12.200,00

14.000,00

NIG

18.000,00

72.000,00

Figura 18-b: NIG crescendo mais do que proporcionalmente ao CCL

18

Caixa/Bancos

Passivo

79.600,00

VI. Administração do Disponível Segundo Assaf Neto e Silva (1), são três os motivos pelos quais uma empresa mantém dinheiro em caixa: transação, precaução e especulação. Se todos os fluxos ativos e passivos fossem perfeitamente casados não haveria necessidade de se manter recursos em caixa, entretanto, como não há o sincronismo perfeito uma empresa precisa manter recursos para honrar os seus compromissos e realizar as suas transações do dia a dia. O outro motivo é bastante óbvio, uma empresa que tem uma atividade mais arriscada onde vendas podem ser devolvidas, canceladas, precisa ter um recurso para suprir uma necessidade eventual de caixa. E o outro, diz respeito ao surgimento de oportunidades repentinas. Entretanto, a empresa deve ter em mente que quanto mais caixa ela tem, mais recursos ficam parados sem remuneração, dificultando a rentabilidade dos investidores ou proprietários. O mesmo Assaf Neto e Silva (1) cita alguns fatores para a determinação de um caixa mínimo: a) Falta de sincronismo entre pagamentos e recebimentos; b) Ocorrência de eventos fora do planejado; c) A existência de um mercado financeiro eficiente e desenvolvido diminui a necessidade de caixa, permitindo a minimização dos recursos em caixa; d) Bom relacionamento bancário; e) Possibilidade de fraudes. Um controle mais acurado pode minimizar este tipo de ocorrência e determinar um nível menor de caixa mínimo; f) Existência de um elevado prazo médio de recebimento. A empresa, sempre que puder deve gestar no sentido de reduzir este prazo; g) Existência de um prazo médio reduzido de pagamento. A empresa deve gestar para elevar este prazo médio; h) Existência de grande investimento em estoque. O estoque deve ser dimensionado de forma otimizada, ou seja, um estoque que atenda às necessidades dos clientes e que custe o mínimo possível; i) Existência de várias contas correntes em diferentes bancos, consumindo saldo mínimo bancário exagerado para atender aos bancos e não à própria empresa; j) Política de crédito (ou ausência) insuficiente. Obviamente que os fatores não esgotam todas as possibilidades mas representam elementos comuns a maior parte das empresas. Na seção seguinte apresentaremos alguns modelos que podem ser utilizados para determinar o caixa mínimo de uma empresa. VI.1

Modelos de administração de Caixa a) Modelo do caixa mínimo operacional Este é um modelo bastante simples e prático. Calcula-se o giro de caixa conforme abaixo:

19

Giro do Caixa 

360 Dias do ciclo financeiro

Caixa Mínimo 

Pr evisao de Desembolso no Exercício Giro do Caixa

Vamos a um exemplo. Uma empresa prevê desembolsar $ 2.400.000 nos próximos 360 dias. A empresa tem os seguintes prazos nos seus ciclos operacional e financeiro: Prazo médio de estocagem (PME) igual a 20 dias, Prazo Médio de Fabricação igual a 20 dias, Prazo Médio de Vendas igual a 5 dias, Prazo Médio de Cobrança de 60 dias. O prazo de pagamento a fornecedores é de 15 dias. Logo teremos: Ciclo Financeiro = 20 + 20 + 5 + 60 – 15 = 90 dias. Giro do caixa = 360/90 = 4 vezes. Caixa Mínimo Operacional = 2.400.000/4 = 600.000 Ora, a empresa deve manter a quarta parte do desembolso, ou ainda, deve manter um caixa mínimo para um giro. Note que uma pequena redução no ciclo financeiro reflete diretamente na redução do caixa mínimo. Se a empresa conseguisse aumentar o seu prazo de pagamento a fornecedores de 15 para 30 dias, o novo tamanho do ciclo financeiro seria de 75 dias. O giro passaria para 4,8 e o caixa mínimo seria de 500.000, uma redução de 100 mil na necessidade mínima de caixa. b) Modelo de Baumol Este modelo recebe o nome do pesquisador que aplicou o conceito de lote econômico de compra (logística). O modelo foca uma situação típica de uma empresa que recebe um valor fixo no início de um período e que faz pagamentos ao longo deste período. Isto se assemelha inclusive aos gastos de uma família assalariada, onde o salário é recebido num único ponto e os gastos se dão ao longo dos dias entre um salário e outro.

N

0,5.i.R , onde: b

I  taxa de juros da aplicação financeira no período em que se recebe o fluxo de caixa; R  Valor da parcela recebida no início do período; e b  o custo de cada transação, em unidades monetárias. N  o número de movimentação dos recursos, ou seja, o número de partes que o recurso inicial será dividido, ficando a primeira no caixa e o restante aplicado e retirado N-1 vezes. 20

Vamos a um exemplo: vamos supor que uma empresa prestadora de serviços recebe uma quantia fixa todo início de mês, por exemplo, $ 800.000, num momento em que a taxa de juros mensal está em 0,80% e o custo de cada transação é de $ 800,00 (envolvendo o custo com controle, impostos, tarifas etc..). Então, calculemos N,

N

0,5.0,80%.800.000 2 800

Logo, o modelo sugere que se pegue o valor de $ 800.000 e, de início, deixe no caixa a quantia de $ 400.000, aplicando os outros $ 400.000. Daí a 15 dias corridos (metade de um mês), saca-se o restante para fazer frente aos pagamentos diários da empresa. Aqui está implícito que os pagamentos diários da empresa são uniformes iguais a 800.000/30 = $ 26.667,00. Poderíamos imaginar uma planilha tal e qual a mostrada na Figura 19 abaixo. Dia Caixa Inicial

Saída de Caixa

Entrada de Caixa

Caixa Final

1

400.000,00 -

26.666,67

-

373.432,51

2

373.432,51 -

26.666,67

-

346.857,95

3

346.950,09 -

26.666,67

-

320.368,51

4

320.453,61 -

26.666,67

-

293.864,99

5

293.943,05 -

26.666,67

-

267.347,38

6

267.418,40 -

26.666,67

-

240.815,69

7

240.879,66 -

26.666,67

-

214.269,89

8

214.326,81 -

26.666,67

-

187.710,00

9

187.759,86 -

26.666,67

-

161.135,99

10

161.178,79 -

26.666,67

-

134.547,86

11

134.583,60 -

26.666,67

-

107.945,60

12

107.974,27 -

26.666,67

-

81.329,20

13

81.350,81 -

26.666,67

-

54.698,67

14

54.713,20 -

26.666,67

-

28.053,98

15

28.061,43 -

26.666,67

400.000,00

401.501,40

16

401.608,05 -

26.666,67

-

375.040,98

17

375.140,61 -

26.666,67

-

348.566,51

18

348.659,11 -

26.666,67

-

322.077,97

19

322.163,53 -

26.666,67

-

295.575,36

20

295.653,88 -

26.666,67

-

269.058,66

21

269.130,14 -

26.666,67

-

242.527,88

22

242.592,30 -

26.666,67

-

215.983,00

23

216.040,37 -

26.666,67

-

189.424,01

24

189.474,33 -

26.666,67

-

162.850,91

25

162.894,17 -

26.666,67

-

136.263,69

26

136.299,89 -

26.666,67

-

109.662,34

27

109.691,47 -

26.666,67

-

83.046,86

28

83.068,92 -

26.666,67

-

56.417,24

29

56.432,23 -

26.666,67

-

29.773,47

30

29.781,38 -

26.666,67

-

3.115,54

Figura 19: Fluxo mensal de caixa 21

Note que os pagamentos diários são equivalentes a 800.000/30 e a taxa de juros diária foi a taxa efetiva diária equivalente à taxa de 0,80% ao mês, ou seja, a taxa de (1+0,80%)(1/30) – 1. c) Modelo de Miller e Orr Os dois primeiros modelos eram determinísticos, ou seja, partiam da premissa que os fluxos eram certos e sabidos. Agora, apresentaremos um modelo probabilístico muito simples de aplicar. Como diz a lenda, uma figura vale mais do que mil palavras, então veja na Figura 20 a idéia contida no modelo de Miller e Orr. $ h* z*

m

tempo Figura 20: gráfico ilustrativo da região aceitável de saldo de caixa no Modelo de Miller e Orr O modelo utiliza a fórmula abaixo para calcular o Z*, chamado ponto de retorno que é o valor central em torno do qual o fluxo de caixa deverá retornar após ultrapassar os limites superior (h*) ou inferior (m).

z* m  3

0,75.b. 2 , onde i

m é o valor mínimo admissível para o saldo de caixa, b é o custo de cada transação, i a taxa de juros diária e σ2 é a variância diária do fluxo de caixa. O m deverá ser determinado pela gerência da empresa e reflete o nível de aversão a risco da empresa. De posse do m (arbitrado), do z*, calculamos o h* conforme abaixo: h* = m + 3.z* Vejamos um exemplo a partir dos dados da Figura 11, onde listamos uma amostra de fluxos de caixa e os cálculos da média e da variância. Note que no exemplo dado na figura 21, os valores de entrada (dados) são os seguintes: caixa mínimo (m) igual a 30.000; taxa de juros diária (i) de 0,0423%; custo unitário da transação financeira (b) igual a 500. Utilizando as fórmulas calculamos, respectivamente, o ponto de retorno (z*) de 195.596 e o valor máximo (h*) de 616.789. E, como enunciado, a empresa deverá manter o saldo de caixa entre os dois valores limites. Se ultrapassar o valor superior a empresa aplicará o excesso, de maneira que o saldo 22

de caixa volte ao ponto de retorno. Caso contrário, a empresa resgatará um valor um valor tal que o saldo de caixa também voltará ao ponto de retorno. Dia

Fluxo de Caixa

1

FC - média

(FC-média)2

100.000,00

24.000,00

576.000.000,00

30.000,00

- 106.000,00

11.236.000.000,00

3

50.000,00

- 26.000,00

676.000.000,00

4

70.000,00

-

5 6

2

-

6.000,00

36.000.000,00

160.000,00

84.000,00

7.056.000.000,00

50.000,00

- 26.000,00

676.000.000,00

7

130.000,00

54.000,00

2.916.000.000,00

8

140.000,00

64.000,00

4.096.000.000,00

9 10

-

150.000,00

74.000,00

5.476.000.000,00

60.000,00

- 136.000,00

18.496.000.000,00

Total

760.000,00

Média

76.000,00

Variância m taxa juros

5.124.000.000,00 30.000,00 0,0423%

b

500,00

z*

195.596,34

h*

616.789,02

Figura 21: Exemplo de aplicação do modelo de Miller e Orr d) Modelo da curva normal Este é um modelo que reflete um elevado nível de precaução. Vamos tomar o mesmo exemplo da figura 21. A partir dos dados lá fornecidos vamos calcular o desvio-padrão (que é a raiz da variância) e determinar o maior fluxo com um certo nível de confiança conforme a fórmula abaixo: Saldo Mínimo = Fluxo Máximo Previsto = Fluxo Médio + σ.zα O zα reflete o nível de confiança (conservadorismo) da estimativa. Tipicamente se utilizam os valores de 90%, 95% e 99% de confiança, correspondendo aos z de 1,281, 1,644 e 2,33, respectivamente. Determinamos o saldo ideal de caixa como sendo um valor equivalente ao Fluxo Máximo acima. Se o saldo fica aquém deste valor repomos o caixa via resgate da aplicação. Qualquer valor acima deste saldo mínimo vai para o investimento. No exemplo da figura 19 teríamos:

  5.124.000.000  71.582,12 Saldo Mínimo = 76.000 + 2,33 . 71.582,12 = 242.786 Note que no modelo anterior o limite inferior era de 30 mil, arbitrado pela administração. Aqui adotamos o valor mínimo de 242.786. Quando o saldo cair abaixo desse valor, uma quantia 23

deve imediatamente ser resgatada. A quantia que reponha o saldo a 242,786 mil. Note que neste exemplo aqui utilizamos o nível de confiança de 99%. Isto significa que em 100 dias, esperamos acertar em 99, ou ainda, não haverá um saldo negativo senão em um dia apenas.

VII. Administração de Valores a Receber Uma empresa venderá a crédito com a finalidade de aumentar as suas vendas. Isto fará com que mais pessoas comprem da mesma. Um maior volume de financiamento de clientes irá gerar mais valores de duplicatas a receber e também provisão para devedores duvidosos. Muito além dos efeitos contábeis e fiscais a empresa deve ter políticas e procedimentos para lidar com o crédito, senão o efeito pode ser o contrário, em vez de lucro virão grandes prejuízos. Portanto, uma empresa deve ter uma Política de Crédito que estabeleça diretrizes para todos os funcionários envolvidos com ela e não deixe dúvidas sobre quem pode ser financiado (critérios de concessão), que prazos são praticados, qual a taxa de juros praticada ou taxas de juros em função do prazo e do tipo de cliente, quais são os instrumentos de garantia, o que fazer na fase de condução (ou monitoramento), como lidar com as inadimplências de primeiros dias e com as inadimplências antigas e, por fim, como lidar com a recuperação de crédito, seja pela via administrativa ou pela via jurídica.

VII.1 Políticas de Concessão de Crédito Tipicamente, uma empresa que venda muito a crédito estabeleceria as seguintes diretrizes: a) Todo cliente será avaliado, analisado e será gerado um score, uma letra que traduza o nível de risco do mesmo e a sua capacidade de pagamento; b) Clientes com restrições em órgãos públicos de avaliação de crédito (Serasa, SPC e outros) não serão merecedores de crédito; c) Independente da capacidade financeira, sempre existirá um limite máximo de concentração por cliente. Exemplo: a empresa limita os créditos individuas a $ 500.000. d) Limite de concentração de crédito por setor econômico. A empresa não deixa que o crédito se concentre em determinados segmentos econômicos e utiliza uma classificação de setores (por exemplo, o cnae do IBGE) e estabelece valores para cada um dos setores. e) Manter banco de dados com valores históricos recebidos, valores inadimplidos em função dos dias de atraso e valores já dados ou registrados como perdas, para alimentar modelos quantitativos de determinação da taxa de financiamento, de valores máximos a financiar e, também, para registro qualitativo do caráter do cliente.

24

VII.2

Concessão do Crédito

VII.2.1 Precificação do Crédito (determinação da taxa ao cliente) A variável mais importante para a concessão do crédito é a taxa de inadimplência ou de perda. Para alguns segmentos e tipos de negócios é importante distinguir entre inadimplência e perda, uma vez que dada a inadimplência de alguns dias é possível acionar a justiça e conseguir a recuperação do bem financiado para revenda a terceiro. É o caso, por exemplo, de automóveis com cláusula de alienação fiduciária, onde se consegue recuperar o bem em até três meses e, no quarto, revendê-lo a uma terceira pessoa, recuperando boa parte do crédito concedido. Vamos apresentar abaixo um critério de concessão e precificação do crédito (determinação da taxa de juros) que atenda aos múltiplos interesses da empresa concedente de crédito. Taxa média de Perda = p (aqui supomos que a empresa considera a inadimplência de X dias como sendo perda ou que ainda utiliza taxas médias de recuperação dada a inadimplência). Exemplo: Valores Valores Valores Emprestados Inadimplidos um Inadimplidos no início do mês depois dois meses quadrimestre depois

Valores Perdas no Inadimplidos quadrimestre três meses Depois

6.000.000,00

200.000/6.000.000

500.000/2.000.000

350.000/4.000.000

3,33%

Note que não há uma única maneira de determinar a taxa de perda. No exemplo acima enfocamos uma empresa que dividia as vendas em três prestações iguais e que considerou como situação limite a inadimplência de quatro meses. Outra empresa poderia adotar um prazo maior (ou menor) e, ainda sim, trabalhar com uma taxa de recuperação de inadimplências, seja por contratar empresas terceirizadas de cobrança ou mesmo por manter um departamento jurídico próprio que acione os clientes e, a partir daí, consiga recuperar alguns valores em juízo. A experiência bancária, entretanto, revela que a justiça não exerce um grande papel na recuperação dos créditos. O melhor mesmo é acertar na concessão através de políticas justas e avaliadas periodicamente. E, note, que a empresa poderia manter um quadro de apuração por quadrimestre móvel, de maneira a ter uma taxa de perda mais recente, que capture a situação conjuntural. Mas voltando ao caso acima, entendemos que a empresa perde 3,33% de tudo o que financia. Neste caso, teríamos o seguinte modelo de precificação da taxa ao cliente: a) Para financiamentos com vencimento único ao final do prazo:

(1  i) n .(1  p)  (1  c f ) n (1  s) n , donde apuramos 25

i

(1  c f ).(1  s) n

1 p

1

Onde n-  é o número de meses de prazo; p  taxa de perda em relação ao montante esperado ao final do período; cf  Custo financeiro da empresa (taxa mensal que paga em empréstimos); s -spread mensal que deseja ganhar. Ou seja, depois de pago o banco, computadas as perdas, a empresa ganha uma taxa de juros. i  taxa cobrado do cliente. Vamos a um exemplo numérico: Uma loja de departamentos financia os seus clientes por 4 meses para pagamento único ao final do prazo. O custo financeiro da loja é de 25% ao ano, a taxa de perda é de 3,33% e o spread desejado é de 1,00% ao mês. Vamos calcular a taxa ao cliente: Custo mensal da loja  1,25(1/12)-1 = 1,88% ao mês.

i

(1  1,88%).(1  1,00%)  1  1,028988/0,99156 - 1 = 3,77 % ao mês. 4 1  3,33%

Logo, aplicada esta taxa ao cliente, a empresa, em tese (se a média funcionar) garante uma aplicação financeira líquida de 1,00% ao mês, depois de pagar ao banco e bancar a perda de crédito. b) Financiamento Price por n meses No modelo de financiamento price (prestações iguais, sucessivas e postecipadas) a prestação periódica (PMT, do inglês payment) pode ser calculada conforme abaixo:

P.i.(1  i ) n , onde PMT  (1  i ) n  1 i é a taxa de juros ao cliente, n é o prazo em meses e P é o valor financiado. Normalmente temos calculadoras financeiras (HP12CV) e planilhas eletrônicas (EXCEL). No caso de termos uma perda p sobre todos os valores previstos para recebimento, recalculamos a taxa líquida com o auxílio da calculadora. Mas, agora, esta não é a taxa final ao cliente e sim a taxa líquida de ganho da empresa financiadora, mas que pode não cobrir o custo do empréstimo e o spread desejado pela empresa. Assim, podemos por tentativa e erro, na calculadora financeira, ou mesmo na planilha eletrônica (que ainda é mais fácil quando utilizamos ferramenta de atingir meta) determinar uma prestação tal que produz uma taxa 26

interna de retorno igual à desejada pela empresa, a saber, a taxa que cubra o custo financeiro da própria empresa e lhe garanta um spread mensal. Vamos a um exemplo: Ora, se o valor financiado é de $100, o valor da prestação, depois da perda, cerca de 3,33% do previsto, tem que produzir um fluxo de caixa equivalente a uma taxa de 1,88% ao mês composta com o 1,00% de spread, isto significa uma taxa de (1+1,88%).(1+1%)-1 =2,90% ao mês. Então, na calculadora financeira colocamos os dados PV= - 100, n =4 (4 parcelas iguais e sucessivas), i = 2,90%, para encontrar uma prestação (pmt) de $ 26,83. Ora, sabemos que esta prestação ocorre depois da perda devido ao risco de crédito, então, a prestação original é de 26,83/0,9667 = 27,75. Ora, para um financiamento de $ 100, na forma price, com n igual a 4 e prestação de 27,75 encontramos a taxa de juros final ao cliente: PV= - 100, n=4, PMT = 27,75  4,31% ao mês. Em ambos os casos mostrados nas alíneas “a” e “b” mostramos como se determina uma taxa de juros ao cliente a partir da premissa do custo financeiro, taxa de perda e spread desejado pelo financiador. Entretanto, é preciso estabelecer um limite de crédito máximo para cada cliente. c) Um modelo probabilístico para precificação do crédito Nos dois casos anteriores a taxa de perda era dada como certa, determinística. Entretanto, vamos supor que uma determinada empresa ou loja tenha em banco de dados as taxas históricas de inadimplência de 90 dias. Supondo aqui que a inadimplência de 90 dias já tem um sabor parecido com o da perda. A idéia é tomar a distribuição histórica de perda e estabelecer a perda média e a pior perda com um certo nível de confiança. Em geral, transfere-se as perdas médias para o preço do crédito, entretanto é possível avaliar se o mercado aceita uma taxa maior que cubra mais do que as perdas médias, cubra até um certo percentil maior do que o da mediana (qüinquagésimo percentil). Vamos a um exemplo, tomando-se a distribuição histórica de probabilidades da inadimplência de 90 dias que para nós será equivalente a perda pois muito pouca coisa se recupera a partir daí: Mês Taxa de Perda Percentil 1 2,20% 8,33% 2 2,25% 16,67% 3 2,30% 25,00% 4 2,40% 33,33% 5 2,60% 41,67% 6 2,90% 50,00% 7 3,40% 58,33% 8 3,45% 66,67% 9 3,60% 75,00% 10 4,35% 83,33% 11 4,70% 91,67% 12 5,20% 100,00% Figura 22: perdas históricas ordenadas dos últimos 12 meses 27

Na figura 22, ordenamos de maneira crescente as perdas históricas com crédito. Aqui a taxa de perda é fruto da razão entre os valores inadimplidos há mais de 90 dias sobre os valores correspondentes concedidos. Num banco de dados deste tipo, é preciso expurgar a inadimplência superior a 360 dias, de maneira a não se contaminar a série histórica com perdas que ocorreram há muito tempo atrás e retirar da série o caráter de atualidade. Para a apuração não se pode utilizar saldos contábeis que distorcem a informação. O mais adequado é apurar, dentro de cada mês, os valores inadimplidos há mais de 90 dias, frutos de concessão há menos de 360 dias. A partir daí promovemos a relação entre estes valores inadimplidos e os valores concedidos na origem, de preferência sem os juros, mas tão somente em termos de capital. Uma vez ordenadas as informações encontramos um determinado percentil com o qual desejamos decidir. O percentil é uma métrica de posição na estatística descritiva. Assim, o percentil 95 (ou nonagésimo-quinto percentil) é o número que deixa 95% das informações à sua esquerda e, obviamente, 5% à direita. Note que o nonagésimo-quinto percentil estará entre 4,70% e 5,20%. Interpolamos o valor no intervalo citado para encontrar o nonagésimo-quinto percentil via uma simples regra de três, conforme abaixo: 91,67% --- 4,70%; 95,00%  x 100,00%  5,20%

x  4,70% 5,20%  4,70%   x = 4,90% 95,00%  91,67% 100%  91,67% Ora, esta é a maior taxa de perda com 95% de confiança. Então, poderíamos voltar a precificar o crédito conforme os itens a e b utilizando um valor correspondente ao percentil escolhido. Logo, uma diretoria avessa ao risco poderia repassar esta perda ao cliente, o que não é usual, mas poderia ser tentado e em seguida avaliar a aceitação do mercado. Se as vendas fossem para reposição única ao final do prazo poderíamos utilizar a fórmula vista no item “a” retro e determinar a taxa final ao cliente.

i

(1  1,88%).(1  1%)  1 = 4,20%. 4 1  4,90%

Caso o mercado (a concorrência) não permitisse operar uma taxa de 4,20%, o a empresa concedente de crédito poderia repassar a taxa média de perda, 3,33%, cobrando do cliente a taxa de 3,77%. Entretanto a empresa poderia trabalhar com o conceito de VAR – Value at Risk. O Valor em risco seria a perda máxima num certo intervalo de tempo. No caso aqui o período em questão seria de quatro meses. O VAR seria a diferença entre a Perda Máxima com 95% de confiança e a Perda Média repassada ao cliente. Vamos calcular o VAR e analisar o que podemos fazer com isso: 28

Total de Vendas = $ 1.000.000,00 Montante Nominal ao final de 4 meses = 1.000.000.000 x 1,03774 = 1.159.544,00 Perda Esperada = 1.159.544 x 3,33% = 38.613,00 Perda Máxima com 95% de confiança = 1.159.544 x 4,90% = 56.818,00 VAR – Value at Risk quadrimestral = 18.205,00 A empresa poderia ter valores aplicados em recursos líquidos de elevada liquidez (e fora do risco de crédito considerado) para fazer frente a uma perda inesperada de 18.205,00. No caso em questão, construímos um exemplo em que o VAR é bastante pequeno. Entretanto, na prática poderá existir linhas de produtos ou negócios no varejo ou atacado com VAR elevados. A idéia é que a empresa tenha recursos próprios para fazer frente a uma perda inesperada (VAR – Value at Risk). VII.2.2 Seleção de Clientes e atribuição de limite de crédito É importante saber recusar vendas. Regra geral, com uma venda se ganha margem operacional e financeira mas pode-se perder todo o capital se ela for mal feita. Portanto, é importante verificar o caráter do cliente, analisando o seu desempenho anterior em compras com a própria empresa ou mesmo nos sistemas de registro e proteção ao crédito, como SPC e SERASA. Tipicamente as empresas podem utilizar modelos estatísticos ou determinísticos de score para atribuir um grau de risco ao cliente (normalmente utilizam-se letrinhas como A, B, C, etc...para atribuir o grau de risco do cliente). Os modelos estatísticos utilizam técnicas como Análise Discriminante, modelo probit ou logit para determinar a probabilidade de o cliente pagar ou não as suas dívidas. É possível criar um modelo simples sem utilização de estatística, onde a opinião dos especialistas (ou proprietários) é traduzida em pontos (score) e logo após estabelece um ponto de corte a partir do qual a empresa não mais emprestaria ou financiaria. Atribuída a letrinha de risco, obviamente que a empresa desejará financiar valores compatíveis com a capacidade de pagamento do cliente. Para aquelas empresas clientes com maior receita líquida operacional (ROL) ou Patrimônio Líquido (PL) serão direcionados os maiores limites de crédito. Da mesma forma, quando o cliente for pessoa física, procurar-se-á avaliar a expectativa de renda futura do cliente (quando for renda assalariada essa tarefa é mais fácil). De qualquer maneira é importante que se faça uma avaliação do cliente. Claro que, para pequenas vendas e para o varejo esta tarefa de análise deve ser rápida e automatizada para não empacar o processo. Um exemplo de modelo de score poderia ser o apresentado por Assaf e Silva (1) e que reproduzimos a seguir. Bloco 1: Dados Essenciais (peso 2) Dados essenciais Comprovou os dados Comprovou a renda Mais de seis meses no mesmo trabalho Profissão definida Casado

Bloco 2: Dados Complementares Imóvel próprio comprovado Referência comercial Outras rendas comprovadas Conjuge com renda comprov. Mercadoria sem risco de perecibilidade

29

Prestação dentro do limite Desconhecido no SPC Bloco 2: Dados de localização Endereço certo no país Endereço para referencia Conhece funcionário da loja

Pontuação geral 30 19 a 29 13 a 18 9 a 12 6a 8 Até 5

Indicação indicado para cartão de crédito aprovação normal aprovação só com entrada aprovação só com avalista aprovação só com entrada e aval negar o crédito

Figura 23: modelo de score determinístico Na figura 23 apresentamos um exemplo genérico de score a partir do qual poderiam ser agregados outros atributos para avaliação a partir da experiência dos analistas de crédito e do gerente da área pertinente. VII.3

Condução (monitoramento do crédito) e cobrança

Quando se tem muito volume de vendas financiadas é importante monitorar a inadimplência e mesmo os principais clientes (maiores valores financiados). Uma empresa que concede elevado volume de crédito deverá manter um setor de acompanhamento e cobrança que pesquise algumas informações sobre os principais devedores de forma permitir uma tempestiva e precisa atualização do limite de crédito do cliente bem como o corte e a cobrança antecipada quando isso se fizer necessário. A tarefa de cobrança é muito importante e mostra ao devedor que a empresa está “antenada” com relação aos seus haveres. E, em muitos casos, uma cobrança rápida pode fazer com que a empresa credora fique bem posicionada em relação à uma possível fila de credores em caso de falência ou insolvência iminente. Algumas empresas adotam a terceirização da cobrança com o objetivo de evitar custos fixos com pessoal de call center e mesmo investimentos em equipamentos de telecomunicação. Tipicamente, quando a inadimplência está nos seus primeiros dias bastará uma ligação a partir de call Center para “lembrar” o cliente devedor. Muita habilidade deverá ser usada para não transformar um inadimplente circunstancial em inimigo da empresa cobradora. A partir daí seriam utilizadas estratégias de abatimentos e descontos sobre o valor nominal do crédito. Se estas duas fases não surtiram efeito e, se o cliente tem patrimônio alcançável judicialmente, pode-se ajuizar a cobrança da dívida. Entretanto, no Brasil, é preciso dizer que o nosso sistema jurídico não favorece muito o credor e os resultados alcançados com a cobrança judicial são modestos. VII.4

Análise de mudanças na política de crédito

A decisão de conceder mais prazo e mais vendas a prazo aos clientes irá modificar alguns números da empresa. Obviamente que se não houver uma contrapartida em fonte não onerosa (maior prazo de fornecedores, por exemplo), a concessão de mais crédito aos clientes exigirá mais investimentos em capital de giro. Em compensação espera-se que a rentabilidade aumente em função da elevação mais do que proporcional das receitas em relação às despesas de provisão para crédito de liquidação duvidosa. Regra geral, os custos fixos não serão alterados em função de uma decisão de aumentar o volume de vendas a prazo e isto, 30

mantida a inadimplência sobre controle, promoverá um aumento no lucro e na rentabilidade. Claro que na ausência de recursos próprios, uma alavancagem das vendas a prazo por meio de tomada de empréstimos bancários deverá ser feita com critério face às elevadas taxas ainda praticadas no mercado financeiro do Brasil. antes Venda a vista Receitas custos e despesas variáveis

Venda a prazo

10.000,00 -

venda a vista

2.000,00

5.000,00

-

1.000,00

-

-

60,00

provisão para devedores duvidosos

depois

940,00

venda a prazo

9.000,00 -

4.500,00 -

= Margem de Contribuição

5.000,00

Custo Fixo

1.000,00

4.500,00 1.000,00

= Lucro Operacional Total

4.940,00

5.900,00

6.000,00 -

3.000,00

-

600,00 2.400,00

Figura 24: analisando a decisão de aumento de vendas a prazo Note no quadro 24 que o lucro operacional total aumentou em $ 960,00, um aumento de 19,43% sobre o lucro anterior. Isto porque a empresa resolveu investir mais vendas a prazo (duplicatas a receber), com um investimento incremental de $ 4.000. Vamos supor que as novas vendas tem prazo de dois meses contra um mês antes da decisão de aumentar as vendas a prazo. Logo, de maneira simplificadora, o investimento incremental em giro é igual a 4.000 x 2 = $ 8.000. E o retorno incremental obtido foi de $ 960,00, produzindo uma rentabilidade de 12,00% ao ano (supondo replicado o modelo ao longo do ano). Esta taxa deve ser comparada com o custo de oportunidade (ou taxa mínima de atratividade) da empresa. Se for maior do que o custo de oportunidade a empresa deve implementar (ou continuar) o investimento.

31

VIII. Administração Financeira de Estoques Saber quanto comprar em cada lote, quando comprar e quantas vezes comprar sempre foi uma questão evidentemente importante. No final da década de 80 a gestão de estoques ganhou ainda mais notoriedade em função de as empresas japonesas adotarem a prática do Just in Time. Isto significa dizer que elas praticamente trabalham sem estoque e afirmam ser esta uma medida eficiente não só pela redução dos custos mas por permitir descortinar completamente o processo produtivo e, com isso, descobrir ineficiências porventura existentes. Os defensores da política do Just in time alegam que essa é a principal vantagem da medida, ou seja, não permitir que ineficiências do processo produtivo fiquem mascaradas pela existência de grandes estoques. No Brasil já possamos por momentos especiais de elevada inflação em que se compensava comprar e estocar grandes quantidades de mercadorias como forma de se proteger da instabilidade dos preços. Outros, independentemente de inflação, baseado na tradição, alegam que é melhor investir em estoques do que em aplicações financeiras. Pode ser que em determinadas situações isto seja verdadeiro mas não no geral onde o que ocorre é a mensuração inadequada dos verdadeiros custos de estocagem. Cabe registrar também que a política de vendas do fornecedor pode influenciar a decisão sobre estoques do comprador, em especial, no que diz respeito à prática de descontos. Vamos apresentar na seção seguinte o conceito de lote econômico de compra, um modelo simples para se administrar os estoques. Claro que, como todo modelo, ele exigirá a validade de algumas premissas. VIII.1

Lote Econômico de Compra

Segundo Assaf Neto e Silva (1), o Lote econômico de Compra (LEC) foi desenvolvido em 1915 por F. Harris e ainda hoje é um dos modelos mais utilizados na gestão financeira de estoques, senão o mais utilizado. Premissas do LEC: a) Demanda constante – a empresa pode determinar a procura pelo produto e sabe-se que é constante por unidade de tempo (dia, quinzena, mês, etc..); b) Recebimento instantâneo do estoque – quando o estoque atingir o valor zero, novo pedido é feito. Mais à frente veremos que a coisa não é bem assim pois adotaremos uma margem de segurança, através do ponto de recompra. c) Não existe desconto – analisa-se tão somente os incentivos internos à empresa. O modelo não considera incentivos externos como desconto pela compra de maior volume. d) Os preços não se alteram – No caso não consideramos inflação. Se houver basta utilizar o conceito de moeda forte. e) Não existe risco – o modelo só trata rentabilidade e não risco. f) Existem dois tipos de custo – Para o lote econômico de compra existe somente dois tipos de custos: custo de estocagem e custo do pedido. O custo de estocagem refere32

se a todo e qualquer custo proveniente da atividade de estocagem. Exemplos: custos de aluguel, segurança, seguros, financiamento de estoques, impostos, obsolecências, etc.. O custo do pedido refere-se a custos com funcionários que trabalham no setor de compras, custo de emissão, comunicação, etc.. g) Cada estoque é analisado independentemente – o modelo trata os estoques por produtos, individualmente. O lote econômico procura a melhor estratégia para determinar qual será a quantidade que deve ser mantida em estoque e de quanto em quanto tempo deverá fazer novo pedido. Para tanto, o LEC ajuda a encontrar a quantidade ótima de cada período (Q*), de modo que os custos totais, compreendidos pelo custo do pedido e o custo de estocagem, sejam os menores possível. Custo de estocagem total = Ce x Estoque Médio Estoque Médio = Q/2 Custo de estocagem total = Ce x (Q/2) Q corresponde à metade da quantidade de cada pedido e Ce é o custo unitário de estocagem. De outro lado, temos: Custo do Pedido = Cp x Número de Pedidos Número de Pedidos = (V/Q) Onde Cp é o custo unitário do pedido, V é o volume de vendas (em quantidades), Q é a quantidade em cada pedido. Logo, CT = Cp . (V/Q) + Ce.(Q/2) Onde, CT é o custo total em função de Q para um dado V. e o Q ótimo é dado por:

Q* 

2.V .C p Ce 33

Vamos a um exemplo. Vamos supor que o Cp é de $ 5.000,00 por pedido(Toto o custo do departamento de compras), Ce é igual a $ 2.500,00 por unidade pedida e estocada. Suponha que as vendas mensais sejam de 50 unidades.

Q* 

2 x50.x 5.000  14,14 2.500

Serão pedidos a cada vez, 14,14 unidades. O Estoque médio é de 7,07 unidades (Q/2). Calculemos o número de pedidos no mês. NP = 50/14,14 = 3,53 pedidos no mês e o intervalo entre os pedidos é de 30 dias/3,53 = 8,50 dias. Poderíamos representar o Estoque ao longo do tempo pelo gráfico da Figura 23 abaixo:

Figura 23: aplicação metodologia de Lote Econômico A premissa de entrega instantânea do pedido é muito restritiva. Na prática ao utitlizar a LEC acabamos fazendo o pedido alguns dias antes, de acordo com o prazo para entrega. Supondo que se demora três dias para se entregar o pedido calculamos a quantidade que representa o ponto de recompra: 14,14/3 = 4,71. Quando o estoque baixa a 4,71 é hora de fazer novo pedido de 14,14.

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IX. Referências Bibliográficas 1. Assaf Neto, Alexandre e Silva, César Augusto Tibúrcio, Administração do Capital de Giro, Editora Atlas, Segunda edição, 1997; 2. Assaf Neto, Alexandre, Estrutura e Análise de Balanços, Editora Atlas, quinta edição, 2.000; 3. Ross, A. Stephen e outros, Administração Financeira, Editora Atlas, 1995; 4. Yoshitake, Mariano e Hoji, Masakazu, Gestão de Tesouraria, Editora Atlas, 1997. 5. Castellano, Murilo, Notas de Aula de Gestão de Investimentos, 2000.

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X. Nota sobre o Autor Murilo Castellano é professor da FGV-DF desde 1999. Leciona a cadeira de Derivativos e atualmente é coordenador do MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria. Possui Mestrado em Otimização (métodos quantitativos) pela UFRJ/COPPE e Mestrado em Gestão de Empresas (Finanças) pelo ISCTE-LISBOA, Portugal. Exerceu as funções de Diretor de Controles Internos do Banco do Brasil, Gerente Executivo na área de Crédito, Gerente de Auditoria especializada em crédito, Gerente de Divisão em Controladoria e Auditor. Exerceu, também, as funções de Diretor da BB Securities em Londres.

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