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Ab. Abdias. Ac. Atos dos Apóstolos. Ag. Ageu. Am. Amós. Ap. Apocalipse. Br. Baruc. Cl. Carta aos Colossenses. Ct. Cântico dos Cânticos. 1Cor Primeira ...

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ÍNDICE ABREVIATURAS DOS LIVROS DA BÍBLIA CANÓNICA ................ 11 APRESENTAÇÃO ................................................................................... 15 Método ...................................................................................................... 16 QUADRO CRONOLÓGICO ................................................................... 21 ANIMISMO/CHAMANISMO/TOTEMISMO ........................................ 23 HINDUÍSMO ........................................................................................... 28 1. Mahatma Gandhi .................................................................................. 28 2. Hinduísmo e o mundo contemporâneo ................................................ 33 3. Vedas ..................................................................................................... 38 4. Upanichades ......................................................................................... 48 5. Bhagavad­‑Guita ................................................................................... 60 6. A Seita da «Sociedade Internacional da Cons­ciên­cia de Krishna» ......... 66 BUDISMO ................................................................................................ 69 1. O Dalai Lama ....................................................................................... 75

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2. Paulo Borges ......................................................................................... 94 3. David Brazier ....................................................................................... 114 4. Ordem Budista Ocidental ..................................................................... 126 5. Tradição Nova Kadampa ...................................................................... 130 CONFUCIONISMO ................................................................................. 136 JUDAÍSMO .............................................................................................. 142 1. Abraão ................................................................................................... 149 2. Egito e Êxodo ....................................................................................... 152 3. David e Salomão .................................................................................. 155 4. Exílio .................................................................................................... 162 5. Período Persa ........................................................................................ 166 6. Período Grego ...................................................................................... 166 7. Período Romano ................................................................................... 167 8. Judaísmo e Bíblia Hebraica ................................................................. 168 9. Profetas ................................................................................................. 170 10. Judaísmo moderno .............................................................................. 172 11. Traços distintivos do Judaísmo moderno ........................................... 173 FUNDAMENTALISMO JUDAICO ........................................................ 176 CRISTIANISMO ...................................................................................... 184 1. A pessoa de Jesus ................................................................................. 184 2. O Messias das escrituras hebraicas ...................................................... 185 3. Reino de Deus ...................................................................................... 192 4. Ruturas culturais ................................................................................... 199

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DE JESUS CRISTO AO CRISTIANISMO ............................................. 206 1. Evangelho de Marcos ........................................................................... 209 2. Evangelho de Mateus ........................................................................... 214 3. Evangelho de Lucas ............................................................................. 221 4. Evangelho de João ............................................................................... 225 São Paulo .................................................................................................. 239 Efésios e Colossenses ............................................................................... 243 Cartas pastorais ......................................................................................... 245 CATÓLICOS, ORTODOXOS, PROTESTANTES, EVANGÉLICOS .... 249 Papa, sim ou não? ..................................................................................... 249 ISLAMISMO ............................................................................................ 272 1. Introdução ............................................................................................. 272 2. A pessoa de Maomé ............................................................................. 273 3. Um pouco de história ........................................................................... 277 4. Alcorão à luz da crítica histórico­‑literária ........................................... 292 5. Guerra Santa? ....................................................................................... 314 6. Conclusão ............................................................................................. 318 FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO ...................................................... 320 MOVIMENTOS MODERNOS INSPIRADOS NA BÍBLIA .................. 334 1. Mórmones (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias) ......... 338 2. Moons (Igreja da Unificação) .............................................................. 344 3. Testemunhas de Jeová .......................................................................... 353 4. Adventistas do Sétimo Dia ................................................................... 363

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5. Pentecostalismo e Neopentecostalismo ............................................... 373 6. Fundamentalismo Cristão ..................................................................... 386 7. Religião Americana .............................................................................. 400 8. Todas as religiões ou uma só religião? ................................................ 415 9. O Espírito de Assis ............................................................................... 420 10. Conclusões .......................................................................................... 426 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 440

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ABREVIATURAS DOS LIVROS DA BÍBLIA CANÓNICA Ab Abdias Ac Atos dos Apóstolos Ag Ageu Am Amós Ap Apocalipse Br Baruc Cl Carta aos Colossenses Ct Cântico dos Cânticos 1Cor Primeira Carta aos Coríntios 2Cor Segunda Carta aos Coríntios 1Cr Primeiro Livro das Crónicas 2Cr Segundo Livro das Crónicas Dn Daniel Dt Deuteronómio Ecl Eclesiastes (Qohélet) Ef Carta aos Efésios Esd Esdras Est Ester Ex Êxodo Ez Ezequiel Fl Carta aos Filipenses Flm Carta a Filémon Gl Carta aos Gálatas Gn Génesis Hab Habacuc 11

Hb Carta aos Hebreus Is Isaías Jb Job Jd Carta de Judas Jdt Judit Jl Joel Jn Jonas Jo Evangelho de João 1Jo Primeira Carta de João 2Jo Segunda Carta de João 3Jo Terceira Carta de João Jr Jeremias Js Josué Jz Juízes Lc Evangelho de Lucas Lm Lamentações Lv Levítico 1Mac Primeiro dos Macabeus 2Mac Segundo dos Macabeus Mc Evangelho de Marcos Ml Malaquias Mq Miqueias Mt Evangelho de Mateus Na Naum Ne Neemias Nm Números Os Oseias 1Pd Primeira Carta de Pedro 2Pd Segunda Carta de Pedro Pr Provérbios Rm Carta aos Romanos 1Rs Primeiro Livro dos Reis 2Rs Segundo Livro dos Reis Rt Rute Sb Sabedoria Sf Sofonias 12

Sir Ben Sira (Siracides) Sl Salmos 1Sm Primeiro Samuel 2Sm Segundo Samuel Tb Tobias Tg Carta de Tiago 1Tm Primeira Carta a Timóteo 2Tm Segunda Carta a Timóteo 1Ts Primeira Carta aos Tessalonicenses 2Ts Segunda Carta aos Tessalonicenses Tt Carta a Tito Zc Zacarias Outras abreviaturas a. C. d. C. AT ca 1Clem Did Dtr 4Esd NT Par. passim Q. LXX v./vv. Vg.

antes de Cristo depois de Cristo Antigo Testamento circa (aproximadamente) Primeira Carta de Clemente, finais do século i d. C. Didaché, livro cristão dos finais do século i d. C. Escritor ou Escola Deuteronomista Livro quarto de Esdras, apócrifo judaico dos séculos i­‑ii d. C. Novo Testamento Paralelos bíblicos Muitas referências ao tema em causa Fonte evangélica Quelle Versão grega dos Setenta (Septuaginta) versículo, versículos Vulgata de São Jerónimo

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APRESENTAÇÃO Permitam que me apresente. Escrevo este livro, dedicando­‑o aos meus confrades franciscanos (OFM — Ordem dos Frades Menores) com quem tenho vivido a maior parte da minha vida, e, igualmente, aos meus familiares: irmãos, cunha‑ dos e sobrinhos. Não se trata de um Adeus, mas de um agradecimento. Também o dedico a milhares de amigos, a começar pelos meus alunos da Faculdade de Teologia (Lisboa) durante quarenta e alguns anos, a crentes amigos cristãos protestantes, ortodoxos e evangélicos, a judeus e muçulmanos, a hindus e budistas, com os quais me cruzei ao longo dos anos e, finalmente, a muitos ateus e agnósticos com os quais tenho partilhado momentos de amizade significativos. Nestes últimos tempos, cada vez são mais as pessoas que vemos e ouvimos na TV, que lemos nos jornais, que encontramos no café, no teatro, na ópera, no futebol, nas escolas, letras e artes, nas academias, a pronunciarem­‑se: felizmente sou ateu, sou agnóstico, e, por isso, nada tenho a ver com questões e escolas religiosas, com guerras religiosas, com o passado e o presente da ignorância religiosa. Mas também têm sido muitos a interpelar­‑me: Porque é que acredita? Gostaria de acre‑ ditar, mas não tive essa sorte; talvez um dia venha a acreditar. Escrevo este livro num tempo histórico de grandes instabilidades políticas, económicas, sociais, existenciais, religiosas. É o tempo dos levantamentos políticos e sociais dos países árabes, das incertezas políticas e sociais da Europa e de todo o Ocidente. É o tempo em que doze milhões de pessoas estão a morrer de fome na Somália. Afinal, somos a tal «aldeia global». 15

Escrevo na altura em que Portugal, com a corda ao pescoço, se ajoelhou diante da Troika a pedir desculpa por ter vivido anos a mais acima das suas possibilidades económicas, e, portanto, a implorar ajuda financeira para poder continuar a ser povo e nação, depois do exemplo da Grécia e da Irlanda. Escrevo depois da visita do Papa Bento xvi a Madrid (17­‑21 de agosto de 2011), por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude Católica. Refiro este acontecimento apenas pela simbologia do mesmo. Trata­‑se duma megarreunião de um milhão e meio de jovens da Igreja Católica Romana que, durante quatro dias, rezaram, ouviram o «seu» Pai comum na fé, o Papa, partilharam a sua felicidade e a sua paz. Isto significa que Deus existe e está vivo no coração destes jovens vindos dos quatro cantos do mundo. O Papa referiu o «eclipse de Deus» na socie‑ dade moderna e referiu também o aparecimento de «novos deuses», isto é, de pessoas que se «julgam os únicos senhores da vida e da verdade». Escrevo, como crente, a partir do princípio do grande pensador Descartes: «Sou um ser finito capaz de pensar o infinito». É este prin‑ cípio que subjaz a todas as religiões do passado e do presente. E nin‑ guém melhor que Miguel Ângelo o representou, na Capela Sistina do Vaticano, quando, num golpe de génio, na sua «Criação», juntou o dedo de Deus ao dedo do homem. Método Este livro não é uma obra de ciências da Sociologia das religiões que, hoje em dia, entra nos currículos académicos das Faculdades de Ciên­cias Humanas, ou de Filosofia da Religião, ou de Psicolo­gia da Religião, ou de Antropologia e Etnologia das religiões. Não se trata duma obra académica recorrendo a autores como Émile Durkheim1, Mircea Eliade2, C. Lévy­‑Strauss3, M. Weber4, F. G. Fra­zer5, S. Freud6. Émile Durkheim, Les Formes elémentaires de la vie religieuse, PUF, Paris, 1912. M. Eliade, Le Sacré et le profane, Gallimard, Paris, 1965. 3 C. Lévy­‑Strauss, Anthropologie structurale, Plon, Paris, 1968. 4 M. Weber, Économie et Société, Plon, Paris, 1971. 5 J. G. Frazer, Le Rameau d’or. Le roi magicien dans la société primitive. Tabou et les périls de l’âme, Robert Lafont, Paris, 1890. 6 S. Freud, Totem et Tabou, Payot, Paris, 1913. 1 2

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Na maioria, estes autores interessaram­‑se, desde há um século e meio, pela origem das religiões, a começar no chamado «primitivismo» ou «animismo». Em contacto direto ou indireto com as civilizações cha‑ madas «primitivas», pré­‑literárias, ouviram as nar­rativas orais, parti‑ ciparam nas encenações, a campo aberto das mesmas, e definiram, a partir de esquemas de epistemologia científica, este mundo religioso «primitivo» com um pressuposto evolucionista: a religião «primitiva» destes «povos primitivos» eclipsou­‑se porque a evolução parte do mais primitivo para o mais desenvolvido. Desta forma, a era da ciência, da razão, do progresso tecnológico, centrada no «Ser­‑do­‑homem» e não no «Ser­‑de­‑Deus», seria a era da liberdade, da verdade e da paz, sem a religião como «ópio do povo». Entretanto, o mundo transformou­ ‑se em aldeia global e a religião (religiões) não acabou. O país mais religioso do mundo humano é a Índia e, em segundo lugar, são os Estados Unidos da América. As nações que, aparentemente, entraram no «eclipse de Deus», são as da União Europeia, de tal modo que Michael H. Weninger (Dir.) escreveu a obra (original em alemão): Uma Europa sem Deus?7 Na Conclusão, escreve: «Os fundadores das Comunidades Europeias, embora cristãos, sem exceção, eram certamente guiados pela sua visão do mundo e não tinham a intenção de criar uma aliança de países de confissão cristã, mas sim de conceber organizações que deveriam possuir estratégias económicas, fiscais e políticas de desen‑ volvimento, estando equipadas com as ferramentas adequadas para a sua aplicação concreta. Cálculo racional, pensamento estratégico, prática política realista determinaram a reconstrução do pós­‑guerra na Europa destruída, bem como a resposta europeia aos desafios colocados pela Guerra Fria. Os aspetos religiosos e político­‑eclesiásticos foram colocados à margem dos acontecimentos ou simplesmente deixados às Igrejas8. E, a propósito da nossa velha Europa, é bom lembrar que as duas ideolo­gias que mais mal fizeram — e são dos nossos dias — foram o nazismo e o comunismo internacional, ambas absolutamente ateias. Sem Deus, é possível colocar um fundamento humano e jurídico para uma ética e moral? E sem ética e moral, é possível viver em paz? 7 8

Michael H. Weninger, Uma Europa sem Deus? Ed. 70, Lisboa, 2009. Idem, p. 387.

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A realidade religiosa atual, nas suas múltiplas manifestações e rein­­ ven­ções, contradiz a análise das metodologias seguidas pelas ciên­­cias da socio­logia/antropologia/psicologia das Religiões, em pers­petiva evolu­cionista. O autor Lionel Obadia, especialista em antropologia das religiões, escreve como conclusão duma obra sobre a metodologia da antropolo­gia das religiões: «Século e meio após a sua fundação, as ques‑ tões que se per­filam no horizonte da antropologia das religiões são muito diferentes do que eram inicialmente: a dupla questão da sua pertinência e da delimita­­ção em campos das ciências religiosas e das ciências humanas não deixa de ser recolocada. [...] Nem a modernidade nem a globalização esgota­ram a riqueza e a criatividade da vida religiosa, que demonstrou notáveis capa­cidades de adaptação. [...] Não há dúvida de que os antro‑ pólogos se veem — de maneira sintomática — num momento crítico da história da sua disciplina e do conjunto dos seus campos. A publicação de alguns gran­des readers e manuais, como Anthropology of Religion, coor‑ denado por Stephen Glazier [1997], ou o The Athropology of Religion, editado por Fiona Bowie [2000], ou o Reader in the Anthropology of Religion, dirigido por Michael Lambek [2002], assinala a vitalidade do campo ou, pelo menos, uma certa maturidade: todas estas obras se referem igualmente aos grandes debates (fundadores) e às novas abor‑ dagens. Pouco antes da sua morte, Clifford Geertz publicou no jornal francês Le Monde (4 de maio de 2006) a sua conferência no colóquio «As ciências sociais em mutação», na qual sugeria que a religião era «um tema de futuro» (o título do seu artigo), no sentido em que afirmava que «o estudo da religião, agora que [se desvaneceu] qualquer perspe‑ tiva de a ver desaparecer a curto prazo, e sem dúvida nunca, da cena mundial, deve ou devia operar a partir, como se diz, do «ponto de vista do indígena». Através deste convite a repensar as expressões religiosas contemporâneas e mundiais numa perspetiva antropológica, é a antro‑ pologia em geral que é assim convocada. [...] Este reposicionamento já está em curso, e S. Glazier não hesita em falar de uma «nova idade de ouro» da antropologia das religiões, da qual, como acontece com todas as idades de ouro, esta não tem realmente consciência»9. 9 Lionel Obadia, Antropologia das Religiões (original francês, 2007), Ed. 70. Lisboa, 2011, pp. 139­‑141.

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Assim sendo, Deus está bem vivo nas multiformes representações religiosas de hoje. E é deste assunto que vamos tratar. Seguiremos o método da história, isto é, o método descritivo: se há manifestações multiformes e vivenciais de Deus, então Deus existe. Entretanto, muitas dessas manifestações, ao longo da história, desapareceram. Este poli‑ teísmo é objeto de estudo arqueológico e histórico. Como não perdura‑ ram ao longo da história, também as deixamos de lado. Outro tanto se diga das religiões dos Maias, Aztecas e Incas da América Latina. E por mais paradoxal que pareça, as religiões «primitivas», pré­‑literárias (ani‑ mismo/chamanismo/totemismo), estão de volta no grande sincretismo da New Age. A partir desta premissa histórica, estudaremos as religiões vivas, as históricas, sem qualquer preconceito sobre as mesmas. Mas ajuizare‑ mos sobre as «Escrituras» fundadoras. E, acerca das religiões «arqueo‑ lógicas», diremos apenas algumas palavras de situação histórica e ideológica. A nossa viagem não tem como princípio metódico a história do passado, mas, sobretudo, a história do presente, para responder à interrogação: Deus existe?10

10 O bem conhecido teólogo Hans Küng é autor de um excelente livro com o mesmo título: Existiert Gott? Tradução em castelhano: Existe Dios? Respuesta al pro‑ blema de Dios en nuestro tiempo, Ed. Trotta, Madrid, 2010, com 874 páginas. O autor passa em revista o pensamento filosófico dos principais pensadores, a favor ou contra a existência de Deus. A todos procura responder a nível de racionalidade, ciência e fé. Termina com um capítulo intitulado «Sim ao Deus Cristão» (pp. 643-769).

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QUADRO CRONOLÓGICO Paleolítico (Idade da Pedra Antiga) Paleolítico mais antigo (?) 2,6 milhões. Primeiro apa­recimento do ser humano (homo habilis)11 Paleolítico Inferior 1,8 milhões (homo erectus) 1,5 milhões. Utilização do fogo. 1 milhão. Presença do ser humano também em zonas temperadas. 500 000 Caça de grandes mamíferos/conservação de crânios/ocre/ canibalismo (?). Transição progressiva para o Homo sapiens. 400 000 Primeira descoberta de restos de tinta utilizada para pintura ritual dos corpos. 200 000 Homem do Neandertal em África, pouco depois, no Médio Oriente. 160 000 Túmulo mais antigo (Israel) 130 000 Ser humano moderno (homo sapiens sapiens) em África, depois, dispersão pelo mundo. Paleolítico Médio cerca de 100 000 Aparecimento do Homem de Neandertal na Europa 60 000 Enterros rituais na Europa 11 A revista Science &Vie, de novembro de 2011, apresentou o assunto do «Homem das Flores», na Indonésia, com um metro de altura e um crânio de 380 cm. Os estudos até agora realizados pelos paleontólogos datam­‑no com dois milhões de anos, quando o género Homo ainda não existia.

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Paleolítico Superior 40 000 Aparecimento do homem de Cró­‑Magnon na Europa/povoa‑ mento da América 30 000 Pinturas rupestres/estátuas femininas/povoamento da Aus­ trália Mesolítico a partir de 12 000 (10 000) Invenção da seda, do arco, da piroga e outras ferra­mentas/socieda‑ des de caça­dores­‑recoletores Neolítico a partir de 9000 Agricultura/pecuária/olaria. Diferenciação social/aldeias e cidades Calcolítico (cobre e bronze) a partir de 5500 3500 Invenção da roda na Me­sopotâmia Época histórica a partir de 3000 Primeiras culturas superiores/cultu­ras da escrita Idade do Ferro a partir de 1800 Portugal é rico em monumentos megalíticos a céu aberto e em des‑ cobertas de humanos muito primitivos. Relevo apenas as pinturas rupestres de Foz Coa das três etapas do Paleolítico (20 000; 15 000; 10 000 a. C.) e o «menino de Lapedo» (Caranguejeira, Leiria) com os seus lindos 27 000 anos.

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ANIMISMO/CHAMANISMO/TOTEMISMO Como dissemos, os estudiosos europeus, a partir de há um século e meio, interessaram­‑se, sobretudo, pelas religiões «primitivas», pré­ ‑literárias, de tradição oral. Partiam dum princípio filosófico evolucio‑ nista que pressupunha que o «primitivo» e «pré­‑literário», fundador de religiões, terminaria no «desenvolvido», «literário» e «científico», sem religião. As bibliotecas estão cheias de livros, revistas e artigos sobre o assunto. As universidades ocidentais abriram Faculdades de ciências humanas para esta matéria. É um interesse justo, honesto, de valor histórico e cultural. Como são, também, as Faculdades de his‑ tória religiosa dos politeísmos da Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma. Simplesmente, como apontámos, hoje em dia os politeísmos pertencem à memória arqueológica e cultural, enquanto as religiões «primitivas» ressuscitaram no caldo sem fim da New Age. Este pressuposto tem importância. A revivificação destas religiões «primitivas» deve­‑se à fusão da pessoa com a Natureza. Pessoa e Natureza formam uma só coisa, um único cosmos, pois são fruto de um princípio «divino», «génio divino», «energia divina». Este princípio tanto se chama mana (E. Durkheim), «sagrado numinoso» (R. Otto), «grande deus», «Irã», etc. O «numinoso» é um neologismo de «anima» — há, pois, uma «anima» numinosa que tudo abarca, céus e terra, homens e animais, criação e criaturas. É uma força «anímica» que está antes do animismo humano. Diríamos, em lingua‑ gem moderna, que é um psiquismo cósmico que habita o psiquismo humano como o «psiquismo» animal e o «psiquismo» de árvores, rios, montanhas, desertos. É uma força anónima e impessoal que informa a 23

ordem de todas as coisas. Os humanos devem prestar­‑lhe culto para que possa haver ordem e paz. Assim nasce a religião, a liturgia, as árvores sagradas, as montanhas sagradas, os desertos sagrados. Nas reservas sagradas dos índios da América do Norte não há estradas alcatroadas. A reserva é um lugar numinoso/sagrado. Há que respeitar. «Talvez seja a árvore, juntamente com a montanha e a luz solar, o símbolo mais poderoso e universal: árvore da vida e da ciência, madeiro da cruz, axis mundi, cruz cósmica e sacrificial, árvore do Universo»12. É à luz protetora do espírito destas árvores que os ani‑ mistas africanos, hoje em dia, continuam a submeter o rapaz da tribo à iniciação sexual: iniciação do jovem que deixa de ser criança para poder ser pai e, assim, participar da cultura tribal com todos os direitos e deveres. Durante alguns dias, o jovem abandona o lar e recolhe­‑se ao «lugar sagrado» onde é iniciado pelos anciãos. Em muitas tribos acon‑ tece o mesmo com as raparigas, incluindo, também, algumas tribos de muçulmanos. O «sacerdote» animista, o «xamã» ou o «feiticeiro» (há feiticeiros bons, confundidos com curandeiros, e feiticeiros maus, que devem ser destruídos) desempenha um papel decisivo. A feitiçaria confunde­‑se com a magia. O feiticeiro e o mago aliam­ ‑se aos poderes superiores para haver ordem no desmando cósmico: no princípio era o caos, o desmando cósmico. Este caos ou desmando cósmico pode reaparecer nas forças descontroladas da Natureza. Para tanto, só o feiticeiro, o mago, o xamã podem restabelecer a ordem porque a desordem é de ordem «religiosa»; provém dos espíritos superiores e maléficos, que só a liturgia do mago, feiticeiro ou o xamã pode reconduzir à ordem. Em agosto passado, o furacão IRENE, que avassalou a costa Leste dos Estados Unidos — e não só — era bem conhecido a nível científico. Os furacões, tremores de terra, vulcões, tornados pertencem às leis da Natureza, mas, naqueles tempos, não existia semelhante ciência. Os especialistas distinguem entre as diferentes maneiras de operar magia, feitiçaria e religião, conforme os povos e tribos. Hoje em dia não faltam os cultos satânicos e mágicos, a começar por camadas sociais das nações mais desenvolvidas (América, Japão, Europa). Estes 12

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José Luís V. Borau, O Fenómeno Religioso, Paulus, Lisboa, 2008, p. 78.

cultos são a continuação duma antropologia primitiva que não distingue entre o pessoal e o impessoal, o natural e o sobrenatural. Há forças do mal que nos ultrapassam e que só podem ser controladas pela magia/ feitiçaria. O mundo da religião monoteísta conviveu e convive com o mundo da magia. Embora os estudiosos da sociologia e antropologia religiosa distingam entre magia, religião e ciência, a verdade é que, nos tempos modernos e pós­‑modernos em que vivemos, há uma espé‑ cie de interdisciplinaridade das três constantes sociais. A ciência e a tecnologia que nos deu a medicina, o Big Bang, a física, a química, a biologia, os aviões e os automóveis, e toda a parafernália das nos­sas fábricas, laboratórios, cozinhas, etc. não substituem o ser humano no seu psiquismo mais fundo. As neurociências não explicam tudo, nem se explicam, em absoluto, a si mesmas. Os estudos de Augusto Comte, numa perspetiva evolucionista, pertencem ao passado. A ciência facilita a vida, mas não é a vida. O sentido da vida foi e será a grande interro‑ gação da nossa existência. Neste chamado «mundo primitivo» sobressai, em muitas camadas sociais, a imagem do tótem. «O totemismo designa nominalmente uma forma de crença e de prática em que uma entidade (vegetal ou animal) está associada (de maneira genealógica) a um grupo humano ou a uma das suas subdivisões (em geral, um clã ou uma linhagem)13.» «É verdade que nesta abordagem, os povos praticantes do totemismo, em casos pontuais, sacrificavam o chefe tribal ou o filho primogénito, para potencializar a força tribal e afugentar os maus espíritos, mas já não é «científica» a tese de Freud que fundamenta na «morte do pai» a sua psicanálise e a origem da civilização14.» O «xamã» é alguém que a tribo escolhe para seu «pontífice» na liturgia cósmica dos espíritos bons e maus. Outras vezes, é o próprio que se autoapresenta como «xamã» por percecionar que existe nele um poder divino. A tribo descobre, então, que o «xamã» faz parte do mundo divino com todos os seus poderes. Unir­‑se ao «xamã» é unir­‑se à família dos espíritos. Na liturgia «xamanista» atinge­‑se a plenitude nas danças dirigidas pelo «xamã» quando o mesmo entra em transe 13 14

Leonel Obadia, Ibidem, p. 76. Leonel Obadia, Ibidem.

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e leva consigo os demais a entrarem também em transe. Para tanto tam­bém usam de bebidas alcoólicas que ajudem a este transe ou de folhas de plantas com tais poderes químicos. O «transe» funciona como limpeza de todas as impurezas maléficas e como um tempo perfeito de identidade com os espíritos. Por outro lado, as danças fazem parte do todo cósmico uma vez que o universo é concebido como um corpo dançante. Mais tarde, com as religiões do Livro, acentua­‑se a liturgia verbal e menos a corporal. Ainda assim, há resquícios desta dança em todas as religiões do Livro. Os judeus continuam a orar sempre em movimento corporal. Outro tanto acontece com as danças sufis de algumas ramificações islâmicas. E os folguedos das romarias «católi‑ cas romanas», em países latinos, não fogem à regra da antropologia religiosa. Entre todos os ritos, talvez seja o da morte o que mais contem‑ pla a cosmicidade do xamanismo. O morto é venerado com todas as honras para que morra em paz. Sem essas honras, o espírito do morto vagueará, sem descanso, no mundo dos vivos. Neste sentido, o espírito do morto tanto pode subir ao «céu» dos espíritos para lá viver eter‑ namente, como pode «descer» ao mundo dos vivos para os proteger ou para os maltratar. Os ritos apotropaicos são indispensáveis para pacificar os espíritos. Por isso, em muitos povos primitivos, o funeral transforma­‑se em festa, com danças, comida e ação de graças durante alguns dias. Assim foi e assim continua a ser. Os ritos de «cura», através do feiticeiro curandeiro ou do «xamã», também sobressaem neste mundo dos povos primitivos, os de ontem e os de hoje. Parte­‑se do princípio de que as doenças não obedecem a leis de fisiologia científica, mas a leis espirituais. A doença, o tumor, mani‑ festa a existência de um corpo estranho que entrou no corpo da pessoa. É um aspeto de incorporação maléfica, errática, a pedir um exorcismo do pontífice «xamã» ou do feiticeiro curandeiro. Os aspetos particula‑ res destas «entidades» multiplicam­‑se segundo as crenças. Ora são os espíritos errantes a pedir ajuda, compreensão, lembrança e memória, ora é o espírito de um animal que foi morto por engano e pede justiça, ora são os orixás, no Candomblé da Baía brasileira, isto é, os espíritos dos antepassados, que, pela cura, vêm ao encontro da «família». Neste último caso, as «mães de santo» têm um papel fundamental porque 26

corporizam a família dos puros, onde não há doença nem mancha. Para muitos etnólogos, estas «mães de santo» referem vestígios das religiões africanas, vindas das colónias africanas portuguesas em tempos de escravatura, que corresponderiam às «mães» e «virgens» de deusas africanas. Nunca devemos perder de vista que a Humanidade nasceu em África. Ainda hoje é muito comum vermos africanos altamente instruídos a pedirem ao padre católico ou ao pas­tor protestante para os curarem antes de se dirigirem ao médico. O autor deste livro conheceu muitos casos. É deveras curioso que alguns antropólogos e etnólogos académi­ cos, em contacto direto com o xamanismo, encontram nesta prática aspe­tos muito positivos para curas de foro psiquiátrico. Segundo Lio­nel Abadia, o antropólogo Larry Peters, formado nas técnicas de transformação dos estados de consciência com finalidade espiritual e conhecedor profundo dos xamãs tamag, um grupo étnico de raiz tibetana residente no Nepal, «tornou­‑se «consultor» e propõe agora aos americanos com problemas de stress «estágios xamânicos», durante os quais experienciarão um xamanismo soft, desculturado e de voca‑ ção terapêutica suavizada». Segundo o autor, «Peters está longe de ser o único caso recenseado: um dos mais conhecidos é Michael Harner, que, por ocasião de um estudo entre os Jivaro, se iniciou no xama‑ nismo e enveredou depois pela difusão de uma versão «modernizada» da prática xamânica»15. E todos sabemos que nas grandes cidades do mundo ocidental moderno há consultórios sem fim destes «xamãs» oci‑ dentalizados a oferecer a cura para todos os males de foro psicológico.

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Lionel Obadia, Ibidem, p. 132.

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