CIDADE PÓS-MODERNA: FRAGMENTADO
ESPAÇO
TERESA BARATA SALGUE1RO*
The post-modern
city: a fragmented space
The artiele díscusses the transition from industrial to post-industrial times and how it has affected urban spatial organization. In the industrial city, social and economic activities tended to cluster in space, giving rise to internal/y-homogeneous areas. In the post-industrial city, however, organizatíon of space is more complex and characterized by
fragmentation. As a result, cities are increasingly subdivided into a series of territorial enclaves, whieh have weak or no relationship with the surrounding areas. A case study of metropolitan Lisbon shows that the emergenee of sueh territorial enelaves is great/y transforming the traditional eenter-periphery structure of lhe Portuguese capital.
Neste texto propomo-nos a refletir sobre as modificações da organização urbana na transição da cidade industrial para a pós-industrial' , considerando que a fragmentação socioespacial identifica a cidade pós-industrial. Entendemos por fragmentação uma organização territorial marcada pela existência de enelaves territoriais distintos e sem continuidade eom a estrutura socioespacial que os cerca. A fragmentação traduz o aumento intenso da diferenciação e a existência de rupturas entre os vários grupos sociais, organizações e territórios .
. Professora catedrática da Universidade de Lisboa 1 Quando falamos de cidade pós-industrial x cidade industrial queremos apenas marcar a importância dos serviços (pessoais, ás empresas, de turismo) e não mais da indústria no emprego, no produto, e na paisagem das áreas urbanas. Em termos mais latos associamos a cidade industrial á época moderna (em sentido restrito á época que teve o clímax entre meados do século XIX e os anos 20 do século XX) e à pósindustrial à cultura pós-moderna que se instala desde os anos 60.
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1. A segregação
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na cidade industrial
A cidade industrial apresentava uma segregação funcional e social (LlPIETZ, (1974) fala em divisão técnico-econôrntoa e social do espaço), pois era constituída por áreas homogêneas do ponto vista social, ou funcionalmente especializadas, as quais estavam ligadas por relações de complementaridade e de interdependência, com freqüência numa organização de tipo hierárquico, como sucedia com as áreas de comércio e serviços, fortemente polarizadas e comandadas por um centro, ou com as áreas residenciais, as quais reproduziam a hierarquia social. A segregação foi-se construindo em paradigma da cidade industrial e moderna. Determinada pelas necessidades da economia (umas atividades são antagônicas, outras têm vantagens de coesão como salientaram HARRIS & ULLMAN em 1945), foi assumida como modelo pelo urbanismo funcionalista moderno que tem no zoneamento um dos seus pilares, tendendo depois a reproduzir-se. Já a homogeneidade das áreas sociais traduzia o novo papel que o espaço assumiu na identificação das pessoas quando o industrialismo acelerou a mobilidade social e o reconhecimento do estatuto se passou a fazer pela posse de bens. A casa e, mais do que isso, o bairro de residência entram no conjunto de bens que oferecem reconhecimento. A homogeneidade social dos bairros e a sua defesa dos intrusos podem radicar em razões culturais e sociais, mas adquire rapidamente uma tradução econômica em termos de valorização ou desvalorização do solo. O resultado desses processos. favorecido aliás pelo papel de árbitro e regulador do Estado, principalmente atuante no domínio do planejamento do território, é uma cidade "arrumada" com os grupos sociais e as atividades econômicas em seu determinado lugar, na qual se desenvolvem trocas entre espaços desiguais, se tecem interdependências, e se multiplicam solidariedades. Assim, o centro prestigiado, diversificado, rico e poderoso opõe-se a periferias mal-equipadas e monótonas. A cidade opõe-se ao mundo rural com o qual estabelece, no entanto, profundas relações - o hinterland contribui decisivamente para a especialização funcional das cidades - e com o qual funciona em simbiose interdependente.
2. A cidade fragmentada Esta situação começa a mudar no pós-guerra. tornando-se mais nítida nos anos 70, acompanhando o progresso na tecnologia dos transportes e comunicações e o reforço dos processos de internacionalização que tiveram profundas conseqüências na organização econômica e social e, portanto, também nos modos de produção e de apropriação do território, na estrutura das cidades e nas suas relações mútuas. O aumento da mobilidade, a crise eco-
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nômica e a posterior reestruturação, o aumento da diversidade e a fragmentação da estrutura social encontram eco na organização urbana que tende a evoluir para uma maior fragmentação. A principal característica que importa sublinhar na cidade fragmentada é a existência de enc/aves, o caráter pontual de implantações que introduzem uma diferença brusca em relação ao tecido que as cerca, seja um centro comercial numa periferia rural ou um condomínio de luxo no meio de um bairro popular". Desta característica resulta a existência de rupturas entre tecidos justapostos as quais substituem a continuidade anterior. A própria continuidade centro-periferia ou cidade-hinterland baseada em complementaridades se rompe. O centro perde a especificidade regional e acolhe funções determinadas por processos longínquos de caráter global e a continuidade com a periferia é desafiada pela multiplicação das centralidades. As cidades ligam-se em redes, sem atenção à distância nem à dimensão dos lugares, nas quais buscam sinergias e identificação, muito mais do que no seu hinterland. Ao mesmo tempo em que nas urbes se multiplicam as áreas funcionalmente equivalentes sem ligações hierárquicas, tendendo para uma estrutura pollcêntrica e reticulada. Este processo é particularmente visível na estrutura terciária com o declínio do centro tradicional e a emergência de novas centralidades, pólos de comércio e serviços com grande capacidade de atração que disputam clientelas, uma vez que os novos padrões de mobilidade acabaram com a exclusividade das áreas de mercado dos pontos de venda definidas pela distância aos consumidores. Outra característica importante é a tendência para a mistura de usos em alguns dos novos empreendimentos. Na cidade fragmentada há, por um lado, menos especialização, devido à tendência para substituir as áreas especializadas do zoneamento por espaços de atividade mistos, mas, por outro lado, cresce a especialização de determinadas unidades; basta pensar na segmentação espacial do processo produtivo, na especialização muito estreita de alguns pontos de venda, no aumento da diversidade dos alojamentos. Finalmente, devemos referir o padrão aleatório destes novos acontecimentos urbanos. Ora surgem no centro, ora na periferia, uns são fruto da reabilitação de imóveis degradados, outros nascem com a renovação de áreas obsoletas, outros ainda são construídos de raiz num local que rapidamente ganhou acessibilidade ou, pelo contrário, cujo isolamento permite adquirir o solo a baixos custos, como no caso da habitação social. Este padrão aleatório é simplesmente produto social do jogo do mercado imobiliário pouco regulado, de processos especulativos de valorização, e não tanto das condições locais em termos de distância ao centro ou a zonas de emprego, do
Importa notar que o que define o enclave não é tanto a sua dimensão, pequena, mas o tipo de relação (a existência de não-relações) com os tecidos que o cercam.
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nível local do comércio e dos equipamentos ou da qualidade do ambiente. Deste modo os modelos da estrutura urbana de inspiração positivista como os produzidos pela ecologia fatorial ou mesmo pelo comportamento da renda fundiária perdem capacidade explicativa. O fato de defendermos que a cidade fragmentada substitui a cidade segregada não quer dizer que desapareçam as situações de segregação socioespacial, Em primeiro lugar, porque a fragmentação pode ser vista como uma segregação à escala micro, um patchwork ou manta de retalhos em vez da organização em grandes manchas a que os modelos da Escola Ecológica nos habituaram; mas, por outro lado, existe uma profunda inércia nas sociedades e no espaço que dificulta a emergência do novo padrão. O que importa salientar é que, paralelamente à segregação, surgem casos em que grupos sociais muito diferentes partilham o mesmo espaço. Isto é particularmente nítido nos bairros antigos com qualidade ambiental e patrimonial que têm sido objeto de ações pontuais de nobilitação (gentrification) surgindo prédios de prestígio em locais pouco valorizados, mas quando os sem-abrigo procuram as portas das grandes empresas ou as vitrines dos comércios de luxo do centro para dormir revelam igualmente uma apropriação mais variada dos territórios.
3. Quadro explicativo Nos processos que estão na origem da nova organização urbana me· recem destaque a nobi/itação e regeneração que ao procederem à reabilitação e renovação de áreas antigas e degradadas fomentam a mistura de usos (o crescimento de empreendimentos mistos com habitação, comércio, lazer e escritórios) contrariando os princípios do zoneamento funcionalista, e a criação de "novas central idades" contribuindo para lançar as bases de uma estrutura policêntrica de territórios ligados em rede à custa da perda da importância do centro tradicional e da estrutura monocêntrica de base hierárquica, ao mesmo tempo em que favorecem a proliferação de implantações de tipo pontuai (centros comerciais, condomínios de luxo, grandes edifícios de escritórios, conjuntos de habitação social, parques temáticos), isoladas, ou no seio de territórios com outro uso, que adquirem grande visibilidade e se opõem à organização tradicional em manchas homogêneas. Representam a reapropriação da central idade por atividades e grupos sociais de maior poder econômico que se vêm justapor ao tecido preexistente e introduzem rupturas bruscas entre os territórios ocupados pelos vários grupos e organizações que embora sejam contíguos não apresentam qualquer continuidade. As alterações da organização urbana são produto dos processos de produção e apropriação do espaço porque são eles que fazem a articulação do território com a esfera da organização econômica e social. De modo muito genérico podemos dizer que se assistiu a uma mudança nos modos de produção e apropriação do território no quadro do aumento das interações (e da
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internacionalização) e de alterações na organização econômica e na base da estrutura social. Podemos dizer que se tende para uma apropriação pontual ou intensiva do território em vez da apropriação extensiva ou em mancha, tradicional. O território continua a participar na identificação das pessoas e empresas mas agora a apropriação é mais seletiva e feita em nível micro quando interdependências funcionais ou de interesses substituem a solidariedade de vizinhança e as dependências de proximidade, na base das relações sociais. A apropriação não é feita por classes sociais ou ramos de atividade econômica mas por grupos, às vezes bem pequenos. Deste modo, produziu-se uma diferenciação naquilo a que Milton SANTOS (1994:16) chama 'horizontalidades', "os domínios da contigüidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial". Há, por um lado, uma horizontal idade que é solidária e contínua, e uma outra em que há contigüidade sem qualquer continuidade. Esta assenta em rupturas, a base dos enelaves em que se estrutura a cidade fragmentada. A horizontal idade tradicional pré-industrial era constituída por pessoas diferentes mas interdependentes e solidárias. Na cidade de enclaves, 'diferentes' significa 'estranhos'. Os estudos que focalizam a questão da apropriação do espaço quase sempre se referem aos consumidores e responsabilizam a procura pelas mudanças verificadas. Pretendem perceber os novos padrões locativos das empresas e o tipo de substituição social que ocorre nas zonas nobilitadas. Quando o enfoque é social, este tipo de estudo privilegia os aspectos culturais ao situar o consumo no contexto das ideologias das novas classes médias da sociedade pós-industrial. Assume então relevância o aumento da diversidade social associado aos novos padrões de consumo, à pluralidade de estilos de vida que produzem novas e mais diversificadas procuras, em parte associados ao que alguns dizem ser a emergência de novas classes médias. O aumento da segmentação que se identifica na organização econômica estendese ao espaço social que tende a pulverizar-se em grande número de grupos diferentes fruto do aumento muito pronunciado da diversificação relacionada com a multiplicação das escolhas e das dimensões consideradas na sua definição. Assiste-se a uma a generalização dos modelos culturais, ou pelo menos de muitas das suas referências, mas também ao aprofundamento de especificidades e particularismos conduzindo, simultaneamente, a uma uniformização dos modelos e à diferenciação das práticas sociais. A conjunção dessas duas forças antagônicas parece conduzir à fragmentação dos territórios e das comunidades através de várias linhas de c1ivagem que formam um tecido complexo e difícil de decifrar. A quantidade de informação recebida, o aumento da mobilidade e a diversidade de contatos abertos aos indivíduos permitem-lhes não apenas desmultiplicar-se por diversos papéis e identidades, mas também pertencer a
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diversas redes, algumas quase virtuais, mas na maior parte com consistência territorial mais fragmentada, isto é, partilhada por diversos lugares afastados. Os yuppies e hoje os 30s something foram responsabilizados pela reapropriação da área central para residência e consumo devido à importância que atribuem ao tempo de deslocamento e à adoção de estilos de vida cosmopolitas. Ocupam edifícios reabilitados (ou inteiramente novos mas no geral com um ar antigo), na zona histórica, ou construções inteiramente novas, seja em áreas renovadas anteriormente voltadas a usos industriais ou de transportes de que as operações nas docas em todo o mundo são paradigma, seja em locais da coroa urbana valorizados por novas condições de acessibilidade como sucede em Telheiras ou Lumiar, em Lisboa. Mas também encontramos novos estratos consumistas em situações suburbanas, principalmente com a proliferação de condomínios fechados de moradias providos de facilidades em termos de equipamento desportivo e de lazer, oferta até há pouco praticamente inexistente, porque espartilhada entre os bairros clandestinos para grupos remediados ou pequenas classes médias e grandes moradias com jardim para minorias de grande poder econômico. Os primeiros se beneficiam da proximidade ao emprego e aos comércio os e serviços de luxo existentes na área central, enquanto os segundos menos dependentes da proximidade ao trabalho central (ou trabalhando na periferia) valorizam os jardins, os equipamentos desportivos, o sossego. Tanto uns como outros dividem o seu tempo cotidiano entre a proximidade e a distância. Para muitos indivíduos o espaço de ação não é mais definido pela continuidade territorial; freqüentam uma série de lugares, pontos que apenas as práticas de cada um unificam e dão sentido como conjunto. Efetivamente cada vez mais os espaços de ação dos indivíduos são formados por pontos distantes uns dos outros ligados por processos sociais, pelos padrões da vida social organizada em e por meio de determinados locais (URRY, 1995). O próprio bairro enquanto extensão e suporte de práticas cotidianas e de relações sociais perde sentido. Outro conjunto de explicações com ênfase na procura inspira-se na teoria social. A cidade industrial espelhava a solidariedade orgânica produzida pela divisão do trabalho e pela interdependência de cada um face aos outros para cumprir a sua tarefa e dava dela uma representação convincente. Depois perdeu-se o princípio social baseado naquele sentimento, a sociedade dessolidariza-se e os que têm mais posses ignoram os desfavorecidos e fogem das zonas onde estes se acumulam porque comportam custos sociais mais altos. A cidade torna-se então simples projeção aleatória de condições sociais cada vez mais fragmentadas e sem qualquer princípio de disposição, produzindo-se "uma desordem espacial das posições sociais" (DONZELOT,1997). Finalmente, em termos de empresas, o que importa salientar é o aumento da liberdade locativa (aliás comum às residências), ou novas condições de localização. A segmentação espacial do processo produtivo permite
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a forte descentralização de atividades industriais intensivas em mão-de-obra, dos back oftices onde se praticam tarefas rotineiras, e armazéns, enquanto se assiste à concentração na área central das funções de gestão, direção e controle do processo produtivo. De modo semelhante no comércio, as grandes superfícies multiplicam-se na periferia e na zona central renovada perdendo muitas das características que eram ponto de apoio da Teoria dos Lugares Centrais, designadamente exclusividade de áreas de mercado, centralidade em relação à clientela, relação entre a dimensão demográfica e funcional. Tudo isto conduz ao desenvolvimento de novas relações entre cidade e região, entre centro e periferia, entre empresas, mais livres e mais flexíveis, relações que não são necessariamente hierárquicas nem baseadas em complementaridades de proximidade. As empresas, tal como os territórios, podem buscar sinergias na proximidade geográfica, nas relações e características do ambiente local, mas também na distância, na pertença a uma determinada rede. Ao contrário das explicações anteriores, certos autores privilegiam nas suas análises o lado da produção destacando o papel do capital e as alterações verificadas no comportamento dos agentes diretamente relacionados com a produção urbana. No domínio da produção do espaço importa evocar alterações registradas nos processos de valorização imobiliária, o aparecimento de novos tipos de empreendimentos relacionados com a reestruturação do setor da construção, e o papel do Estado. A importância assumida pelos mercados imobiliários para investimento, encarados como alternativa ao circuito de produção para acurnulação'' , e a forte internacionalização dos mercados de produtos de gama alta e média, principalmente no domínio do chamado imobiliário comercial e de habitação de luxo, num contexto de menor regulação sobre o uso e transformação do solo, e maior mobilidade de capitais à escala internacional, contribuem para incentivar operações de renovação urbana semelhantes em todas as cidades e para o desenvolvimento de processos simultâneos de valorização e de desvalorização de territórios os quais resultam essencialmente do jogo de oportunidades imobiliárias e não necessariamente da lógica de desenvolvimento local. Nos anos 80 o capital circula de umas cidades para outras em busca de melhores oportunidades, contribuindo para situações de especulação e 3 HARVEY (1985 e 1987), no seguimento de LEFEBVRE (1974), estabelece a ligação entre produção do espaço construído e crises no processo de acumulação dando lugar a excesso de liquidez e saídas de capital da esfera produtiva. Do ponto de vista da circulação do capital, os booms imobiliários coincidem com a transferência do capital do circuito primário de acumulação (a esfera produtiva) para o circuito secundário (produção do ambiente construido) em épocas de excesso de liquidez e problemas de acumulação registrados no setor produtivo.
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crises por excesso de oferta. Em Portugal este movimento foi facilitado com a entrada do país na União Européia, mas a revolução imobiliária começara antes, ainda nos anos 60, com uma alteração na escala da produção urbana". Ela corresponde à substituição da intervenção no lote, de 150 a 400m2, pela intervenção mais ampla e acompanha a reestruturação do setor da construção, isto é, a sua penetração por estruturas capitalistas mais avançadas traduzida num aumento da concentração e na sua penetração pelo capital financeiro, numa primeira fase essencialmente de origem nacional e depois cada vez mais livre. A reestruturação recente do setor da construção passa também por um aumento da especialização e profissionalização das várias atividades (promoção, financiamentos, estudos e projectos, construção, fiscalização, mediação, etc.) muitas delas exercidas por consórcios com forte componente transnacional, ou diretamente por empresas estrangeiras (SALG UEI RO, 1994, COSTA, 1996). Os grandes empreendimentos do topo da gama são internacionalizados pelo capital, pela imagem e até pelos utentes porque muitas empresas estrangeiras recentemente instaladas em Portugal o fazem nestes novos edifícios. Distinguem-se assim em termos de forma, de processo e de ocupação. Orientam-se no essencial para áreas recentemente valorizadas da cidade interior (por renovação de estruturas obsoletas, ou pela construção de novas acessibilidades) a que se somam iniciativas pontuais na periferia, desde grandes superficies comerciais e office parks a condomínios residenciais. De fato, embora se mantenha o laço entre expansão econômica e geográfica mudou a forma desta relação. Hoje em dia a expansão econômica já não se realiza apenas por meio da expansão geográfica periférica, mas envolve diferenciação interna de espaços já urbanizados (SMITH, 1996, sublinhados meus). O caráter central das novas intervenções é explicado pelas teorias que se debruçam sobre a valorização do capital por meio da propriedade imobiliária, concretamente analisando os processos de desinvestimento e reinvestimento conhecidos como do rent gap. Estas teorias fundamentam o regressar ao centro ao explicar como o desinvestimento propicia a nobilitação de certas áreas atraindo para elas investimentos. O papel do Estado também acompanhou as mudanças verificadas e contribuiu para elas. De um modo geral, nas últimas décadas, assistimos à redução da intervenção do Estado no domínio do planejamento territorial". seja em articulação com a expansão das ideologias neoliberais, seja porque Ver referências às alterações da escala de produção urbana em METTON (1984) para o comércio, SALGUEIRO (1983,1994), para a habitação e escritórios. 5 O planejamento, mesmo quando é pouco eficaz, como em Portugal, acaba por condicionar o uso de solo aos "modelos teóricos". A liberalização dos últimos anos tem introduzido uma maior diferenciação. Para alterações no sistema de planejamento ver, entre outros, A. DOMINGUES (1996). 4
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o pós-modernismo é por definição menos crente nos grandes planos e muito favorável à liberdade de iniciativa empresarial. Há, no entanto, grandes investimentos públicos no domínio da habitação social e das infra-estruturas e ;;l!lquipamentos, estes últimos com reflexos na valorização e abertura de novos territórios ao investimento privado, e assiste-se a uma política agressiva de marketing territorial e ao desenvolvimento de parcerias com os agentes privados. A intervenção no domínio da habitação social foi sempre insignificante e demasiado tardia em Portugal. O FFH, no final dos anos 60, vem dinamizar os grandes conjuntos de habitação social que lentamente se ergueram nos anos 70 e continuam a fazer-se, apesar da forte contestação que merecem. Empreendimentos volumosos com grande homogeneidade pois são constituídos essencialmente por apartamentos, os conjuntos de habitação social construídos nos anos 70, quer na zona oriental de Lisboa-cidade, quer em algumas periferias, contribuem indiscutivelmente para a construção da 'cidade segregada' e constituem hoje, com freqüência, bairros-problema devido ao acumular de diversos tipos de disfunções. Destinados a realojamento acolheram populações com origens e situações econômicas e familiares muito diferenciadas (habitantes de casas velhas e barracas, empregados com situação estável, desempregados e reformados, famílias tradicionais e isolados), a que se juntaram depois de 1975 populações africanas. De grandes dimensões, localizados muitas vezes em situações periféricas e mal servidas de transportes, sem articulação com as estruturas preexistentes, introduzem na paisagem profundas rupturas em termos de imagem e de cultura urbana. Habitados por populações com pouca qualificação e vulneráveis face ao mercado de trabalho, a situação de marginalidade é potenciada pelas diferenças culturais e, por vezes, pela presença de atividades ou comportamentos ilícitos, especialmente relacionados com o tráfego de estupefacientes. Também neste domínio da habitação social há inovações pois o PER já admite diversos tipos de realojamento, aceitando uma maior participação dos interessados. O aumento da velocidade de transporte e de comunicação fez perder muitas das vantagens tradicionais dos lugares, estendeu a competitividade aos territórios, contribuindo para novas alterações na sua posição relativa, e determinou profundas mudanças na política e na gestão dos lugares. As ações de reabilitação e regeneração urbana são também determinadas, pelo menos em parte, pela necessidade de melhorar a imagem da cidade, de a tornar mais atrativa. Não é fácil separar dentre estas iniciativas aquelas que se orientam principalmente para o exterior daquelas cuja justificação é a melhoria das condições de vida dos cidadãos. A maior parte delas responde aos dois desideratos, mesmo se, muitas vezes, implicam a expulsão das áreas centrais de habitantes pobres condenados também a uma marginalidade espacial. Estas políticas, prosseguidas com vista a modernizar, aumentar o emprego e conseguir crescimento econômico não deixam também de funcionar como mecanismo de legitimação do poder instituído e requerem sempre grande
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investimento público que, em última análise, é desviado do auxílio aos mais carentes, funcionando como subsídio aos mais ricos, como nota HARVEY (1987). Em termos de intervenção no território podemos dizer que hoje se tende para ações de âmbito restrito, pois o projeto em nível local substitui os grandes planos. A contestação generalizada dos grandes conjuntos de habitação social convertidos em áreas-problema conduziu à tendência para adotar estratégias mais variadas, que permitam uma maior diluição dos mais carentes no tecido urbano". De modo semelhante, a contestação do zoneamento da cidade moderna, mais bem expressada talvez por Jane Jacobs, faz surgir espaços de uso misto. Em conclusão, podemos dizer que novas formas de produção e de apropriação do espaço levam â substituição da cidade segregada e hierarquizada característica da cidade industrial e â sua substituição por áreas urbanas fragmentadas constituídas por justaposição de entidades diferentes, pelo aumento de oferta de alternativas (no centro e na periferia, comércio de rua ou no centro comercial, apartamento ou moradia).
4. O caso de Lisboa As cidades do Sul, se não mesmo as Européias, conservaram sempre bairros socialmente mistos, apesar da forte tendência para a segregação do espaço, especialmente por parte dos novos grupos em processo de afirmação. De fato nos bairros populares de Lisboa, Porto ou outras cidades médias e grandes encontram-se residências de famílias burguesas e, com freqüência as barracas crescem ao lado dos conjuntos residenciais de classe alta. Muitas destas barracas têm origem no alojamento dos trabalhadores da construção que permanecem no local da obra depois dela concluída. A prova de que a segregação existe é dada pela pouca dificuldade que os meus alunos têm em classificar os bairros da AML de acordo com o nível social dos respectivos moradores. Tradicionalmente a segregação é mais forte nos grupos sociais extremos; os mais altos por opção e os mais baixos por falta de oportunidades, por só terem acesso a locais desvalorizados que os outros não querem. Mas ela é também produto das escolhas dos grupos ascendentes em processo de afirmação social que recorrem a todos os objetos e símbolos capazes de lhes fornecer reconhecimento, designadamente a determinado tipo de casa e lugar. Dadas a importância que a formação escolar ainda tem na definição do Iniciativa que não poucas vezes tem se deparado com a resistência dos moradores locais que pretendem defender o seu bairro da presença de 'indesejáveis' como a oposição à instalação de ciganos e outros membros de minorias étnicas tem revelado. 6
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estatuto social, por um lado, e a capacidade dos intelectuais de inventar ou adotar novos estilos de vida, que os outros depois imitarão, por outro, não é de admirar que os indivíduos com profissões intelectuais sejam aqueles que apresentam maior nível de segregação na AML (Quadro 1) se não considerarmos os agricultores e trabalhadores agrícolas, obviamente com uma posição periférica no contexto metropolitano. Seguem-se os operários não-qualificados que representam o extremo oposto da escala social numa sociedade bastante tradicional, onde os operários não eram socialmente integrados na classe média, ao contrário dos trabalhadores não-qualificados do terciário que mais facilmente partilham o espaço com elas. Mas isto traduz também a forte segregação da indústria em algumas zonas (eixo de Vila Franca de Xira e Península de Setúbal) e a maior proximidade ao trabalho por parte dos operários do que dos trabalhadores terciários, mais dependentes do trabalho em Lisboa-cidade. Até há pouco não dispúnhamos de estatísticas com um nível de desagregação suficiente para testar com acuidade os modelos de organização social do espaço urbano". Os bloqueios do mercado de aluguel, que em parte contribuíam para a pouca mobilidade residencial das famílias, não deixavam funcionar o mercado, introduzindo fortíssimas distorções. Deste modo, não se encontrava uma relação positiva entre o nível de rendimento das famílias e o preço dos alojamentos. As mudanças ocorridas nos anos 60 e 70, designadamente as alterações já mencionadas na promoção imobiliária, a expansão do mercado de casa própria, a promoção pública de grandes conjuntos de habitação social, o
QUADRO 1 - Índices de Segregação
nas Freguesias
Grupo Socioeconómico
índice
Grupo Socioeconómico
índice
Agricultores
59,1
ProfiSS.lntelect e Cient.
32,11
Operários Não-Oualif.
22,9
Ops. Oualif. e Semiqualif.
20,92
Empresários
16,71
Outros
13,95
não-qualif.
12,82
Peq. Patrões
12,40
Técnicos intermédios
12,34
Emp. na adm., com. e serviços
10,33
Outros independentes
10,08
e Diretores
Trab.da adm., comércio e serviços
Fonte: J.M.Malheiros
no quadro do Projeto 6/94 da JNICT/DGOTDU
7 Tentativas precoces de aplicação de ecologia fatorial no CEG (Fonseca e Reis, Almeida, Cachinho) tiveram de se basear em volumoso trabalho de campo.
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crescimento dos bairros clandestinos diversificando os produtos e alargando o leque social dos utentes que recorrem a esta forma de vivência urbana permitem uma maior aproximação à lógica subjacente à organização urbana industrial e capitalista e, portanto, à emergência de padrões de segregação. O tratamento da informação dos Censos 91 por freguesias para a Grande Lisboa" permite identificar três dimensões principais no tecido socioespacial da AML (instrução e estatuto profissional, envelhecimento demográfico e das estruturas construídas, etnicidade e marginalidade) e revela um padrão espacial das condições sociais e dos alojamentos sintetizado na Figura 1 e caracterizado por: • a existência de uma organização aproximadamente em coroas deformadas pelas linhas de transporte. A segregação espacial corresponde à oposição centro-periferia e, dentro desta última, à distinção entre eixos de expansão e territórios intercalares refletindo o forte peso da história do desenvolvimento urbano, do envelhecimento das estruturas e de fenômenos de inércia. , nos territórios suburbanos identificaram-se essencialmente três tipos de zonas: os subúrbios consolidados •• os territórios intercalares muito diferenciados e pouco consolidados em termos de imagem urbana, em que distinguimos três tipos de situações . •• a franja periurbana de transição para o mundo rural não-metropolitano 00
A Linha do Estorilliga-se diretamente à cidade de Lisboa e demarca-se dos restantes territórios suburbanos . • os grupos sociais com maior nível de instrução e ocupando posições profissionais mais valorizadas ocupam uma posição intermediária entre o núcleo central consolidado e as coroas suburbanas, apesar da penetração já antiga, em cunha naquele núcleo . • os grupos mais desfavorecidos em termos de instrução e socioprofissionais tendem a concentrar-se em áreas de exclusão que predominam nos territórios suburbanos intercalares. A esta estrutura sobrepõem-se alguns enclaves bastante homogêneos com a particularidade de ora acolherem as classes média e alta como sucede com a Portela e Alfragide, ora servirem de suporte à residência de grupos socialmente marginalizados, como são os casos das freguesias a leste no concelho da Amadora, o setor que desde a Charneca se estende até S. Julião do Tojal, passando por Camarate e Unhos, a área do Pragal-Caparica em Almada e o Vale da Amoreira (Moita). Com efeito, aqui se encontram bolsões fortemente marginalizados. caracterizados principalmente pela forte incidênNo quadro do Projeto 6/94 da JNICT/DGOTDU procedemos a uma análise de componentes principais a 19 variáveis seguida do agrupamento das freguesias num dendograma construído a partir dos scores das 177 freguesias nos 4 fatores identificados na análise e que explicam 78% da variancia existente. 8
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Figura 1. Síntese da Estrutura Socioespacial na Área Metropolitana
de Lisboa
Ch,ss~ I
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VI VII VIII
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Legenda: 1_Centro histórico consolidado e envelhecido. Empregados, no terciário e reformados. Famílias pequenas. Construção em altura. Fogos sem a totalidade das infra-estruturas; II - Coroa do Centro. Pequena e média burguesia urbana. Sinais de envelhecimento. Imp. dos ativos no terciário. Níveis de instrução superiores à zona I; III - Coroa burguesa tradicional; IV - Novos territórios burgueses. Edifícios recentes em altura com todas as infraestruturas. População jovem com níveis de qualificação médio e superior. Quadros superiores e dirigentes; V - Área suburbana consolidada. Zonas novas pela idade dos edifícios e da população residente, predomínio da construção em altura, bem dotada de infra-estruturas de saneamento, predomínio de classe média com empregados no terciário e operários; VI - Área suburbana intercalar, entre os eixos suburbanos da zona anterior, menos urbano em termos de imagem com maior presença de moradias. Pop. jovem, poucas famílias pequenas, menor incidência de ocupações no terciário, designadamento dos grupos superiores, maior importância dos menos qualificados e dos operários; VII - Enclaves; VIII - Franja metropolitana expressão.
onde as atividades
agrícolas
e a pesca têm alguma
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Revista TERRITÓRIO, ano 111,nº 4, jan./jun.
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cia de barracas e clandestinos abarracados, populações de origem africana, famílias relativamente numerosas, trabalhadores no terciário sem qualificação e operários. Ao contrário do que sucede noutras zonas, a VI, que designamos de "subúrbios intercalares", revela menos homogeneidade, por isso no trabalho que vimos seguindo a decompusemos em três subgrupos, um dos quais é precisamente o das áreas marginalizadas. Também, na Zona IV "Novos territórios burgueses" verificamos que ao descer o parâmetro de corte, identifi· cavam-se subáreas fortemente polarizadas em termos sociais. Isto sucede, por exemplo no conjunto de freguesias de Carnide, Alto do Pina, Lumiar, Carnaxide e Parede porque ao lado dos prédios novos emergem barracas, ao lado de desvios superiores à média para os níveis de instrução altos, terciário qualificado e quadros superiores, registram-se igualmente desvios positivos no terciário pouco qualificado, na presença de africanos e de famílias numerosas. Basta pensar em Miraflores e na Pedreira dos Húngaros para Carnaxide, nas Olaias e nos inúmeros bairros de barracas e degradados do Alto do Pina (Quinta da Montanha, Quinta da Holandesa e seus prolongamentos) para perceber como se trata de um agrupamento onde coexistem grupos diferentes, onde existe a contigüidade social sem a continuidade que caracteriza a fragmentação. Esta série de enclaves, que se estende desde a cidade de Lisboa a periferias relativamente afastadas, constitui exemplos visíveis do novo tipo de organização fragmentada.
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