Juliana Cardoso Ribeiro Bastos
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES 1ª Edição São Paulo 2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bastos, Juliana Cardoso Ribeiro Constituição econômica e a sociedade aberta dos intérpretes / Juliana Cardoso Ribeiro Bastos. – 1. ed. – São Paulo : Editora Verbatim, 2013. Bibliografia. ISBN 978-85-61996-81-9 1. Direito constitucional 2. Direito constitucional - Brasil I. Título. 13-03546
CDU-342(81)
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Direito constitucional 342(81)
EDITOR: Antonio Carlos Alves Pinto Serrano CONSELHO EDITORIAL: Antonio Carlos Alves Pinto Serrano, André Mauro Lacerda Azevedo, Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Fulvio Gianella Júnior, José Luiz Ragazzi, Hélio Pereira Bicudo, Luiz Alberto David Araujo, Luiz Roberto Salles, Marcelo Sciorilli, Marco Antônio Moreira da Costa, Marilena I. Lazzarini, Motauri Ciochetti Souza, Oswaldo Peregrina Rodrigues, Roberto Ferreira Archanjo da Silva, Suelli Dallari, Vanderlei Siraque, Vidal Serrano Nunes Júnior, Vinicius Silva Couto Domingos. ASSISTENTES EDITORIAIS: Bárbara Pinzon de Carvalho Martins e Klaus Prellwitz CAPA E DIAGRAMAÇÃO: Manuel Rebelato Miramontes Direitos reservados desta edição por EDITORA VERBATIM LTDA. Rua Zacarias de Góis, 2006 CEP 04610-000 – São Paulo – SP Tel. (0xx11) 5533.0692 www.editoraverbatim.com.br e-mail:
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SUMÁRIO PREFÁCIO ............................................................................................................................................................... 7 RESUMO ............................................................................................................................................................... 13 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 17 CAPÍTULO I – A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA ABERTO DE PRINCÍPIOS E REGRAS ..... 21 1.1 CONSTITUIÇÃO: CONCEITO E TIPOLOGIAS ..............................................................................21 1.2 A ARQUITETURA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: PRINCÍPIOS E REGRAS...............25 1.3 ABERTURA SISTÊMICA CONSTITUCIONAL ............................................................................... 31 1.3.1 Sentido do termo “sistema” ........................................................................................................... 31 1.3.1.1 Sistema interno e sistema externo ...................................................................................33 1.3.1.2 Sistema fechado e sistema aberto ....................................................................................37 1.3.2 Constituição como sistema interno aberto ................................................................................39 1.4 PETER HÄBERLE E A CONSTITUIÇÃO ABERTA .........................................................................42 CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO .............................. 47 2.1 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO ..........................................................................................47 2.2 POSTULADOS HERMENÊUTICOS CONSTITUCIONAIS ..........................................................49 2.3 O INSTRUMENTO INTERPRETATIVO ...........................................................................................53 2.3.1 Métodos clássicos de interpretação .............................................................................................55 2.3.2 Tipologias tradicionais da interpretação: restritiva, declarativa e extensiva .......................60 2.4 FUNDAMENTOS DE UMA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ....................................61 2.4.1 Inicialidade fundante das normas ...............................................................................................62 2.4.2 Linguagem constitucional e o caráter aberto de suas normas................................................63 2.4.3 Opções políticas do constituinte .................................................................................................65 2.4.4 Influência dos princípios ..............................................................................................................67 2.5 CONCRETIZAÇÃO DAS NORMAS ...................................................................................................71 2.5.1 Método concretista-estruturante de Friedrich Müller ............................................................ 74 2.6 APLICAÇÃO DA NORMA ....................................................................................................................77 2.7 INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E REALIDADES CULTURAIS ....................................................78 2.8 SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO ...........................................80 CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA .................................................................................... 89 3.1 ESTADO LIBERAL E ESTADO SOCIAL ............................................................................................89
3.2 CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA: EXPRESSÃO POLÊMICA ........................................................94 3.2.1 Referência histórica ........................................................................................................................94 3.2.2 Constituição Econômica formal..................................................................................................98 3.3 ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL ................................................................................102 3.3.1 Ordem Econômica Constitucional e Constituição Econômica ............................................102 3.3.2 Ordem Econômica Constitucional, dirigismo e normatividade .........................................106 3.4 SISTEMA CONSTITUCIONAL ECONÔMICO .............................................................................. 111 3.4.1 Princípios Fundamentais Constitucionais ...............................................................................112 3.4.1.1 Dignidade da pessoa humana ........................................................................................112 3.4.1.2 Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ......................................................... 117 3.4.1.3 Construção de uma sociedade livre, justa e solidária................................................ 119 3.4.1.4 Garantir o desenvolvimento nacional ..........................................................................120 3.4.1.5 Erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais ..............122 3.4.2 Fundamentos da Ordem Econômica Constitucional.............................................................123 3.4.2.1 Valorização do trabalho .................................................................................................123 3.4.2.2 Livre iniciativa .................................................................................................................125 3.4.3 Princípios Gerais da Atividade Econômica .............................................................................127 3.4.3.1 Soberania nacional ..........................................................................................................127 3.4.3.2 Propriedade privada ......................................................................................................129 3.4.3.3 Função social da propriedade .......................................................................................133 3.4.3.4 Livre concorrência...........................................................................................................135 3.4.3.5 Defesa do consumidor ....................................................................................................138 3.4.3.6 Defesa do meio ambiente ...............................................................................................142 3.4.3.7 Redução das desigualdades regionais e sociais ..........................................................146 3.4.3.8 Busca do pleno emprego.................................................................................................151 3.4.3.9 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte ....................................152 CAPÍTULO IV – INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES .......................... 155 4.1 ECONOMIA E DIREITO .....................................................................................................................155 4.2 PODER ECONÔMICO E O ESTADO ...............................................................................................158 4.3 PODER ECONÔMICO E OS PARTICULARES ..............................................................................164 4.4 GLOBALIZAÇÃO E FORÇAS PRODUTORAS DE INTERPRETAÇÃO ....................................167 4.5 CONSTITUCIONALISMO CONCRETIZADOR DOS DIREITOS ECONÔMICOS ..............177 CAPÍTULO V – INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA INDICADA PARA A JUSTIÇA SOCIAL ...................................................................................................... 187 5.1 FINALIDADES DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA ...................................................................187 5.2 A JUSTIÇA ..............................................................................................................................................188 5.2.1 A justiça para John Rawls ........................................................................................................... 191 5.2.2 A justiça para Hans Kelsen .........................................................................................................196 5.3 LIBERALISMO SOCIAL COMO SISTEMA ECONÔMICO ADOTADO ..................................200 5.4 JUSTIÇA SOCIAL COMO FINALIDADE DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA ...................205
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................209 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................................... 221 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 223
PREFÁCIO Ives Gandra da Silva Martins1 O livro de Juliana Bastos “A Constituição Econômica e a sociedade aberta dos intérpretes” é uma útil contribuição ao estudo das questões da lei suprema concernentes à ordem econômica e seu reflexo na legislação infraconstitucional. O estudo é embasado em sólida doutrina sobre princípios, normas e regras que permeiam a Lei Maior, à luz de uma versão abrangente da história, sociologia, política, com reflexos destas no universo cultural e no Direito. Para Juliana, a Constituição, como um sistema aberto de princípios e regras, deve conformar uma ordem abrangente, em que todos os aspectos da vida social repercutam, mormente no nível maior da evolução de uma sociedade, qual seja o elemento econômico. Não sem razão, fala-se, hoje, no “homo economicus”, por excelência, como aquele que conduz o mundo. Com clareza, lastreada em Häberle (teoria dos sistemas abertos), dedica parcela de seu trabalho à interpretação da Constituição, matéria em que seu pai, o saudoso amigo Celso Bastos, foi uma das maiores autoridades do país, plasmando as fronteiras de sua percepção da hermenêutica constitucional. Só, então, adentra ao estudo da Constituição Econômica. Como velho professor titular de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, lembro-me quando, com Geraldo Vidigal, Washington Peluso Albino de Souza, Fábio Nusdeo, Eros Grau e outros defendíamos a necessidade de a Constituição de 67 incorporar, um dia, o direito econômico como ramo autônomo da Ciência Jurídica, o que ocorreu em 1988 de forma clara, inclusive com a desvinculação da ordem social . Recordo-me que na audiência pública de que participei, a convite dos constituintes e presidida pelo constituinte Antonio Delfim Netto, defendi tal autonomia, com bastante aceitação por parte dos presentes, autonomia, à evidência, que não desconhecia o social. Manoel Gonçalves Ferreira Filho e André Ramos Tavares também publicaram livros, na mesma linha que albergara na Constituinte e que, Celso Bastos, no volume sétimo dos Comentários que elaboramos juntos à Carta Magna, também encampou.
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Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME e Superior de Guerra - ESG; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa da Universidade de Craiova (Romênia) e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO – SP e da Câmara Arbitral da FECOMERCIO – SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária do IICS Instituto Internacional de Ciências Sociais. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Academia Brasileira de Filosofia e da Academia Paulista de Letras.
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Neste capítulo Juliana analisa, portanto, com precisão, argúcia e inteligência, não só a polêmica sobre o tema, que, aliás encontra adeptos e adversários no direito comparado, como também expõe os fundamentos da ordem econômica, do sistema constitucional da Economia, a partir de seus princípios fundamentais, de seus fundamentos exógenos e dos princípios gerais que regem a atividade econômica. Só então adentra a discutir a influência da sociedade aberta dos intérpretes, ou seja, entre a economia e o direito, entre o poder econômico e o Estado, e o poder econômico e os particulares, assim como a globalização e as forças elaboradoras da interpretação e o constitucionalismo concretizador de direitos. O interessante é que em meus livros “Uma breve teoria do poder” e “Uma breve introdução ao Direito”, ambos editados pela Revista dos Tribunais, hospedo teorias, não idênticas, mas semelhantes a esta inflexão das ciências em geral sobre a teoria do poder, o direito e a evolução da sociedade. Culmina, o excelente livro de Juliana, com a formulação de uma concepção exegética da Constituição econômica voltada para a Justiça Social, no que busca guarida nas teorias sobre a justiça de Rawls e Kelsen, com as variantes de uma interpretação pessoal, em que reconhece o liberalismo social como sistema econômico, que se justifica à luz da justiça social, que, de rigor, é o que estrutura uma Constituição Econômica. Participei de sua banca de exame, tendo Juliana impressionado não só a mim, mas aos demais examinadores (Professores Maria Garcia e Vidal Serrano Nunes Jr.) pela segurança com que se houve e pela clareza da exposição, herdeira da cultura e da personalidade admirável de um dos maiores constitucionalistas da história do Brasil, que foi Celso Bastos. Não sem razão foi aprovada, após a sustentação oral, com distinção. Honra-me, pois, prefaciar este livro que dá início à brilhante carreira de jurista de Juliana Bastos, que, certamente, honrará a memória de seu saudoso pai, exemplo dos grandes nomes que conformaram as teorias de direito constitucional no país.
AGR ADECIMENTOS À Deus e Nossa Senhora, que me acompanham e me iluminam todos os dias. Ao meu orientador, Professor Vidal Serrano Nunes Júnior, exemplo profissional e de vida, por me aceitar como sua orientanda, pelos ensinamentos e incentivo no estudo do direito econômico, orientando-me na escolha do meu tema, pela amizade, pelo convívio em suas aulas da graduação, pela paciência, pela compreensão e apoio constantes, mas, sobretudo, por acreditar e confiar em mim. Ao Professor Ives Ganda da Silva Martins, a quem não encontro palavras para expressar o quão importante é sua presença em minha vida, pelo carinho imensurável, pela amizade e pelos exemplos de vida e profissional. À Professora Maria Garcia, pela amizade, pelo carinho, pelo incentivo, pelo exemplo de vida e profissional, pelas lições dadas em sala de aula e pela valiosa contribuição por ocasião do exame de qualificação. Ao Dr. Roberto Batista Dias, pela amizade e valiosa contribuição por ocasião do exame de qualificação. À Professora Samantha Ribeiro Meyer Pflug, pela amizade, pelo incentivo, pelo incalculável trabalho de leitura minunciosa desta dissertação, pelas observações científicas, pelas correções e pelas palavras sinceras de apoio. À Professora Christianne Stroppa e ao Professor Marcelo Biitar, pelo apoio na vida acadêmica, permitindo-me acompanhá-los em suas turmas na graduação e, pelo exemplo profissional e de amizade. À Professora Maria Marta Jacob, pelo incentivo e ajuda na revisão deste trabalho. Aos Professores André Ramos Tavares e Marcelo Neves por me permitirem assistir as suas aulas como aluna ouvinte. Aos amigos funcionários da PUC, Rafael e Rui, por serem sempre tão solicítos e gentis. À Maria Elisabeth Van Overdyk, pela amizade e pelas longas conversas que muito contribuem para o meu amadurecimento. À Fabiana, minha irmã, por acompanhar diariamente minhas conquistas e dificuldades e estar sempre pronta a dar uma palavra de apoio e incentivo. À Sabrina, minha irmã, que apesar da distância sempre se mostrou presente com sua força e incentivo. À Rose, minha mãe, pelo exemplo de força e de simplicidade, pelas preocupações e esforços para minha formação e por me fazer acreditar que é possível. Aos amigos do mestrado, pela amizade construída, pelas rizadas, pelos momentos de seriedade, pelas trocas de conhecimento, pelo incentivo e pelas dificuldades enfrentadas juntos ao
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longo do tempo: Rafael Tannus, Aline Nunes, Arlindo Rosa, Georgenor de Souza Franco Neto, Júlia Plenamente e Silva, Licínia Rossi, Marina Feferbaum, Manoela Bastos, Marcelo Nunes, Antônio Marques e Renato Mehanna. Aos demais amigos, cuja amizade foi essencial durante esses três anos: Aline Dias, Ana Fragata, Alexandre Namour, Bruno Nagata, Crucita Dionis, Erina Tomita, Fernanda Armani, José Alexandre Coli, Juliana Alves, Marina Fonseca, Marilda Maciel, Nicholas Merlone, Pedro Ackel, Tatiana Corte. E, principalmente, ao meu pai, como meu maior admirador, pelos valores, pelos ensinamentos, pelos exemplos de luta, dedicação e superação, pela constante preocupação com a educação e por me fazer acreditar que as conquistas se fazem pela união da família.
À família, que justifica os passos e as conquistas nos anos de nossas vidas. Ao meu pai, Celso, pelo exemplo de vida e de perseverança. À minha mãe, Rose, pelo amor incondicional e por acreditar em mim. Às minhas irmãs, Sabrina e Fabiana, pelo amor, pela amizade de sempre e por estarmos sempre juntas nos momentos mais importantes, por “contar” com vocês.
RESUMO A partir do estudo geral sobre a Constituição Econômica e a interpretação da Constituição verifica-se de que modo a ciência econômica está inserida no Texto Constitucional. Como duas ciências (Direito e Economia) estão concentradas em um único documento, a Constituição. Portanto, como esta, documento responsável pela organização da sociedade, tem tratado a matéria econômica em seu texto. A teoria da sociedade aberta dos intérpretes de Peter Häberle tornou-se relevante à medida que ressalta a integração da realidade no processo de interpretação. A norma passa a ser uma construção interpretativa que absorve as diversas realidades representadas por cidadãos, forças econômicas, grupos políticos, dentre outros que devem atuar, ao menos, como pré-intérpretes. Aqui, no aspecto econômico, sua ênfase deve ser ainda destacada pela sua responsabilidade em organizar os bens econômicos e, por ser uma área que, por conter leis próprias, torna difícil a atuação do direito. Com a atual complexidade social, as necessidades são as fontes de legitimidade das normas. Existem as normas, porque os conflitos permanecem. Nesse sentido, o desafio do presente estudo deve-se, sobretudo, à complexidade da organização social que faz da análise econômica um assunto que não cabe apenas a dogmática jurídica, mas também a influência dos fatos sociais. Palavras-chave: Constituição Econômica – ciência econômica – interpretação - sociedade aberta - justiça social.
“[...] estamos buscando a Justiça, que é um bem muito mais precioso do que muitas barras de ouro.” (Platão, República, I, 336)
INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe-se à análise do tema “Constituição Econômica e a sociedade aberta dos intérpretes”, o qual procura dar o enfoque interpretativo à parte econômica da Constituição. Nesse sentido, tem por objetivo trabalhar a interpretação dos dispositivos econômicos da Constituição diante da teoria apresentada por Peter Häberle2 – a “sociedade aberta dos intérpretes” –, segundo a qual trata da importância da aproximação entre Constituição e realidade. Referida teoria tem como finalidade dar efetividade democrática às normas constitucionais. A proposta parte de dois questionamentos que merecem destaque: a) Qual a influência da realidade na interpretação da Constituição Econômica?; b) Que tipo de Constituição Econômica existe no texto Constitucional e em que medida se efetiva no mundo real? Na procura por uma resposta a estas questões, o trabalho divide-se em cinco capítulos. O primeiro, sobre a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios, traz características constitucionais que a permitem ser um documento dinâmico. Inicia-se com o conhecimento do documento Constitucional. Trabalha o seu conceito, suas tipologias, bem como a forma pela qual encontram-se estruturadas suas normas, de modo que, conceitos como princípio e regra são buscados na intenção de esclarecer a forma pela qual se revestem os dispositivos constitucionais. Na sequência, analisa-se o que se denomina como “Abertura Sistêmica Constitucional”, ou seja, se concebe a Constituição como um sistema aberto de normas, capaz de adequar-se as mudanças sociais. Busca-se, além da própria ideia de sistema, ir além, a partir de conceitos como “sistema interno”, “sistema externo”, “sistema aberto” e “sistema fechado”. O propósito é tecer comentários a partir destas diferentes formas de sistemas para, então, chegar a uma conclusão a respeito do que se entende por uma Constituição como sistema aberto. Por fim, são introduzidos aspectos da teoria de Peter Häberle, os colocando em relação com a própria definição de Constituição aberta. O segundo, sobre a importância da interpretação da Constituição, traz a influência da interpretação na concretização e aplicação da Constituição. Apresenta-se, assim, a interpretação como uma atividade que permite a efetivação da Constituição na vida social. Isso se dá quando se considera que o texto normativo constitucional não está pronto e acabado. Nesse sentido, buscam-se distinguir hermenêutica e interpretação, apresentando os postulados hermenêuticos e aspectos específicos da interpretação, como os métodos clássicos de Savigny e as tipologias tradicionais utilizadas pelo intérprete. A seguir, para a interpretação da Constituição, são apresentados os fundamentos para sua realização, quais sejam: inicialidade fundante das normas, linguagem constitucional e o caráter aberto de suas normas, opções 2
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Frabris, 2002.
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políticas do constituinte e a influência dos princípios. Essas especificidades, de um modo geral, devem-se em razão da posição hierárquica ocupada pelo Texto Constitucional, como ordem instituidora do Estado, responsável pelas diretrizes fundamentais. Para a adequação da interpretação com a realidade (caso concreto), coloca-se o método concretista como caminho a ser perseguido. A escolha pela teoria concretista-estruturante de Friedrich Müller3 deve-se, sobretudo, à sepração entre texto e norma e à integração da norma com o caso concreto por meio de um processo racional de fases até o momento efetivo da aplicação da norma. Levando-se em conta esta visão de proximidade entre norma e realidade, dedica-se um item à influência das realidades culturais, já que a interpretação se desenvolve a partir dos significados conferidos pelo homem a determinados valores, o que leva a identificarmos o Direito como uma ciência cultural. Por fim, é exposta a teoria da sociedade aberta dos intérpretes de Peter Häberle, como um método também concretizador da Constituição como se verificará. O terceiro, sobre a Constituição Econômica, consiste em desenvolver os principais pontos sobre a compreensão do sistema constitucional econômico. Fruto do movimento social posterior ao Estado Liberal, a Constituição Econômica aparece, fundamentalmente, com a necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico. Portanto, para entender o que constitui a “Constituição Econômica”, aponta-se para a trajetória histórica dos movimentos que se desenvolveram ao longo da história e que propiciaram a transformação do Estado liberal no Estado social. A própria expressão “Constituição Econômica” é identificada, pela doutrina, como polêmica em razão do questionamento: “se existiria uma Constituição Econômica, da mesma forma como existe uma Constituição política, social etc.?” Também, a concepção de ordem econômica é buscada, a partir da qual apontam-se diferenças e semelhanças com o que se entende por Constituição Econômica e traçam-se características da atual compreensão de suas normas, como o dirigismo e a normatividade. Na sequência, examina-se o Sistema Constitucional Econômico, composto por princípios fundamentais constitucionais (dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais), fundamentos da ordem econômica constitucional (valorização do trabalho e livre iniciativa) e princípios gerais da atividade econômica (soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte). O quarto, sobre a influência da obra “sociedade aberta dos intérpretes”, propugna pela adoção de uma hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista, também chamada sociedade aberta. Portanto, aborda a ampliação dos participantes do processo interpretativo que passa a abarcar diversos grupos sociais, dentre os quais, econômicos, culturais, científicos. Não houve a pretenção de tratar de todos os possíveis participantes do processo interpretativo, até porque, segundo Peter Häberle, “todo aquele que vive a Constituição é um seu legítimo intérprete”4. Por isso, primeiramente apresentam-se as correlações que se fazem presentes 3
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MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 3ªed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Frabris, 2002.
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no cotejo entre economia e direito para logo tratar da sociedade aberta. Como representante desta, foi realizada uma divisão dos intérpretes, fundada segundo critério que define a qualidade dos sujeitos. Assim, distingue em sujeitos públicos, privados e globais. Nesse sentido, serão traçados comentários a respeito do poder econômico e o Estado, poder econômico e os particulares, bem como a globalização e forças produtoras de interpretação. Para fechar a influência da sociedade aberta dos intérpretes na concretização da Constituição Econômica são traçados alguns pontos do constitucionalismo concretizador dos direitos econômicos. Por fim, o quinto capítulo trata sobre a interpretação da Constituição Econômica indicada para a justiça social. Tem por objetivo fechar o trabalho com a afirmação do necessário conceito de justiça social para as relações econômicas. Um conceito amplamente discutido pela sua subjetividade, mas que deve ser buscado à luz dos princípios consagrados constitucionalmente. Nesse sentido, são apresentadas as finalidades da Constituição Econômica: dignidade da pessoa humana e justiça social. Para tratar da justiça foram escolhidas duas doutrinas. Uma conhecida por seu caráter social e outra por seu caráter emocional. Justifica-se, assim, a escolha de uma e outra, pela contribuição que essas teorias trazem na compreensão do tema na atualidade. São, respectivamente, as teorias de justiça de John Rawls5 e Hans Kelsen6. Também, alguns aspectos do liberalismo social como forma de sistema econômico foram traçados a fim de visualizar a organização dos bens econômicos e sua disponibilização para cumprimento da justiça social. Finalmente, como último ponto traçado, a justiça social como finalidade da Constituição Econômica.
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RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. KELSEN, Hans. O que é justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.02.
C A P Í T U L O
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A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA ABERTO DE PRINCÍPIOS E REGR AS A pergunta que se faz neste capítulo introdutório é: O que é a Constituição? A razão é o caráter fundamental que possui como objeto de estudo neste trabalho. Certo é que o seu conhecimento não se restringe apenas a sua conceituação e tipologias, mas também, a sua consideração como um sistema de normas. Para entender um objeto não apenas é necessário o ter em sua individualidade, mas também em sua totalidade.
1.1 CONSTITUIÇÃO: CONCEITO E TIPOLOGIAS O termo “constituição” agrega diferentes significados conforme o contexto no qual se insere, mas de uma forma ou de outra, é concebido como sendo o ato de constituir, de estabelecer ou de firmar. No estudo que se desenvolverá, o termo estará referindo-se à constituição de um Estado. Nesse sentido, coloca-se que o conceito moderno de constituição (politeia) aparece pela primeira vez com Aristóteles que ofereceu a ela o significado de modo de ser da polis, ou seja, o modo de organização da comunidade.7 Os ideais constitucionalistas surgiram a partir da preocupação com a forma de organização do poder e da necessidade de sua limitação. Trata-se de um documento político responsável pela construção das bases nas quais se solidifica a sociedade que tem como premissas: a estruturação do Estado, a divisão dos poderes e a garantia dos direitos individuais. De grande importância, encontram-se, relacionados à palavra “constituição”, conceitos de cunho histórico, sociológico, político, jurídico e até mesmo cultural. Na acepção histórica do termo, esclarece Goffredo Telles Junior que: Para que se tenha uma idéia clara do que seja uma Constituição de Estado, é preciso lembrar que as Constituições resultam de uma longa evolução histórica, de uma longa luta do povo contra o absolutismo dos monarcas. As Constituições são o coroamento das insurreições dos governados contra a prepotência e o arbítrio dos governantes. [...] 7
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.59.
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Constituição econômica e a sociedade aberta dos intérpretes É, em suma, a idéia de que o exercício do Poder não pode ser abandonado ao sabor das vontades discricionárias dos governantes, mas precisa, pelo contrário, ser substituído a uma regulamentação adequada.8
É no livro O que é uma Constituição de Ferdinand Lassalle que se encontra a acepção sociológica do termo, segundo a qual a Constituição de um Estado deve corresponder à somatória dos fatores reais de poder.9 Em outras palavras, a realidade deve estar contida no Texto Constitucional sob pena de se tornar uma folha de papel10. Nesse sentido, fala-se em uma Constituição real como sendo aquela que independe de um texto escrito, sendo este fruto dos tempos modernos.11 Adotada por Carl Schmitt12, a acepção política do conceito de Constituição diz, primeiramente, respeito a uma diferença que se deve fazer entre Constituição e lei constitucional. Esta acaba dependendo daquela, pois para sua validade precisa-se de uma decisão política, adotada por um poder ou autoridade politicamente existente, qual seja, a Constituição. Desse modo,
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TELLES JÚNIOR, Goffredo. A Constituição, a Assembléia Constituinte e o Congresso Nacional. São Paulo: Saraiva, 1986. p.7-8. Nas palavras de Lassalle: “Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: ‘Essa árvore é uma figueira’. Bastará esse papel para transformar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira , a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula, produzindo maçãs e não figos. Igual acontece com as Constituições. De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos reais e efetivos do poder.” LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição? 2ªed. São Paulo: Minelli, 2005. p.72. Lassalle exemplifica seu conceito de Constituição real através do seguinte questionamento: “Não ignoram os meus ouvintes que na Prússia somente têm força de lei os textos publicados na Coleção legislativa. Esta Coleção imprime-se numa tipografia concessionária instalada em Berlim. Os originais das leis guardam-se nos arquivos do Estado, e em outros arquivos, bibliotecas e depósitos, guardam-se as coleções legislativas impressas. Vamos supor, por um momento, que um grande incêndio irrompeu e que nele queimaram-se todos os arquivos do Estado, todas as bibliotecas públicas, que o sinistro destruísse também a tipografia concessionária onde se imprimia a Coleção legislativa e que ainda, por uma triste coincidência – estamos no terreno das suposições – igual desastre se desse em todas as cidades do país, desaparecendo inclusive todas as bibliotecas particulares onde existissem coleções, de tal maneira que em toda Prússia não fosse possível achar um único exemplar das leis do país. Suponhamos isto. Suponhamos mais que o país, por causa deste sinistro, ficasse sem nenhuma das leis que o governavam e que por força das circunstâncias fosse necessário decretar novas leis. Julgai que neste caso o legislador, completamente livre, poderia fazer leis a capricho de acordo com o seu modo de pensar?” Ibidem. p.19-20. Observa que: “Onde a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a Constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país.” Ibidem. p.64. SCHIMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Tradução de Francisco Ayala. Madri: Alianza, 1982.
Juliana Cardoso Ribeiro Bastos
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Constituição é a “decisão política fundamental que tratará da estrutura do Estado, das relações de poder e dos direitos fundamentais dos cidadãos [...]”13. Por sua vez, o conceito jurídico de Constituição a caracteriza como um conjunto de normas superiores, postas em um documento escrito por um órgão competente, cuja finalidade é tratar da estruturação do Estado. Válidas as normas constitucionais, responsabilizam-se por fundamentar todas as demais normas do ordenamento jurídico. Denominada também como teoria positivista, tem como principal expoente Hans Kelsen que a propósito coloca como sendo Constituição: A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o escalão de Direito Positivo mais elevado.14 (grifo nosso) Não obstante a importância dos conceitos de Constituição até aqui assinalados, para o presente estudo, é indispensável o conceito trazido por Peter Häberle da Constituição como cultura. Inova quando aproxima não apenas a realidade dos fatos à Constituição como o faz Lassalle15 no que denomina “fatores reais do poder”, mas também, pela aproximação dos cidadãos em relação ao Texto no que denomina de “sociedade aberta”. Nesse sentido, para Peter Häberle: A Constituição não é apenas uma ordem dirigida a juristas para ser interpretada conforme as regras de novo e velho cunho – opera, em essência, como fio condutor para aqueles que não são juristas: para o cidadão. A Constituição não é apenas um texto jurídico ou um código normativo, mas também a expressão de um nível de 13 14
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SILVA, Roberto B. Dias da. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Manole, 2007. p.21. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.247. Acrescenta a respeito José Afonso da Silva que: “[...] Hans Kelsen, vê-as apenas no sentido jurídico; constituição é, então, considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensão a fundamentação sociológica, política ou filosófica. A concepção de Kelsen toma a palavra constituição em dois sentidos: no lógico-jurídico e no jurídico-positivo; de acordo com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positiva que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ªed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.39. LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição?. 2ªed. São Paulo: Minelli, 2005. p.19-20.