Módulo 1 – Raízes mediterrânicas da civilização europeia

Destas passou-se, primeiro, às tiranias e depois á democracia. Com efeito, ... cidadania e império na Antiguidade Clássica Unidade 1 – O modelo atenie...

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HISTÓRIA E CIDADANIA - DOCUMENTOS E CIVILIZAÇÃO

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Módulo 1 – Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania e império na Antiguidade Clássica Unidade 1 – O modelo ateniense

Documento 1 A polis Polis é palavra grega que traduzimos por “cidade-estado”. É uma má tradução, porque a polis normal não se assemelhava muito a uma cidade e era muito mais do que um Estado. Mas a tradução, como a política, é a arte do possível: uma vez que não possuímos aquilo que os Gregos designavam por polis, também não temos a palavra que lhe corresponde. (...) Sem uma noção clara do que era a polis, e do que ela significava para os Gregos, é impossível compreender devidamente a História grega, o espírito grego, ou as realizações gregas. (...) Neste sentido, polis corresponde ao nosso “Estado”. (...) A polis era uma comunidade viva baseada no parentesco real ou suposto – uma espécie de grande família, que transformava em vida de família o maior número possível de aspectos da vida, e que, é claro, tinha as suas disputas familiares, as quais eram tanto mais ásperas quanto eram de família. (...) A religião, a arte, os jogos, as discussões – tudo eram necessidades da vida, que apenas podiam ser satisfeitas através da polis (...). Quando pensamos na quantidade de actividades da vida, necessárias, interessantes e excitantes, de que os Gregos usufruíam através das polis – todas ao ar livre, à vista da mesma acrópole, com o mesmo círculo de montanhas, ou do mar a limitar visivelmente a vida de cada membro do Estado, então, torna-se possível compreender a História da Grécia, compreender que (...) os Gregos não podiam convencer-se a sacrificar a polis, com a sua vida animada e ampla, a uma unidade mais vasta, mas menos interessante. Kitto, H. D. F. (1990), Os Gregos, Coimbra, Arménio Amado Editora, pp. 107-130

Documento 2 A evolução dos regimes políticos A razão de os regimes serem, de início, geralmente monárquicos reside talvez no facto de ser coisa rara encontrar homens que sobressaíssem pelo mérito, sobretudo numa altura em que se habitava em cidades pequenas. Além disso, designavam os reis de acordo com os serviços, e estes são sempre obra de homens valorosos. Mas quando se deu o caso de haver muitos que se assemelhavam pelo mérito, começaram a não suportar o governo de um só, mas a procurar algo de comum e a elaboração de uma constituição. Quando, porém, se corromperam e enriqueceram à custa dos bens públicos, é verosímil que daí tenham nascido oligarquias, já que se começou a estimar a riqueza. Destas passou-se, primeiro, às tiranias e depois á democracia. Com efeito, ao reduzirem cada vez mais o seu número, devido à procura desonesta do lucro, tornaram a massa do povo dia a dia mais forte, até que este se insurgiu, e implantou a democracia. Como se deu o caso de as cidades terem aumentado, talvez não seja já fácil surgir uma forma de governo diferente da democracia. Aristóteles (séc. IV a. C), Política, 3.15, 11-12

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Documento 3 O estatuto de cidadania Tomam parte na vida política aqueles que nasceram de pais tendo ambos o estatuto de cidadãos. Os jovens são inscritos no número de habitantes de uma demos com dezoito anos. No momento da inscrição, os demotas, após juramento, decidem por votação, primeiro, se têm a idade exigida por lei (…); segundo, se são de condição livre e de nascimento legítimo. Depois de os efebos terem passado por este exame aos dezoito anos, os pais escolhem, entre os membros da tribo com mais de quarenta anos, os três cidadãos que eles julguem mais capazes de cuidar deles. Os efebos são passados em revista, recebem armas da cidade e partem para servir no exército. Durante os seus dois anos de serviço militar estão isentos de qualquer encargo (…). Ao fim destes dois anos tornam-se cidadãos. Aristóteles (séc. IV a. C.), A Constituição de Atenas

Documento 4 Prestação de contas pelos magistrados Nesta cidade tão antiga e tão respeitada pela sua grandeza, ninguém de entre as pessoas que se ocupam de um cargo público pode escapar à prestação de contas. Mostrar-vos-ei, em primeiro lugar, com exemplos surpreendentes: assim, a lei impõe a prestação de contas aos sacerdotes e às sacerdotisas, a todos em geral e a cada um em particular, quando eles apenas têm de receber as oferendas e rezar aos deuses por nós, e isso diz respeito não só a cada indivíduo mas a todos (...). A lei impõe igualmente a prestação de contas aos magistrados para se saber que não detêm bens pertencentes à comunidade, que não desviaram alguma parte dos vossos recursos, nem gastaram do Estado senão uma pequena parte (...). A Boulé dos Quinhentos é igualmente obrigada pelo legislador a prestar contas. Há uma tal desconfiança sobre aquele que não prestou as suas contas que a lei afirma: “que aquele que não prestou contas da sua gestão, não se ausente...”. Por outro lado, a lei interdita ao que não prestou contas de consagrar os seus bens aos deuses, de fazer oferendas, (...) de legar os seus bens ou qualquer outra coisa que lhe pertença. Numa palavra, o legislador põe sob penhora os bens do magistrado até que ele tenha prestado as suas contas à cidade. Ésquines (séc. IV a. C.), Contra Ctesifonte, pp. 17-21 (adap.)

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Documento 5 Crítica aos métodos de governo de Péricles Tucídides descreve o regime instituído por Péricles como uma espécie de aristocracia que apenas no nome era uma democracia, porque de facto o primeiro dos Atenienses exerceu um domínio real. Numerosos outros historiadores afirmam que este homem eminente deu ao povo (…) espectáculos gratuitos e retribuição das funções públicas [mistoforia]. Estes métodos de governo enriqueceram e corromperam, dizem, uma classe de homens até então sóbrios e trabalhando por suas próprias mãos. (…) No início, como o disse, querendo Péricles opor-se à influência que Címon tinha sobre o povo, procurava ganhá-lo para a sua causa. Mas, menos rico do que o seu adversário, não dispunha dos bens que aquele usava para ajudar os pobres. (…) Não podendo vencê-lo neste aspecto, Péricles (…) recorreu à distribuição dos fundos públicos (…). E bem depressa tendo atraído a multidão pela compensação dos espectáculos e a retribuição das funções judiciárias, e ainda por outras liberalidades, se serviu dela contra o Areópago (…). Péricles, todo-poderoso, levou o povo a destruir a autoridade deste conselho. Plutarco (c. 50 – c. 120), Péricles, p. 9

Documento 6 A democracia ateniense julgada por um historiador do século II a. C. O povo ateniense sempre foi semelhante a um navio anárquico: enquanto os que estão a bordo receiam a tempestade que ameaça, estão todos de acordo em obedecer ao piloto e cumprir os seus deveres; mas quando já não têm medo, põem-se a desdenhar daqueles que os comandaram e a disputar entre si, porque as suas opiniões divergem: uns querem seguir viagem, os outros obrigar o piloto a tocar terra; uns desenrolam as velas, os outros prendem as amarras e ordenam que os façam regressar. As suas disputas, as suas querelas oferecem um espectáculo vergonhoso aos que os vêem de fora e põem em perigo a sua própria segurança. Assim se vê muitas vezes as pessoas que conseguiram afrontar as piores tempestades naufragar no porto. É o que muitas vezes aconteceu à cidade de Atenas: ela conseguiu várias vezes evitar os mais terríveis perigos graças à coragem do povo e dos que o comandavam. Depois, sempre em pleno período de calma e de segurança, ela soçobrou sob o golpe de um acidente imprevisto. Políbio (sécs. III – II a. C.), VI, p. 44

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Documento 7 O papel das leis Toda a vida dos homens, Atenienses, quer a polis em que habitem seja grande, quer pequena, é regulada pela natureza e pelas leis. Desses elementos, a natureza é irregular e, para cada pessoa, particular ao possuidor; as leis, pelo contrário, são algo de comum, fixo e o mesmo para todos. Desse modo a natureza, se é vil, com frequência deseja o que é inferior. Daí que depois depareis com pessoas dessa espécie a cometer erros. Já as leis desejam o que é justo, belo e útil, e procuram-no; logo que o encontram, proclamam-no ordem comum, igual e a mesma para todos. Eis o que é o nomos (lei). A ele devem todos obedecer por numerosos motivos, e sobretudo porque toda a lei é uma criação e um dom dos deuses, uma decisão dos homens sábios, um correctivo para os erros, voluntários ou involuntários, um contrato comum da polis, segundo o qual todos devem viver nessa sociedade. Demóstenes, Contra Aristogíton, 1. 15-16

Documento 8 A instituição da mistoforia A princípio, empenhado em contrabalançar a influência de Címon, Péricles procurou (…) captar a simpatia popular. Címon, todavia, dispunha de mais riqueza e recursos, de que se aproveitou para atrair os pobres: todos os dias provia de refeição os Atenienses carecidos e vestia os anciãos. Chegou ao ponto de retirar as cercas das suas propriedades, para permitir colher frutos quem quisesse. Péricles, desse modo desfavorecido diante do povo, recorreu a prodigalidades feitas com as receitas do Estado (…). Corrompeu assim a multidão por meio de fundos para espectáculos, salários para os juízes, todas as gratificações e liberdades que, pródigo, distribuía ao povo e dele se serviu depois contra o Areópago, de que não fazia partem nunca fora designado para as funções de arconte epónimo, tesmóteta, rei ou polemarco(1). Plutarco, Péricles, 9. 2-3

_______ (1) As funções dos arcontes (rei, epónimo, polemarco, seis tesmótetas e um secretário), no apogeu da democracia, eram sobretudo de carácter religioso e judicial.

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Documento 9 Restrição do direito de cidadania e democracia directa Embora as cifras variem de autor para autor e necessitemos de usar de certa prudência e alguma reserva no manuseio de estatísticas para esta época, (…) os investigadores (…) apontam (…) para uma população total que, por volta de 430 a. C., ao iniciar-se a Guerra do Peloponeso, ronda os trezentos mil. Desses, apenas cerca de trinta a quarenta mil seria cidadãos. Como apenas os cidadãos tinham direitos políticos, estaríamos afinal somente perante a maioria de 10 a 15% da totalidade da população. Daí que pareça justificar-se a afirmação de V. Ehrenberg de que a democracia ateniense não passava de uma “aristocracia alargada” ou a recusa de K. Reinhardt em ver qualquer parentesco entre as antigas e as modernas democracias. Juridicamente os escravos eram coisas sem quaisquer direitos ou garantias: não podiam possuir bens, nem constituir família legal, nem conservar os filhos junto de si. Equiparados a animais ou ferramentas (…) e sujeitos à compra e venda, (…) faziam parte da espécie a que se costuma dar o nome de “escravo-mercadoria”. Uma coisa, no entanto, é o estatuto jurídico do escravo em Atenas e outra a sua situação real e a vida que efectivamente levava e lhe era permitido levar. (…) Num sistema em que a quase totalidade dos elementos que exerciam cargos directivos ou administrativos mudava anualmente, esses escravos constituíam a garantia de continuidade governativa. Sem eles, a constituição de Atenas, tal como era, possivelmente não teria podido funcionar. (…) O Grego não concebia que o cidadão se alheasse da vida da pólis e dos problemas que lhe dissessem respeito. Ora a participação directa de todos condiciona a extensão territorial e sobretudo o número dos que detinham a plenitude dos direitos cívicos; as póleis gregas foram sempre, com raras excepções, modestas quanto ao território e procuraram evitar o crescimento do número de cidadãos para além de determinados limites. (…) A participação directa exige o limite dos cidadãos. Só o sistema representativo permitiria ultrapassar a barreira. Os Gregos, no entanto, não concebiam tal tipo de governo que se lhes afigurava coarctador da liberdade.

Ferreira, José Ribeiro (1990), A Democracia na Grécia Antiga, Coimbra, C. E. C. da Universidade de Coimbra, pp. 182-191

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Documento 10 A defesa da democracia Em qualquer país, a elite forma o partido oposto à democracia. Com efeito, é entre os membros da elite que se encontra a menor devassidão e injustiça e a maior aplicação a tudo o que é digno de um homem rico. É, pelo contrário, no povo que se encontra a maior ignorância, desordem e vício. As gentes do povo são empurradas mais do que as outras pessoas para as acções vergonhosas pela pobreza, incultura e ignorância que, para alguns homens, é a consequência da falta de fortuna. Dir-se-á talvez que não é necessário deixar toda essa gente tomar a palavra e participar nas deliberações, mas reservar estes direitos aos homens mais rectos e os melhores (aristoi). Mas os Atenienses, sobre esta questão, tomam o melhor partido, deixando mesmo os mais miseráveis tomar a palavra. Com efeito, se só as pessoas ricas tomassem a palavra e participassem nas deliberações, não a usariam senão para os seus semelhantes e não em benefício do povo. Pelo contrário, sendo a palavra concedida a quem a pede, vê-se levantar não importa quem, um miserável, e ele sabe muito bem encontrar o que exige o seu interesse e o dos seus semelhantes. Perguntar-se-á que projecto vantajoso para ele próprio ou para o povo um tal homem poderia conceber. Mas o povo advinha que a ignorância, o vício e o favor desse miserável lhe são mais vantajosos do que a virtude, a sabedoria e o desfavor do homem rico. É possível que tais usos políticos não produzam a cidade mais perfeita, mas são os melhores meios de assegurar a manutenção da democracia. Pseudo-Xenofonte, República dos Atenienses, I, 5-9

Documento 11 A importância dos metecos em Atenas (...) Mas seria bom acrescentar a estas vantagens indígenas o interesse pelos metecos. Está aí, segundo penso, um magnífico rendimento, visto que os metecos, ao alimentarem-se a eles próprios e ao trazerem às cidades grandes vantagens, não recebem nenhum benefício e pagam-nos, pelo contrário, o metoikion(1). Ora, este imposto seria suficiente, do meu ponto de vista, se aliviássemos os metecos das incapacidades que os atingem sem lucro para a cidade, e se os dispensássemos de servir como hoplitas com os cidadãos. Para eles é um grande perigo e igualmente um grande transtorno abandonar os seus ofícios ou as suas casas. Por outro lado, a cidade é melhor servida quando são os cidadãos os únicos a prestar serviço militar do que quando se encontram lado a lado, como hoje, nas listas do exército, Lídios, Trígios Sírios e outros bárbaros de todos os tipos: porque destes numerosos são metecos. Para além da vantagem que haveria para eles em serem suprimidos das listas, seria uma honra para a cidade, se os Atenienses contassem antes consigo próprios nos combates, em vez de contar com os estrangeiros. Creio ainda que partilhando com os metecos as outras funções honrosas, a cavalaria compreendida, granjearíamos ainda mais a sua benevolência e aumentaríamos a grandeza e a força da cidade. Além disso, como temos no interior das muralhas muitos espaços sem casas, se a cidade concedesse aos que pretenderem aí construir o direito de propriedade, quando os candidatos parecessem dignos desta honra, estou certo que (...) muitos estrangeiros e dos mais distintos desejariam uma habitação em Atenas. (...) seria um meio mais de captarmos mais a sua boa vontade, e (...) todos os apátridas ambicionariam o estatuto de meteco, em Atenas, e aumentariam assim os nossos rendimentos. Xenofonte, Rendimentos, 2-3 _______ (1) Imposto (doze dracmas por ano para os homens, seis para as mulheres) pago pelos metecos.

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Documento 12 Tragédia: Prometeu Acorrentado Prometeu – Éter divino, ventos de rápidas asas, águas dos rios, sorriso incontável das ondas marinhas! Terra, mãe comum, e tu, Sol, olho ao qual nada se oculta, invoco-vos neste lugar: vejam o que um deus é obrigado a sofrer por obra dos deuses. Contemplem o opróbrio que me é infligido e que terei de padecer por dias sem fim. Estes são os laços de infâmia que imaginou para mim o novo senhor dos bem-aventurados! Ai de mim, ai! que choro pelos males presentes e pelos que me esperam. Depois de que provas brilhará para mim o dia da libertação? Mas, que digo? Acaso não sei de antemão tudo o que me espera? Nenhum infortúnio me virá que não tenha previsto. É preciso aceitar a nossa sorte com ânimo sereno, e compreender que não se pode lutar contra a força do Destino. E, contudo, não posso falar das minhas desditas, nem posso calá-las. Grande é a minha desdita, pois, por ter favorecido os mortais, gemo agora esmagado por este suplício. Um dia, no oco da minha cana, levei a chispa, mãe do fogo, roubada por mim, e que se revelou entre os homens a mestra de todas as artes, um tesouro de inestimável valor. Esta foi a minha culpa, e por isso me vejo assim castigado, cravado a esta rocha sob a inclemência do céu. (…) (…) Ah!, vejam um deus acorrentado e sujeito a todas as misérias. Sou o inimigo de Zeus, o que atraiu sobre si o ódio de todos os que frequentam a sua mansão, por ter amado demasiado os homens. (…) Ésquilo (sécs. VI – V a. C.), “Prometeu Acorrentado”, in Teatro Grego (s/d), Lisboa, Amigos do Livro, pp. 20-21

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Documento 13 Tragédia Coro – Numerosas são as maravilhas deste mundo; mas, de todas, a mais surpreendente é o homem. É ele quem cruza os mares espumosos agitados pelo impetuoso Noto, desafiando as alvoraçadas ondas que em seu redor se encrespam e bramam. A mais poderosa de todas as deusas, a imperecível, a inesgotável Terra, cansa-a ele ano após ano, com o ir e vir da relha dos arados, volteando-a com a ajuda de parelhas de cavalos. O homem industrioso envolve nas malhas das suas redes estendidas e captura a alígera espécie das aves, assim como a raça temível das feras e os seres que habitam o oceano. Com as suas artes assenhora-se dos animais selvagens e monteses; domina com o freio o cavalo de espessas crinas, e submete sob o jugo, que de ambos os lados o sujeita, o indómito touro bravio. Adestrou-se na arte da palavra e do pensamento subtil como o vento, que deu vida aos costumes urbanos que regem as cidades, e aprendeu a resguardar-se da intempérie, das penosas geadas e das torrenciais chuvas. (…); só do Hades não encontrou meio de fugir, apesar de ter acertado em lutar contra as mais rebeldes doenças, cuja cura encontrou. Dotado de industriosa habilidade da arte, mais do que seria lícito esperar-se, abre um caminho, umas vezes em direcção ao mal, outra em direcção ao bem, confundindo as leis do mundo e a justiça que prometeu aos deuses observar. (…) Creonte (dirigindo-se a Antígona) – Sabias da proibição que eu tinha promulgado? Responde claramente. Antígona (levanta a cabeça e olha para Creonte) – Sabia dela. Poderia ignorá-la? Foi publicamente proclamada. Creonte – E ousaste, apesar disso, desobedecer às minhas ordens. Antígona – Sim, porque não foi Zeus quem promulgou para mim essa proibição (…). E não pensei que os teus decretos, como mortal que és, pudessem ter primazia sobre as leis não escritas e imutáveis dos deuses. (…) Quem é que, tendo de viver como eu no meio de incontáveis desgraças, não considera mais vantajosos morrer? Portanto a sorte que me espera e que tu me reservas não me causa pena alguma. Em contrapartida, teria sido imenso o meu pesar se tivesse consentido que o filho de minha mãe, depois de morto, ficasse sem sepultura. (…) Sófocles, “Antígona”, in Teatro Grego, Lisboa, edição Amigos do Livro, s. d., pp. 105-108

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Documento 14 A Comédia Bdelicleon – Não tomes a coisa tão a peito, meu pai. Dar-te-ei uma vida regalada; levar-te-ei a ceias e a convites; irás comigo a todas as festas e passarás docemente o resto da tua existência. (…) Filocelon – Faz como quiseres. Coro – Vão todos alegres aonde quiserem. Escutem entretanto, espectadores, os nossos prudentes conselhos e procurem que não caiam em saco roto: é essa uma falta de um auditório ignorante, que não podem cometer. Se amam a verdade nua e a linguagem sem artifícios, prestem-me atenção. O poeta quer fazer-lhes algumas censuras. Está queixoso contra vocês, que antigamente o acolhiam tão bem (…). Doravante, queridos atenienses, amem e honrem mais os poetas que procuram deleitá-los com novas invenções; recolham os seus pensamentos e guardem-nos nas vossas arcas como maçãs olorosas. Se assim fizerem, as vossas roupas exalarão durante todo o ano um suave perfume de sabedoria. Noutros tempos éramos infatigáveis na dança, infatigáveis na guerra, infatigáveis, sobretudo, nas lides amorosas. Tudo, tudo passou! A brancura dos nossos cabelos vence já a do cisne; força será, no entanto, reanimar nestes restos o vigor juvenil; pois a minha velhice, segundo creio, vale mais que os caracóis, adornos e costumes dissolutos de certos jovens. Espectadores: se algum de vocês se espanta por ver-nos vestidos de vespas e não compreende o objectivo do nosso aguilhão, facilmente dissiparei a vossa ignorância. Nós, que assim vêem armados por detrás, somos a única gente da Ática verdadeiramente nobre e autóctone; raça valorosíssima que tão insignes serviços prestou à república quando o bárbaro, desejoso de expulsar-nos das nossas colmeias, invadiu este território levando à sua frente o incêndio e a destruição. (…) Depois perseguimo-lo, cravando-lhe o nosso aguilhão (…). Deste modo tomámos aos persas muitas cidades. E ao nosso valor devem-se principalmente esses atributos que os jovens desbaratam. Aristófanes, “As Vespas”, in Teatro Grego, ob. cit., pp. 263-265

Documento 15 A educação em Atenas O grego (…) mandava os rapazes à escola, para se prepararem para serem homens – na moral, nos hábitos e no físico. Ensinava-se a ler e a escrever (…). O resto do curriculum elementar consistia na aprendizagem da poesia, do canto (mousikê) e dos exercícios físicos; a mousikê era especialmente apreciada como disciplinadora da moral e da sabedoria, e a influência moral da gymnastikê não era, de modo nenhum, esquecida. Entretanto que fazia a rapariga? Era iniciada pela mãe na arte de se tornar cidadã: se dissermos “trabalhos domésticos”, a expressão parece degradante, mas, se em vez disso nos referirmos a ciências domésticas, já tem um carácter eminentemente respeitável (…). Dizer que não aprendia nada, é uma suposição gratuita (…). Mas teriam as mulheres ocasião de participar na educação que Atenas proporcionava? Na Assembleia e nos tribunais, não – a não ser indirectamente. E quanto ao teatro? As mulheres eram admitidas? (…) As provas são diversas, claras e unânimes: eram. Cito uma ou duas amostras. Platão, ao acusar a poesia em geral e a tragédia em particular, chama-lhes uma forma de retórica dirigida aos “rapazes, às mulheres e aos homens, escravos e cidadãos livres, sem distinção”. A afirmação seria incompreensível, se ninguém, a não ser os cidadãos do sexo masculino, fosse admitido aos festivais dramáticos. Nas Rãs de Aristófanes, Ésquilo ataca Eurípides, pela sua imoralidade; Eurípides, diz ele, pôs em cena mulheres tão pouco decentes “que as honestas se enforcavam com vergonha”. Como seria isto possível se elas eram cuidadosamente guardadas em casa? (…) Kitto, H. D. F. (1990), Os Gregos, Coimbra, Arménio Amado Editora, 385-387

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Documento 16 Atenas no século V a. C. A reconstrução da Acrópole (destruída pelos Persas em 480 a. C.), durante o governo de Péricles, nos finais do século V a. C., quando Atenas se encontrava no apogeu, foi o mais ambicioso empreendimento de toda a arquitectura grega e o seu zénite artístico. Um por um, ou em conjunto, esses edifícios representam a fase clássica da arte grega em plena maturidade. O maior e o único que não foi interrompido pela Guerra do Peloponeso, é o Pártenon, consagrado a Atena, a padroeira da cidade a que deu o nome. (...) Os arquitectos Íctinos e Calícrates construíram-no de 448 a 432 a. C. (...). Assim que o Pártenon foi acabado, Péricles encomendou outro edifício, também esplêndido e custosíssimo: a entrada monumental da Acrópole, a ocidente, chamada Propileus. Foi iniciada em 437 a. C., sob a direcção do arquitecto Mnesicles, que ergueu a parte principal em dois anos; o resto ficou por fazer devido à Guerra de Peloponeso. Atenas, fortemente ligada ao Egeu, sentiu a atracção do estilo arquitectónico da Grécia asiática (...) e daí resulta que os mais belos monumentos (...) da ordem jónica se situem na Acrópole. Janson, H. W., História da Arte, Lisboa, Fundação Caloust Gulbenkian, pp. 118-123 (adap.)

Documento 17 As ordens arquitectónicas O carácter canónico da arte grega nunca se definiu tanto como nos seus templos, quer nos limites, quer na flexibilidade dentro dos limites. Salvo excepções, os templos distinguem-se sobretudo pela “ordem” dórica ou jónica. A última é mais leve e mais elaborada, mais decorativa nas bases e capitéis das colunas, com diferenças correspondentes nos frisos, com um ritmo arquitectónico diferente, menos quadrado e matemático no seu impacto. [A chamada ordem coríntia não é uma ordem independente, mas apenas uma ramificação mais ornamentada da jónica e de pouca importância, pelo menos até aos tempos romanos.] Dentro de cada ordem, apesar das variações maravilhosas nos pormenores, conservou-se durante séculos uma igualdade essencial. O Pártenon não foi só o maior triunfo; foi também o ponto final, muito antes de terminar o século V. (…) (…) Em relação ao templo, existiam dois factores obrigatórios, estreitamente ligados: a prática religiosa dos Gregos e a sua vida ao ar livre. Como os templos não eram lugar de culto, os seus arquitectos, ao contrário dos construtores das catedrais medievais, não se sentiam impelidos a alcançar o céu ou a ir de encontro às necessidades físicas e emocionais de grandes assembleias de devotos. Os templos eram prioritariamente concebidos para serem vistos do exterior; até serem edificados os palácios e villas helenísticos, os arquitectos gregos não se importavam muito com os interiores. (…) Talvez, pois, a ideia de que os Gregos eram “tímidos engenheiros” explique que a sua arquitectura tendesse mais para grandes dimensões e maiores ornatos do que para novas concepções ou formas. Finley, M. I. (1984), Os Gregos Antigos, Lisboa, Ed. 70, pp. 136-137

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Documento 18 Os gregos na Península Ibérica Pela referência de Heródoto sabemos que o primeiro grego a chegar ao território tartéssico foi Colaios de Samos, ao que aprece acidentalmente. Costuma propor-se a data de 630 a. C. para esta fantástica viagem. O mesmo autor afirma terem sido os cidadãos da Fócida os primeiros a realizar viagens ao Ocidente, atribuindo-lhes a descoberta do golfo Adriático, do Tirrénico, da ibéria e de Tartessos. (…) O principal indício da presença grega no Ocidente seria fornecido (…) por um conjunto de materiais de procedência helénica encontrados em contextos peninsulares. (…) Importa (…) considerar à parte a área de influência de Emporion, onde, de facto, a presença grega se encontra amplamente documentada. Restringindo-nos à informação relativa ao século VI a. C., proveniente das restantes áreas meridionais da Península, verificamos que os achados se reduzem a alguns recipientes cerâmicos, denominados “protocoríntios”, encontrados em ambientes fenícios, designadamente na necrópole de Almuñecar, na zona de Málaga; (…) às cerâmicas gregas de Huelva; às diversas ânforas destinadas ao transporte de azeite – uma das quais foi recolhida no habitat de monte Beirão, em Almodôvar –, cujo âmbito de produção se estendeu até ao século V a. C.; e, finalmente, aos capacetes de bronze de Jerez e Huelva. (…) Todo este conjunto de materiais de proveniência helénica, pelo contexto em que foi recolhido, parece dever atribuir-se mais ao comércio fenício e, depois, cartaginês, do que propriamente à acção dos mercadores gregos. A este respeito é importante salientar que, enquanto a presença fenícia se manifesta em diversas transformações de índole cultural no quotidiano das populações locais, a pretensa presença grega é detectável apenas em alguns artefactos isolados (…). O maior contributo gergo para a cultura das populações do Mediterrâneo Ocidental parece ter sido, sem dúvida, o conceito de moeda, que se começou a cunhar localmente em Emporion no século V a. C. (…). Esta prática, no entanto, só se estendeu, efectivamente, aos restantes territórios da Península Ibérica em datas posteriores e, seguramente, por influência de Cartago. Mattoso, José (dir) (1992), História de Portugal, vol. I., Lisboa, Circulo de Leitores, pp. 159-160

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