Cartografias do Mutum: máquina-literatura e máquina-mapa e

Cartografias do Mutum: ... O lugar como produto do acaso, uma eventualidade. É eventualidade, ... O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. S...

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Cartografias do Mutum: máquina-literatura e máquina-mapa e ... Eduardo de Oliveira Belleza Grupo de pesquisa OLHO/FE-UNICAMP Doutorando da Faculdade de Educação da UNICAMP

Resumo A relação entre literatura, geografia e produção audiovisual foi experimentada por alunos do oitavo ano do ensino fundamental II, no colégio SESI de Campinas- SP, a partir do livro Miguilim (2001) de Guimarães Rosa. Do estranhamento criado acerca da mistura entre essas áreas pudemos inventar mapas. O trabalho que se apresenta é uma tentativa de estabelecer diálogos/cartografias com esses diferentes mapas produzidos em contexto escolar. Apostamos na cartografia como acompanhamento dos modos singulares de criação (PELBART, 2014) e no mapa como máquina produtora de devires espaciais. Nossa busca é por traçar as linhas que pedem passagem através da linguagem, segui-las, encontrar com seus cruzamentos e pensar, quem sabe, outros modos de produção do espaço. Palavras chave: Cartografia; Mapa; Vídeo; Escola; Experimentação.

A cartografia como acompanhamento de conexões, atenção às possibilidades de contatos, observar e intervir como processos coemergentes na ação do cartógrafo. Com essas ideias em mente e com o objetivo de propor relações entre literatura e geografia no estudo com mapas, um professor de geografia experimentou criar junto com seus alunos a produção de mapas-instalações acerca de um lugar. Mutum é onde vive Miguilim, personagem de João Guimarães Rosa, “... um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, e lá chove sempre.” (ROSA, 2001, p.27). Como pensar geografia com a literatura? ... um pequeno trecho várias vozes: o universo feminino, o mundo da infância, a rigidez das regras e da moralidade, os hábitos alimentares, os bichos, a geografia, a paisagem (...) (MARQUES, 2011, p. 54).

A literatura como uma máquina capaz de fazer mover engrenagens criativas. Como ela pode operar em favor da existência de outros modos de pensar o lugar? O que há de novo nessa relaçãoliteratura e geografia - que propõe que tomemos os mapas não só como uma representação extensiva do espacial, mas como uma ponte que despenca em um oceano de possibilidades multiplas. De que modo à máquina literatura pode fazer conectar outras máquinas – mapas –, produzindo sentidos abertos para imaginarmos um lugar? “(...) toda máquina é máquina de máquina.” (DELEUZE, GUATTARI, 2014, p.55). Nesse sentido apostamos em proliferar versões para o Mutum através de mapas-instalações criados por alunos. Lidar com a geografia em experimentação, ao mesmo tempo, convocar os alunos a pensarem o mapa como máquina que faz funcionar singulares modos de grafar o espaço. Mapa-máquina

engrenado

em

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outras

máquinas:

máquina-aluno,

máquina-literatura,

máquina-geografia, máquina-escola, etc. “Toda máquina já é parte de uma máquina mais ampla, de uma maquínica e uma maquinação na qual entram o desejo e as conexões.” (PELBART, 2011, p. 8). O lugar, nesse sentido, é também parte de um funcionamento, ele acontece em meio às engrenagens maquínicas, ele conecta diversos elementos do espaço para compor pensamentos. O lugar – o Mutum – é relação, nunca acabado em si, mas, um acordo com o possível. Não uma, mas múltiplas geografias, rangendo em meio as máquinas. O lugar é aberto, ele agencia conexões. Assim, aproximamos nossos experimentos do modo como a geógrafa Doreen Massey vem pensando o lugar, como um conjunto de trajetórias humanas e inumanas, formando constelações moventes (MASSEY, 2009). O lugar como produto do acaso, uma eventualidade. É eventualidade, em parte, no simples sentido de reunir o que previamente não estava relacionado, uma constelação de processos, em vez de uma coisa. Este é o lugar enquanto aberto e enquanto internamente múltiplo, não capturável como um recorte através do tempo no sentido de um corte essencial. Não intrinsecamente coerente. (MASSEY, 2009, p.203).

Máquina-vídeo1 Toda máquina está, em primeiro lugar, em relação com um fluxo material contínuo (hylê) que ela corta. (DELEUZE, GUATTARI, 2014, p. 54).

Nosso objetivo aqui é buscar cartografar com as linhas de um mapa em vídeo, produzido no contexto das experimentações escolares, e, ao tomarmos o próprio vídeo como uma máquina, fazer ver o modo como o Mutum é percebido nas/pelas conexões gestadas através da câmera. Tomamos a cartografia no sentido proposto por Deleuze e Guattari, analisada de modo particular por Pelbart (2013), como um arranjo de linhas que se tocam e se conectam, assim, a cartografia faz aparecer o atual, ela acompanha e cria junto: ela não representa nada, mas cria linhas, cruza linhas, as diferencia (isso é muito importante, ela cria diferenças), realiza conexões, produz acontecimentos, desbloqueia impasses, produz aberturas, se remaneja etc. (PELBART, 2013, p. 279).

Se tomarmos as imagens como emaranhados de linhas que fazem existir um Mutum, quais conexões elas fariam? Linhas da literatura cruzando com linhas da vontade de filmar dos alunos. 1

Muitos mapas- instalações foram realizadas ao longo de dois meses, cerca de trinta projetos. Entre as diferentes naturezas de composição tivemos maquetes, cartazes, desenhos, teias que conectavam objetos, mapa-cheiro, áudios do sertão, histórias narradas por alunos, entre outros. Para entrarmos no universo das produções realizadas pelos alunos, optamos em eleger um trabalho que nos permita uma aproximação com os conceitos tratados acima. Escolhemos um vídeo realizado pelos espaços da escola, feito por quatro alunos mais o professor, cujo título ficou sendo MU T UM.

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Dispersos pelo espaço escolar, eles entrevistam pessoas perguntando: o que é Mutum para você? Frente a respostas tão diferentes, buscam filmar trechos do livro para compor com as falas captadas, assim, dando a ver com o espaço da escola e com a câmera o modo como imaginam o Mutum2. A primeira cena depois da primeira entrevista foi realizada em uma mata próxima às salas de aulas, e, ali foi filmado um trecho do livro escolhido pela aluna. Nele, Miguilim está a fugir de uns barulhos que escuta em sua caminhada pela mata. O modo como a aluna filma é dado pela câmera parada, enquadrando um personagem que agita os galhos. Um pedaço de plástico verde na lente da câmera dá um tom embaçado para a imagem, aumentando o mistério da cena. A narração em over é a leitura do trecho do livro escolhido. Linhas da sensação de miopia compõem a geografia do lugar, dada pela falta de nitidez na imagem, forma encontrada para criar em vídeo o olhar de Miguilim (menino míope que vive no Mutum e tem medo da mata). A cena seguinte é a de uma câmera que gira, fazendo oscilar várias imagens, como que se perde, parando, de repente, de frente a uma grade. A narração atualiza um trecho da história em que a sensação de prisão cria uma espécie de perigo. Linhas da prisão compondo a angustia de Miguilim, ao saber que meninos são amarrados no escuro do mato por seus pais, dando a ver as grades da escola e com elas buscar composições para a sensação do menino. Por fim, linhas da morte – referindo-se a morte de Dito, irmão de Miguilim. A simulação do voo de um pássaro em direção a uma armadilha compõe com a imagem que se cria através da câmera acompanhando-o. No instante em que pousa na armadilha uma aluna diz corta!. A presença do comando dado para a cinegrafista evidencia a presença das pessoas por detrás da câmera, evidenciando que ali temos a produção de um filme. Linhas do vídeo na escola, do corte, da vontade de grafar um lugar em vídeo, de fazer em imagens as sensações do lugar trazido pela literatura. Máquinas e mais máquinas, engrenagens movendo os fluxos espaciais, um lugar em meio às múltiplas conexões promovidas em vídeo. A escola como palco das invenções, fabulações com uma câmera e com algumas ideias na cabeça. Máquina-mapa dando a ver um lugar em aberto para outras geografias. Bibliografia

2

A opção por manter negra as tomadas em que os entrevistados respondem a pergunta foi uma sugestão do professor, querendo acentuar o mistério, ele aposta com os alunos que o espectador sinta-se instigado a imaginar também as pessoas. Tela preta como linha misteriosa que força o olhar.

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DELEUZE, G., GUATTARI, F. O anti-édipo. São Paulo: Editora 34, 2014. MARQUES, D. Vida, literatura e cinema: fabuloviver, fabulocriar. Petrópolis, RJ: De Petrus; Brasília, DF: CNPq; Campinas ALB, 2011. MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. PELBART, P.P. A bordo de um veleiro destroçado. Em: Máquina Kafka. São Paulo: Editora N-1, 2011. PELBART, P.P. Linhas erráticas. Em: O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: Editora N-1, 2013. ROSA, G.J. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

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