(Central dos Livros: livros-loureiro [livro] Droga disfar\347ada

Cascão, com pesar, por terem encontrado a morte antes da ajuda. Aos heróis, monitores, conselheiros, terapeu-tas e ajudadores, que trabalham em instit...

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<> livros-loureiro <> [livro] Droga disfarçada de estudante... Droga disfarçada de estudante Projeto Escola Sem Drogas Copyright © Filippe Arlem O. Maffra, 2010 Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, sem permissão expressa do editor (Lei n° 9.610, de 19.02.98). Éproibida a reprodução total ou parcial sem a permissão, por escrito, dos editores. Publicado com a devida autorização e com todos os direitos reservados por Projeto Escola Sem Drogas. Printed In Brazil Correção ortográfica e lingüística: Conceição Milagres Digitação: Filippe Arlem Maffra Diagramação: Filipe Araújo Capa: Arlem Maffra 15a edição Cidade da edição - Belo Horizonte Ano da edição - 2010 Maffra, Filippe Arlem O. Droga, disfarçada de estudante / Filippe Arlem O. Maffra - 15. ed. Boituva : [s.n], 2010. 168 p. ; 18 cm. ISBN 978-85-906542-8-5 1. Educação I. Título. Minha dedicatória Dedico esta obra ao Cristo, Filho de Deus, por me ressuscitar do túmulo das drogas, por dar-me uma nova chance de amar a vida, por confiar-me a missão de avisar aos outros em seu nome, por ter superado as minhas expectativas e por ter-me feito seu amigo. Minha Admiração À minha família. Aos meus pais, pelo amor ao filho problema por tantos anos. Aos professores, com saudades dos tempos da escola. Aos amigos Beto e Cascão, com pesar, por terem encontrado a morte antes da ajuda. Aos heróis, monitores, conselheiros, terapeu-tas e ajudadores, que trabalham em instituições, com o propósito de ajudar os outros a se livrarem das drogas. Minha Vontade Que outros não experimentem. Que as escolas açudam. Que os professores não se esqueçam que seus filhos também estudam. Que os pais se interessem além dos livros e cadernos e abram as cortinas da vida escolar dos seus filhos. Que os legisladores façam leis mais assertivas e com condições de serem aplicadas. E, afinal, que o Presidente da República não se esqueça

que os drogados e alcoólatras também são filhos deste solo, da mãe gentil, pátria amada, Brasil. Introdução E aí, rapaziada dos livros? Esse livro não é perfeito, muito menos, completo. Não foi escrito para lhe dar lição de moral. Cumpro uma missão. Sou alguém que, aos quatorze anos, numa escola da zona oeste de Belo Horizonte - MG, iniciou, com mais doze amigos, o caminho do fim. Não faço psicologia ou apologia sobre o assunto. Não vou usar uma linguagem científica, muito menos, buscar culpados. Esse livro não é um tribunal. É um parceiro para as horas de dificuldades, é um aliado para ajudá-lo nas decisões. Um amigo que, apesar do romantismo, mantém sempre o papo verdade. Eu gostaria de estar, agora, pessoalmente, aí com você, no seu mundinho de escola. Como não posso, venha comigo pelas páginas deste livro, venha conhecer minha história e dos meus amigos. Não se preocupe! Só quero interagir com suas experiências e colaborar, com as minhas, para suas decisões. Não vou "alugar" você, cara. Estou preocupado com o que está acontecendo. Tem gente inocente na "parada". Você vai começar ver a "onda" de perto. Ninguém vai ficar na escola para sempre. E o que vai ser depois? Houve uma explosão no meu mundo. Detonei tudo. "Namorei" a dor e, por muito tempo, "casei-me" com a tragédia. Foi difícil e, o pior de tudo, é que nessa onda, não achei o Homem Aranha nem o Batman. Fiquei só na parada, meu irmão, e quase desisti de lutar. Não fosse pela vontade de viver e de sentir prazer novamente em ser livre, não poderia lhe emprestar um pouco da minha experiência. Muito prazer... sou Arlem Maffra. Minha escola, minha história Dezesseis de fevereiro de 1979, 13 horas, escola da Zona Oeste de Belo Horizonte - MG. Os portões se abrem à minha frente. Vou iniciar a oitava série do I grau. É gente para todo lado. As listas nas mãos dos orientadores em cada uma das portas das salas de aula indicavam para qual turma cada um deveria ir. Minha cabeça fervia de curiosidade e as perguntas eram inevitáveis: Onde estarão meus professores, meus colegas de sala? O que acontecerá de novo nesse ano? Cara, quantas garotas! Nós as chamávamos de princesinhas da zona oeste. Como eu estava animado! Na flor da adolescência, meus sonhos traziam um agradável perfume a todas as razões que eu tinha para viver.

A vontade de ser, de fazer a diferença e a busca pelo prazer, eram ingredientes da receita que eu trazia no bolso. A música, os namoros, as amizades. Era um começo de ano maravilhoso. Primeiro dia de aula. Os corredores ferviam. Todo mundo se conhecendo, aquela tradicional apresentação de alguns professores que você deve conhecer bem: - Oi meninos e meninas, eu sou o professor ou a professora tal, da matéria tal e não gosto de bagunça na sala. Se alguém quiser ir ao banheiro aguarde o intervalo, se alguém quiser falar, levante o dedo e aguarde a minha ordem. Agora, vamos nos conhecer melhor. Cada um levante-se, por favor, diga o seu nome, idade e o que veio fazer aqui. O primeiro a se levantar foi o Cléber: - Sou o Cléber, tenho quatorze anos, moro aqui no bairro mesmo e meu apelido é Neném. Cléber foi imediatamente interrompido pela professora: - Eu não gosto que chamem uns aos outros pelo apelido, ok? Nesse instante, foi inevitável. Um coro de vaias ganhou força dentro da sala. Constrangida, rendeu-se: - Tudo bem gente, como estamos iniciando, vai passar. Continuou, então, Cléber: - Tenho mais três irmãos. Gosto de jogar futebol, de namorar e vim aqui para estudar. Todos aplaudiram: - Valeu, Neném! Cássio levantou-se em seguida. - Sou Cássio, tenho quatorze anos, meu apelido é Teco. Tenho mais dois irmãos e também mais duas irmãs e vim aqui para estudar. Ainda falava Cássio, quando o bloco masculino bradou: "cunhadinho". - Eu sou Rogério, tenho quatorze anos, gosto de rock paulera como Led Zepellin e Pink Floid. Moro no bairro mesmo e Vim aqui para estudar. Dessa forma, todos iam se apresentando, inclusive eu. - Sou Arlem Maffra, tenho quatorze anos, meu apelido é Passarinho, gosto de tocar violão e compor músicas e, assim como os outros, vim aqui para estudar. Logo depois, para a alegria da galera, ergueu-se um monumento dentro da sala, bem próximo à minha carteira. Uma miragem, uma flor delicada, com voz de brisa, sorriso eletrizante e um olhar hipnotizado. Os cabelos louros desciam até a cintura. O rosto parecia desenhado pelas mãos de um artista, um perito na arte de fazer beleza. O corpo era perfeito. Alta e elegante, manifestou-se: - Eu me chamo Helda, tenho quatorze anos, e moro no bairro vizinho. Sou filha única, estou muito feliz por estar aqui, não tenho apelido e quero estudar para ser médica.

- Oi, doutora, pronunciou a sala, em coro. Helda, com um sorriso meio maroto, sentou-se. Naquele momento, um tornado varreu meu coração de adolescente. E um calafrio desceu até meu estômago. Logo pensei: "vim aqui para estudar, mas se eu conseguir namorar esse pedaço do universo, já está de bom tamanho". Parecia que tudo ia seguir seu curso normal e o padrão de apresentação se repetiria pelos minutos seguintes, até que se levantou outro colega, moreno claro, cabelo escondendo os olhos, porte atlético. Com as duas mãos nos bolsos da calça jeans, com uma voz compassada e um olhar centralizador disse: - Eu sou Dorivaldo, tenho quinze anos. Vim de Curitiba junto com a minha família para Belo Horizonte. Meu pai é engenheiro da Petrobras e minha mãe éprofessora. Tenho mais dois irmãos e duas irmãs e gosto muito de jogar basquete. Também sou chegado numa festinha e acho as mineiras muito bonitas. Não era de se estranhar o agradecimento em coro das meninas da sala, ele, porém, continuou: -... Ah! Esqueci de dizer que curto muito a vida e podem me chamar de cidadão de Curitiba. Nada mal para um cara de quinze anos. Uma coisa ficou clara: o cara era convicto e falava com segurança. Não demorou muito para que os olhares da sala se voltassem para ele num gesto de aprovação. Não deu tempo de processar bem essa última apresentação, porque logo a sirene ecoou, e num gesto coreografado, todos se levantaram, pegaram suas mochilas e saíram da sala. Na caminhada pelos corredores começamos a trocar algumas palavras: - E aí, Passarinho! Ouvi aquela voz rouca e meio musicalizada. Olhei mais atentamente. Era o Dori, aquele de Curitiba. Estendeu-me a mão, cumprimenta-mo-nos e ele continuou: - Onde você mora, cara? Eu morava a poucas quadras da sua casa, o que despertou o interesse na continuidade da conversa. Dei meu endereço e ele continuou: - Qualquer dia, te levo na minha casa pra gente ouvir um som. - Combinado. Eu estava com pressa. Queria alcançar aquele riacho doce com voz de brisa, chamada Helda. Apressei o passo despedindo-me do Dori e, quando consegui alcançá-la, investi sem medo de ser feliz. - E aí gata, tudo bem? - Tudo. Você é o Passarinho, que gosta de compor e tocar violão, não é? - Eu mesmo, princesa. E até posso te ensinar a tocar se quiser. Sem lhe dar tempo, continuei: - "To de "bike". Quer uma carona?

- Não, obrigada Passarinho! Minha mãe vem me buscar. - E essa mãe tem telefone? Helda, meio constrangida pelo ataque maciço, disse: - Olha, Passarinho, não me leve a mal, mas não posso dar o telefone para quem não conheço ainda. Quem sabe, depois de nos conhecermos melhor. Aquele sorriso foi imediatamente fotografado por minha memória, que não cessava de repeti-lo no trajeto de volta à minha casa. Durante todo o restante daquele dia, eu processava, a mil, tudo o que havia acontecido naquela escola. Era demais. Amigos novos, amigas bonitas, professores novos e gente diferente. De volta para casa Em minha bike, com uma fome de lamber o prato, corria pelo corredor do prédio, escalando os degraus da escada que dava acesso ao apartamento onde eu morava com minha família. A fome me empurrava porta adentro. A mochila, coitada, era desprezada de qualquer jeito na cama. Depois, a tradicional corrida à tão desejada mesa, onde as iguarias da dona Selma (minha mãe) me aguardavam. Cara, a comida da minha mãe era de detonar o estômago de qualquer estudante faminto. Aquela comidinha mineira, com arroz a alho e óleo, feijão, couve, bife, batatinha frita e o tradicional tempero mineiro. As vezes meu pai estava presente para o almoço. Seu escritório no centro da cidade não permitia sua presença todos os dias. Bem, já que vamos estar um tempo juntos, e você vai conhecer um pouco da minha história, vou lhe apresentar minha família. Minha mãe é filha de imigrantes libaneses, uma perfeita rainha. Alta, cabelos pretos desenhando seu perfil árabe. Uma mulher doce e também muito forte. Meu pai é um brasileiro nacionalista, desses que ama seu país e tudo que nele há. Um homem comum, de hábitos simples. Profissional liberal, auditor e consultor. Advogado da vida, homem de poucas palavras e de muito trabalho. Ele conseguia filosofar sobre qualquer assunto. Dono de um poder para persuadir como poucos nesse mundo. Um parceiro assíduo e disciplinado dos noticiários da TV. Lia muito. Meu pai estava sempre muito bem informado e se esforçava para nos dar uma vida confortável. Tínhamos acesso à saúde, educação e tudo mais que um filho de Deus tinha direito. Meu irmão, Homero, caçula, é um desses caras quietos, observadores, chegados na boa vida, o filho bonito e de caráter perfeito. Minha irmã, Débora, é muito bonita. Com o temperamento de minha mãe, tinha a esperteza de uma águia. Era dona de um coração valente. Meu irmão, Vinícius, é carinhoso, atencioso, um pouco sistemático, mas de bem com a vida. Formávamos uma família perfeita. - Oi, filho! Era o meu pai. Como foram os primeiros dias de volta as aulas? Gostou dos professores, da escola? O ensino é bom, o material que compramos

deu ou está faltando algum livro...? Os novos colegas... Está tudo bem? Minha mãe fazia uma rápida checagem em meu coração, dando-me um beijo no rosto. Enquanto isso, meus irmãos, cada um preocupado com o seu mundi-nho, completavam a cena em casa. - Está tudo bem, pai! Na verdade, ainda não tenho novidades, porque tudo está começando agora. Cara, na verdade, tudo havia acontecido naquela escola. Tanta coisa nova. Até meu "Coração Valente" estava dando pino por aquela voz de brisa, chamada Helda. Já havia conhecido o cidadão de Curitiba, aquele famoso "curtidor da vida". Isso, sem falar nos outros colegas novos, como o Cléber, Cássio, Rogério e André, que já estavam fazendo parte do meu convívio. Não sei. Acho que esse mundo da escola não pertence mais aos nossos pais. Talvez seja muito para a cabeça deles. Talvez, no tempo deles, as coisas aconteciam um pouco mais devagar, dessa forma, isso não seria assunto para o meu pai ou minha mãe. Bom, se eles insistem em saber sobre os livros, professores e coisa e tal, já está respondido. - Arlem, telefone. gritou minha irmã. - Quem é, Binha? (apelido carinhoso com que a chamávamos em casa). - É um tal de Dori... Falou que é seu chegado. Saindo do banho, enrolei-me na toalha e fui atender. -Alô. - E aí, grande Passarinho? disparava aquela voz rouca e musicalizada do convicto curtidor da vida. - Cara, vem aqui em casa pra gente levar uma idéia. Estou ouvindo um som. - Agora não vai dar. Eu tenho de começar a fazer umas tarefas para a aula de amanhã. Prometo que a gente se junta para bater um papo fora da escola e tocar uma viola. - Ta limpo, Passarinho. Até mais, então. Havia algumas palavras pontes na comunicação do Dori, que eu começava a apreciar, mas isso não fazia qualquer diferença. Os dias se seguiam na escola. Recreios, flertes, amizades, educação física... Educação física? Isso me lembra os primeiros times de basquete que montamos na escola. Aquele cidadão de Curitiba, o Dori, tinha uma habilidade fora do comum com a bola. Era fera no basquete. Todo mundo queria jogar no time dele. - Aquele cara tem coisas que fazem a diferença. - comentei com Neném e Teco, que estavam sentados na quadra comigo. Algo mais nos chamava a atenção. Ele andava com mais uns quatro colegas de outras classes da escola. Juntos, tinham a atenção das meninas. Aparentavam sempre saber

mais alguma coisa sobre tudo. Transmitiam segurança. A alegria gratuita era constante em suas vidas. Esbanjavam idéias e havia qualquer coisa que servia como "solda" na amizade deles. De volta para escola O recreio era esperado como um presente, para compensar aquelas horas chatas e cansativas das aulas, principalmente, se fosse de matemática (risos). Um vai e vem nos corredores, o zum... zum... zum... Dos grupinhos das meninas e dos meninos. Cada um se atraía por um grupo e ali formava sua tribo no grande pátio da escola. Neném, Teco, Guego, André e eu já combinávamos coisas para depois das aulas. Encontros no cinema, atividades esportivas, eventos e festinhas nos finais de semana. Com o tempo, observei que não existia somente o nosso clubinho fechado. O cidadão de Curitiba também tinha o seu grupo, com aquelas diferenças que já falei. As meninas, da mesma forma, organizavam seus clubinhos. Alguns pequenos flertes e namoricos já começavam a se desenhar naquela prancheta da vida escolar. Vez ou outra, nós nos misturávamos para trocar algumas palavras, mas já dava para perceber que o grupo do cidadão de Curitiba tinha seus segredos e senhas que nós não tínhamos acesso. De vez em quando, eu procurava por ele nas festinhas da escola, e também no fim de semana pelo bairro, mas dificilmente o encontrava. Coisas simples, que chamavam a atenção do nosso grupo. Não tínhamos qualquer atrativo para os integrantes do seu grupo. Enquanto isso, meu coração continuava gangorrando por Helda. Agora, com mais intimidade, eu conhecia a pureza do seu olhar. Ela se dedicava muito às matérias e se esforçava para cumprir suas obrigações. As meninas admiravam sua disciplina, maturidade, sua forma alegre e amigável de tratar as pessoas. Helda liderava e chamava a atenção pelo forte traço de segurança estampado em suas atitudes. Dori, no entanto, parecia conhecer uma fórmula mágica para se comportar na escola. Apesar da idade, chamava a atenção pela inteligência, pelo porte físico e pela habilidade para lidar com assuntos delicados, como política, música e drogas. Cara, aquele recreio era show demais. Milhares de mundos diferentes se misturando. A metade de nossa vida estava sendo vivida ali dentro. Cada dia um capítulo de uma longa história. Cada um criava seu roteiro. Pequenos grupos se formavam em cada canto. Papos variados, patricinhas, mauricinhos, radicais, liberais e outros. Eu fazia parte daquele mundo e começava a admirá-lo. - E aí, professora?! No tumulto do pátio, dificilmente alguém conseguia ver um professor ou professora. Assim que a sirene ecoava para o recreio, eles saíam das salas de

aula e se dirigiam para a sala dos professores. Lá, eles também tinham o seu clubinho fechado. - Cara, você acredita que até hoje não sei exatamente o que rola de conversa numa sala dessas? Eu imagino que falem de salário baixo, promoções, família, alunos difíceis, condições de aula... sei lá. Quando um desses professores escapava da sala na hora do recreio, o papo era o mesmo: - E aí, professor?! - E aí, professora?! Que mundo legal, hein, colega? A história de cada um sendo escrita ali dentro de um prédio chamado escola. Acontecimentos ricos para qualquer roteirista de filme ou escritor. De volta para a vida Nada mais era totalmente novo na escola. Os dias traziam a repetição dos horários e das matérias. Helda continuava deslumbrante. Do fundo da sala eu podia sentir seu perfume, não o que ela passava na roupa, mas o que saía do seu coração. A sirene tocou mais uma vez e, naquele dia, não consegui segurar a onda. Tomei coragem, comprei um sorvete na cantina, apanhei uma pequena flor no jardim do pátio, combinei com o cidadão de Curitiba para distraí-la e, vindo de trás, coloquei meus braços em volta do seu pescoço, entregando meu presente, com uma pequena frase em seu ouvido: "Sem você, essa escola não existe". - Obrigada, Passarinho, gostei. - E aí, gata, tenho chance? - Chance pra? - Pra qualquer coisa que me leve pra perto do seu coração. - Nossa, que lindo! É, eu estava ficando bom de conversa. Helda aceitou meu convite para uma festa de aniversário no bairro. Eu deveria apanhá-la em casa. Bem, ainda não dava para comemorar. Eu tinha dois desafios pela frente: o primeiro era convencer um colega de condomínio a me emprestar sua moto, e o segundo, ficar de frente com o pai ou a mãe dela. Liguei rapidinho para o Beto: - Sangue bom, preciso da sua moto. - Ta maluco, Passarinho! - To cara, to maluco pra sair com a Helda, e se você me emprestar a moto te coloco dentro de todas as festas que for convidado. Eu sabia que o Beto era daqueles viciados em festa, e como eu tocava violão, era o primeiro a ser convidado em qualquer uma delas. - Táfalando sério, Passarinho? - De rocha, cara. - Então tá certo. Você tem duas horas com a minha moto. Se cair, vai se danar sozinho, e se te prenderem ou quebrar a moto, vai ter que pagar. - Show, cara.

Agora, era rezar para não acontecer qualquer uma das advertências do Beto, porque ele não era de ficar no prejuízo não. As oito da noite eu tocava a campainha da casa da Helda. Uma senhora de trinta e poucos anos, bonita e muito educada, veio atender-me. Parou na porta, olhou-me de cima abaixo, olhou para a moto: - Gostei da calça. - Como senhora? - Gostei da calça. Olhei para a minha calça jeans e vi uma mancha de graxa, que desenhava uma avenida na barra da minha coxa. - Desculpe, minha senhora, foi a moto. - Tudo bem, entre. Quando passei pela porta e sentei naquele confortável sofá, veio o tiro de misericórdia: - Você não está pensando em levar minha menina de quatorze anos para a festa nessa moto, está? Eu estava engasgado e, antes que pudesse responder, Helda desceu a escada que dava acesso aos quartos e, vendendo beleza, disse: - Mãe, por favor, quero andar de moto. A festa é no outro quarteirão. - Tá brincando? Seu pai logo apareceu. Era médico. - Como vai? Tudo bem? Qual é o seu nome? - É Passarinho, quer dizer, Arlem Maffra. - Escuta, Arlem Maffra, por que você não deixa a moto aqui em casa e vai andando. Assim vocês conversam e podem apreciar a brisa da noite. Cara... que fogo cruzado. O que eu queria mesmo era que a Helda me abraçasse na moto, mas para não perder tudo, concordei. Bem, para você não ficar aí na curiosidade, a festa foi boa, rolou abraço e alguns beijos e começamos a namorar naquele dia. Comecei a encontrar o cidadão de Curitiba em algumas festas, esbanjando um estado de espírito desejado por qualquer adolescente mortal. Sorriso aberto, sensação de domínio, sempre com uma garota bonita do lado. Era expressivo. Seus olhos, às vezes, estavam um pouco arregalados e avermelhados. Copo de cerveja na mão, o cigarro na outra. Mas isso não vinha ao caso. Ele era um cara legal, estudava como todo mundo, praticava esportes e tinha uma família que o amava. Está certo que ele tinha um grupo meio estranho, gente que parecia esconder um elixir da felicidade ao alcance de qualquer um que se aproximasse dele. Seu olhar penetrante buscava, ao seu redor, cúmplices daquele "estado de felicidade" que estava vivendo. Seu comportamento na escola já era mais ousado. Seus segredos já escapavam na sala de aula, quando respondia algumas perguntas. Sempre dava sua opinião sobre todos os assuntos levantados pelos professores. Na hora do recreio, tinha o

comportamento de quem parecia estar escondendo alguma coisa. Tomava sempre cuidado com os outros a respeito do que estava falando. Os desenhos em seus cadernos queriam testemunhar suas experiências. Tudo sempre codificado. O vocabulário já não escondia a preferência por aventuras alucinantes. Nos intervalos de aula, a tradicional visita ao banheiro, e sempre tinha uma "sentinela" na porta. É claro que não deixou de ser aquele amigo legal de todos os dias, das festas dos finais de semana. Estava sempre disposto a nos ensinar a jogar basquete, emprestava seus discos para gravarmos músicas novas e nos ajudava nos recadinhos com as meninas. Seu rendimento na escola não era mal. Inteligente, aprendia as coisas com facilidade, além de ter uma capacidade incrível para decorar algumas matérias. Ficamos amigos e muito mais depois das férias de julho, quando iniciou o segundo semestre das aulas e nos confraternizamos com mil novidades para contar uns aos outros. Meu grupo, imperceptivelmente, misturava-se ao dele, como muitos outros também. O segredo? Esse ainda continuava e a pergunta estava no ar. - Que "combustível" embala os sábados à noite do cidadão de Curitiba e sua turma? Por que as meninas tinham prazer em ficar horas seguidas nas festinhas conversando com eles? Cara, isso não importava naquele momento. Eu estava descobrindo a existência de dois mundos: minha casa, meus pais, meus irmãos, aquele velho mundo, agora um pouco careta, sem adrenalina e sem atrativos. Meus pais se esforçavam para fazer o melhor que podiam, para não deixar a peteca cair. O outro mundo era o da escola, que naturalmente tinha toda a minha atenção. Era mais que uma escola, era o início de muitas descobertas, muitas diferenças. A amizade com o cidadão de Curitiba, o namoro com a Helda, os outros amigos, o esporte, as festas. "Eta mundinho bom aquele". Eu adorava as tarefas nas casas dos amigos e amigas. Curtia as conquistas, odiava os fracassos, era simplesmente radical. Meus pais, você já sabe, aquele velho mundo, aquela velha história, aquelas velhas perguntas. Definitivamente, não dava para misturar as Coisas. Eu não encontrava espaço para isso. Tinha de separar esses mundos e viver como se representasse dois papéis na mesma história. A realidade estava clara diante de mim: dois mundos, dois personagens. Talvez eu não estivesse preparado para entender o que cada mundo desses representava, e o que realmente eu deveria viver em cada um, sem perder minha identidade. Ser filho, ser amigo, ser namorado, ser estudante, ser um ser. Ser o quê?

Acho que eu precisava ficar mais à vontade com alguém, quem sabe, meus pais, algum professor para me orientar melhor. Mas está tudo bem, acho que estou filosofando demais. Quem sabe minha geração foi predestinada a isso e eu, diferente. Eu não tinha liberdade para falar desses acontecimentos naturalmente com meus pais. Acho que eles não queriam saber sobre esses assuntos bestas de adolescentes. Não fazia parte do mundo deles. Não sei, cara, os meus pais eram bons, me queriam muito bem, tentavam me ajudar a descobrir coisas que eu já sabia, tentavam me inserir no mundo deles. "Eta, mundinho complicado o dos meus pais!" Acordar, comer, trabalhar, assistir TV à noite, conversar um pouco, churrasco ou clube no final de semana. De vez em quando, visitar algum parente ou amigo. E é aí que a gente sempre paga mico com aquelas perguntas tradicionais: - E aí menino, como é que vai a escola? Gosta dos professores? Das matérias? A escola é boa? O ensino é bom? Cara, que "caretice"! Uma vida inteira acontecendo por trás dessa cortina de livros e cadernos. E essa gente preocupada só com isso. Mas está valendo. Ninguém é perfeito mesmo. Namorando o perigo - Nenêm, você está vendo o que eu estou vendo?perguntei. - Vendo o que, cara? Táficando doido? - A Meire tá namorando o Célio. -E daí, meu irmão? Você queria que ela namorasse outra menina e o cara um macho? Não agüentei, tive de rir. - Não é isso, cara. Esse Célio está sempre no banheiro, junto com a turma do Dori, montando sentinela na porta. E quando a gente entra depois, o cheiro de fumaça está sempre impregnado no ar. - Deixa de onda, Passarinho. Os caras estão fumando no banheiro, não tem nada de mais. É cigarro comum. Além do mais, não temos nada a ver com isso. Meire era uma doce menina. Tinha o temperamento diferente da Helda, que rebocava um comportamento eletrizante. A gata espoleta que explodia com facilidade. Era capaz de sair nos tapas com qualquer um para impor suas posições. Meire tinha um senso de humor fora do comum. Era muito bonita, loura, com um rostinho de criança. Seu irmão também estudava na mesma escola e era nosso amigo. Meire não costumava dar bola para qualquer um, no entanto, vivia se envolvendo em confusão. Era comum, na hora do recreio, observarmos o comportamento da Meire andando de um lado para outro. Ela tinha acesso a todos os grupos de meninas, fosse de sua idade ou não. Era de família da classe média, não trabalhava, vivia somente para os estudos. Era também comum, vez ou outra, quando fazíamos trabalhos em grupo, ouvirmos sobre seus sonhos de ser modelo, atriz, cantora. Meire tinha uma voz bonita e

nas festinhas da escola, estava sempre ensaiando para cantar. Nós até a apelidamos de menina veneno, por causa de uma música que leva esse título. Meire começou a namorar o Célio. Célio era um cara esperto, brincalhão, experiente e acostumado a namorar. Meire, ao contrário, estava tendo sua primeira experiência com namoro. Célio estava sempre de carro. Sorriso largo, olhar sedutor e dono de um comportamento irônico. Essas características estabeleciam sua performance. Célio também costumava se envolver em algumas brigas na escola, mas nada que comprometesse seus estudos. Seu irmão mais novo também estudava na mesma escola. Célio gostava de andar com os cabelos molhados e sempre encaracolados. Fazia amizade com facilidade, porém não se apegava a ninguém. Tinha sempre dinheiro no bolso. Cortês e muito educado, não se importava de pagar lanche para seus amigos, principalmente, se fossem amigas. Célio começou a namorar a Meire. As cartas abriam o jogo sem indicar vencedores ou perdedores. Laços afetivos, apesar de paixões adolescentes, começavam a acontecer e boa parte das pessoas daquele mundo estudantil não era mais vista sozinha, ou como fulano, mas, sim, o fulano que namora beltrana. Vamos conhecer mais alguns pares que se formaram naquele mundinho escolar. Mirtes, quatorze aninhos, rechon-chuda, nissei, daquelas que têm os olhos puxadinhos de japonesa. O pai era fazendeiro e a mãe do lar. Mirtes morava no mesmo bairro da escola e de todos nós. Era ingênua, tinha corpo de mulher, porém sua cabeça ainda engatinhava tentando descobrir os prazeres "inofensivos" que a vida lhe pudesse oferecer. Aquelas alturas, na flor da idade, Mirtes conflitava com diversos tabus nas conversas que tinha com outras meninas do grupo. A dúvida sobre a virgindade era um desses conflitos. Descobrir o desconhecido, matar o pesadelo da curiosidade, controlar suas ansiedades por aventuras jamais experimentadas. Usufruir ou não das curiosidades apresentadas naquele mundo da escola. Mirtes gostava de dançar e era muito comum freqüentar, na saída da escola, as lanchonetes que vendiam sorvete e pão de queijo para os estudantes. Participava sempre das festinhas dos finais de semana no bairro. Era freqüentadora assídua das festas da escola. Gostava de festivais de guaraná, sorvete, pipoca, eventos dos feriados e outras festas realizadas pelos próprios alunos. Tinha o sonho de ser médica veterinária e dedicava-se muito aos estudos. Doces sonhos, doces desejos, doces vontades, doces prazeres, doce vida. Mirtes começou a namorar o Cascão.

Cascão era seu apelido, é claro. Seu nome era Fernando. Ele estudava em outra sala. Figura bacana, poucos riam e se divertiam como Cascão. Falava alto e em bom som. Cascão era magro e se vestia muito bem, gostava de andar de motocicletas e sabia andar como ninguém. Cascão e Mirtes formavam um casal perfeito, pelo menos era o que todo mundo dizia. A única coisa que pesava sobre Cascão, talvez fosse o fato de ele também fazer parte do grupo do cidadão de Curitiba. De vez em quando, visitava aquele falado banheiro da escola na hora do recreio, mas isso não importava. Nada demais. As notas dessa rapaziada não eram ruins, suas famílias não eram anormais, andavam bem vestidos, sempre sorridentes, tinham sempre uma saída rápida e inteligente para tudo, não andavam envergonhando os pais ou a escola. Vieram para estudar. Cascão começou a namorar a Mirtes. Com o cidadão de Curitiba a parada não foi diferente. Um cara presença e líder como ele, desejado pelas meninas da escola, não poderia deixar de ter o seu par. E lá vem ele, com a toda, toda Kátia. Garota bonita, branca, magra, lindíssima, cabelos longos e negros, rosto afilado. Voz irritante e muito exibida, daquelas que têm em todos os lugares, inclusive em sua escola também. Kátia gostava de aparecer, de ser a primeira, de ser melhor e maior que todas as outras meninas. Queria ter o namorado mais bonito, dançar com o mais cobiçado da festa, andar com os mais comentados. Espere aí, Passarinho! Não vamos crucificar a gata. Apesar dessa áurea pesada que a envolvia, também tinha lá suas qualidades. Kátia era super inteligente, conversava com todo mundo, sabia organizar uma festa como ninguém, conseguia a maioria das coisas que queria e não levava desaforo Para casa. O cidadão de Curitiba desfilava com sua musa na escola e nas festas. Kátia começou a namorar o cidadão de Curitiba. Bem... de volta à "Bat escola"... onde foi que eu parei mesmo? Ah, é claro, a formação dos pares. Na hora do recreio, era comum a formação de grupos, recheados de casais de namorados: Dori e Kátia, Célio e Meire, Cascão e Mirtes... Eu começava a me sentir atraído pelo grupo do cidadão de Curitiba. Um misto de curiosidade, medo e aventura criava um desejo quase que incontrolável de me aproximar mais. Em pouco tempo, eu já freqüentava algumas festas na companhia do cidadão de Curitiba. íamos juntos ao shopping, ao cinema e às mesmas quadras de futebol. Eu conversava abertamente com Helda sobre minhas novas amizades através do entrosamento com o grupo do cidadão de Curitiba. Helda andava meio preocupada e sempre me avisava: - Cuidado, Passarinho!

- Cuidado por quê? - Com essa gente que você começou a andar e a atrair. Estou observando-o há algum tempo. Percebo que as coisas estão ficando rotineiras e muito normais para você, as coisas estão mudando e você ainda não percebeu. Não entendi. Cuidado com o quê? Com quem? Como assim? O que está mudando? Para não passar batido, o cidadão de Curitiba jogava pesado. - Passarinho, você tem de acabar esse namoro e partir pra outra, cara. A menina é muito certinha, não curte, não deixa você à vontade. Aquilo caía como uma bomba em meu coração. Trocar a companhia daquele "riacho doce" pela amizade do cidadão de Curitiba era um duro golpe, depois de tanto esforço Para conquistar um coração tão disputado. De volta para a escola O ano letivo estava terminando. As provas de final de ano se aproximavam. Formávamos grupos para estudar juntos. E por falar em grupos, agora era um só. Não havia mais aquela separação como no início das aulas. O meu grupo, o grupo do cidadão de Curitiba, o grupo do Célio, tudo isso era coisa do início, quando não nos conhecíamos. Agora, éramos uma tribo, ouvindo as mesmas músicas, indo às mesmas festas e namorando as meninas do mesmo grupo. De volta para casa Aquela velha história se repete. Meus pais só queriam saber se eu ia passar ou não, se minhas notas iam ser boas e se eu ficaria de recuperação em alguma matéria. As férias de final de ano estavam chegando, minha família se preparava para viajar. Meu pai começava a divulgar para nós (irmãos) o roteiro da viagem de férias. Talvez fôssemos para Passos de Minas, conhecer a fazenda do meu tio, ou então, curtir alguns dias em Porto Seguro, na Bahia, onde meu pai tinha uma casa de praia. Por falar em férias, cara, eu me lembro da última vez que meus pais falaram em férias. Eu fiquei tão empolgado, que um mês antes comecei a arrumar minhas coisas e divulgar para o bairro inteiro o roteiro da viagem e os lugares que eu conheceria. Agora, porém, eu tinha a turma, a curti-ção, as festas, a Helda. Nas férias, teríamos folga para planejarmos as saídas. Na verdade, não fiquei muito animado, no entanto, aquele velho mundo da minha família ainda era o meu mundo. Tudo continuava como antes. A velha mochila, a velha comida, o velho quarto, com uma ligeira mudança, o papo havia mudado um pouquinho. Agora, meus pais começavam a cobrar mais, porque queriam que eu passasse a todo custo. Minha mãe dedicava-se a me dar algumas aulas de reforço em casa. Ufa, passei!

A festa era de confraternização. Muitos venceram, não a guerra dos estudos, mas a batalha daquele ano letivo. - "Estamos livres" - E aí, Passarinho? Parabéns, cara. Eu li a lista e você está lá. Passou! Era aquela mesma voz rouca e musicalizada do cidadão de Curitiba. - Valeu Dori, parabéns pra você também, cara! Parabéns pra lá, parabéns pra cá. É claro que alguns poucos colegas tombaram na batalha e deveriam repetir o ano e a história se repetiria. Nesse clima de confraternização, muita festa, sorriso e alegria, começamos então a combinar como e na casa de quem faríamos nossa festinha de comemoração, antes que alguns viajassem com suas famílias. O ano realmente havia acabado, mas as amizades ficaram. O aprendizado e as influências haveriam de continuar, afinal, morávamos na mesma cidade e até no mesmo bairro, freqüentávamos os mesmos lugares e nos conhecemos melhor através da escola. Isso queria dizer que o cidadão de Curitiba continuaria a fazer parte da minha vida, assim como todas as outras pessoas daquele mundo estudantil. Minha vida ficou mais completa. Algumas coisas deixaram de ser caretas. Aprendi muito. Fiz mais amigos e as festas ficavam cada vez mais divertidas. Helda, como não poderia ser diferente, havia passado de ano e com as melhores notas da escola. Caminhava firme e forte rumo ao objetivo de chegar ao campus de uma universidade para cursar medicina. Queria, a todo custo, ser doutora. Muitos outros não continuavam a vida com nossa turma, mas deixa pra lá. Éramos uma grande família de estudantes apaixonados pela liberdade, pelo prazer e pela vida. Um truque que me atraiu Cara, vou lhe mostrar como é que se faz uma festa em Curitiba. Ao final do período das aulas, tudo continuou como era antes. Nossas amizades, namoros e envolvimentos continuaram fora da escola. Uma coisa, no entanto, ninguém podia contestar. Tudo começou lá, naquela escola da Zona Oeste de Belo Horizonte. Combinamos todos, então, de fazermos uma festa de final de aula na casa de uma de nossas colegas, a Silvana, que, a essa altura, já havia conquistado o coração do cidadão de Curitiba que, por sua vez, havia terminado o seu namoro com a Kátia, a dita que gostava de aparecer. Passamos toda aquela semana cuidando dos preparativos para a festa de comemoração do início das férias. Já que havíamos passado de ano, tínhamos direito a isso. Nossos pais... bem... nossos pais encaravam como uma festinha qualquer de adolescente e com todo merecimento. Talvez os nossos pais jamais discerniriam, naquelas festinhas, a continuidade e a concretização dos laços de amizades que começaram com o início das aulas.

Para eles era mais uma festinha corriqueira com seus filhos tendo a oportunidade de arranjar uma namoradinha. Apenas uma diversão a mais. Aquela festa poderia ser besteira para qualquer outro, mas para todos nós era muito mais que isso. Não queríamos perder o que construímos durante aquele ano que ficou marcado em nossa vida. As amizades, que nos ensinaram tanto, os momentos divertidos e as alegrias compartilhadas ao longo de tanto tempo. Se meus pais e meus irmãos faziam parte efetivamente de minha vida, agora, também o Neném, o Teco, o Guego, o André, a Meire, a Maria, a Mirtes, o cidadão de Curitiba e tudo que vinha a reboque. Pode parecer exagero, mas você sabe que isso é verdade, que nessa idade gostamos de viver tudo com muita intensidade. A festa 12 de novembro de 1979. 19 horas. O telefone toca. - Arlem Maffra, tem alguém no telefone, querendo falar com você. Acabei de amarrar o cadarço do tênis e fui atender. - Pronto! - Grande Passarinho! era o cidadão de Curitiba. - Cara, a festa começa às nove da noite, tá quase na hora. Você não vai faltar, vai? - Claro que não, Dori. Não perco essa festa por nada nesse mundo, já combinei com a Helda, vou apanhá-la daqui a pouco. - Falou, Passarinho. Me faz um favor? Liga pro resto da turma, confirmando. Vou mostrar a vocês como se faz uma festa em Curitiba. - Falou, Dori! Até mais tarde. Alguma coisa naquela conversa estava atraindo minha curiosidade, principalmente pela promessa do cidadão de Curitiba de fazer uma festa diferente das que estávamos acostumados. O namoro do Dori com a Silvana já estava acontecendo há um mês e os dois estavam sempre se afastando em todas e quaisquer ocasiões. Depois apareciam com um comportamento meio esquisito, diferente. Não que fosse pior do que o normal, mas diferente. Expressavam sensações de prazer, de euforia, de bem-estar. E nesse clima, parecia que haviam nascido um para o outro, sorriam sempre, um pouco agitados, mas sempre os mesmos amigos de sempre. De vez em quando, saiam algumas frases meio que codificadas, soltas de um texto qualquer por parte da Silvana, dizendo às outras meninas que para "transar" não tinha coisa melhor que o "elixir" da vida. Coisas desse tipo. Depois que as aulas encerraram, todos os dias estávamos juntos numa quadra de um clube no nosso bairro para jogar basquete com o cidadão de Curitiba.

Chegamos até a montar um time com Dori no comando. Até disputamos um campeonato regional, mas... não tivemos muito êxito. No bairro tinha um cinema e me lembro que todo mundo se encontrava lá quando algum filme bom entrava em cartaz. Lembro-me também que naquela época, o filme "O Tubarão" estava em cartaz em todos os cinemas da cidade. Combinávamos para assistir a shows como o do 14 Bis, Milton Nascimento... Eu estava sempre animando a turma, na praça do bairro, com o meu violão, tocando as músicas do Fagner, Cazuza, Djavan e do Lulu Santos. As 20horas45min eu buzinava na passagem pela lanchonete, próximo à escola, e Helda vinha ao encontro do carro. Abriu a porta, entrou e disse: - Passarinho, não vou à festa. - Como assim? Não vai por quê? - Porque você ta diferente, andando com gente diferente e freqüentando lugares diferentes. - O quê? Ta maluca, garota! Eu to legal. Você que é muito careta. - Eu gostava do Passarinho do início do ano, mais puro, menos curioso. - Helda, abre o jogo, polaca. O que é que você está querendo dizer? - Que esse pessoal usa drogas e que vai rolar drogas na festa. Eu não quero estar por perto e não quero que você também esteja. E mais, você escolhe, ou eu ou a festa. Cara, uma noite inteirinha para curtir e eu brigando com a menina dos meus sonhos. - Helda, eu quero os dois, você e a festa. São meus amigos e eu gosto demais de você. - Passarinho, você vai mesmo à festa? - Vou! Num gesto brusco, Helda saiu do carro batendo a porta com força. Pela primeira vez, vi um gesto deselegante dela. À medida que sua silhueta perdia-se na noite, mil coisas passavam por minha cabeça. Nossas brincadeiras, nossa amizade, as músicas que cantamos juntos, combinamos de fazer a nossa festa de quinze anos juntos. Nossos sonhos, nossos filmes, nossos planos, sua beleza, sua doçura... Helda estava deixando a história da minha vida para sempre. Cheguei à casa de Silvana... A rua estava repleta de carros e motos. Lembro-me do romantismo e o sucesso que as "TT's", da Yamaha, faziam. Logo na entrada, uma bandeja com algumas bebidas. Era o sinal de boas vindas aos convidados. Os tradicionais cumprimentos: - E aí? Diz aí! Qual é? Fala meu... Meus olhos correram pelos cantos do quintal da casa da Silvana e logo encontrei o Neném, a Mirtes, o Teco, muita gente conhecida e desconhecida. O cidadão de Curitiba ainda não havia chegado. Silvana já estava impaciente esperando por

ele. Logo chegou seu irmão mais novo, Sinval. Tinha quatorze anos e, adivinha quem estava com ele? A Kátia, bicho! Que levou um fora do cidadão de Curitiba. Ninguém se espantou, afinal de contas partindo dela nada era novidade. Começou a festa Eu não tinha o costume de beber, mas parece que havia algo de mágico nesse dia, o clima, o pessoal, o local, os motivos da festa. Enfim, tudo montava um palco perfeito para dar uma exagerada. Não havia mal algum em exagerar um pouquinho. A música era perfeita, muito rock, baladas românticas, MPB e Dance turbinavam a disposição da rapaziada. Cerveja, vinho, quentão, batidas e, de vez em quando, aparecia um uísque. Cara, que festa! Se aquele ano trouxera tantas coisas boas através da escola, imagine o ano seguinte que voltaríamos a estudar na mesma escola com os amigos e outros que ainda haveríamos de conhecer. Dei uma passada de olho no pulso, o relógio marcava meia noite e alguns minutos. Resolvi dar outra passada de olho no ambiente e, de repente, cruzei o olhar com uma bela morena clara que vestia uma saia rodada e uma blusa. Seus cabelos negros e sedosos desciam até a cintura, olhar arrebatador. Se meu pai dizia que homem não prestava, eu é que não seria exceção. Meu coração batia forte por Helda, sentia a falta dela. - E aí, Passarinho? Onde está a doutora? Era o Célio. - Terminamos, cara. - Ihh! Ta falando sério? - To sim e vamos mudar de conversa. Por que você não me diz quem é aquela garota de saia rodada? - É a Maria, amiga da Silvana, estuda no La Salle. - Ela tá acompanhada? - Veio com um amigo, mas parece que se depender dela não vai rolar nada. -Então fui... Cara, não vou ficar sozinho nessa festa de jeito nenhum. Aproximei-me, e ela não tirava os olhos enquanto eu chegava perto. Sem dizer nada, peguei-a pelas mãos e levei até o centro do salão e começamos a dançar uma canção do Dire Straits. Dançamos toda a música e depois outra do Phil Collins. Não trocamos uma palavra, mas não demorou para acontecer o primeiro beijo. - Você está só? perguntou ela. - Sim. E se você não tá namorando ninguém, podemos ficar juntos essa noite. A noite continuou e chamei Maria para sairmos um pouco. E ficamos próximos ao carro para tomarmos um pouco de vento. Passado algum tempo, outros casais começaram a fazer o mesmo. Neném com Carla, Cascão com Mirtes, Sinval com Kátia, Célio com Meire, Teco com Fabiana, irmã do cidadão de Curitiba. Não demorou muito e o cidadão de Curitiba chegou. Estava acompanhado do Beto, aquele que me emprestou a moto para meu primeiro encontro com Helda.

- E aí, Passarinho? Onde está a Helda? Beto me colocava numa enrascada na frente da Maria. - Acabou tudo, cara. Ela acha que não pode se misturar com a gente. - Ela é muito careta pra você... Pra frente que atrás vem gente. Maria, apesar de muito diferente de Helda, era também muito bonita, fumava, bebia e gostava de Rock'n Roll. Beto morava no bairro, mas não estudava na mesma escola que todos. Ele era um sujeito sangue bom que não se entur-mava com qualquer pessoa, tinha sempre uma bolsa pendurada no ombro. Beto estava sempre com o Dori e eles se entendiam muito bem. A festa rompia noite adentro e com a chegada de Dori as coisas ficaram mais animadas. Entramos para a casa novamente e continuamos a dançar, beber e namorar. A essa altura, começou a fazer calor por causa da aglomeração das pessoas, da fumaça dos cigarros e o agito das músicas, embalando danças coreogra-fadas. Em determinado momento em que Dori caminhava para fora da casa juntamente com Silvana, disse quase sussurrando ao passar por mim e Maria: - Passarinho, vamos dar uma chega-dinha ali comigo. Não pensei duas vezes. E assim, da mesma forma, estendi o convite para o restante da rapaziada: Neném, Teco, Guego, André e Beto. Um a um seguíamos o cidadão de Curitiba numa fila indiana. Saímos do quintal e nos afastamos um pouco dos carros, dobramos a esquina e como já passava de uma hora da manhã, as ruas do bairro estavam desertas. O convite Com a habilidade de sempre, Dori disse que ia fazer a festa ficar melhor do que estava e isso aflorou nossa curiosidade. Éramos amigos, o admirávamos e todos queriam saber os segredos do cidadão de Curitiba. Sendo assim, era normal partilharmos do que ele ia fazer. Sem que tivéssemos tempo para processar suas palavras, o cidadão de Curitiba tirou uma carteira de cigarros do bolso, abriu-a, tirou todos os cigarros que estavam envoltos numa seda, começou a cortá-la num tamanho que indicava usar para elaborar um cigarro. - Passarinho, você pode segurar a seda pra mim? Todos estavam inertes, apreensivos, curiosos, perplexos, surpresos... Sem dar tempo, o cidadão de Curitiba tirou um outro pacote do bolso que exalava um cheiro mais forte que o do cigarro comum. - Neném, você pode segurar isso pra mim? Ali estávamos todos, participando daquele ritual desconhecido. Novamente sacou do outro bolso, outro pacotinho contendo um pó branco que era cocaína... Cara, ninguém se assustou como deveria. Afinal de contas, àquela hora da madrugada, com muita cerveja na cabeça, "alegres" e curiosos, sem falar no cara legal que ele era e na amizade que todos nós

tínhamos consolidado durante todo aquele ano na escola, era só uma festa, nada mais. Não havia nada que pudéssemos pesar contra o cidadão de Curitiba. "É algo que acontece uma vez na vida e outra na morte, um acessório, ele não está forçando ninguém. E depois, meus pais disseram que um traficante com cara de mau que iria me oferecer drogas, ou alguém empurrando um carrinho de pipocas na porta da escola poderia ser um traficante disfarçado. " Meus pais diziam para eu não andar com gente "vagabunda", sem ocupação e coisa e tal. O mais engraçado e estranho era que nenhuma dessas referências caía naquele momento. Todos riam num clima de descontração. A sirene Aquela sirene interna tocava na consciência de cada um, avisando, de longe e quase inaudível, que deveríamos pensar antes de experimentarmos a maconha e a cocaína. Havia um ar de perplexidade entre nós, mas não de medo, já que Dori não tinha reações anormais, violentas, alucinógenas ou perda de consciência. O certo era que não havia com o que nos preocuparmos, um servia como sinal de aprovação para o outro. Ninguém estava sozinho e a confiança no outro era total. Se foi um truque ou não, o fato é que fomos atraídos, e, assim, conhecemos e experimentamos, pela primeira vez, a maconha e a cocaína. Alguns olhares fixos, outros atentos, vigilantes... O medo de alguém estar por Perto, de alguém descobrir e contar para nossas famílias... O receio de haver alguma reação orgânica por parte de algum dentre nós... A expectativa da sensação física no primeiro uso... A guerra dos pensamentos num campo de batalha, digladiando-se, debatendo, ora aprovando, ora desaprovando. O que nos ensinaram nossos pais, professores, parentes...? O fato era que não eram suficientes as informações que recebemos a respeito para resistirmos àquele momento de tão grande curiosidade. Experimentar o desconhecido, desvendar o mistério dos segredos das drogas, entrar no mundo do cidadão de Curitiba, evoluir, crescer, mudar, reciclar. Nossa cabeça estava confusa, fervia, mas experimentamos. Eu não podia acreditar que era verdade o que estava acontecendo naquele momento. Tinha usado drogas e não tinha muito conhecimento a respeito. Estava seguindo os passos dos amigos, suas orientações, seus conceitos, seus motivos, suas justificativas. E eu? Não tinha os meus conceitos, minha opinião formada a respeito daqueles acontecimentos? Não vim à escola para estudar apenas? A realidade estava diante de mim e eu não podia negá-la, pois conheci o cidadão de Curitiba na escola, estudei, me diverti, conheci novos amigos e amigas, me socializei,

participei das atividades da escola, mas agora estava usando, experimentando drogas pela primeira vez. O que viria depois disso? Como eu reagiria no dia seguinte? Já estava feito, eu já havia usado, agora, era esperar para ver no que ia dar. "Está tudo bem, só tenho de tomar cuidado para não me viciar." Vida nova, experiências novas... Confesso uma coisa: sinceramente, pensei que o meu encontro com as drogas fosse trazer um dano sem medidas e que minha consciência não me deixaria em paz por muito tempo, que não teria como encarar meus pais. E depois, que minha vida imediatamente tomaria um rumo trágico ou qualquer coisa desse tipo, mas para minha surpresa, nada disso aconteceu. Senti-me tão protegido, tinha tantas garantias para fazer o que fiz que estava tão ou mais tranqüilo quanto antes de usar. Na verdade, estava me sentindo a dois passos do paraíso. Não deu tempo de processar o "depois" e avaliar a experiência na companhia do grupo, porque logo em seguida viajei com meus pais de férias. Na viagem, eu pensava naquela experiência. - Senti formigamento em todo o corpo, inclusive no cérebro. Minha boca ficou seca, minha visão um pouco embaçada, os olhos um pouco irritados, e sorri mais que o de costume. Adquiri uma disposição para conversar e fui invadido por uma sensação de bem-estar fora do comum, além de ter aumentado a temperatura do meu corpo, fazen-do-me suar além do normal. O que me chamou a atenção também foi o fato de ter durado muito pouco tempo todo esse "paraíso". O resto não foi aquele bicho de sete cabeças que meus pais diziam. Eu não via a hora de retornar das férias, encontrar a galera novamente e recomeçar aquela experiência. Poderia também parar e me dar por satisfeito com a primeira experiência. Era uma questão de escolha. Por que repeti-la? Por que continuar? Acho que fui fisgado por um sentimento de prazer que não me exigia muito esforço além de fumar ou cheirar. Quanto e o que será que isto me custaria? Era a pergunta que eu não poderia responder. Tinha curiosidade para saber o que os outros estavam pensando, como é que reagiram, se iriam continuar ou abortar... Eram respostas que eu só poderia obter quando retornasse, e foi o que aconteceu. Ao chegar novamente no bairro, peguei imediatamente o telefone e liguei para o cidadão de Curitiba. Ele não estava e então liguei para o Neném. - Alô! atendeu Neném. - E aí, meu chapa? Como é que vai? perguntei. - Passarinho! Que bom que você chegou, cara! A gente ta com saudades. Ta todo mundo no pedaço agitando todas, muita festa. Antes que eu perguntasse, ele se adiantou:

- Cara, sabe aquela onda que aconteceu na festa de comemoração na casa da Silvana? Pois é, a "coisa" épra lá de boa, meu irmão. O cidadão de Curitiba todo dia tem alguma coisa nova pra gente. As meninas estão de vento em polpa, cara. Muita curtição: é "neguinho" rindo pra todo lado quando fuma maconha e, pra completar, o "pozinho branco" tá fazendo o maior sucesso com a rapaziada. Estavam ali todas as respostas que eu queria. E as coisas estavam acontecendo como imaginei. Só não pensei que as meninas também já estariam na onda... Besteira minha pensar assim. É claro que não poderia ser diferente. Estando todas namorando o perigo, vieram a reboque de seus sentimentos. Aproveitando cada minuto daqueles dias que ainda me restavam de férias, entrei na onda surfando em altíssima velocidade. Eu tinha uma queda acentuada pela cocaína e maconha era só de vez em quando. Não precisava comprar, era de graça. O cidadão de Curitiba fazia questão de nos dar. Daí em diante, as músicas, os namoros, as festas e as amizades eram regadas ao "elixir da felicidade", "segredo da curtição", ao "pleno prazer". Quanto aquilo ia custar, era a pergunta que saltava nos olhares de cada um de nós. Por enquanto, todos se sentiam a dois passos do paraíso. Não nos sentíamos drogados, viciados, dependentes, escravos ou qualquer outra terminologia empregada pelos médicos ou por nossos pais. As desculpas e justificativas que a gente precisava para continuar usando, o cidadão de Curitiba sabia nos dar com muita convicção. Não havia polícia, roubos ou violência na jogada. Sem que eu percebesse minha mente começou a criar frases de pensamentos manipuladores para me anestesiar da sirene que ecoava em minha consciência. As perguntas continuavam: - "Quanto tudo aquilo iria nos custar? Quem poderia responder a essa pergunta?" Há tempos, são os jovens que adoecem "Cuidado, Passarinho, você está se envolvendo demais com aquele grupo... Você sabe qual... Você está se deixando atrair demais por coisas que, mais tarde, podem complicá-lo..." As palavras de Helda, de vez em quando, soavam no meu interior como uma voz macia e branda da minha consciência, tentando me alertar sobre as alternativas que eu encontrara para aquele cotidiano rotineiro e comum, que a vida estava se tornando. Mas apesar do apelo, coisas muito mais importantes estavam acontecendo comigo para dar ouvidos a essa voz da consciência. Estava me destacando entre o grupo de iguais . Tudo bem que aquilo não fosse o paraíso, mas ninguém podia dizer que era coisa de desvio de comportamento, de bandido ou de "mente doentia". Eu

deveria tomar cuidado, claro, para não exagerar quanto ao uso. Minha preocupação inicial era que isso chegasse ao conhecimento dos meus pais. Eu sabia que eles ficariam muito decepcionados comigo. Até porque, não tinham cabeça para entender e abordar os fatos sem sentenciar um veredicto a respeito de toda aquela experiência nova que eu estava vivendo. Abrir o jogo, falar a verdade com eles, nem pensar. Eu não tinha abertura para isso e depois, não estava a fim de parar. Não havia indícios físicos nem sociais de que estava me fazendo mal. Eu podia admitir, talvez, um conselho de alguém mais experiente. Deixei rolar. De volta para casa - Filho, estou percebendo que você está voltando para casa um pouco mais tarde do que de costume e, além disso, está saindo mais vezes que o de rotina... Está acontecendo alguma coisa? Você está com algum problema? perguntou minha mãe. - Que isso, mãe! Ta tudo bem! Éporque eu estou namorando firme com a Maria e estou aproveitando bem o final das férias, afinal de contas, daqui a pouco tenho de retornar às aulas e o ano será mais difícil. respondi. - E a Helda, o que aconteceu? - Agora é a Maria, mãe. E não quero mais falar no assunto. - Tá bom, mas maneira um pouco, porque seu pai também está estranhando esse comportamento. Cara, senti-me o Judas naquele exato momento em que traía Jesus Cristo, entregando-o mentirosamente aos romanos. Meus pais depositavam toda confiança em mim, falavam a verdade comigo e agora eu tinha de mentir escandalosamente para eles. E o pior é que eu tinha de olhar naqueles olhos cuidadosos e sinceros da minha mãe, desconfiados de minhas respostas. Tinha de conviver com aqueles gestos de proteção e de cuidado que, às vezes, chegavam a ser exagerados. Tinha de abraçar, beijar e dividir minha vida com meu pai sem confiar minhas experiências à sua apreciação. Se eu continuasse mentindo nunca saberia sua opinião a respeito, nunca teria seus conselhos sobre o assunto. Mentir, coisa que eu não fazia antes. - Ah! É assim mesmo, Passarinho. Não fique colocando minhocas na cabeça. Isso passa. Era o que me dizia sempre o cidadão de Curitiba. Deixa rolar. Logo as aulas recomeçariam e todos nós estaríamos lá novamente, os mesmos e outros novos colegas. Talvez com uma diferença significativa, pois os laços de amizade estariam muito mais firmes, as bases do nosso relacionamento estariam

muito mais solidificadas pela cumplicidade. Sempre gostei de música e logo percebi uma ligeira mudança no repertório. Comecei a admirar alguns novos cantores que tinham alguma ligação com o consumo de drogas. Minha preferência era indisfarçável, além de ouvi-los com assiduidade. Era impossível ficar distante dos conceitos e opiniões que esses cantores e grupos musicais emitiam a respeito de qualquer assunto ou questões da vida de um modo geral. Meus irmãos começavam a parecer um pouco caretas, sem brilho. Eram meus irmãos, é claro, e eu os amava muito, mas o papo já não era o mesmo. Com meus pais, o malabarismo para manter minha nova vida de consumo de drogas no anonimato era enorme. Novas preferências, novos hábitos, novos conceitos, tudo começava a mudar. A essa altura do campeonato, perguntar se isso era certo ou errado não tinha muito a ver. Talvez a pergunta correta fosse: "Quanto vou ter de pagar por isso? Minha família, meus sonhos, meus estudos, minha saúde, minha liberdade... Tudo isso era intocável para mim. " Porque o Renato Russo, ex-vocalista da banda Legião Urbana, cantava: "Há tempos, são os jovens que adoecem... há tempos, não entendem a medida da maldade... " Com o tempo, eu percebia que, direta ou indiretamente, alguns vocalistas de bandas famosas mandavam seus recados estampados nas letras de suas músicas, como aquela do Cazuza, ex-vocalista da banda Barão Vermelho: "Meus heróis morreram de overdose e meus inimigos estão no poder". Enfim, isso não dava para estabelecer uma mudança no curso que minha vida estava tomando. Talvez eu necessitasse prosseguir nessa "viagem", percorrer suas estradas, visitar seus labirintos até obter uma resposta mais convincente. Será que alguma tragédia poderia acontecer antes disso? Algum acidente de percurso? Afinal de contas, eu estava usando drogas. A onda de perguntas continuava inundando minha mente. A polícia tinha razão em ficar prendendo pessoas que usavam drogas sem prejudicar ninguém?" "Eu tenho todas as boas intenções do mundo. Acho que não estou errado." Corra, que o piloto sumiu Bem, amigos da "rede vida", vai começar tudo de novo. Mochila nas costas, cadernos, livros, canetas. Mais um desafio pela frente, um ano inteiro de escola... Bem, talvez também de amizades e coisa e tal. Os portões se abrem novamente. Os mesmos portões da mesma escola. Será que os professores serão os mesmos? E os colegas de sala? De escola...? Um a um ia chegando. Toda a tribo reunida novamente. Maria matriculou-se em nossa escola para ficarmos juntos. Estávamos nos dando muito bem. Sua

cabeça era mais inteirada que a da Helda. Usava drogas junto comigo, ouvíamos as mesmas músicas, víamos os mesmos filmes, minha família já se acostumara e ficava numa boa. Os pais de Maria eram evangélicos da igreja Batista e não aprovavam muito nosso namoro. Aí estão novamente: o cidadão de Curitiba, o Neném, o Célio, o Guego, o Teco, o Cascão e as meninas. Tem gente nova no pedaço, é claro. Repetir aquele iniciozinho chato para você dos primeiros dias de aula é aluguel, não acha? Então, vou lhe poupar isso. O primeiro recreio do ano trouxe de volta nosso mundinho de estudante. Saí da sala e logo no corredor, abraços da Meire, Mirtes, Kátia... Maria pulou em minhas costas e fomos em direção à cantina, compramos um lanche e fomos para o grande pátio. Novamente meus olhos percorreram as dezenas de grupinhos e mundinhos diferentes que já aninhavam em cada canto daquele pátio. Garotos e garotas novas, agora do outro lado, onde eu estava no ano anterior. O cidadão de Curitiba e eu agora tínhamos muitas coisas em comum. Muita coisa aconteceu nesse tempo de convívio e de relacionamento. No segundo dia de aula, quando ecoou novamente a música para o recreio, Maria já estava à porta da minha sala. Saímos, como de costume, em direção à cantina. Deixei-a com a turma enquanto comprava ficha no caixa da lanchonete e quando me virei, vindo do caixa, fiquei de frente com a coisa mais linda que os meus olhos já viram naquela escola, Helda, mais bela do que nunca. Ficamos ali alguns segundos, paralisados, olhando um para o outro sem saber o que dizer. - Oi, "polaca". Tomei a iniciativa de chamá-la pelo apelido que eu lhe dera. - Oi, Passarinho. - Quanto tempo, Helda. - Como é que você está? - Depois de perder você... Não estou. - Espero que somente eu tenha perdido você. - Como assim? - Pelas informações que me chegaram, daqui a pouco sua família, seus sonhos e sua liberdade também vão perdê-lo. - O o o q u u u e? — gaguejei. -Adeus, Passarinho, estou com saudades. Será que todo mundo tinha a mesma percepção da Helda? Eu estava mesmo perdendo alguma coisa e não sabia? - Por que tá demorando, cara? Maria chegou de repente. - Nada, vamos. Dessa vez, nada de voz de brisa varrendo meu coração de adolescente. Agora,

eu tinha Maria que, diferente de Helda, compartilhava das mesmas sensações. A curiosidade pelas novas descobertas parecia ter sumido. Aqueles grupos formados na hora do recreio começavam a se configurar, porém acho que eu estava predestinado a pertencer ao grupo do cidadão de Curitiba. Essa era minha nova identidade. Eu não podia me dar ao luxo de pertencer a um grupo de caretas que não partilhava das mesmas experiências que eu. "Novas almas" haveriam de compor esses grupos. Todos nós, dessa "tribo", nos tornamos cidadãos ligados ao cidadão de Curitiba. Multiplicamo-nos, e os segredos, bem, esses já não existiam mais, a senha foi revelada. A pergunta era: quais seriam as novas almas desse ano que estava começando? Os próximos Passarinhos, Nenens, Guegos, Tecos, Mirtes, Meires e Marias? A freqüência nos banheiros da escola continuava, e, o pior, ou melhor, é que dessa vez os freqüentadores aumentaram. O ritmo tornou-se alucinante. Eu participava com prazer, fazia repetir o filme do ano passado com uma pequena diferença, dessa vez não mais como crítico, observador ou como mero espectador. Fazíamos, todos, parte do filme, estávamos lá, contracenando. Outras "almas" assumiriam nosso lugar. Quem sabe, no ano que vem, eles estarão em nosso lugar e essa história se repita pelos séculos dos séculos. "Senhores passageiros, tenho a infelicidade de comunicar-lhes que esse voo está em turbulência e não há mais nada a fazer, não sabemos o destino que nos aguarda. Os computadores de bordo não funcionam mais e perdemos o contato com a torre de controle. Que Deus nos ajude". Os meses seguintes àquele início de aula, no ano de 1980, foram determinantes para todos nós. Alguma coisa de errado estava acontecendo. As coisas pareciam estar fugindo do controle, ou seja, a direção da escola já estava sabendo que estávamos nos drogando no banheiro na hora do intervalo. Estavam de olho. Fomos todos chamados à sala da diretoria para dar explicações e, é claro, que desmentimos tudo. Comecei a arranjar muitos inimigos dentro da escola. As duas últimas aulas de todos os dias não tinham muito significado para mim, pois aconteciam na volta do intervalo e eu, no mínimo, havia fumado um baseado no banheiro ou cheirado algumas carreiras de cocaína. Alguns dias do mês todo o grupo, nós e as meninas, resolvíamos matar aula para nos drogarmos ou fazer qualquer outra programação desde que fosse regada a drogas e bebidas. - "Alguma coisa errada está acontecendo".

Antes, eu não mentia para os meus pais, não brigava na escola, não agredia as pessoas, não matava aula... Eu não conseguia mais ver e apreciar aquele envolvimento do intervalo, não tinha tempo para conversar e formar novas amizades, pois estava sempre no banheiro com o restante da turma. Os novos colegas que chegaram à escola não tinham a menor importância para mim, afinal, o que importava era estar com a nossa turma, nosso grupo, nossa tribo, nossa galera. Algumas vezes, eu não ia direto para casa depois da aula, principalmente com a mudança do turno matutino para o vespertino. Às vezes, chegava à noite em casa ainda uniformizado. As escapadas para dormir, no final de semana, na casa de alguns dos integrantes da turma eram constantes. O dinheiro que meu pai me dava, inclusive a mesada, estava sendo usado para comprar drogas que agora já não eram gratuitas e, adivinhe quem estava nos fornecendo? O cidadão de Curitiba. Na escola, eu já havia recebido a terceira advertência. Mais uma e eu levaria suspensão. O mais interessante era que minha situação se repetia fielmente com todos os outros integrantes do nosso grupo, inclusive, as meninas que namorávamos. Lembra-se do Beto, aquele que apareceu de moto na festa da Silvana com o cidadão de Curitiba? Pois é, agora estava estudando na mesma escola que todos nós. Beto e eu ficamos muito amigos, sempre juntos, dentro e fora da escola. Comecei a perder a motivação para fazer as tarefas em casa, para apresentá-las no dia seguinte. Os professores assistiam às mudanças com pesar, estavam impotentes diante da nova situação. Não sabiam se era "a droga do inimigo ou o inimigo da droga". Em pouco tempo, aconteceu o que já era previsto. Levei uma suspensão de uma semana. Minhas notas não estavam boas, não tinha mais a cabeça no lugar para fazer boas provas, a não ser das matérias que eu gostava muito. Nessa onda impetuosa, comecei a criar o hábito de só aceitar e investir em coisas e situações que me causavam prazer. Tudo o que exigia muito esforço, era descartado. Neném começou a ficar muito violento. Começou a namorar a Carla e batia muito nela. Teco era o mais bem comportado, usava drogas, mas não comprava, vivia do que todos nós comprávamos do cidadão de Curitiba. Suas notas também não iam bem. Guego estava tendo sérios problemas em casa com seus pais que, a essa altura, já sabiam de tudo. André estava mais ou menos como eu. As meninas estavam cada vez mais escancaradas, suas mentes estavam presas pelo prazer de usar drogas e fazer sexo. O cidadão de Curitiba, além de nos fornecer o combustível agora tão necessário ao nosso cotidiano, começava a formar novos grupos na hora do

intervalo das aulas. De volta para casa Eu não estava mais de bike, mas de moto. Aquela tradicional escalada pelos degraus da escada da minha casa já não acontecia com aquele entusiasmo de antes. A comida da minha mãe, apesar de continuar a mesma delícia de sempre, sobrava em meu prato, principalmente quando cheirava cocaína. Perdia completamente a fome. Recebi informações que os pais do cidadão de Curitiba estavam em guerra por causa de problemas relacionados ao seu comportamento. Ficaram sabendo que, além de usar, Dori estava também traficando. Discussões infindáveis, brigas, agressões. Certo dia, a diretoria da escola convocou os pais do cidadão de Curitiba para uma reunião a portas fechadas com a presença de vários professores. Depois disso, ele foi expulso da escola por tráfico de drogas no interior da mesma. Isso não foi suficiente para nos separar, muito pelo contrário, estávamos sempre nos comunicando por telefone, marcávamos encontros à noite e nas festas de finais de semana no bairro. Mirtes engravidou de Cascão. Ficou desesperada com a reação que seus pais deveriam ter e com o agravante de não poder contar com o pai do seu bebê. Chorava desesperadamente e continuava se drogando. Falava em suicídio, mas foi desestimulada da idéia por Maria. Saiu da escola e passou toda a sua gravidez na fazenda de seu pai. Sofreu a dor da solidão, perdeu o ano letivo e teve de se transferir para outra escola em outro bairro. Seus pais descobriram o envolvimento com as drogas e com a turma do cidadão de Curitiba. Ficaram muito decepcionados e obrigaram-na a acabar o namoro com o Cascão. Mirtes levou, de lucro, um filho que nunca foi assumido e que aconteceu numa das noites de sexo, drogas e rock'n roll. Enfim, aconteceu o que já era esperado. Fui também expulso da escola por estar consumindo drogas. Eu faltava sucessivamente às aulas, praticava agressão física contra os meus colegas e desrespeitava os professores. Cascão continuou estudando. Célio começou a roubar dinheiro do restaurante do seu próprio pai para se drogar. Como trabalhava no caixa, causou um prejuízo incalculável e o resultado não poderia ser diferente. Seu pai entrou em dificuldades financeiras. Célio destruiu um carro novo, com os agravantes de ser menor de idade, estar em estado de alucinação e dirigindo em alta velocidade pelas ruas. Cássio também se transferiu para outra escola.

Continuou se drogando e começou a ter alguns problemas de saúde. Adquiriu uma bronquite e um princípio de tuberculose por causa do cigarro e da maconha. Coisas estranhas estavam acontecendo com todos os integrantes do nosso grupo. Aquilo que deveria ser somente uma experiência sem maiores compromissos, acabou sendo o início de uma cadeia de fatos e acontecimentos que nós não estávamos acostumados a lidar. Nossos sonhos começaram a ruir. Os pais do cidadão de Curitiba se separaram definitivamente. Eles tinham constantes brigas, pelo fato de saberem que seu filho era drogado. Eles mudaram do bairro, foram para um bairro de ricos. Dori matriculou-se em outra escola. Logo depois, teve sua primeira prisão, em função das constantes denúncias de outros pais que o acusavam de estar influenciando seus filhos a usarem drogas. Eu já ia completar meus quinze anos e continuava me drogando constantemente. Meus pais já estavam a um passo de descobrirem tudo, se é que já não sabiam e estavam desviando o assunto para fugirem da vergonha. A fábrica de automóveis FIAT estava instalada em Betim, na grande Belo Horizonte, e com isso, muitos técnicos e engenheiros vieram morar em nosso bairro. Seus filhos, infelizmente, foram presa fácil para a experiência epidêmica que rapidamente se expandia pelo bairro. Meire teve duas internações em UTI de hospitais por overdose. Começou a emagrecer assustadoramente. Envelheceu dez anos em dois. Terminou seu namoro com Célio que, a essa altura, foi expulso de casa pelo pai por estar roubando e ser acusado de sua falência. Célio já havia completado dezessete anos e foi morar com uma tia. Não conseguia parar de se drogar. Cascão estava exagerando muito. Misturava droga com álcool. Por várias vezes, nós o advertimos, porém, também nos faltava o controle que exigíamos dele. Todos estavam preocupados com Cascão. Nas baladas, o uísque e a cocaína se tornaram seus companheiros inseparáveis. Estava indo fundo demais. Certo dia, Cascão estava num estado extremamente depressivo. Drogou-se com muita cocaína, montou em sua moto, uma 350 da Yamaha, entrou por uma avenida larga e extensa, de mão dupla, acelerou tudo que a moto conseguia dar e, ao final, quando precisava fazer a curva, foi direto ao encontro de um paredão de concreto, de uma recauchutadora de pneus. Certamente, deve ter embarcado em alguma viagem alucinógena e não conseguiu o bilhete de volta. Cascão morreu. Nosso amigo se foi. Minha pergunta sobre quanto nos custaria todo aquele prazer começava a ser respondida.

Realidade crua e implacável. O cutelo estava posto à mão e a ceifa começava. Beto também começou a usar drogas mais pesadas como a cocaína. Gostava de freqüentar uma Lan House próxima à minha casa para jogar vídeo game. Certo dia, tomou uma dose como a de costume e foi jogar. Quando estava com a atenção voltada para a máquina, foi acometido de uma parada cardíaca fulminante. Em meio a convulsões, parou de respirar estirado no chão gelado. Todos os colegas, que estavam com ele no momento do acontecimento, correram desesperados, com medo que alguém chamasse a Polícia. Beto morreu. Nosso amigo Beto também se foi. André foi comprar drogas de um traficante de outro bairro. Nessa transação, foi assaltado pelo traficante. Ficou humilhado e recheado de ódio. Todos os dias ele dizia que um dia mataria esse traficante. Não demorou muito, André viu a oportunidade. Correu em sua casa e pegou o revólver de seu pai. Ele só queria dar um susto no traficante que o assaltou. Encontrou-o, apontou o revólver e mandou que corresse. O cara obedeceu e pediu que ele não atirasse. Poucos passos depois, a uns vinte metros de distância, André puxou o gatilho pensando que não ia acertá-lo. A bala, como que guiada pela mão de algum demônio, penetrou suas costas, atravessou seu coração e encerrou sua vida de assaltante. Foi fatal. O traficante atingido caiu e começou a rolar rua abaixo até parar próximo a um bueiro. Chovia muito naquela tarde e a água da chuva escoava o sangue que saía daquele corpo. Que cena chocante! André tornou-se um assassino sem querer, foi preso como tal e estava condenado a passar a maior parte de sua vida em um presídio. Explosão no meu mundo "Filho, você está usando drogas, mentiu para mim, mentiu para sua mãe e seus irmãos. Você desistiu de estudar, agora tornou-se um traficante e, o que é pior, a polícia está procurando-o." Manhã de Quinta-feira. 8 horas e 30 minutos. Ainda meio dormindo, fui acordado por um telefonema. Era o cidadão de Curitiba. Agora morava do outro lado da cidade. - E aí, Passarinho? Preciso falar urgente com você, cara. É coisa boa. Você vai gostar. - Me deixa dormir, cara, liga mais tarde. - respondi. - Como é que estão as coisas, meu irmão?Já tem uma "data"que você não me liga. Como é que estão seus pais, seus irmãos e a rapaziada do bairro continuou o cidadão de Curitiba, ignorando o meu pedido. Algumas coisas estavam mudando. A conversa do cidadão de Curitiba já não tinha o mesmo efeito hipnotizador. Agora, com os últimos acontecimentos trágicos, faltava

aquela admiração do início. Meus pais estavam tristes e preocupados, talvez perplexos com a descoberta. Tantas coisas aconteceram desde aquela primeira experiência na festa na casa da Silvana. Mortes por acidentes, overdoses, expulsões da escola, repetência escolar, gravidez precoce, perda de motivação, desespero familiar, perda de confiança, vergonha... Na verdade, acho que calculamos mal. Seria esse o preço que nos custaria e que agora respondia às nossas dúvidas? Havia, porém uma coisa que não dava para negar: as drogas podiam não continuar exercendo o mesmo fascínio de antes, mas não conseguíamos ficar sem ela. Eu entrava em pânico só de pensar em encarar a vida e os fatos de cara limpa. Eu estava dependente. Batalhar pelo prazer e elaborar a vida com esforço causava-me pavor. Precisávamos de, cada vez mais, anestesia para agüentarmos a angústia que se tornou nossa vida. Eu estava dependendo constantemente de usá-las. Perdi amigos, escola, sonhos e agora minha liberdade. O preço era alto demais. A grande maioria por sua vez continuava viajando por um caminho que ainda reservaria muitas surpresas. Levantei-me naquela manhã e troquei algumas palavras com minha mãe. Ela começava a se desesperar com o sentimento de angústia que ainda haveria de acompanhá-la por longos anos. Fui para a casa do cidadão de Curitiba. - Entra, cara, vem aqui pro meu quarto pra gente conversar. Andei pelos corredores daquele imenso apartamento muito bem decorado. - Vou pegar a chave do carro da minha mãe pra gente dar uma volta no bairro. Quero te apresentar alguns novos amigos. soou aquela tradicional voz rouca e musicalizada do cidadão de Curitiba. Iniciamos o passeio. Tudo o que eu podia ver era a ostentação de grandes prédios de apartamentos e casas muito bem arquitetadas. Um padrão de classe média alta que, aliás, estava em ascensão naquele bairro. Chegamos a uma praça principal, onde o cidadão de Curitiba começou a me apresentar seus novos amigos. Pobres almas. Voltamos para o apartamento dos seus pais, que como você já leu no capítulo anterior, estavam definitivamente separados. - Passarinho, tenho algo para conversar com você, mas isso não deve ser repassado para mais ninguém. Eu tenho a maior confiança em você e é por isso que eu o chamei aqui. Eu estava impaciente. - Diga logo, cara. Você está me deixando curioso. Antes que eu continuasse, ele fechou: - Como é que você está de grana? Disse na maior naturalidade, enquanto preparava algumas carreiras de cocaína. - Como assim, cara? Eu não estou trabalhando. A grana que tenho é o meu pai quem me dá.

- Tá legal, Passarinho. Imediatamente, ligou o som e aumentou o volume. Não queria que outra pessoa escutasse nossa conversa. Abaixou-se, passou a mão numa fenda por detrás do guarda-roupa do quarto que ele dividia com seu irmão Sinval e tirou um pacote, colocando-o em cima da mesa. Quando ele abriu, um cheiro forte de éter e acetona invadiu o quarto. Eram várias bolas amarelas e petrificadas. Pela primeira vez, eu estava vendo um quilo de cocaína pura em minha vida. - Pode cheirar à vontade se você quiser, mas eu não trouxe você aqui para matá-lo por overdose. - disse com um sorriso contido e um olhar sério. - Quero lhe dar a oportunidade de ter, usar, vender e ganhar dinheiro suficiente para não depender de seus pais. A essa altura eu já sabia qual seria sua proposta, e segundos depois veio a confirmação. - Vou ensiná-lo a vender, cara. Minha mente se voltou para minha casa. Comecei a pensar nas cenas: meus pais, novas mentiras, novas descobertas, novas vergonhas... Traficar era um pouco pesado. Eu não conhecia ainda esse mundo. Mas não demorou muito e o cidadão de Curitiba começou com sua artilharia pesada: - Olha, Passarinho, o segredo é usar menos e vender mais, tá ligado? Por que você acha que as pessoas me respeitam, me procuram toda hora, e me tratam bem? Ele silenciou-se por alguns segundos para dar tempo aos meus ouvidos e à minha mente de processarem esses argumentos e continuou: - Grana, cara. Droga mais venda é igual a grana, "sacou"? Novamente o silêncio invadiu aquele quarto. Eu já estava quase convencido, estava muito drogado. Sem deixar a "peteca" cair, o cidadão de Curitiba tirou sua carteira do bolso como se tivesse sacando uma arma. Abriu-a, tirou um pacote de dinheiro em notas graúdas e jogou em cima da cama. - Taí, cara! Sabe quanto tempo eu levei para ganhar essa grana? Não mais que dois dias. (Se eu lhe contasse que ele foi preso e passou boa parte da sua vida numa cela imunda no porão de uma prisão, você não diria que era a mesma pessoa que estava falando). Esse fechamento foi com "chave de ouro" para mim. Comecei a enxergar a possibilidade de, perto dos 17 anos, ter a minha independência. O que eu não sabia, era que, dali por diante, minha vida desceria ladeira abaixo, rumo a um caos total. Minha consciência dizia para encerrar e pedir ajuda. Mas aquele cara, que eu admirava e confiava tanto, o amigo de todos os dias, me dizia: continue, Passarinho, mergulhe e o céu virá. - Passarinho, o negócio é o seguinte... Passou explicar antes que eu lhe

desse a resposta: - Eu lhe forneço droga em quantidades maiores. Você mistura e multiplica em pequenas quantidades. Com isso, você ganha o dobro do que você me comprou, então pode vender lá no seu bairro e nos arredores. Quando eu precisar de você aqui nesse bairro, eu o chamo. O "negócio" estava feito. Imediatamente o cidadão de Curitiba passou a me ensinar como separar em quantidades iguais, embalar e vender. Falou de alguns truques, segredos e artimanhas do "negócio". Comecei a traficar drogas. O que estava acontecendo comigo? Será que não bastavam as tragédias que eu estava vendo na vida de meus colegas? Será que não bastava o desmonte que estava acontecendo com nossos sonhos? Talvez eu precisasse olhar para a angústia que começava a rondar o coração dos meus pais. O que era necessário acontecer para que eu rompesse com aquela experiência mal começada? Mais dores? Eu não queria admitir, mas estava dependente das drogas. Não tinha forças para, sozinho, resolver essa escravidão da repetição do uso. Entrar para o mundo do tráfico era perigoso, mas tudo estava acontecendo com tanta naturalidade que eu ficava sem argumentos para estabelecer critérios. Eu precisava pensar um pouco mais... Talvez devesse procurar meus pais ou alguém para me abrir e conversar sobre o assunto. Não o fiz. Não demorou muito para que eu ficasse conhecido nos bairros próximos ao meu e a quantidade de usuários que me procuravam tornou-se cada vez maior. Algumas pessoas eram presas pela polícia e muitas me denunciavam como traficante. Em pouco tempo, a polícia estava à minha procura. As coisas começaram a tomar um rumo diferente do que eu imaginava. As vendas iam bem e, com isso, comecei a despertar a atenção dos meus pais que me viam constantemente com roupas novas, trocando de moto, passeando... Eu não trabalhava e nem recebia mais dinheiro do meu pai, portanto não tinha como justificar aquela situação. De volta para casa Manhã de terça-feira, daquele frio mês de junho. Meu pai entrou no meu quarto e pediu que eu desligasse o som. - Sente-se, filho, e preste atenção, por favor. Tenho coisas importantes para lhe falar. Um vento gelado descia por minha garganta e estacionava em meu estômago. Faltou saliva em minha boca, tive sede, não conseguia olhar nos olhos do meu pai. Eu sabia que ele estava a par de, pelo menos, algumas coisas que eu já estava fazendo. Para minha surpresa, porém, ele já sabia de tudo, tudo mesmo.

- Filho. - começou meu pai com os olhos cheios de lágrimas. - Não sei por onde começar, só quero que você não minta. Por favor, não minta. Eu posso ajudá-lo. Eu sei que posso, filho. Cada palavra parecia estimular seu choro e as lágrimas inundavam seu rosto cansado e decepcionado. - Por que filho? Por que você se deixou chegar tão longe? A gente se ama, a gente sempre se deu bem. Vai ruir tudo, filho. Sem você nós não vamos prosseguir... Aquilo era demais para mim. Meu coração foi envolvido numa massa de concreto para suportar a dor de ver e ouvir meu pai pronunciando aquelas palavras. Aquele homem bom, divertido, brincalhão, sorridente, contador de piadas, que sempre me levava para passear... íamos juntos ao clube, às praias. As viagens juntos... Ah! Que viagens por esse "Brasilzão"! Ele respondia a todas as perguntas que eu fazia a respeito das placas de sinalização estrada afora. Meu paizão, meu amigo, minha paixão, meu herói. Ele se preocupava em me dar o melhor do mundo. Ele gastou mais da metade da sua vida em função da minha sobrevivência. Ele sempre buscou o meu bem-estar. Agora, ele tinha um filho drogado, um filho traficante, procurado pela polícia de Belo Horizonte. Minha voz estava emudecida pelo constrangimento. O preço era muito alto. Meu pai era tudo que eu tinha de bom. "Meu Deus, eu daria tudo para não estar passando por isso. Que dor, cara!". Durante toda aquela semana, apesar de continuar vendendo drogas, eu buscava uma saída. Não dava mais para encarar a minha família, não tinha mais ambiente em minha casa. Eu andava preocupado com a polícia, com os delatores, os riscos que vinham a reboque da exposição à qual eu estava submetido. Ser um traficante me dava uma falsa sensação de poder, mas também tinha riscos. Procurado pela polícia, odiado pelos moradores do bairro, perseguido por outros traficantes concorrentes. Talvez eu tivesse de deixar a minha casa. Aquela experiência mal começada estava me destruindo, tomou minha liberdade, meu dinheiro, minha capacidade de escolha, meu futuro e agora estava tomando minha família. Eu tinha de tomar uma decisão e tinha de ser rápido. Minha prisão era uma questão de tempo. Eu não queria que fosse em minha casa, diante dos meus pais. Que enrascada, cara! "Haveria chance de desistir a essa altura do campeonato?" "Haveria alguma outra alternativa que eu não conhecesse?" Eu poderia ter encerrado mais uma vez ali. Não o fiz. Prossegui. Estava agora sem escola, sem trabalho, sem liberdade e bem próximo de perder as pessoas mais importantes da minha vida. E pensar que tudo começou com aquela festinha inocente, um pequeno "tapa" num cigarro de maconha, na companhia de bons amigos, ao som de rock'n roll. Os meus amigos haviam sofrido dores e perdas irreparáveis. Eu, porém, não as tomei como lição para

parar e continuei a aventura inconseqüente. Aos dezessete anos saí de casa Procurei o cidadão de Curitiba para comunicar minhas novas decisões. Eu estava agora por minha conta e precisava me engajar de vez no mundo do tráfico de drogas. Para tal, não queria mais aquela pequena quantidade de drogas. Eu queria ser um traficante de poder e ganhar muito dinheiro. Conheci dois rapazes ciganos que me fizeram uma proposta: - Passarinho, nós temos armas. Você encontra os fornecedores de drogas, faz a troca e distribui. Seremos sócios no negócio. Topei. O cidadão de Curitiba não conseguia atender minhas necessidades. Conheci um grande fornecedor. A droga vinha da Bolívia, passava pelo Mato Grosso e chegava ao interior de Minas Gerais, onde fazíamos a transação. O encontro para o negócio era sempre numa área rural, num matagal próximo à linha de trens. Vagões abandonados serviam de proteção para mim e para o fornecedor. Contratei dois caras para me darem cobertura com armas pesadas: Ângelo e Jó. Eles seriam a garantia que eu não seria enganado ou assaltado. Eu tinha medo de morrer. A essa altura, Maria mergulhava comigo nessa louca viagem rumo ao desconhecido. A noite caía. Não havia lua cheia. Estava muito escuro. Ângelo e eu andávamos por cima dos trilhos da estrada de ferro, que nos levaria ao lugar de encontro. Para não chamar a atenção dos cachorros que estavam nas fazendas próximas, escorávamos um no ombro do outro e caminhávamos sem fazer barulho até o local combinado. Esperamos a hora e logo os traficantes apareceram com uma sacola contendo a droga. Eu estava tenso, suava e não conseguia falar muito. Ângelo se afastou um pouco, olhou ao redor e sinalizou que estava tudo bem, eu podia seguir com a transação. Passei-lhes o dinheiro... contaram... - Ta limpo, cara. Pode conferir a droga. - falou um dos fornecedores. Conferi e experimentei. - Tá tudo certo. - respondi. - Então podem ir embora. Se quiserem mais, esse será o procedimento novamente. Esperaram que afastássemos e logo sumiram na escuridão da noite. Em Belo Horizonte, começamos um arriscado negócio de distribuição de drogas com tentáculos nas baladas, festas de aniversário, acampamentos e excursões a partir das escolas. Comecei a ganhar dinheiro. Morava por minha conta e tinha carro. Andava armado, sofria ameaças de outros traficantes. Não consegui mais manter-me no anonimato. Eu tinha acesso aos jovens de classe média alta. Conhecia-os nas

baladas, descobria onde estudavam. Se a escola me interessava, eu consolidava a amizade com os caras e as garotas mais influentes. Depois de ganhar a confiança deles, financiava toda a bebida que queriam na balada ou na festa e, então, quando não podiam mais ter total controle sobre suas mentes, eu acrescentava drogas no cardápio da noite. Eu estava somente repetindo a mesma estratégia usada pelo cidadão de Curitiba naquela noite da festa na casa da Silvana. Não vendia drogas para serem consumidas no interior das escolas, era muito arriscado. Começava, então, um negócio estratégico que, em pouco tempo, ganharia outros bairros de ricos de Belo Horizonte. Passava, vez ou outra, por revistas policiais no carro (ainda bem que não estava dirigindo), até que não demorou muito para acontecer a minha primeira prisão. O pavor tomava conta de mim quando vi aqueles revólveres apontados para minha cabeça. - É a polícia! Você está preso! Não era um filme. Eu estava mesmo recebendo uma ordem de prisão. Todo dinheiro e bens que consegui com o tráfico de drogas, foi usado para ganhar minha liberdade com o pagamento de advogados e "outros acertos". Eu estava diante de outra realidade que não conhecia. Além de estar sem minha liberdade, perdi o que ganhei com a mesma facilidade. E agora, como recomeçar? A vida continuava, meu namoro com Maria continuava, mesmo com o tráfico e a prisão. Ela me ajudava com a distribuição e escondia a droga quando a polícia abordava o carro. Maria tornou-se uma vítima desse carrossel de desgraças. Numa velocidade tremenda, aconteceu minha segunda prisão e logo depois a terceira e última. Era uma madrugada fria e chuvosa num bairro de Belo Horizonte. Eu dormia numa rede na casa de um parceiro do tráfico, escondendo-me da polícia, quando, de repente... - Polícia! Você está preso! Sem dar tempo de acordar direito, arrastaram-me pelos cabelos por um trilho de lama, debaixo de socos e pontapés até o carro de polícia. Algemaram-me e conduziram-me até a delegacia. Durante o processo de investigação e da montagem do inquérito, eu passava por longos momentos de tortura nas salas de uma delegacia da zona oeste de Belo Horizonte. Psicologicamente eu estava destruído. Era acordado várias vezes durante a noite e pela manhã também. Não me deixavam dormir. Estava cansado. Meus pais não sabiam onde eu estava. Fui levado para sessões de tortura por várias vezes para dizer de onde vinha a droga. Sofria contínuos espancamentos e outros métodos de tortura psicológica.

Esse era o preço, amigo, que o cidadão de Curitiba não conhecia. Esse é o preço que não se consegue pagar. Mês de outubro. 9 horas da manhã. Os portões se abrem à minha frente. Dessa vez, não mais aqueles saudosos portões da escola da zona oeste da capital mineira. Não tinha mais o cidadão de Curitiba, o Neném, o Teco, o Guego, o Cascão, o Célio, a Helda e os professores. Eram os portões do presídio, os companheiros de cela, os carcereiros, o diretor do presídio. Pagando a conta Eu não podia imaginar que uma simples decisão de matar a curiosidade de experimentar a maconha, depois de alguns copos de cerveja em uma simples festinha entre amigos, pudesse me conduzir para um futuro incerto e perigoso. - Todos para fora! É hora do banho de sol. Todo mundo em fila, sem brigas, sem conversa. Vocês têm 30 minutos. Ao ouvirem a sirene, voltem para suas celas e aguardem que sejam trancadas pelo carcereiro. O que para mim era a coisa mais natural do mundo, agora se tornara um privilégio: Tomar banho de sol. - Hora da comida! Todos para fora! Fila indiana, sem conversa, sem briga! Estendam o prato. Eu estava desconfiado. Fiz algumas amizades na cela e agora começava a conhecer outros companheiros de outras celas. No final da fila, dois tambores cheios de algo que chamavam de comida. Eram restos de comida de muitos restaurantes. Eles faziam aquilo de propósito. Esperavam que a comida apodrecesse para depois nos servir. Aquilo não cheirava muito bem, era um grude, uma pasta de arroz com um pedaço de pão de "trocen-tos" dias. A princípio, eu não conseguia digerir aquele alimento, mas com o tempo fui me acostumando, até porque, senão, morreria de fome. - Hora do pátio! Todos para fora. Os carcereiros nos conduziam ao grande pátio, onde podíamos jogar futebol. Quem não queria, podia ficar sentado nas arquibancadas de concreto, que rodeavam a quadra. Um vai e vem de presos, conversas, risadas, gritos e discussões. Eu, como tocava violão, logo fiz muitas amizades. - Hora do banho! Todo mundo para fora. Tirem somente a camisa e cada um tem apenas um minuto nas duchas. Eram duchas de água muito frias e naquele inverno isso fazia muito mal. Muitos presos pegavam pneumonia. Havia muita gente doente naquele lugar. Não tinham assistência médica. Não estou falando de uma simples doença, mas de AIDS, câncer, tuberculose, intoxicações diversas, feridas, escoriações e marcas de espancamento por causa das brigas entre os presos e as torturas praticadas pelos agentes

penitenciários. Esse era o preço, cara. Esse ainda é o preço para muitos que insistem. Não vale a pena. Digo a você que não vale. - Hora do jantar. gritava um carcereiro. Era um procedimento diferente do almoço, porque não saíamos das celas. Todos recebiam suas porções de comida, estendendo o prato de plástico por entre as grades por uma pequena abertura na grande chapa de aço que era a porta. Isso evitava motins e tentativas de fuga, porque a noite era mais propício para isso. E assim passavam-se meus dias na prisão. - E aí, Passarinho? - era o preso que comandava a prisão. - A gente ta planejando uma escapada, você ta a fim? Quem não queria sair daquele inferno? Pensei. Mas sair como, e por onde? - O plano é o seguinte: quando o caminhão da comida sair do presídio e todos estiverem em fila, tomamos de assalto os agentes penitenciários. Enquanto um grupo distrai os agentes que ficam armados nos corredores superiores, colocamos os tambores de comida um sobre o outro. Aí, é só escalar o muro e descer numa corda feita com a emenda dos cobertores. Era uma fuga muito mal planejada, e eu sabia que muita gente ia sair ferida naquela trama. Eu tinha de dar uma resposta e talvez estivesse apenas sendo testado. - Tudo bem, cara. Pode contar comigo! Quando a noite chegava no interior daquela cela, minha mente estava sempre viajando para além daquele pequeno cubículo. Virtualmente, eu atravessava as paredes e as grades, percorria os corredores, atravessava o pátio e, enfim, me projetava além dos muros daquela prisão infernal. Meus pensamentos ganhavam as ruas da cidade de Belo Horizonte. De volta para casa Agora eu só podia chegar até minha casa através dos meus pensamentos. Podia me ver subindo novamente aquelas escadas, correndo, largando minha mochila na cama e sentando à mesa para saborear a gostosa comida da minha mãe. Podia ver o meu pai chegando do trabalho, sentado à mesa conosco, contando suas histórias. Podia ligar a TV e assistir a algum programa, filme, desenho. E meus irmãos? O som no quarto, a comida farta na geladeira, a cama sempre bem arrumada, aquele cobertor quentinho e o beijo gostoso da minha mãe em minha face antes de ir para a escola. Podia pensar em seus conselhos que pareciam tão inocentes, tão desprovidos de maldade, mas tão doces e cheios de cuidados. Podia escutar o telefone tocando e Maria, do outro lado, fazendo suas declarações de amor, marcando encontros. As viagens com minha família pelas estradas desse "Brasilzão". - Que saudades, cara!

De volta para a escola Novamente minha mente percorria os corredores da escola à procura dos amigos e amigas. Lá está o cidadão de Curitiba conversando com um novo grupo de novos amigos. A adrenalina daquele recreio, as meninas que perfumavam nossas salas de aula... Aquele zum... zum... zum... das conversas, o barulho das sirenes, aqueles gestos coreografados juntando os cadernos, o material e correndo para a saída da escola. - Todo mundo para fora! Hora do pátio! Sem conversa, sem briga, em fila, rápido... Era hora de abandonar aqueles pensamentos e voltar à realidade. Que mudança, hein colega? O que era realidade, agora só em sonhos, e o que era imaginável, agora era realidade. Eu não podia sair daquela prisão antes que todos os inquéritos fossem concluídos, os processos montados e julgados, as penas fossem decretadas e cumpridas. Talvez passasse ali, no mínimo, 10 anos de minha vida, por tráfico, consumo de drogas e outros crimes. Eu havia perdido a minha liberdade, a minha família, os meus colegas, a minha escola, o meu trabalho, o meu dinheiro, a chance de realizar meus sonhos e, agora, talvez, em algum momento, sentia que poderia perder minha vida. Um grito no silêncio "Quinta-feira qualquer daquele inverno" Chovia muito. Era quase noite. Os colegas de cela descansavam deitados no chão. Mesmo naquela prisão, as drogas chegavam com facilidade, e ali, a dependência aumentava. Levantei-me, fui até a porta da cela, segurei firmemente naquela pequena abertura com grades e comecei a percorrer aquela prisão com meus olhos. De repente alguns pássaros, pequenos pardais, entravam pelos muros, voavam pelos corredores e desciam no centro do pátio. Eles estavam à procura dos restos de comida do almoço que caíam no chão. Saíam voando novamente para fora da prisão. Cantavam a todos os pulmões. Comecei a pensar: "Quanto vale um pardal? Quem paga alguma coisa por ele? No entanto, hoje, ele vale muito mais que eu. Ele tem liberdade, pode comer o que quiser, ir onde quiser e voar com quem quiser. Meus pensamentos começaram a entrar em debate: "De onde vim? Quem me fez? Por que existo?" A chuva continuava caindo, o frio e o escuro chegavam para mais uma noite triste e angustiante. Eu queria estar sonhando, desejava que tudo aquilo não passasse de um pesadelo. Queria dormir e acordar em minha casa, com minha família. Queria tomar um banho, trocar de roupa, almoçar, vestir o uniforme e ir para a escola estudar. Eu queria me encontrar novamente com o cidadão de Curitiba e alertá-lo sobre o perigo

ao qual ele estava nos submetendo, quando nos oferecia droga. Eu queria encontrar com Maria, abraçá-la e dizer que não íamos mais usar drogas. Queria encontrar com todo mundo novamente, Teco, Guego, André, Neném... E propor que procurássemos ajuda com a direção da escola ou com nossos pais. "Não dava mais, cara. Eu estava preso. Todo mundo se deu mal nessa aventura inconseqüente". A angústia me atravessou dentro daquela cela. O choro brotava e eu não conseguia mais controlá-lo. Eu ocultava meus olhos por entre as grades, para que meus colegas não percebessem. Meus lábios tremiam, minha garganta estava do-endo e tinha contrações no estômago. Eu precisava cheirar cocaína. Olhei para o alto do muro, tentando enxergar o céu antes que a noite o escondesse e, quase sem me conter, abri a minha boca e disse, sussurrando, pela primeira vez: - "Deus... Deus... Você pode me ouvir?... Onde está você agora?... Fiz silêncio... Cheguei à conclusão que Deus não podia fazer nada por mim e, no mais, eu estava ali pagando por tudo o que tinha feito de errado. Estava em dívida com a sociedade e com a lei. Espere aí! E se Deus estivesse me ouvindo e aguardando para saber o que é que eu queria falar... hein...? Então, continuei sussurrando: - "... Deus, se você existe, se foi você quem me fez, se sua inteligência me criou, então, agora, é hora de você se manifestar..." Eu achei que estava ficando louco, mas continuei: - "Deus, tira-me daqui, me dá uma outra chance, uma outra oportunidade de tentar novamente. Sei que errei, sei que estou aqui para pagar minha conta com a lei, mas ninguém foi á escola para me dar informações concretas. Não posso te prometer nada, mas preciso de uma nova chance. Talvez eu possa ir lá e avisar aos novos, aos que estão chegando agora, aos que ainda não experimentaram. Talvez eu possa informá-los sobre os riscos e as conseqüências que estou sofrendo e que sofrerão. Sair daquele lugar não parecia nada fácil. Meus pais não sabiam onde eu estava. Não tinha mais dinheiro para pagar advogados. Não tinha ninguém para pedir minha soltura, a não ser um advogado do Estado que nunca aparecia. A noite já havia chegado e, antes que os meus colegas desconfiassem daquela loucura, voltei para o meu lugar no chão. Acendi um cigarro, encostei-me na parede e logo depois caí no sono. Eu havia me esquecido daquelas palavras, mas estava me sentindo muito melhor. Não sei como lhe explicar isso, cara. Mas uma esperança brotou dentro de mim na manhã

seguinte. Eu sentia que algo estava para acontecer a qualquer momento, não sabia o que era, mas sentia. "Todos para fora! Hora do pátio! Em silêncio, sem brigas e em fila! Rápido. Naquela manhã eu estava diferente. Tinha esperança em meu interior. De alguma forma, não estava me sentindo mais abandonado naquele lugar. -Arlem Maffra! gritou o carcereiro - Para fora! Você tem visita! A cela foi aberta, fui algemado e entregue aos agentes penitenciários que me conduziram à administração do presídio. Fiquei apreensivo. Não sabia o que estava acontecendo nem para onde iam me levar. - Assine aqui. disse o diretor do presídio. Deram-me uma caneta, mostraram-me um livro preto e pediram que eu assinasse nele. Logo depois, apareceram dois policiais. Eram agentes investigadores de uma delegacia de Contagem, uma cidade que faz parte da grande Belo Horizonte. - Você irá com esses policiais. Eles têm uma ordem do juiz para transferi-lo para a delegacia onde será ouvido em outros inquéritos que pesam contra você. Eu não entendia muito o que estava acontecendo, mas comecei a caminhar por aquele grande corredor que dava acesso à porta principal do presídio. Algemado e escoltado pelos dois policiais, fui empurrado para dentro da viatura. A cidade ia passando diante dos meus olhos. Ruas, avenidas, carros, buzinas, fumaça, vento, pessoas, propagandas, barulho de motores. Eu estava preso dentro de um carro, algemado e escoltado, mas podia sentir a sensação de estar novamente de volta à vida. Um silêncio completo. Não me diziam o que ia acontecer, não conversavam comigo, apenas me conduziam. -"Passarinho, cuidado, você está se envolvendo demais com essa gente e está atraído demais pelas coisas que elas estão fazendo ". - "Filho, eu estou percebendo que você está diferente, estranho. Seu pai também está notando a diferença". -"Passarinho, vou te mostrar como é que se faz uma festa em Curitiba". - "E aí, Passarinho? Como é que foi de férias, preciso te contar as novidades". -"Vamos logo, Passarinho! A festa está para começar e não podemos chegar atrasados". Tudo passava como um filme novamente por minha mente. Será que estou ficando louco? Estou ouvindo vozes? Continuava apreensivo para saber o que ia acontecer comigo. Consegui acalmar-me um pouco e comecei a pensar em meus pais. Lembrei-me de uma música do Fag-ner e comecei a cantar sozinho: "Quando penso em você, fecho os olhos de saudades Tenho tido muita coisa, menos a felicidade... Correm os meus dedos longos, em versos tristes que invento, Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento... Eu só queria ter do mato um gosto de framboesa, pra correr entre os canteiros,

e esconder minha tristeza. Deixemos disso e cuidemos da vida, pois quando chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta, moço, para um beco sem saída..." Logo me lembrei também de uma canção do 14 Bis: "... Nossa linda juventude, Página de um livro bom... Guardo teu tesouro, Joia marrom, Raça como nossa cor..." "... Maravilha, juventude, Tudo de mim, tudo de nós, via láctea... " O carro parou. - Para fora, Passarinho! Rápido! Não tente nada! Entre para a delegacia! Subi a escada escoltado e entrei em uma sala de espera. - Passarinho, pode entrar. O delegado está esperando. Quando entrei na sala, com os policiais me cercando, vi o delegado com muitos papéis nas mãos. Corri meus olhos por toda a extensão da sala e deparei-me com o inesperado: o meu pai, de cabeça baixa, sem conseguir olhar-me. Seus olhos estavam lacrimejando. Eu não sabia o que sentir ou falar. Era muita humilhação para o meu pai submeter-se àquela cena. Um homem honrado, trabalhador, honesto, sério e bom pai, havia se esforçado para me dar o melhor que pôde conseguir. Continuei calado, desviei meu olhar para o chão. Havia mais pessoas naquele lugar, homens de terno. Eram os advogados do meu pai. -Aproxime-se, Passarinho... - disse o delegado. - Você acaba de ser premiado. O seu pai está com uma transferência judicial, para conduzir você até Brasília para ser internado numa comunidade terapêutica, onde você fará um tratamento, e voltará para concluir sua pena aqui. Seu tratamento dura nove meses em regime fechado numa fazenda, mas preste atenção: tudo isso depende de você. Se não quiser, pode voltar para o presídio. Você quer? Não consegui processar o que estavam me oferecendo, mas podia sentir que o meu pai desejava ardentemente que eu aceitasse, então balancei a cabeça afirmativamente. Não tinha coragem para abrir minha boca, para pronunciar qualquer palavra, porque sabia o sofrimento que estava causando à minha família, naquele momento, representada pelo meu pai. Não sabia como meu pai me encontrara, o quanto de dinheiro gastara com advogados e a quanto tempo estava tentando me transferir. O resultado era que eu estava viajando para Brasília sob a custódia do meu pai. - Assine esses papéis e depois você estará livre para acompanhar seu pai. Quero deixar claro que se você não cumprir o determinado pelo termo judicial,

seu pai também estará encrencado com a justiça por sua causa, portanto é melhor você fazer tudo direitinho. - Vamos, filho. Há muito tempo eu não ouvia alguém me chamar de filho. A voz era familiar. Meu pai, minha paixão. Ele estava de volta. Eu não tinha os guerreiros do Ma-trix, nem o Gladiador, não tinha Aquiles, nem o Spider Man. Eu tinha um pai que me amava. Não podia acreditar, mas estava voltando para casa. Para minha casa. Para minha velha casa, para minha velha mãe, para os meus velhos irmãos. Passaria alguns dias com eles antes de desembarcar para Brasília. Tinha vontade de usar cocaína, de rever alguns dos "colegas" do bairro, de ligar para Maria, mas me lembrava das palavras do delegado. Tinha medo de não conseguir viajar depois de usar drogas. Fui recebido carinhosamente por minha mãe. Meus irmãos choravam muito. Tomei um banho e sen-tei-me à mesa. Naquele dia comi para valer. Comia e chorava, chorava e comia. Antes de ir para o meu quarto, pedi ao meu pai que viajássemos logo no dia seguinte, assim eu não corria o risco de estragar tudo novamente. Ele concordou. Naquela noite, não consegui conversar com ninguém. Estava muito confuso e envergonhado. O meu lar parecia um cemitério. Agora eu percebia o quanto tinha estragado os sentimentos e a vida dos meus irmãos e meus pais. Entrei no meu quarto e lá estava a minha cama, toda arrumada, com aquele cheiro agradável de perfume. Ao lado, algumas roupas que eles haviam comprado para mim. Fui ao banheiro, abri o chuveiro quente, tomei um banho. Usei todos os xampus e condicionadores que lá encontrei. Fui até o espelho, comecei a experimentar todos os perfumes que estavam sobre o mármore. Vesti uma roupa limpa e cheirosa e fui novamente para o meu quarto. Liguei o som, corri os olhos por sobre a cômoda e vi uma velha fita que eu tanto gostava de ouvir do Sá e Guarabyra: "O homem chega, já desfaz a natureza Tira gente, põe represa e diz que tudo vai mudar... O São Francisco lápra cima da Bahia Diz que dia menos dia vai subir bem devagar... Vai ter barragem no salto de sobradinho E o povo vai se embora com medo de se afogar, O sertão vai virar mar, dá no coração O medo que algum dia o mar também vire sertão... Adeus Remanso, Casa Nova... Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir... Debaixo d'água lá se vai a vida inteira Por cima da cachoeira a gaiola vai, vai subir... "dizia a música. Deitei-me naquela cama confortável e foi então que comecei a me dar conta do

que estava acontecendo. Parecia um sonho impossível. Ainda de manhã estava naquela prisão sombria. Não tinha perspectiva de liberdade, e agora estava em casa, em meu quarto, em minha cama, com minha família. - Deus... terá sido você?... Você respondeu ao meu pedido ou foi somente uma coincidência... ? Cidade dos anjos "Segunda-feira. Inverno de 1986. 7 horas da manhã". O carro nos deixava no estacionamento de um bloco, numa super quadra em Brasília, no centro das decisões políticas brasileiras, e ainda não me dava conta de tudo o que estava acontecendo. Já ensaiava algumas palavras com meu pai e minha mãe que me acompanhavam. Andamos pelo corredor do bloco até chegar a algumas portas. Elas ocupavam quase a metade de todo o espaço do bloco. Estavam todas fechadas. - Vamos aproveitar para tomarmos um café. - disse minha mãe. - Tem uma padaria na esquina do bloco. - disse meu pai. - É aqui que terei deficar? perguntei. - Sim, filho. Quando abrirem, você passará por algumas entrevistas, fará alguns exames e será encaminhado até uma fazenda modelo que fica a mais ou menos oitenta quilômetros daqui. respondeu meu pai. Dirigimo-nos até a padaria e lanchamos. Quando voltamos, as portas da instituição já estavam abertas. A minha frente, uma secretária jovem e bonita, Nilda, nos atendeu com um sorriso e pediu que aguardássemos. Assentei-me com meus pais e vi um livro de capa escura com a fotografia de alguém se drogando, na penumbra de uma cruz. Do outro lado da cruz, uma luz radiante, iluminava aquele mesmo rapaz que jogava fora a seringa e ajoelhava-se. O nome do livro: "A cruz e o punhal". O nome do autor: "DavidWilkerson". Comecei a folheá-lo. Interessei-me pela ousada e fascinante história de um jovem pregador batista nos E.U.A, que se sensibilizou pela situação de escravidão a que as drogas levavam os jovens americanos. Mostrou-se presente à dor que causava às suas famílias. Comecei a lê-lo. A história começava quando esse pregador cristão, que morava no interior das E.U.A, começou a ler um jornal de circulação no Estado de Nova York. Estampada na primeira página, uma manchete, que contava a triste história de uma gangue das ruas do Harlem, que consumia e traficava drogas e que estava presa. Haviam praticado crimes hediondos em função de estarem drogados e agora poderiam pegar pena máxima no tribunal do Estado. Esse homem sentiu uma enorme comoção pela

vida e pelo futuro daqueles jovens, vítimas das drogas e dos traficantes. Tomou a decisão de tentar fazer alguma coisa por eles. Comunicou à sua esposa, arrumou suas malas e dirigiuse até a cidade de Nova York. Orientando-se pela matéria do jornal, conseguiu chegar ao tribunal americano na hora do julgamento dos jovens. Assistiu a tudo, olhando fixamente para aqueles jovens rapazes cheios de terror e arrependimento. Quando o juiz pronunciou a sentença, o homem não se conteve, levantou-se e começou a protestar em alta voz, pedindo mais uma chance para os réus, uma vez que eram viciados e que deveriam receber uma pequena pena de tratamento e não uma pena de prisão. Sua voz era ouvida em todo aquele salão. O juiz que presidia a sessão não gostou da intervenção e mandou que o expulsassem da sala. Ele foi expulso, mas também chamou a atenção de toda a imprensa que estava dando cobertura ao caso. - Quem é o senhor? - Por que o senhor está protestando? - Que tipo de tratamento o senhor acha que deveria ser dado a eles? - Por favor... por favor... Os repórteres o cercavam. Ele saiu daquele local muito angustiado e tomou a decisão de não se dar por vencido. Se não pode socorrer aqueles garotos, podia tentar socorrer os que tinham tempo para se decidir. Então criou uma instituição chamada "Teen Chalenger", que traduzido é "Desafio Jovem". Elaborou um programa de tratamento, conclamou as sociedades políticas, civis e religiosas e começou a estender as mãos para as pessoas que quisessem sair das drogas. Num instante, ele já estava firmando convênio com a justiça que encaminhava para sua instituição os presos que necessitavam de tratamento. Muito rapidamente ele ganhou o apoio das autoridades locais, estaduais e nacionais. Ganhou a confiança de toda a sociedade americana que contribuía com seu trabalho. Tinha credibilidade junto à polícia. Os resultados foram tão surpreendentes que o seu programa e metodologia de tratamento foram exportados para outros países, chegando também ao Brasil através de um professor de antropologia. - Ei, você é Arlem Maffra? Voltei a minha atenção para o ambiente. Estava tão envolvido com aquele livro, que não percebi que muitos outros rapazes chegaram ali, de vários lugares do Brasil, para serem internados também. A sala estava cheia. - Sim, sou eu. - Você pode descer até as salas do subsolo e encontrará alguém para atendêlo.

Os meus pais foram encaminhados para outra sala. Quase três horas de entrevista. Vasculharam a minha vida, leram o regulamento e me conduziram ao carro que me levaria até a fazenda. "As 16 horas, uma Van encosta no estacionamento. " - Chegou a hora filho, precisamos nos despedir. meu pai dirigiu-se a mim com os olhos cheios de lágrimas. - Nunca o abandonaremos, filho. Tudo isso vai passar logo e teremos nosso menino de volta. disse a minha mãe. Eu não me sentia bem. Estava muito angustiado. Sentia-me como um doente sendo internado em um hospital. Queria sumir, acordar de todo aquele pesadelo. - "O que é que eu estava fazendo em Brasília?" - "Por que me internar?" Minha mãe me abraçou, me apertou, chorou... Meu pai enxugava os olhos e não conseguia falar muita coisa. - Eu estou com você, filho. Mesmo que você não queira ficar aqui. O carro ia se afastando e meus olhos perdiam no horizonte aquelas duas figuras máximas em minha vida. Havia uma esperança acesa nos olhos dos meus pais. Agora, a dor se misturava à nova chance que eu tinha para recomeçar. Meus sonhos, lindos sonhos... Meus amigos, distantes amigos... Meus colegas de escola. Eu estava, mais uma vez, separado da minha família. Sinceramente, se eu soubesse que o preço seria esse, não teria experimentado drogas naquele dia. Segunda-feira. 18 horas. A Van chega à fazenda da clínica. Interno, confuso, distante do que estava acontecendo, eu precisava me adaptar àquele lugar. - Seja bem-vindo, Arlem Maffra. disse um dos orientadores com uma voz compassada e segura. Ele tinha um sorriso nos lábios e um brilho diferente nos olhos. Era uma fazenda maravilhosa, com animais, plantações, muitas árvores, ar puro e um soprar contínuo dos ventos do cerrado. Você deve estar curioso para saber o tipo de tratamento que eles ofereciam lá, não é mesmo? Bem... Acordávamos às 6 horas, higiene pessoal, café, um pequeno intervalo e logo começavam as atividades de tratamento, com estudos, debates, palestras e reuniões. O almoço era servido ao meio-dia. Podíamos descansar até 13 horas e 30minutos, quando então participávamos de uma terapia ocupacional. Era servido um lanche às 16 horas e o trabalho encerrava às 17 horas, quando então tínhamos até às 18 horas para o lazer, que era o futebol. Eu ia passar três meses naquele lugar para fazer desintoxicação, adaptação, disciplina e um descondicionamento psicológico, depois então seria transferido para outra unidade na cidade para a ressociali-zação e a retomada dos estudos. Os dias foram passando e eu já me sentia melhor. Meus hábitos alimentares foram mudados, meus horários foram disciplinados, fiz muitas amizades com

rapazes que vinham de todos os lugares do Brasil, América do Sul e Europa para se tratarem lá. Foi um tempo muito especial em minha vida, mas havia sempre uma indagação a respeito das drogas: Romper definitivamente com o sentimento de prazer que a cocaína me proporcionava, era algo que me assustava. Ali naquele lugar tudo bem, eu não estava usando, mas... e quando saísse? As drogas se tornaram parte da minha vida. Na verdade, a parte podre que precisava ser tirada. Passei por crises de abstinência terríveis até acostumar meu organismo a viver sem elas. Psicologicamente, acostumado com a companhia e o prazer das drogas, eu precisava agora de algo maior. Sentia muita saudade da minha família, e sabia que não ia ficar ali para sempre. Precisava redefinir minha vida, saber para onde iria, o que faria depois de tudo isso, se a justiça me deixaria em liberdade após o tratamento. Enfim, muitas coisas me perturbavam. Quinta feira, 7 horas. Aquele parecia um dia normal como os outros. A sirene toca na fazenda, convocando todos para a costumeira reunião na capela, onde todos os dias um orientador lia um texto da bíblia e logo depois, passava a nos explicar, tirando uma lição para ser aplicada no nosso dia-a-dia na fazenda. - Bom dia, amigos! Eu quero ler para vocês um pequeno trecho que São Paulo escreveu para os seus amigos da cidade de Colossos quando estava na prisão. Eu não entendia nada de religião e achava aquilo uma caretice. "E ele (Deus) vos libertou do império das trevas, e vos transportou para o reino do filho (Jesus) do seu amor". - Amigos, Deus nos criou como seus filhos, desejando o melhor para todos nós... Prosseguiu explicando: - ... "Ele queria que fôssemos felizes, curtíssemos tudo de bom que colocou nessa terra e que vivêssemos livres. Um dia, nós fomos seqüestrados por uma força do mal, através das drogas, e, então ficamos aprisionados e condenados a viver como escravos desse mal por toda a vida. As drogas nos fizeram reféns e nos jogaram num cativeiro de dor e tragédia. A droga tornou-se uma força muito superior a nós. Deus, testemunhando a angústia de nossas famílias e o nosso desespero, ouviu nosso grito e nos libertou do império das trevas, da solidão e da humilhação... " Que história mais esquisita, porém comecei a configurar o que ele dizia. Vivi a tragédia, minha família cheia de dores. Desesperado, gritei. A prisão podia ser comparada ao império das trevas e a droga era um problema além das minhas forças. "... a força que precisamos está, primeiro, em Deus, depois em nós, em nossos amigos e em nossas famílias..."

Cara, que história louca. Show cara, Show. Eu tinha de me agarrar àquilo, eu precisava mais que qualquer pessoa ali. Continuava parecendo mais um dia normal, com um sol bonito, um céu limpo e muito vento. Eu estava triste, sentia um forte peso nos ombros. Aquela velha vontade de usar cocaína trouxe o gosto em minha garganta. Dirigi-me ao almoxarifado para apanhar algumas ferramentas para o trabalho. Subi a estrada que dava acesso ao cerrado para limpar uma área onde plantaríamos arroz com os tratores. A terapia naquele dia parecia pesada, comecei a pensar se todo aquele esforço resultaria em alguma coisa, se eu não estava ali somente passando o tempo... Soou a sirene para o lanche das 16 horas. Depois do lanche voltei ao trabalho e então me lembrei que havia esquecido uma ferramenta. Voltei para apanhá-la. Dei a volta por trás dos depósitos de lenha, entrei no almoxarifado, apanhei uma ferramenta e quando saí, senti um cansaço muito forte. Sentei-me no degrau ao fundo da construção para descansar. Comecei a sentir uma angústia, uma sensação de vazio, de falta, um vácuo dentro de mim. Agora, percebi que haviam me tirado a única coisa que eu tinha, a droga. Estava longe de tudo e de todos, amigos, família, pessoas conhecidas, escola... De repente, comecei a ouvir um barulho de pássaros cantando. Olhei para cima, o céu estava claro, limpo e azul com pequenos filetes de nuvens. Uma revoada de pássaros... Eram pequenos peri-quitos voando em bando, mais baixo que o normal. Passaram bem próximo de onde eu estava. Em questão de segundos, outro bando e então alguns pardais voaram por entre os pés de laranjas do pomar, pousaram no chão e começaram a buscar alimentos na terra com o bico. Levantaram voo e foram embora. Sim, aquela cena não me era estranha. Em algum lugar aquilo já havia acontecido. Claro! Por que não me lembrei logo? Na prisão, cara. Aquele dia chuvoso que eu estava angustiado, segurei-me nas grades, observei os pardais voarem pelo pátio da prisão, cantarem e voarem livremente para além dos muros. Sem ter tempo para processar tudo aquilo, uma voz fraca, branda e suave vinha de algum lugar em meu interior: -"... Eu cumpri minha parte, agora, cumpra a sua..." Aquela voz vinha cada vez mais forte. "... Eu cumpri a minha parte, agora cumpra a sua..." Alguma coisa me chamava para uma resposta, um compromisso, um voto, uma promessa. Naquele dia, na prisão, eu disse que se Deus existisse e me desse a chance de reescrever minha história e da minha família, eu voltaria às escolas para dizer aos outros o que havia acontecido comigo e com meus amigos. Naquele momento, caí de joelhos,

chorava e gritava: - Obrigado, Deus... Obrigado... Ajuda-me a vencer as drogas e serei uma voz à tua disposição nas escolas da minha nação. Eu agora não precisava sussurrar como lá na cela da prisão, podia falar alto, não tinha ninguém para me ouvir a não ser, talvez, Deus. - Será que foi você quem me tirou realmente daquela prisão e me trouxe para esse lugar...? Dessa vez eu falava com mais convicção da existência de Deus, mesmo sem ter uma religião ou seguir uma cartilha do padre ou pastor. Se eu não estava ficando louco, acabara de ter a chance de me encontrar na vida, de dar um sentido aos meus dias, de me sentir seguro para sair dali e construir algo, de voltar a fazer felizes os meus pais, de voltar a ter aqueles sonhos de conquistas e realizações. -... Deus, por acaso você não podia ser meu companheiro e me dar um sentimento melhor que o da cocaína...? Comecei a chorar. Não parava de chorar. O tempo estava passando e logo a sirene para encerrar a terapia ocupacional soaria e eu ainda estava ali, escondido de tudo e de todos, chorando e conversando com algo que chamava de Deus. Estava colocando tudo para fora através do choro. As marcas das tragédias, as feridas da rejeição, o pavor da solidão, a mutilação dos meus sonhos, as perdas emocionais, tudo estava sendo revisto. Não era um choro de tristeza e nem de angústia, mas de escape. Eu estava me encontrando com Deus e conhecendo o seu amor de pai. Eu estava sendo apresentado ao seu Filho, Jesus Cristo, e conhecendo sua companhia. Levantei a cabeça e enxuguei as lágrimas. Achava-me possuído por uma coragem, uma certeza de que tudo ia dar certo e que poderia vencer as drogas com a ajuda, a companhia e o sentimento de amor que Deus poderia me dar. Logo, meus companheiros de quarto começaram a perceber a mudança e a confiança que eu havia encontrado para estar tão bem. - Passarinho, o que é que está acontecendo com você? - To bem, cara. Apenas me encontrei com Deus. Não o vi, mas pude senti-lo bem perto de mim. Conversei com Ele, resolvi convidar o seu Filho, Jesus Cristo, para morar em minha vida, depois Ele me fez chorar e senti que estava perdoando todas as besteiras que fiz com a minha vida, usando drogas e causando dores á minha família. - Ah é?! Você não ta pirando não, cara? - Não sei, cara... Eu to bem. - Escuta aí, Passarinho... E onde foi que isso aconteceu? - Lá no degrau da construção, atrás do almoxarifado... em frente ao pomar.

O cara me olhou meio desconfiado e encerrou o assunto. Eu não podia esperar a hora para ter novamente contato com Deus. Sem religião. Só Ele e eu. Comecei a adquirir o hábito de falar com Ele todos os dias. No meu quarto, sentado em minha cama, ou trabalhando. Eu precisava muito daquilo. Sentia-me muito bem. Achei algo melhor e maior que as drogas. Valeu, "paizão"! Por me ressuscitar do túmulo das drogas. Sua escola, sua história Passei cinco anos naquela instituição. Cumpri parte da pena em tratamento. Eu sentia tanta saudade da Maria, dos amigos, da escola. Minha mãe veio me visitar. Dois anos haviam se passado e foi então que me dei conta que havia aprendido a viver sem as drogas. Retomei meus estudos, concluí meu segundo grau e agora queria alçar voos mais altos. Fazer um curso superior, trabalhar na empresa com meu pai, comprar meu carro, meu apartamento. Mas o maior desejo que tinha era de rever minha cidade, minha escola, meus amigos. Nesses dois anos, meu amor por Maria apagou-se completamente, porém a chama ainda ardia muito por Helda. Esquecê-la era difícil. Algo de muito forte teria de acontecer... e... aconteceu, cara! Seis horas da manhã. A sirene toca mais uma vez e somos acordados por uma canção que dizia: "Calmo, sereno e tranqüilo...". Parecia mais um dia como qualquer outro. Fiz a higiene pessoal, fui para a reunião de grupo, tomei o café da manhã e quando me preparava para uma terapia, vi, na linha do horizonte daquela fazenda, um carro se aproximando. Percebi que era um microônibus. Logo, o coordenador da clínica nos reuniu e solicitou alguns voluntários para trabalharem na colheita da fazenda treze. Lá, residiam as meninas que estavam em tratamento. Para mim era indiferente, ficar ou ir. Decidi me voluntariar, pelo menos, me distraía. O microônibus percorria os sessenta quilômetros que separavam uma fazenda da outra. A paisagem era exuberante. O sol entrava por entre as árvores do cerrado, refletindo um tom avermelhado em suas folhas. A linha do horizonte parecia infinita. Nenhuma montanha, nenhum obstáculo. Eu aproveitava esses momentos para fazer a minha viagem particular. Sonhava, pensava, pro jetava imagens, curtia a ficção elaborada por minha mente. Aprendi isso na prisão. Enquanto os outros presos se desesperavam para encontrar um túnel ou qualquer outro meio que os tirassem daquele inferno, eu tinha meu próprio túnel. Fechava os olhos e construía um caminho virtual, por onde meu espírito e minha alma tinham livre acesso à vida normal. Minha mente ia junto. Se você fechar os olhos

agora, colocar uma música, ficar sozinho, você pode entrar no meu mundo e viajar na minha história, na minha vida. Você pode até ser uma personagem do meu livro. Você pode entrar na minha escola, matricular-se e pronto. Daqui a pouco soa a música para o recreio e você estará se encontrando comigo, com a Helda, o cidadão de Curitiba... todo mundo. Como é o seu nome? Seja bem-vindo! Seja bem-vindo à nossa tribo. Ok! Acabou a viagem. Um solavanco me trouxe à realidade. Estávamos entrando na fazenda das meninas. Trabalhei duro até a hora do almoço. O microônibus voltava para nos levar até o refeitório, quando, de repente... As meninas estavam caminhando para seus apartamentos. Não podíamos ter contato naquele momento, mas meus olhos chegaram antes de mim. Cor de jambo, cabelos negros até a cintura, olhos negros, sorriso puro. Nunca vou me esquecer daquela boca, daquele par de olhos. Corpo escultural, jeito de menina. Laila. Nascida na fronteira de Manaus, Amazonas. Uau! O tornado voltou a varrer meu coração tão ferido, tão doído, tão sozinho. De novo aquele calafrio. Foi tudo fotografado. Eu tinha um amigo que dividia comigo as conquistas e os fracassos. Chamava-se Egmar. Olhei para ele e disse: - Presta atenção, cara! Ta vendo aquela figura entrando no alojamento? Vou me casar com ela. Agora, enquanto escrevo para você, ela está no quarto dormindo. É a mulher dos meus sonhos e das minhas realidades. Muitas coisas aconteceram nesses anos. Voltei à minha cidade, reencontrei quase todo mundo, fiquei livre da minha pena, reconstruí minha vida e ajudei meus pais a reescreverem o capítulo de tragédias que deixei. Tenho três filhos Filippe, Laili e Larissa pelos quais sou eternamente apaixonado. Acredito que essa marca tão profunda que tive na minha história não poderia parar em mim. Hoje, meu filho e minha esposa desenvolvem um projeto chamado Escola sem Drogas, que tem compartilhado um pouco da nossa história para a orientação e prevenção ao uso de drogas. Se me dissessem que, se eu gritasse salvaria pessoas desse mundo horrível que vivi, eu gritaria, mas como sei que isso não é possível e que certamente você não me escutaria, eu escrevi. Obrigado por ter escutado a minha voz! Valeu, cara. "Passarinho" Missão impossível Olá! Chamo-me Filippe Maffra e dirijo, hoje, o Projeto Escola sem Drogas. Nesses anos, como diretor, tenho viajado por muitas cidades, levando um programa de prevenção para a família e para a escola. Vejo-me como um soldado que tem um único

objetivo em sua vida, o de cumprir sua missão. Vejo o Projeto Escola sem Drogas como uma forma de retribuir o bem que aconteceu na vida do meu pai. Minha missão se realiza agora, quando suas mãos tocam este livro e seus olhos correm por seus últimos parágrafos. Em cada encontro, ouço histórias diferentes que só me fazem ter a certeza de que construir um projeto de prevenção com essa obra foi uma das coisas mais gra-tificantes da minha vida. Ao ouvir inúmeras experiências singulares, que cada leitor tem ao ter contato com a história, fico surpreendido de como um "pequeno livro" tem o imenso poder de ajudar pessoas. Uma pergunta que me faço é: Por que meus pais não morreram? Tem muita gente que morre por muito menos, mas eles não. Por quê? A única resposta que encontrei nesses anos todos foi: "VOCÊ" ou por causa de você. Seria egoísta se não compartilhasse a história dos meus pais, sabendo que ela, em sua profundidade, tem sido muito útil para salvação de vidas do problema chamado "dependência química", no qual dedico minha vida em seu combate. VOCÊ faz ter sentido todos os dias que saio de minha casa com minha esposa para fazer mais um encontro. E, em cada encontro, conhecer VOCÊ é o que me motiva a nunca parar de desenvolver esse projeto, essa missão, que descobri que não era impossível quando fui à primeira escola falar com professores, alunos e pais sobre o poder de salvar vidas e reescrever histórias através da prevenção. Agradeço aos meus pais por emprestarem sua história para que um projeto tão lindo nascesse, fazendo com que VOCÊ não limite o seu "tempo de vida", pois, quem vive mais, ama mais e vence mais. Jogo nesse time! Mas esse não é o final, quero lhe chamar atenção para a emocionante trajetória de uma aluna de apenas treze anos que, ao ser atraída por uma paixão estudantil, mal sabia que dali nasceria uma paixão "irresistível" pelas drogas, levando-a percorrer caminhos de dor, vergonha e tragédias jamais imagináveis. Essa é a história da minha mãe, que está relatada no nosso segundo livro "Droga Disfarce Irresistível". Você não pode ficar sem ler! Vou aonde este livro chega. Isso quer dizer que, em breve, estaremos juntos. Vou aí, em sua escola, conhecê-lo, conhecer sua tribo e terminar essa história com VOCÊ. Até nosso encontro. Missão cumprida. Filippe Maffra T Este livro é baseado em fatos reais. O que uma família de classe média alta poderia esperar de um filho bem criado e amado?

Surpreendendo sua resposta, ele foi tragado pela sedução das drogas no convívio com outros numa escola. Mergulhou a sua vida e a de sua família no mais profundo abismo de dor e tragédia. - Do consumo ao tráfico. - Da escola à prisão. A história que fará você rever a sua vida. Ele ressuscitou do túmulo das drogas e volta, dessa vez, do outro lado. A incrível história de Passarinho e seus amigos no palco do recreio de uma escola.