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XII) Selecta Literária *Os 363 Poemas ... de mais a mais, as alegrias ar. Ver-te é ter a certeza da vida, esperar-te perseguir a esperança possível. V...

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ÂNGELO O OCHÔA

Livro de Horas Opera Omnia 1029 Poemas I) Os 363 Poemas II) Na Morte do Senhor Trabalho III) 31 Poemas do Novo Milénio IV) Estações do Peregrino V) Também Através da Poesia se Constrói a Paz VI) Dos Sonhos os Poemas VII) Louvor da Luz VIII) Episódicos e Circunstanciais IX) Simples Orações X) Cantos de Intervenção XI) Caleidoscópio XII) Selecta Literária *Os 363 Poemas A Três Graças. Poema um: Ruir o interior dos ouvidos - tabiques - areia - cal - sons esquecidos. Pedras sobre pedras - os dias asfixia - as palavras iguais sob o ruído. Abismo das folhas - Março ou Abril - o Jardim Botânico. Todo o peso do rosto nas costas das mãos. Rombos sombra - o retrato repete a abrupteza. Velas - borrões - gente - quatro quilómetros pela barra. Do mundo dos meses - telhas - papoilas - grades - tenazes. Telhas - côncavas - convexas - convexas - côncavas. Vertigem de fontes desmemoriadas - tudo - súbito. A raiz dos ouvidos - árvores - ontem - candeeiros - sinos. Exaustão - urzes onde os nervos verdes. Uma vez, um olhar - jogo água - as cordas febris - o violino. Tijolos - estores - redes - andares de casas - espaço escuro ante a parede branca. Aereza - torpor surdo no cérebro - um ruído de sílabas dentro de mim. Triângulos - trapézios - Mozart. Montes - lamas - dorsos - dromedários. Azuis tons - Klee - the musician! Estes versos torpes - malmequeres - muros - vento - mudez. O coração bater num cubo fechado - corredores sob corredores dor. Horas trevas - objectos limite - descenso dos sons num poço sem fundo - três vezes z cinzento. Luzes facetando-se - um clown, que anda, incólume, num arame cortante - quase nada - infinitamente. Os dias seguidos - agudezas - dedos - losangos - vidros. Crueza - grãos de poeira - partículas de caspa - caracteres tipográficos.

O soalho - agulhas - sons opacos - os nomes, das pessoas conhecidas nas paredes. Os nós dos ossos dos dedos - o peso dos ombros. Roseiras - barro - garagens - ouvidos ar. Os cabelos soltos - a nuca - nunca - sim - hoje. Verde a relva, verde a relva, verde. I know your name. Your name is Is. I know. You know. I know. Os ferros - os muros - eu sei - não sei - onde as horas lembradas - e deslumbradas - de ti. De átomos, átomos - de constelações, constelações. Obsessão dos sons - os cotovelos roendo-se nas janelas. A manhã - a cidade - larga, a avenida. O telhado - da chaminé a cal - o beiral de lata - a lonjura branca - a gelosia. O ângulo da mesa o azul e... Flamingos - lagos - voos. Cortinas - dedos - unhas. Pouco a pouco o poema trabalho. Braços - tijolos - redes - mínimas gotículas - de uma criança o sono - de uma criança a fala. Estradas - bicicletas - letras. Tectos - estantes - portas. Carris - lápis - estrela... Escusado dizer noite. Na areia o sol por entre os ramos d'ar. Escadas - chuva - resto de rio que vi. Autocarros - carros - carros. As mãos - o alcatrão - um operário. O corpo - a sombra - um cigarro. Ferros - tábuas - inexistência. Ponte - longe, perto vultos - areal. As palavras que faltavam - as palavras que faltavam: Maria - Manuel - Deus connosco. Rapariga - rosto - olhar - de uma vez para sempre. Cândido Portinari, Cândido - duma cor doutra - uma cor noutra - neutra. Ouvi meu canto - ouvi meu canto - ouvi. Irrepetíveis voos - um número indefinido de versos desiguais. Canaviais - juncos - vento - vimes. Òòa - aòr - o terraço. Esguios choupos no ar nublado. A instantes existo e o azul - a terra barrenta além - a pele. O poema trabalho sob estrelas. Restolho - fragas - estevas. O vasto negrume da extensa noite. Os aéreos, suspensos lapsos. Ausência - montes - o poema quarto. Os sapatos - os óculos - os anjos. Um naco suado de pão. Ámen. O tempo - de Deus o tempo. Esse tempo - este tempo. Kz-kv-z. Oh! "Porque vivemos, os emparedados, sem árvores." Emparedados ou localizados, aquém nós mesmos, que, mesmo que supostos transpostos, nos detemos os passos, deparando acaso com inúmeras portas no caos. Seguindo o casario, qual lençol, o rio, à distância. The white clown Miró. Composição inintitulada, em Março de 1966. Ferraz - vazio de luz - MA JOIE! Jazz - surdez-mudez - Bach. Os adjectivos desnecessários, aborrecidos. Ora a cidade raramente igual. As pessoas voltadas dos empregos. Sob este toldo, entre cadeiras, mesas, imaginadas faces, estou. Donde me ocorre aquele R: Os dias repetidos, abismados. Os fios dos eléctricos cintilam.

Gotas de água nos vidros fixas. Plúmbeo, a vermelho raiado, o céu. Braços de árvores - estores descidos semblantes escondidos, sob chapéus-de-chuva abertos. Prédios ruídos - cor cinza - gabardinas. Se tudo ruiu, ficou a existência aí, inconsequente. É meio-dia. Não é meio-dia. O ponto nulo z: Os olhos vesgos, da oculteza. Repetidamente, da paragem do carro eléctrico a imagem mesma devassada, sonho nada. Dum recanto da cidade sem garganta. Brancor de intermédios de escadas. O espaço aberto para o céu. E eu. O mundo tumultuoso do sangue vibração luz - corda 'sfiada ao ar - subterrâneas criptas, entre sombra e trevas janelas, por entre chapadas de sol - no longínquo casario, pétreo e nebuloso. De Madame Maar os olhos tortos esgotando-se. Sons prolongando-se ao redor do R, ao redor do R, ao redor. Olhos navalhas, vidros espelhos, cimento, tubos, covas, vultos, distorções. Um rosto maior do que um livro. Opacidade. Qualquer torneira ininterrupta. Goivos intactos de terra. O desejo de inevitavelmente cantar. Tudo a noite morre funda morte. Certa e indizível. Alberto Caeiro: O espanto primitivo do existir e do dizer do coração desasado. A contemplação aborrecida: P'lo tempo revolvido quase docemente, no olvido de ser-se só, sem sentido para os dias imediatos, fundos, contarei, uma por uma, p'los teus dedos, as loucuras possíveis, os enredos. P'los teus dedos, sim, p'los teus dedos lã. Aí ficaremos os dois, os sons, os ossos. Em arco abrir-se-nos-ão os braços até à catedral da branca areia.

O vão da porta, inumerável, amor de ver-te, é terna a claridade - deves calcular, este domingo de mais a mais, as alegrias ar. Ver-te é ter a certeza da vida, esperar-te perseguir a esperança possível. Vês? As palavras correndo para ti. Quadrados de quadrados le Printemps viendra - a a ah - le ritme des doigts, des doigts, des doigts micro-microcosmo - abrir de vidraças a a chuva - ar aberto a o ar - stelle e stelle. Ah, teu devastado olhar fixa um demorado mar, revolto o vento. Brancura de pétalas ternura de um corpo casto - os jogos de infinito. Ou borboletas tontas ou janelas. Teia de aranha na parede esburacada: Música de um canto simples de desperdícios: Uma aldeia em Trás-os-Montes: A harmonia de Deus: Um chão terra cimentado p'la noite fora, de um dia de apanha de amêndoa: As bicicletas não andam: A humildade é um verme familiar: À cerveja, à fadiga, rapazes companheiros inventamos viagens. Sombra intocada num papel sem nada, a poesia - as bermas à luz falsa - as costelas partidas - a publicação a 7 cores. A cegueira enternecida - um certo sorriso, às primeiras horas da manhã, anteontem, alarmante. Do subterrâneo das horas, máscaras rebentam, às ruas, às mil. Que não posso vê-las. Que não posso deixar de as ver. Nem o abandono inútil, os pés adormecidos ao peso, a desolação imensamente plana, a apatia sem nenhuma saída, o travesseiro dos bons dias muito obrigados, os dedos na queda dos indescontínuos 'nstantes, os tectos para o pavor, as tensões dos nervos às alucinações disformes. Porque as crianças não têm culpa de entrementes começarem a cabecear tontas de sono. Os palhaços aos tombos,

aos empurrões - gente con el corazón en la cabeza. A periferia dos tubos e um peixe - os círculos fechados - a trama do cristal: Ernst ou Kandinsky - as pétalas das chamas. Léger, ou a maquinaria humana: E o que justamente se quer por esse só momento entre o abrir e o fechar da porta de casa do proletário anónimo. Para a mulher povo de que não há notícia queria uma canção com as mãos dadas. Quem me trouxe a uma esfera de planetas azedeza? Deixassem-me ignorante, saberia uma canção. Sem nome uma canção, com braços, enxadas, e arados, em riste. Trouxeste uma alegria procurarei, procurarei - diz-me quando vais para cima. Tenho aulas e tenho de. Amor, vê se será melhor 14 ou 21. Mas telefona antes. Legrand ou Cherburgo os chapéus-de-chuva ou os passeios os citroën dois cavalos ou rever-te à ternura amanhecida - dos despertares desassombrados. Outro tempo dormia até mais não. Moía-me. A ponto de as ruas ficarem a uma distância de impossíveis. Acontece-me ficar sentado a tarde toda, a repetir os gestos gastos desde as horas. Páscoa do morrer dormindo. Ecoa o vazio íntimo das grandes casas: A morte em flores. Sons abrem janelas. Soltam-se libérrimas as palavras, um tudo-nada próximas do fim. Ainda aí, um grito estrito e um bocejo. A contenção do escrito. Da guitarra gemidos, entrecortando o aclarar nítido. Um coração leve. De l'eau. A palavra continua, porque há um afazer inadiável: Adormecer sem repulsa, esquecer paredes: Fazer por isso.

Tudo rescrevo na noite dentro do sono. Morar é bom. A mulher poema: Levei toda a manhã a sonhar com a tua viagem. Tu és pura e bela. Tão bela és tu, poema. Canção ao redor da vogal O: Dorme sereno no plano fundo do lago o sono brando do Outono o abandono. Intacta, a manhã cansada de elegia. Um outro verso, à volta do mesmo. Brancas, ferocíssimas muralhas. Dissipa-se em novelo o que em vão pensar. Perdeu o nome a existência, disco rolando do incansável. De uma aguarela do Mendão: A praia - de muita areia - em ébria insolação. Devagar, não dar por mim. Enquanto amanhece cruamente. O dia perde-se de indiferença. Serenamente, esqueço-me. Das nuvens, flocos desvanecendo-se. "Ainda a cor marinha, arenosa." O alvorecer sem motivos, árvores isoladas inquietando. Os dias esbarrados, em desvario. Interrogar-se desde quando a paisagem em ruínas. Dor de corpos, uns contra outros, pró meio da rua atirados: Espoir de rages, notre vie. Digo-te sem ver a noite dos dias - crianças - terraços - a espaços, buzinas - de brandura envolvente. Tarde nua no jardim: Folhas de árvores aéreas, amarelas de transparência, agitando-se soltas, tenras, em leve ballet de frémitos de invisível. Dum súbito corpo a presença, espessamente. É tua a praça, toma-a, Senhor. Lá, onde morrem os poetas,

com as mãos a arder. Alegria de amar: Os noivos, na madrugada, deitaram fora os poemas. Tinham resolvido o amor e as janelas rasgadas. Resolveram, pronto, decididamente resolveram. Os olhos ventoinhas denunciam a terra. Não faz bem às pessoas certas ver da nudez da terra. Haveriam de se amar. Porque não morderiam as bocas de todos os dias? Encontraram-se, a primeira vez, sós num espaço. Eu, na rua B. Sequeira, secadeira, da cidade de Braga de Fevereiro, estendidinho à solapa do meio-dia, a dormitar e a ressecar até à medula dos ossos do esquisito cadáver. Vêm e dependuram-me, de cabeça para baixo, do olmo mais alto. Isto era na minha terra. Nada a fazer, minha rica. Vê, amor, a raiz suja, do pêlo arrancado. O ser é todo ser, queda, imobilidade, este dia, que anoitece a cor apagada. Procura pela linguagem pura, pelo Vietname que respiramos, pelas palavras precisas, as palavras que amo. Estão pra lá das coisas e das palavras que amo. De estar amanhecendo um novo dia, esbatido desde onde, sobre o rio, surpreendido vou. Resfriarem folhas trémulas. Fugir o largo a conversas ciciadas. Teu lugar. Na cidade fechada, o olhar a roer a dureza duma flor. Darmo-nos ou não, palavra a palavra, a palavra que és, correr de ar. Anne Frank: Falavas a sorrir a teu amigo da verdade em sonho, límpida e desejada. Dentro do teu sorriso de amargura. À pas lourds venue, mémoire changeant, lune, une claire poussière t'apporte à moi. Dizes, não sei, meu nome de baptismo. As braçadas de flores que me deixas!

Des yeux tendres le Dimanche, étoile. Tanque, de lavar. Mas onde, ou quando, a serenidade de sossegar bem a teu lado? Restolho fragas - estevas - a noite extensa: Os etéreos intervalos. Carreiros - urzeiras zirros - junços - vides - fragaredos. Ausência - giesta - Bornes. Ténue que é. Povoações em milagre surgidas, salas habitadas de infância, velhas veredas, amigas, patéticas paisagens. Nuvens de estrelas. Acendem-se fogueiras. Tudo, pesando. Verdes anos: Nem sei bem o que era: Ver ver e ver, sorrir, dizer: Aí éramos nós. Da verdadeira festa lembram sons. Desperta, rompe-me, em flor de neve, vinho, pão, os olhos, minha terra. Manhã de um pároco: A aldeia em pensamento: A que distância, quase infinita, das casas mais próximas da sua! Ah, mas entrecortando angústia, a voz desperta. E é a rapariguinha, o prado adiante, de eternidades e pedrinhas da calçada de infância a te chamar. Vou a um outro dia, com pernas para a frescura de andar às palavras e digerir amargura. De vaguear por fora, tão longe do meu canto, esqueci, de há muito, a humilhação do poeta. Diluí-me, em abraço, no povo, mais que na letra. Por isso me evado do que me nega. Vou dizer natal, que é quase dia, esquecer-me de soletrar a poesia. Ser da raiz da árvore, da raiz do dia. Nome é dizer mar, é dizer ar, e nomear: Dizer estar, e estar em toda a parte e aqui, no início, no fim, no meio e na palavra: Do que, enfim, abrirá um fruto, não já amargurado, mas maduro, um fruto completo de verdade, forte de silêncio: Porque o trânsito aumenta de hora a hora.

Agora é um tempo de anunciação, um tempo de construção, de um ai de alegria ou paz. É ter achado da amargura repetida o princípio: E sei teu outro novo nome: Mãe-Árvore-Luz. A cada instante dizer palavras da palavra. Tudo o anjo encaminha com firmeza. Pedra que és, com fáceis razões de esquecimento na alma dentro, tens por certo forma de Te fazeres ver, pois tens morada no íntimo mais caro de cada um. Aí o homem não destrói o irmão do homem. Desfigurará quando muito a própria face. Vou estando aqui historiando, apanhado p'lo afazer obscuro. É o serviço de cada. Outro, que não eu, de longe, do trabalho, devolverá da antiga força a novo povo. Cidade de teu cais, tuas luzes, tuas ruas, teus jardins e largos, onde descansam olhos, em tua claridade nítida para o tudo de pequenos nadas, tais como fumo, café, que, com a água, nos intervalam caminhadas, pesos, lutas e surpresas. Para lutar, há não só tuas praças, tuas escolas, recintos ou fábricas, tuas casas de memórias. Mas uma vontade grande de ver teu corpo limpo, tuas crianças pisando-te despreocupadas. Teus operários erguendo não já o que sobre eles pese. Em ti a reconstrução dos dias é possível, para o arame do equilíbrio inteiro. É em teus olhos de ar, cidade de todas as cidades, que voa o diáfano das roupas estendidas, outras, altas, trémulas flâmulas que sol e vento enxugam. Meu lugar onde, de dor, amor, espanto e paz, trabalho e refúgio, milénios de novidade. Eis-me em ti dentro, ó cidade. Plantas dos pés assentes sobre este pedaço de terra, paisagem dum sonho pacífico doutra esfera, os olhos desenham-me, a cores, a imagem sem guerra, que dentro de um O se envolve e encerra. Chão de carpete ou de azulejo? Chão destes dias, fechados aos trajectos ínvios do desejo. Chão de estar inteiro e nu, suspenso da escrita possível do anseio ou voo, do que a morte trará pra lá de mim. Aqui medito a condição humana, da estatura: Terra forçosamente dura. Um som através 'sboça, a meus ouvidos, o exacto, breve cenário da ilusão da vida: Estar desperto e sonhar a música em fundo de me revelar. Despeço-me: Vou viajar ao lado de lá, onde terei pátria verdadeira. Deixo-vos meu recado: Nação estrangeira, pacífico bocado tive, que em ti vivi. Vou à outra margem, ao que a morte dá. Um nome de baptismo a si se diz. Mas não: Aqui me deixo estar:

Que não são horas de deslumbres de devaneios. Horas são tão só de cães, gatos e automóveis. No noite, que, de morte, me cobre. Do fundo coração, memória sobre. Parábola: Emérito mui digno, Monsieur Albeniz foi empurrado por um bandido, à Paris. Vi o filme das suas mãos, pombas que voavam: Paz, irmãos! Quase que o matavam. Falava com as mãos, pombas que voavam: Solidariedade, irmãos! E os insultos gelavam. Era um colóquio importante para Monsieur Albeniz, que estava no pleno uso da palavra, à Paris. Logo interrompido, e inquietado, o certo porém é que Monsieur Albeniz falou, e bem, de paz e bem, à Paris. Embarco neste cais, que aqui me tem. Em quieto voo, lanço o olhar longe ao mais perto. Repito o lugar, ou o destino. Exílio em casa: Aqui fico, viajo, voo, fujo. Exílio em pátria: O post mortem me liberte. Os alados anjos: Despertos nas antemanhãs, lembram a paz, a calamidade, a dor ou a redenção? Lêem o livro interminável. Umas mil e uma vez lêem, e relêem, para lá do escrito. Porque lhes apraz, estão de pé. Gostam das espadas, que contudo apontam o solo. Amam cada criança, que docemente ferem da simples força, que lhes vem do fundo coração. Têm, quase sempre, os braços abertos. Aqui retomo o recomeço do ciclo de aves que sou. Emigro e fico a um tempo, onde enredado 'stou. Será que, longe, os anjos realmente pisam da alta serra o terroso campo do pão, levemente fluindo do vento, que, leve, brando sopra? Se o pisam, é assim como se voassem, com sua espécie de corpo, todo ar e água. Constam de fogo de asas, ligeira brisa, ideia, sonho, ou âmago, que estremece d'aérea leveza? Nos velando solícitos, do oco dormir, como se perpassassem vagaroso livro, os subtis enredos desenrolam. Sono lento guia teu sonho, vivo de despertares extasiados. De aladas presenças tutelares sobre tuas pálpebras. Com saliva e pão de te conheceres. Eis recomeça teu enlevo de estar, ciente do lugar onde estás. Cá, não fora, ou noutro lado. Cisnes deslizam desmaios de ternas agonias ou d'indefinidamente prolongadas orações. Lua, o claro pó te traz a mim dentro da seiva, ó quase mãe. -

Frémito de folhas, tremulantes em círculos de vento. Que esperas ainda? Lança-te à rua. Faz-se café. Crianças gritam, do longe. Árvores magras renovam-se na perspectiva de quem passa. Freme a folhagem, sobre a borda, a margem, junto à ponte. Há uma circulação imensa de pneus. Flores coloram das bermas dos carreiros a extensão. Nos passeios dos jardins, risos e vozes. Passam uns trabalhadores, com suas calças azuis, suas camisas garridas. E umas moças, em suas batas, enfermeiras ou colegiais. Algazarra de cores e arruído, tingida da alegria da esperança. Outro dia. Que esperas ainda? Faz voz do teu riso, riso da tua voz. É tempo de despertares do novo amanhecer. Não sentes vagaroso o secreto apelo? Desafogueia-te, anda. Há jornais, livros, gravuras, pessoas, pão, palavras. Sim, mas desce à rua. Não guardes nada nos bolsos. Deixa teus braços livres para a lonjura. Vá, estende a mão a esse teu igual que passa. Já as cegonhas se postavam em seus ninhos, por sobre os olmos. Enquanto as águias planavam, a plena altura. Findava a Primavera. Concluídas as aulas, comboios regurgitavam dos que regressavam a férias. Motociclos dobravam esquinas. Vaga felicidade espreitava dentre os choupos. Os galhos das nespereiras agitavam-se raiando à aragem. Ainda havia muito a que meter mão. Amanheceria o sol do novo dia? E então? Acordarias? Erguer-te-ias da sombra do teu quarto? Darias os passos necessários? Havia algo de irrepetível: O nu tempo último. Fosse o que fosse: Ou já a voz ou paz de um grande Deus, no coração da criação. O olmo da frondosa copa, no fundo do jardim público, prás bandas do coreto, das multidões ruidosas de pardais. Garotos - suas fisgas de elásticas borrachas de câmara-de-ar - seixos arremetiam. Os melhores damascos do mundo davam pra nós, dos limites do quintal do João de Campos. Do muro os alcançávamos. Tempo dos primeiros beijos furtivos das risonhas e coradas raparigas. Do primeiro vinho da juventude. Da grafonola, do outro lado da rua, Amália cantava, repetindo, o barco negro. No Sporting, por esse tempo, jogavam os avançados cinco violinos. Amontoam-se os livros, as caixas, os isqueiros. Para a gaveta ficar arrumada, há que fechá-la. Calcetam-se pavimentos, plantam-se árvores de flores resplandecentes nos desertos do cimento. Ouve-se um ruído de quem risca o ferro. Os cafés às moscas. Passam autocarros, regularmente certos. Os estores caídos, nas largas janelas. Computadores desligados. Camas vazias. De perto, soltam-se canções rock. Alunos, em salas fechadas. Motos, ruídos, cães e automóveis. Agressão, estranheza, ou apaziguamento? Se saísse, tombava apavorado. As voltas que dê, regresso a casa. Onde diluo o afinco das lides de Quixote. Cá, na trégua, as guitarras, as flautas, ou o piano,

gemem murmúrios, entardecendo-me sonhos a que volto. Ou o silêncio repercute, pacificador. Em meu recanto. O canto de estar quieto. O canto possível de me revelar: Ao hall. Na mesa, os incompletos poemas, perpassados da mais 'stranha realidade. Outra tarde: Rompe-se do silêncio o manto do vão dos compartimentos. Música longínqua, contudo íntima, estala no interior, imo, timbre, fímbria de alma. Regressa, inanemente, ao ponto mais remoto do olvido. Retorno dum tema: A hora nua, do jardim: Gritos d'aves assolam das ramagens as copas, de amarelidão de transparências. Juntos, muitíssimos insectos, em correria. Desequilibra-se, e cai, o regente de orquestra. Quanta calma evoca em mim o doce mel do teu olhar, ó anjo azul da plena adolescência. O homem: Já andou demasiado, vem de bem longe, e está à porta. Tem cabelos brancos, testa alta, rugas cavadas, e está à porta. Traz paz o homem! Deixem-no a seu caminho, muito pra lá de toda a porta. Teu corpo trazido no vento, através do silêncio e do abandono. A explosão das palavras que nos demos, crescendo em nós a vacuidade. Um sossego alheado de cansaços vãos: Escurecendo a cidade exaustamente, sente-se um desejo instante de viver. Nas árvores, nas ruas, nos prédios desolados, arrefecem os olhos. Enquanto se tornam maiores as pedras. Os joelhos esmagados zur za zur - azedou-me Schubert as raízes das lâminas.

Trepidar de rodas de autocarros blocos casas - amargor barro - rouco brum-brum em fundo. Rostos - rostos - rostos a secura da biblioteca. Munch: Dos turvos, baços vidros a cor espessura. Sei do teu rosto e nem sei. Sei do teu corpo e nem sei. Teu corpo fremindo. Teu rosto resplendendo. Uma vez te vi e outra vez depois. E, enfim, nem sei se te vi se me viste, se te fixei se me lembras. Caminhos, a que as botas não descobrem o afago. O mesmo sabor de amargura nos é devassado. Entrementes, treres de baterias, treres e ques inúmeros perturbando. Aqui, ali, silentes patamares, desvãos de prédios, lajes, pedra mármore. Voos de pairar: Do eterno entranhados, nos movemos: And the wind, ó Zay! Há muitas cores nos jardins. Mas onde é Marienbad? Trans tempo espaço o ansiar e isto de não ver-te aqui. Olhos terra de querer-te: Por amar por amar. Vamos às fontes da manhã, companheira, vamos às nascentes do sol. Mordi um dos teus cabelos. Foi vento? Foi vento. Dentro, na carruagem? Sim, porque a noite. Sim, porque a manhã. Tarde ou cedo, éramos os dois jovens quaisquer, e os carris precisamente. Lembrando-te depois de depois, p'los dias a prosseguirmos, mais do que sós. O mar nos ouvidos, durmo. Se, entretanto, acordo. Brando ser, calmo, poema pleno a neve e água, leve, à tona d'ar, corre e vai. Pra lá de monte e mar. Num sonho todo feito de incerteza, silêncio, luz branda, amenidade, senti essa presença, essa leveza, que nos conduzem daqui à infinidade. Era a alma das pombas, ou a mesma da toalha na mesa, imensidade, céu sem nuvem nem véu nem sombra escura: A íntima e afável comunhão: Contacto d'imo a imo, o só refúgio na incerteza: Escorrer do tempo, entretenido, vão: O segredo dum sorriso. E assim descer de si a si, directo, até achar a mão, que na mão ajuda a caminhar. -

"O meu coração mora nas terras altas." Fundos montes dormentes. A giesta dobrando-se dúctil na ventania, qual onda marinha. Uma fonte na neve. Imensa, a flor da urze. E castanheiros, de ouriços carregados. Ondas de ondas de oceanos d'extensos horizontes. A vastidão habita-se-me de numinosa distância. "Levántante, y mira a la montaña." Aves e nuvens existem nas alturas. Ora ar! Exalçai-vos, vistas de meu olhar. À janela fechada não assomas. Choram, ridículos, os cómicos. Se os dedos entrecruzando-se, se a rezar. Passava através do parque, pensando apenas vê-la. Depois, atravessava a ponte, com um rectângulo, negro ou branco, debaixo do braço. Debruçava-se para onde corriam lodas águas. Abismava-o a enormidade do mundo. "Turvo, nenhum." Torces, quebrantas sons. Ou suor ou riso dizer. Aqui me tens. Eu morra se não há árvores magras no teu sonho: Ao a rua e a lua dormirem. Perdem-se, uns depois doutros, os dias, descendo a morte indecifrada. Uma vaga saudade, por vezes, fantasia coisas intangíveis, sóis ou lá o quê, longe, muito longe dos momentos. Mas, ante a compacta escuridão, tudo parece emudecer. A desolação da cidade! Chove que chove sobre areia: E hoje eu, ainda. Dá trabalho ter a casa em dia. Até correr cada compartimento, e achar cada coisa em seu lugar. Há sempre um papel a jogar fora. Vê que tua casa esteja em ordem. Como a teu corpo, cuida-a. Dá-lhe uma volta. Cada vez que precise. Longos anos a habites. Tenhas lá um recanto certo, onde possas meditar. Um cantinho teu. Livros, palavras, sons, para as horas mais longas. A rádio e a televisão, a fim de que o mundo se restabeleça, ao contacto fresco das paredes da paz. Que a porta de entrada continue aberta ao peregrino amigo. Que o chão te dê a medida da solidez da vida. Fundaste, fundo e forte, a própria casa. Reviverá da tua eternidade. Entretecido das pequenas rotinas, tais como barba, banho, café, retomo o fio dos dias pesados do desvario da repetição: O afazer igual consome-me. Ocorre, de quando em vez, um entrecho de filme,

ou um excerto de teatro, pra um ritual diferente de me refazer. Regresso à leveza das horas transparentes, do refúgio do equilíbrio firme. É água ou vento, que reencontro, num itinerário a refazer aquando do repouso excessivo ou do cansaço. Não esqueças as estradas quietas da praceta. Aí, teu poema, teu pouso, tua vida. A réstia de sombra. Deixa-te estar. O todo do mistério desvenda-se a teus pés. Aí confluem vertentes ignoradas. Ficas mudo e emocionado, esperando para ver no que dá de acontecer. Trouxeste sabor a mel a meus momentos desolados. Devolveste-me ternura ao olhar magoado. Obrigado! Se algo te dei, em breve troca de palavras, ou em jeito de atrapalhação, guarda-o para ti, como eu guardo a graça de tudo o que me deste e nem sei dizer. Os passeios que dávamos, p'los recantos de antes da doença de existir exausto! De repetir teu nome, sinto de volta o tempo das frementes e gloriosas primaveras. Foi bom rever-te. Pra sempre regressaste à cidade plana, repleta do eloquente azul do teu olhar. Longe se nos perdeu, algures, o instante pleno do acre vinho, da bela juventude. Também, das horas, os nomes surgem mensageiros, do destino de sermos, corpo a corpo, como deuses inteiros. Também, dos nomes, se completam as falas, porque, do manancial da água, encontro a poética explicação de mim, na fortaleza justa de abraçar-te, última em meus braços. Também, dos sonhos, resta a inocência, porque te reencontras a ti mesma, tanta vez inteira. Comigo estavas desde início, não te esqueci, ó enviada. Eras parte da força estabelecida sob o ângulo da nossa casa com uvas. Assim foste nascendo, comigo, para a ilusão do nada, portadora de lágrimas, sorrisos e perdas redimidas, na alegria feroz das horas, companheira. A maior alegria de Isiéli, a trapezista triste, está em saltar impossíveis, pra lá da cobertura, de um fio de arame, até pairar alta por entre as cintilantes estrelas. A maior alegria de Isiéli, a trapezista triste, está em ir, sequer em sonho, até pra lá da lona, entre fios de arame e estrelas, pra voltar ao chão, e andar somente, ligeira como se voasse. Isiéli caminha por seus afazeres, como em pleno voo no trapézio, em busca da paisagem única, que lhe apresente o último limite do amplo, estrelejado céu. É-lhe necessário bem ponderar fraquezas e forças em pleno salto. Lembrar-te ainda na varanda, atravessando a hora da despedida, me faz quebrar a mudez envolvente,

pra falar d'inefáveis, entre montes perdido. Não, não vou para o mar, fico entre serras de brisas, na secura fria de um canto, que sinto subir desde mim fundo. É um canto de terra, de frescor rejuvenescido, um canto do caminho, que há a caminhar. Na esperança de rever o já esquecido. Alguém com mãos para todas as crianças, mancheias de pão, a todos os pequenos-almoços. Uma mulher com um livro, aberto, lendo lentas páginas, de pé, aos pés da cama, o livro junto ao peito. Ou um fragor de tronco, a antemanhã, súbito, subindo de subterrâneas raízes ou do subsolo imenso do sonho: Um fundo olhar, um rosto, uma espada, no preciso ponto do abalo, o exacto lugar da mesa-de-cabeceira. A brancura versus o castanho pardo: A jovem mulher Mãe, que todos ama, co-redime a decaída humanidade, mal refeita da paixão e morte do Filho, em campos de arame farpado, de concentração. Quando ressuscitas, homem morto do chão das baionetas? Esperamos Tua vinda, pais de filhos ausentes. Duramente ultrapassaste o ardor de inferno vivo. Fizeste teu esse peso, ao pleno sol do agora novo dia. A jovem Mãe meiga sorri, e agasalha seus filhos, mártires conTigo, Novo Homem. Senhor do Bonfim: Aí acima estás, erguido em cruz, em teu lugar de dor: Dura dor, tua dor, que é dor de morte vida! De estares aí assim, morto e trespassado. Mas contigo arrebataste a humanidade de cada um, dos que até aqui trouxeste, até a teu tão alto aterro. Em dúvida a Ti venho, mudo e perturbado, na busca da Esperança, que ficou da Tua vitória sobre o fim. Deste ao bom ladrão lugar cimeiro, à direita imensa do Pai. Vá conTigo também meu coração. "A Verdade vos libertará!" Libertará aqueles cujos nomes constam do grande livro da vida, os que vieram da dura tribulação: Com suas túnicas, lavadas e branqueadas no sangue do Cordeiro, torturados, gaseados, cremados, as cinzas da vala comum dispersas aos ventos da ignomínia, reviverão. Credes isto? Acreditais contra todas as razões da desesperança? Adeus, príncipe, pela primeira vez encontrei um homem. "A ti, sentinela, te constituí vigilante da Israel família humana." Não te escuses repetindo a pergunta de desculpa: Acaso sou responsável p'lo irmão? Se não o alertares, e ele se perder, pagarás por ele. Se não fizeres soar da trombeta o toque, cairá a ruína sobre a casa. A ti se pedirão contas. Se não proclamares teu aviso, em tempo, nas profundas cairás precipitado. Pagarás pelos teus, porque não vigiaste.

Se fizeres soar o som gritante, o pequenino seixo branco, que terás na tua mão, te encherá de redobrada alegria, te fará transbordar de grande, grande paz. Que o Rochedo te não destrua. Aponta-O. Ele te será o bem mais precioso, o tesouro escondido, p'lo qual tudo deixaste. Dentro aí, letíssimo se aclarará teu coração. Senhor, eu não sou digno que venhas partir o pão comigo, e descansar sob o meu tecto, mas a uma palavra tua, a um aceno teu, eu serei outro. Forte e subterrânea convulsão, repentino estrondo surdo: De sua força íntima, brusca, uma árvore se eleva do chão. O Anjo da Espada desce os últimos confins da Terra, transportando consigo, à geral devastação, a ira e o furor justo de Iahweh. Seu fundo, escuro olhar fixa o dormente mortal, que, num estremecimento de susto, se fere de estranha, benévola mágoa. Do esplêndido corpo da paixão, do Filho do Homem, transborda, se derrama, p'la brancura diáfana do vaso mais que cheio, o leite do mel do doce pão, alimento das muitas crianças, mortas de fome. O pão é dor do homem vivo, dor de sangue, água, vinho, fruto da tortura até à morte, de que é vítima o faminto da paz. Logo, aí, se dá o verdadeiro despertar, em lágrimas, do peregrino do Oriente regressado aos seus. Do grande livro, a jovem mãe relê, enlevada, a escrita rigorosa e última dos milésimos de segundo: Enquanto firmemente em pé, olhos caídos sobre o tecido do texto, intangível assiste a feliz ultrapassagem da Eternidade. Alegria de umas casas de pedra, os vãos ausentes, em Trás-os-Montes. De hoje em diante, José, a ternura, o esforço, o Abril nítido, instante, repetido. Até quando, do íntimo sonho, acordar a realidade do que somos. Enquanto ouvimos alguém chamar o nosso nome. Nas cortinhas, sós, as casas. Dentro, os jogos sonolentos. Processando-se, a arrastada labuta da cozinha. As brincadeiras, furtivas, dos meninos pobres de minha aldeia vila: Seu nome é quase paz. Resta memória de um estremecimento obscuro ou de uma palavra, que, de tão recôndita, resulta impronunciável. Houve um dia em que eu li nitidamente o teu nome, em escrita clara, esbranquiçada.

Houve um dia em que as contas deram certas. Em seu delinear de esquemas, 'squissos, linhas últimas, teima o lápis em prosseguir largos espaços. A instantes, o zelo de querer-te. Crianças dormindo a clara noite, olho as brevíssimas luzes, pontilhadas no escuro: Afazeres de agora. Um intenso tráfego corrói a antemanhã, do vazio enternecido de após sono. Alegria profunda eis a verdade, na pequenez de um menino esse menino puro, que, cansado, se recosta defronte do portão. Sons ante a mesa, lisa frieza de branda água. Manhã, de um jornal, povo espaço de percorrer-se. Em força, de dureza, de persistente trabalho. O amante de tapetes vive no escuro de um dia noite. O apaixonado das águas vive o contínuo rio de ontem. Aqui poderás ler de quanto, à indiferença, mais é indestruída a fé, que é sermos verdadeiramente livres. Na certeza de ensaios, tanta vez refeitos, no afã de converter a jovens peixes em iniciados da próxima, futura idade. Restar adormecida em si, e desde sempre, a longa tarde de música em fundo, na alegre chinfrineira do bar, onde se esconde o eu. Ténue graça de um longo tempo de Verão, pobre, de férias, desprendido. Alargam-se-me montes sobre montes de encantamento. Dentro do sonho, no pesadelo acordado, da pedra, do horizonte, da árvore, da vinha, da erva, e da alimária, vou. O Largo de Jesus, à chuva de Verão: Distanciando-se, a pequenina mão, da menina, a acenar, em longo adeus ao pai, que, antes, ficou suspenso em pasmo.

Pena é que a agenda registe, tão-somente, as voltas vãs do contínuo divertimento. Não inclui o importante desígnio de mudar do mundo o estado de coisas: A parte que, do íntimo de si, cabe levar a cabo. Deserto, encaro a névoa. Na perspectiva de um dia por achar. La chanson des vieux amants: Estranhamente, enquanto desliza o tardo sol pelo afogueado Ribatejo da CP. Aí, de estranha te fazes íntima, e me acompanhas na prece ensonada do coração doente: Vivemos lentamente o que em disfarce nos foge, tanto quanto a ânsia alcance: Há a possível aventura da viagem, quando os bravos pinheiros deixam antever da maravilha do céu: A azul melodia nos tange de tal modo, que nossos gestos, de uma vez por todas, se perdem e se esquecem: Ténues se dissipam, pra lá dos frustres movimentos da ilusão. Do meu quarto fechado confins de minha rua - ao lugar perdido do mais vasto deserto. Do mais fundo oceano à avenida mais movimentada da maior cidade. Da mais barulhenta discoteca ao mais distante cume de alta, nevada, montanha. Do escuro teatro de guerra ao lugar de maior paz, entre animais, na noite quente de um estábulo. Do mais recôndito, mínimo pontículo, ínfima porção de pulverizada matéria ao mais inimaginável deslimite de galáxia ou mancha, nunca surpreendida por qualquer observatório de enorme alcance: Por onde quer que eu esteja ou me imagine, sentes respirar minha oração: Jesus, Filho de David, tende piedade de mim. Aquele sonho de onde de teu nome a cor decifrei depois do túnel. E a nudez daquela foto, em que estás a olhar. De ouvir um solo de trompete: Que poesia, ou ilusão, te insinua o cruel ver, de horror sombrio e morto, após o sono, após a hora oculta e parva? Serão histórias de sonhos de nada. Terra, tu ficaste comigo criança. Dias passados, desapercebidos. Com teus largos, amplos espaços e um povo sem cinema. Com o bom Deus - ou, por Ele, Mãe Maria - a intimamente olhar, focar, fotografar. Uma, duas flores lilás e o retrato, de infância, na carteira de trazer. A luz debaixo da água, a luz branda, a lâmpada apagada.

O poeta, de esguelha, com a cara entalada. Ânimos ferindo-se de sons de choro. A sombra tornando sobre a mesa. O passeio talhado rigorosamente. O candeeiro, ou o aparo. À amarga indiferença do mundo. A nuca é um ponto muito vivo. Disse, e voltou-se, o meu melhor amigo. Os braços doem. O psiquiatra é um senhor envergonhado. Uma formiga em apuros, na sequência mesma da catástrofe, cruamente. O interruptor, as finas películas, as pestanas, a clarabóia, o óculo, a mudez pública. Óssea surpresa, d'ombros, alguém, que irrompe em pleno palco. "He was a friend of mine. He never knew my name." Ir a outros dias. Rumor de sinos tangendo longe - chilrar dúbio à madrugada remos de iniciado remar - seguir de teimar paz. A canções levíssimas, neve de florir. Disse eclipse, cinza, resquício, clipe, caldo, acorde, garfo, sono. Chiar de alpercatas, em ginásios. Tontura sobre ravinas e ribeiras, raiva de abismo. Sumirmo-nos, esperarmo-nos, na amizade calada na estranheza. Esquecidos da primeira leitura do escrito. A dar de escutar os muros por um tempo. Baloiçar, em corda, em u, teu mundo de ir mundo, nu estertor. Lembrar ainda, de inacessíveis, antigos companheiros. Lembrarmo-nos de nós também, em amargurados beijos, desertos da Primavera. Vamo-nos já, levamos paz embora. Reencontrar-te inteira num cartaz, ó Femme Douce. Um nu, um monte, A Azul, tu! Um bocado de lua para dar de arquitectar invenções de calor, na amizade das horas. Malgré sua verdade amargura, longe vai, longe de montanhas onde sua ternura, suas amigas, sua tristura, seu quê distante para mim. Quando a vida sofrida não pesar demasiado, pedir-lhe-ei segredo de uma coisa. Aos solavancos, berra desespero o amarelo, percorrendo ruas. A séculos de distância, na biblioteca, silabando à minúcia gravíssimos erros de sintaxe, sem saber da testa e sem réstia de literatura, o último dos poetas vai e diz: Meu país onde morre o sol, na raiz do pão exangue: Onde o meu poema, o meu exílio, a dolorida mágoa, força da terra, o meu amor: Onde deserto significa sequioso: Onde fria neve acende gastas mãos estafadas. Parque:

Deslizam ledos cisnes. A uma sombra de árvore, descansa alguém do trabalho. Bambinos sumindo-se folhagem dentro. Há luz e água, aqui e ali. Capela: Histórias em azulejos: Nas paredes, episódios dos evangelhos, de Mateus, Lucas, Marcos e João. Erguido à cruz, o Homem. Vivo, e morto, entregue a Sua paz, dá passagem ao ladrão do lado. Cercanias do estádio: Sobre saibro, os sapatos dos trajectos repetidos, p'lo correr dos dias, que levam à sombra, a abrigo, a longe da torreira de um sol cru. Casa dentro: Ouço e sento-me. Reiniciam-se os gestos gastos, espaçados, de pôr mesa. Do coração que Deus conhece, em sonho fiz o poema de minha vida. De que ficou um verso aqui esquecido, do rio do tempo eco perdido. Que releio: Ou para um lado ou para outro, voo em seu directo alinhamento, lá pra lá. Era uma vez: A tarde toda, o avô contava as suas histórias. Meio aturdidos meio ensonados, na infância dos sonhos, devorávamos o mel do desenrolar da narrativa, a, sempre, sempre, invariavelmente se concluir: 'Inda além vai a raposa, a correr a sete pés! O avô apontava para um longe. Meus olhos, súbito espantados, arregalavam-se para o mais pra lá da abrasada varanda. Ampla, térrea, habitada da densa ausência, a vastidão deixava-me de si mesma suspenso. Eram encostas de encostas, de montes sobre montes, insolados, quentes, de graves dorsos, rasos, de todo rasos da maravilhada aridez. Natal: Simplicidade grave, a dos humanos corações transidos. Afazer: Um a um os poemas: Bem é, que a vida passa. Com a graça que move o poeta a os escrever. Dou por esquecida a obra lida, e por esquecida a obra a ler. Parto, de vez, à longe margem. Entrechos, enredos, à tona. O húmus cheira, e é aqui. Desligo da trama do televisor. À flor do ecrã, desenrolo o anti-enredo de quedar-me. A cadeira, na mesa, situa-me a não-aventura da escrita. Que Deus, em justo tempo, directo me encaminhe morte dentro. -

A fina aragem aproxima-me brandíssimos acalantos. Tudo dorme. Dum deserto ausente. O silêncio repercute circundante, mínimas vozes dominando. Engasgado, tenteando resmungar vago protesto, o gato à corrida, acossado do calor. Repetem-se, dos femininos dedos, lestos dedilhados, sobre o larguíssimo teclado do piano. Pára a tarde. É a felicidade ou, tão só, uma vontade de chorar? Até cá dentro aumentando, o sussurro do ar a perpassar. A noite transfigurada de enamoramento, nós os dois, reclinados na palha da eira, ao bafo quente de Verão, os olhos viajantes p'lo céu estrelejado, rumávamos, no vazio negro e insondável, aos mais distantes dos luminosos pontos, do remotíssimo luzir. O peso do corpo: Donde presumo esquecidos versos que não sei. Comunicar nada que não se possa adivinhar. Quas’ imperceptível ouves-te, dentro, palavrar. Porque renasceste no momento. Fazemos uma grande concha, dedos entrecruzados: 10 e 10, 20. Os pescadores, ali por perto, perguntam-nos montes de coisas. Cobrem-nos de redes de pescar tristeza. Trazem-nos dos raros caranguejos. As escamas azuis de uns peixes. Uns acrobatas, gafanhotos, louva-a-deus, joaninhas, juncos, nenúfares. Fora o amargoso digerido de afasia. Baços de todo o transe, os nus tapumes. Cá amanhece vagamente. Ocupa-se a emoção. O poço é triste, de datar. Povo, onde estás, além teu lugar, que te não vê. Eu em feira de livro, rugas sobre rugas, papeis escritos. E tu nem pensando, como se depois de longa viagem.

Cinza a cinza, resquícios de uma dor a não ir. A face complicada à inquietude, ante a expectante sibila dos instantes. Mas um sorriso, um aceno, um companheiro, e tudo incerto aquietar. O aclarar da bruma, ou a geometria esquema da paisagem. Saímos de seguida, pois é bom passar p'los relógios. Porquê as rosas brancas, eternamente brancas? Surpreenderem-nos, de inesperada carícia, algum Outono. Anne, Anne, tudo em ti termina nos teus dedos. Somente que teu olhar irradia dia. Tílias altas, aéreas. Chuva no escuro alcatrão da rua, espesso corpo imenso, prolongando-se. Descobri contigo o milagre da prossecução dos dias e das noites. A moça me espera, é tirar o poema. Senhor na tipografia, vou levá-la a passear. É tirar o poema, é tirar o poema. Palavras não contam, o que conta é viver. Senhor na tipografia, não atrase o poema. Sair realmente, a desanuviar. Sucederem-se abruptas, subitâneas esquinas. "O tempo das suaves raparigas." Rostos queimando-se em mil vidas. De um longo olhar. Querer bem aos luminosos aranhões, no ofício de pacificar - roubassem-nos a casa, ficava o luar - tão chato é o piolho como o pensar palavras lentas a pacificar - não nos roubam a casa - da paisagem lunar. Manhã serena, Stockhausen debaixo da cama. O tecto plano, igual ao céu, igual a uma mulher, reclinada após o sono revolto do desejo. -

Tenho para ti que o cinamomo árvore de dificílima declinação - te escondes estelar talvez sim ou talvez sim - tenho para ti que - à relação infinita, inumerável, dos concertados gestos - incolumemente habitas. Cortinados no vento janelas espaçadas - na distância dos pedregulhos. Candura instantemente relembrada. Não da tarde, que, findando, dilui a impressão de um jogo relva. Quem não colhe memória desses ou doutros que tais brandos enredos, perpassados do ritmo dos sorrisos? Hoje, ontem, amanhã, na certeza de estar ao rés da terra - onde o recôndito reerguer-se do esquecimento - do refúgio de se ser próprio água, saibro, luas vogando… Linda, de morrer, tua face desanuvia. Dedos gastos e a chatice de reempeçar boa vontade: Ante o pavor da inóspita planura. A pátria toda a terra, a terra toda paz, a paz da palavra, pão do coração. Wasser, Brot und Wein, aquando a Ágapê, a refeição entre os muitos partilhada. Crianças e virgens entoam cantos, à luz clara da lucerna. Salmos, hinos ou cânticos espirituais. O diácono pega no copo e dá-o. Dirá aleluia. Dará a partir o inteiro pão. Todos proclamam, enlevados, os sentidos cantares da transbordante alegria: Alleluia, c'est-à-dire, nous louons celui qui a fondé le monde, par sa seul parole. Era o vale de Deus, mas negociado. Fogo e luz, devastando, vastíssima, a planície. A cal das paredes os pés dormidos - a imensa desolação - a apatia sem nenhuma saída - os sonhos doentes -

a brancura horizontal - a imobilidade lua - o brutal esmagamento dos olhos - as raízes podridas dos pés - os ossos dos dedos, quebrados - a paralisia dos astros apagados os enredos das loucuras visíveis - os pardais, irrequietos - os gestos precisos, vigiados a tensão das fantasias roendo-se disformes - o bilhete perdido não se sabe onde - as mansas, boas horas - o corpo arrasado da doença - o amor enamorado do horror - aquando do barulho insistente. Le clair air ao ver cair: Saber a dor, que me constrói. Isto dizer paz. Para seres tu faltar-te a mágoa de muita morte. Os dias esbarrados de desvario: Pouco a pouco, ergui lenta a habitação, a encher de tuas palavras toda, a os pais avós segredarem estarmos. Il y a des choses, des couleurs: Des choses roses, des choses fleur. "Tu a única e eu" outro que não eu - "ouço as ervas do teu riso." Aturdidos de surpresa, damo-nos conta dos restritivos ao que somos aquém escrito: E disto de as embalagens de cigarros não trazerem reimpressos os predilectos poemas. Mas porquê? Embarcações e água, e montes: Viena ou Praga, acima dum fumo de poeira. A confusão explícita resulta de explicar onde possa ser o só enfermo de teus braços. Percorres ruas, vens triste de alegrias resignadas, força de moça povo, com jornais diariamente. Tudo, sempre, à conta do mesmo - o pão de cada dia. Cansa-te em ralhos, ao caldo, aos feijões, às couves, enfarruscada, palhaço, a dares-me coisas. Lês notícias. Queiras ou não, ouves rádio. Dos altos, das searas, de França, do árido longínquo desolado, perdoa se te esqueço. Ardidos os poemas, solta-se, ainda, o irredutível grito. Era com a impressão, nem sei. No que vejo, me penso. Mas estou? Exuberante, breve adolescência. Pacífica, avassaladora Primavera, revoltada do encanto da solidão. Poço de luas novas: Os enredos esquecidos, sob a ausência das bocas. Nos sonos dormidos, com os pés no mar, o pescoço estremecido nas dunas, os olhos - os próprios? -

a apararem dos céus - em queda - da azulada luz - meteoritos. Relera Joyce, no terraço: Cinzento, meu amor, cinzento e fundo, íntimo e fundo em mim, teu amor é-me. Não evoques mais os dias encantados! Não te cansaste já dos ardentes caminhos? O ser morre de ser sem quê nem cor, sem se sentir de si. A opacidade, o volume, o enlevo inimaginável das cores da transcendência: O verde dos olivais, um verde-escuro, pardo: O rubro das papoilas, um rubro vivo, sanguíneo: O amarelo das anelantes searas, um amarelo-torrado, quente. Tenuidade, ambiguidade, anonimidade: Os dedos sossegando-se nos joelhos. Quem está a falar fere-me as costas. Das fendas das palavras os intervalos quais janelas - coisas de nada de tanto dia que nos não vemos - a mesma condição que amigamente lembramos - de cá dos muros que nos fizeram. Há um povo à espera. Subterrâneo adormecer sem repulsa. Segue adiante, rouco trepidar, carroça fúria de liberdade. A democratização do ensino o analfabeto problema - o amigo analfabeto - a objecção de consciência - o rotundo não o conferencista da douta ciência - o nome cristão - a não-violência - o alfabeto amigo - o sol, astro vadio analfabeto - o astrónomo levado por azar no enterro - o alfabeto pateta, doutor e demagogo - alfabeto, e analfabeto - o alfabeto útil, o alfabeto inútil - alfabeto e não-alfabeto. Jarra das rosas roxas da luz, liberdade do fluir do vento na cortina, transparências de recolhimento, maior brancura, da coberta estendida sobre a sólida, branda madeira da enorme mesa da enredada renda. Do resultado do amor, ou do olhar, ou do estar perto, ou da chuva na vidraça, ou do pensar sem querer, e, ponto por ponto, do sucedido 'screver, do relevo das coisas, que morrem ou não, ou do não ou do sim, ou do sim ou do não, ou do disjuntivo ou, o ânimo próprio, um tudo-nada desmedido, o intervalo interior. "Talhando poemas com blocos de pedra." Relia Jerónimo Fernandes: Que não se sabe morto. Queria o livro igual a um mapa-múndi. Mas os joelhos quebrados.

"Un enfant m'attend pour pleurer." Un enfant n'attend pour pleurer. Digo-te os terraços, os montes na amplidão, azul, e igual, o céu, as rodas de arame nas varandas, o sossego dos putos. Que não esqueça. A espaços, pra lá da sacada roubada à vastidão, o distante fluir de carros, da serenidade. Outro dia, outra estrada, outra hora. Não vou dizer-te quanto te quero ainda. Sabe-lo bem, doutro dia e doutra hora. Já não te digo quero-te bem. Pessoas seguiam juntas, e diziam-se cem mil palavras. Só eu nada dizia. Íamos por uma estrada, e sem palavras. Achei então uma florzinha, de adivinhar: Que Não Me Queres, que Bem Me Queres, Tudo, Muito, Pouco, Nada. Nem uma palavra pra repetir-te, quanto te amava ainda, branca pomba. Havia sons, festa, alegria. Um outro dia, noutra estrada, a outra hora. E eu contigo. De l'eau. Ombre, lumière, silence, joie. Oui, non, peut-être. Miroir luisant. Des chasseurs, ô! O que fizer aborrecer. E estar, até mais ver. Condição de exílio, pouquíssimas cidades como Omaha. Os sapatos rebentados noite dentro: Pai, a cada, o pão de cada, cada dia. A prateleira, dentro, o rio, à gaveta, a rapariguinha, o palato e também o papel: Ou o bolso, do pão e da quentura. Desenhado o teu sorriso, na esperança de ver-te, se der por isso. Étaix: Sábado noite, rumor inextinguido. Saltamos, c'os saltimbancos, pra cima da tromba do elefante anedótico. Sós, as árvores não constam. Pedis-me um abraço. Não sei, isto é cansaço. À medida dos braços, as notícias. Depois da travessia dos peões. Depois do teu sorriso perseguido. Antes do jardim dos cisnes brancos. Antes da conversão. Antes do desopressor descenso. Antes da súbita eclosão. Antes da prenunciada paz. Joseph K.: O pasmo, ou, certas vezes, o além limites dos vidros das salas, das costas das portas das janelas, escusos recantos sórdidos, paredes semelhando fins. Dentre sombras apertadas de edifícios, inda lâmpadas, inda chuva, inda pra lá da azul estreiteza olhamos.

Em criança: No escuro contra o tecto, quando estava prestes a adormecer, ao lado da criada velha, calcava as pálpebras com toda a força. Em tons lilás, inimagináveis, nuvens de estrelas transportavam-no, vivíssimas sob seus olhos, ao íntimo, entranhado infinito irrevelado. "Os pobres trabalham cedo." Algum poeta escreveu. Se, manhã, já dia, é belo, no trabalho não entendem. O trabalho, os braços, os braços, o futuro. Esperança, alegria, alegria, esperança. O pão dos pobres é duro, duro pão o que trabalham. Os poetas, quando muito, dão aos pobres o cantar. Quando é que o sol se reparte, neste profundo alçapão? Os pobres trabalham cedo. Têm o sol por futuro. Aqui, neste ermo cego. Mas as lágrimas lavrando. O pão, ou suor dos rostos. Mas os poetas trabalham. "Aujourd'hui je suis loin, mais je reviendrai un jour." Raparigas dançando confins do sonho. Noivos a um comboio determinado. Frescura de um corpo casto. Todo o bar embaçado retine o ácido som metálico do entrechoque das mínimas moedinhas, que nos dão de troco. A cidade debaixo do ascensor: Chaplin à tela, clown desequilibrando-se, e, a milagre, firmando-se no incerto arame, advindo-lhe a inquietação do desespero. Mesma quietude a dos pulmões do fim para o princípio rescrever até chegar a além - não mais, senão a esperança num sorriso breve um dia outro, o gemer do violão, a aldeias demasiadas para um só cantar - pássaros e nuvens nos olhos fontes - alheamento mórbido - um corpo prá rua atirado - um sono dormido, inteiro, em tuas mãos terra irrompendo em sua carne brônzea, desdobrando-se de levantes - lado de lá, sem margens leve tanger de sinos - chilrear dúbio, a a manhã, do alegre viajar - inerte vacuidade de brisas - e ilimitação de si mesmo - d'aves asas, voos - um seguir de soltos versos - repouso de cansaços vãos - da solidão, de que não morres - mundos soando, de lá do encantamento do furor - noite gelo, tranquila a medo - mar contendo-se - linguagem de arbustos vergando-se - ruas, em seu quê de cismar paz - só a mesma mesa de café, acaso sem história de uns bons dias - se a neve se suspende das árvores de florir, enquanto paredes descansam - algo que se interrompe - ou uma indetível vontade de falar - múltiplos enredos d'is - e restar aquém - o só intermédio de gélidas estrelas dormidas - ou formigas - ou agras urtigas - olhar, de seguida, como as pessoas se escapam - referir remotíssimas paisagens - a recortes de acaso, de restos de desperdícios - colá-las, a registo, à lembrança dourada - hábito azul, disto aqui, em mel. Uma louca alegria correr as manhãs esperadas.

Fui ver a tua janela, voo, pomba, fonte ou barco à vela, árido de perdê-la. E não era a ti que eu via, era o amor. Olhas para nós. É como se ficássemos nus perante Ti. Fazes-nos fortes, fazendo-nos sentir próximos de Ti. São brandos, Teus olhos. Neles emudeço. Tua face, deslumbrada, fende os longes mais recônditos, fremindo do eclodir d'infindas claridades. O amor ressuscitado: Mais do que sonhado era o corpo da mulher. Quando não, ao ouvido, algo, que, instante, soa. Que se define, castelos de papel? Lento a prosseguir até aos altos guindastes, o afã esmagado das obras. Enquanto acontece deixar atrás de si, prolongando-se, um alvíssimo, sonoro rasto, o avião, sobrevoando. Alguém à janela e trigais, ressaltando a cor em torno. E camponesas e gadanhas. Apeteça ou não, por chatice, fácil, fácil, no entanto certa, erva de escombro para a amarela, vermelha luz, é rigor, dor, ficar, dar, deixar, estar. Asas ao rio: Construir os dias por igual. O relógio, sim, mas quê? O granito, ou o xisto, do negror local. Mau grado repetidas antinomias. Palpitar, simples, real. Tensão anseio, tua face, Matéria, presença do que és, Emanuel - desejo, entre abismo e verdade, essencial grito. Contenção a advir. De eternidade início. Verdura de folhagem enquanto a luz assim, o corpo dormido, tranquila, límpida, a branda luz fulgente, intraduzível situação limite. -

Do imo o palpitar uníssono na brancura. O portão gradeado na luz ou a luz no portão gradeado. O abscôndito eu, 'í invisível. Dou-te uma rosa, das que estão de caminho para ti, todos os dias. Olhos fechados, não vês? Vaga sensação saudade do bosque emaranhado ao pavilhão. Puros dentre ramagens, surtos rostos, quentes, opressos, duros, puros d'água, sorrindo, abrindo-se, amargurando-se-lhes rugas, os amplos, claros rostos, Vietname respirado. De febril lume consumidos. Ruir interior tabiques, areia, cal, ecos sumidos - pedras sobre pedras, o peso dos dias asfixia - andorinhas, valados, voos - da manhã carregada a nitidez carros, alcatrão, óleo - de repetir-se, aclarar-se o mais pra lá. Raiz de ouvir: Ontem, candeeiros, sinos. Toujours, toujours, pour le Printemps, l'abîme est vert, je me lève en souriant. Toujours, toujours, pour le Printemps, il y a des hommes qui nous vont tuer: Et des chansons pour chanter mourir. O que cada um disse já eu disse, de mim para mim, para o, distante, divino outro, quando irascível jovem cão. Estar por dentro da luz o obscuro quarto - dos amorosos enredos transtornados santuário de antemanhãs ou de fins de dia - ou o poema quarto - mas aparar ar. Um sonhado António Maria Lisboa, poema, pára-quedas, mil, plataforma, espaço,

a a manhã acordada a ténues linhas. "Os amantes sem dinheiro": Um endereço à praça desconhecida: Nem um tostão. Ou o amoroso ohm. De fábricas, eléctrico, um silvo, de agudeza. Um borrão negro sobre a boca. Mesmo ali um rapaz, que, desde cedo, andou labutando com pás e com areia. Acena-lhe, pois as couves, as cebolas, as batatas, da hora de almoço, cabem, com ele, nos duros versos das mãos de um extremo fio. Entremez brevíssimo de instantes: Nós os dois somos iguais a um olhar. Disse-lhe mansamente. E disparou sobre ela-ele. Meu louco amor, teus olhos, buracos deslumbrados, irrompem dum bocado de mudez. Não precisamos de olhar pra cima ou pra baixo, mas adiante - e andar - p'la cidade. Por onde, connosco, vão emoções. Delineamos sinistro e rotineiro filme diário, personagens de segundo plano, apagadas de inúmeras, uma das câmaras sobre a cabeça, outra sobre o coração, os mínimos tiques, jeitos, gestos ou palavras, percorrendo-se, oh, numa processão sem cortes. Instante a instante, jogando-nos. Os ossos quebrados dos dedos, os estéticos, super-esquisitos devaneios, os pardais resistentes, o sono sem horas inteiro, em tuas mãos vazias. Um interrompido adeus, nos meses do desastre. De cerdeiros, a rama baloiçar: Sílabas: Cecília, xadrez, braço, disfarce, testa, sexo, fax, faca, facto. Sair realmente para andar, ao lusco-fusco de devastadas áreas. Sons espaçados, ritmados. Não querer armas, não, mas espigas gradas, rosas rubras, a canções, brevíssimas, da pura neve da ternura. Vestida de branco,

era um anjo à rua. Desceram o povo anjos da lua? Era anjo ou lua? Terra ou céu, ou caminho ou rua? Toda de branco, anjo, lua, terra de céu, lua de rua. Céu e a terra se fizeram rua. Vestia um vestido branco a mulher nua. A Espada, caída: A ira justa. O Vaso, a transbordar: 'Xcelente of'renda. O Livro, da Mulher: Total oubli. A felicidade ao pavilhão. Um templário, em seu templo. O mel, ignota floração d'abelhas. Do cigarro, esparso fumo de raízes. O leite, alvíssimo maná imemorial. A avenida subvertida por um monótono arrulhar de pombos. Rouault. Ronrona, gatonço. Interior igual a ontem. Uma cor neutra das zonas da terra do café, dos ombros doridos, dos números da fome. Não me levanto, mas estou morto: Completamente omisso ao 'scuso enleio. Aqui vai meu grito, meu voto de paz, a um mundo devassado e em desconstrução. É tudo o que o cantor deseja aos corações. Lede os mistérios no branco, lereis a claridade no escuro. Equilíbrio d'asa, anjo, alma, moça, se refaz e imobiliza, da azeda inteireza do acanhado poeta. Sol nulo, de após nocturna chuva. Estremunhada vigília da manhã. Alguém se me aproxima, com olhos secos, poços afundados. Voo, de ficar. Raízes nascem das plantas, contudo quietas. Os pés assentes sobre o chão desolação.

O ar aberto a o ar! Muitíssimos pontículos da infinidade. "O teu sorriso leva-me sempre para junto do mar." Ventre magnífico da noite genetriz: Lá, onde tudo acaba e principia, onde, da noite, ocorre o claro dia. A tristeza imensa de estar, perpassada pelo incerto rever, em corpo inteiro, em flor de mudez, o próprio nu. Na ausência, algo avoluma a distância, dá relevo à montanha, dá olhos para ver claro. Que haverá, longe ou perto, que nos destrua o exílio? Tijolos, cimento, invólucro da solidão sonhada. Viagens se projectam, sons se esvaem, árvores nuas, crus lençóis de camas sós, lucernas trémulas. O prolongar intervalos traduz notícia de um deserto habitado, que descrevo. António, o poeta louco, ditou-me, de vagarzinho, seus últimos versos: O governador dos céus estava ali, e um livro para ascender à pátria verdadeira. Mil árvores estavam indo p'lo ar. Os pescadores chegam de romagem, pra beijar a mão à Senhora das Naves, que embala ao colo o doce Filho. Os pássaros nidificam onde nasce a flor: Flores de ardor, na paz frágil da donzela. Quero que haja, num reino tão pequeno, paz. Quando do acontecer da plena eclosão da Boa Esperança. As várias palavras dos livros, entre si, se debatem. As propriedades dos medicamentos p'lo sangue se m'entrecruzam, química de sonos. Vivaldi, Mozart, dentre destroçados lapsos, a que se ouvem. A preto e branco, precipitam-se apocalípticas imagens de um recomeço. Repousa a casa, cousa ou asa, repousa qual lousa igual - firme de cal, lençol de paz. Paz, que faz a paz - próxima ou distante, grande paz. A rosa, alta, ousa do ocaso a luz. Poética própria: Que as palavras digam as coisas, frescas, redondas, simples, tais quais são: Coisas a estudar sempre: Coisas aí mesmo, à mente. Digam as coisas, fáceis, difíceis, certas, cheias, mesmas, elas, sensíveis, talqualmente. As devidas palavras, digam, próprias, as coisas: As sonhadas palavras. Retorno de um tema antigo: O instante pleno um:

Mesa de um canto. Um canto claro-escuro, um recanto, um nada obscuro. Quase nada, num instante. Sortes: Fui então padrinho do Zeferino, e minha irmã madrinha. Com os nossos verdes anos, sentíamo-nos investidos de funções. Hoje, meu afilhado é engenheiro da Câmara. Minha irmã partiu de vez, de um tumor no cérebro. Eu espero a morte, pra que conste poeta. Uns sacerdotes polacos trouxeram, para Nordeste, a devoção ao Jesus Misericordioso: Ao pé de Coimbra, um desses missionários deu-me uma boleia e a despedir-se uma reprodução de um ícone muito especial, que guardei na carteira: Tinha uma oração do coração: De repeti-la, adormecia e acordava: A repetição continuava incessante dentro do sono: Era como esperar um golo, num minuto. Minha mesa de café. Quero-lhe tanto. A garrida. Toda de pedra brunida. Que linda e que fresca que é! Lá tempero a solidão, com o café do costume. Do cigarro, que acendo, não mais se lh'apaga o lume. De falhados, todos temos poesia, morte, instantes. Boa é a pedra, que esconde, sob ela, o poeta anónimo, que escreve, e rescreve, pró esquecimento da vida. E se a bandeja então cai? E se as mesas vão voar? E se a patroa se despe? E se o cliente vomita? E se a coisa dá pra o torto? E se a botija rebenta? E se as cadeiras se voltam? E se a Cimbali explodir? E se a lâmpada se funde? E se o empregado patina? E se o cinzeiro se espalha? E s'empanca a maquineta? E se nos tolhe a cegueira? E se os bolos 'spaspalham? Amar a vida inteira, de uma vez perdida, ganha, na torrente de amor, que leva ao mar da vida. Divertimento amargo de viagens programadas. P'la estrada fora. Comigo acomodado, no lugar do morto. Conviemos em que o falar descaía inconsequente. Estivemos de acordo em passar p'las brasas. Quanto ao mais, que tivéssemos, de nosso, a acrescentar, já nada importava. O livro aberto:

Eterno, do eterno: Tudo, sempre. O que pronunciemos, de efémero, será linguarejar. Em Teu corpo transfigurado, não Te custa andar. Vem, em Teu passo aéreo, como que voando, a todo o homem sofredor. Vem, em Tua paz, vem, Senhor Jesus, e fica connosco, pois anoitece. Não precisamos de ouvir a Tua voz, ou de pôr a mão, como Tomé, no coração, em chaga, do Teu lado. Deixas-nos, connosco, Tua bênção, da ternura do perdão. Um canto de terra, de verdor rejuvenescido, um canto do caminho, que há a caminhar, com graves mãos pra toda a vida. De prosseguir a etérea claridade, de ir de encontro às palavras da palavra, de entrever nossa fome de entranhas luas. Palhaços a ouvir, e a ver, o sino tocar: Dlim, Dlão. Toada: A rede balança: Na seiva da árvore, no vento em que dança: Na erva, na aragem, no corpo que dorme: No vento, em que dança a seiva da árvore, o corpo balança: Na rede, no ar, na seiva, no sangue, no sémen, na dança: No vento descansa. Sento-me na casa e preciso os pontículos mínimos dos versículos do afazer, investido de rigor paciente. Onde em torno a qualquer mesa se reúne: João XXIII tinha os olhos bons, de quem pensa sempre antes de dizer, interiorizando, compreendendo, das razões do interlocutor. Mansamente. Com experiência, e peso, de saborosa sabedoria. O sobrado - agulhas - sons opacos. O poeta, pastor d'insólitas palavras, elucubrando paisagens d'emoção p'los caminhos. Pesando sílabas, dizendo, ou redizendo Deus, à face da luz, à face dos iguais. Ângulos de mesas. O pipilar das negras andorinhas. Vertentes - valados - voos. Apodrecer de amargosas funduras. Algum encanto vegetal, de folhas, em leque. Brusca diafaneidade. Uma inusitada paz - a um clarear de vago azul - que entrou - não pressentida. Fomos cair à entrada do curral, aos pés do Menino. Era a paz e a luz, do calor dos bons animais, santos, pachorrentos: Das vacas, das ovelhas, dos asnos e das mulas.

Vimos o clarão. A maior maravilha era O pequenino. Joga-se ténis. O ploc-ploc do bater nas bolas, ecoando a ritmo espaçado. Vasto vazio habita-se-me, cá dentro. Nenhum telefonema nas imediações. Portas fechadas, contra a rua e seu comércio. Provisões, com os vizinhos, p'los elevadores. A televisão, desligada. Um resto, campestre, de paisagem: S. Luís da Serra, ao fundo. Máquinas arrumadas, abandono de papeis pousados. Cartas a ser levadas a longes mãos. Vários ares, de exílio e migração, com paz quanto baste. Envolta música, do antigamente de algum andar. Sonho embora? Sei-me sentado, os pés cruzados. Em mim: A teu lado: E este chão. Atravessarei a noite desenhado o teu sorriso, na esperança de rever-te se der por isso. Assombro - súbito ombro. Recolhimento - a uma clareza esmaecida. "Elle est retrouvée. Quoi? L'Éternité." A imagem banal do terror, a praça, as pessoas pasmadas. Porque acordei no país, durmo com os mortos, às centenas especados, a meu lado. De repente, fujo dentro do fogo. Oh, o número seiscentos e sessenta e seis! É possível que os gestos de pessoas uma a uma não contem enquanto tais, mas que, quais marionetas, dizendo palavras duma palavra, povo emergindo, fluxo, refluxo, nos encontremos. Necessário é consumir o violento grito. O que dissermos nos justifica. Os atentados, as fomes, a tortura, os poemas clamam. Poemas que não perderam ainda, apesar de tudo, o fecundo sentido. Paulo VI, que trabalha dezoito horas por dia, ofereceu tabaco a Podgorni, durante uma reunião à mesma mesa. Mas há o Vietname, a electricidade, a guerra química, as marés negras, os refugiados, os desalojados, os desempregados, os perseguidos, os deslocados, os sem abrigo, os arrumadores, o isolamento, o napalm, aves e peixes envenenados, genocídios, do carbono as bombas, estátuas dos dias sem sono, minado mato, pessoas em cárcere, por ideias, intenções ou crenças. Entretanto, passar por episódica doença ansiosa resulta na possibilidade d'entretenimento, a compensar tenso silêncio. Um a um, os poemas, a Santa Maria de Todo o Mundo: Ce que j'ai surpassé: Non, rien de rien: Obscuro esquisso sur carreaux: Nada de nada: Obra acabada. De cansados fomos ao jardinzinho passar o fim de tarde: Tu estavas bonita: O sol resplendia: Isto é, e só, narrar. -

Excerto de ode: Se os sábios O calarem ou os políticos O omitirem, as pedras ou os meninos O gritarão. Loucura para o mundo, para os doutores, sabedoria dos simples, única medida do humano. Ser-vos-á servida boa quantidade, acubulada, a transbordar. Ele vos fará sentar à Sua mesa, vos preparará derradeira refeição, vos atenderá, como servo vosso, a vós Seus servos, se O aguardardes vigilantes dos dias noites, rins cingidos, revestidos que sejais do rigorosíssimo traje da compunção. O sol, imenso tempo se deu resplendendo, todas as boas e más horas das vossas vidas, igual pra justos e injustos. Não é facto que "criastes", artistas, filósofos, cientistas, economistas, estudiosos da praxis política, um mundo ao avesso, aberrante, sufocado pelo "absoluto" da vossa cultura, em que sim e não se equivalem? Por processo dialéctico - "sustentastes" - tudo se ultrapassa: O Filho do Homem seria, e só, um dos mais, dos revolucionários, a arquivar: Se Lhe chamou "sofista", dentre inócuos nomes, um de vós... Que é dos que tratastes por menores sub homens? Um Brot, um Brot, um Brot… De profundis clamavi! Do fundo de mim, clamei redenção. Donde, o vosso estranhamento da morte. Outro tempo, tão natural como respirar. Miguel, o da resplandecente espada, trará nove coortes de guerreiros, Anjos, Arcanjos, Principados, Virtudes, Potestades, Dominações, Tronos, Querubins e Serafins. Pedi que a Hora vos não encontre desprevenidos, ou a caminho, em viagem. Compreendeis? Então melhor alcançareis a antiga Palavra: Venenos resultarão inofensivos, espancamentos, tortura, epidemias, pestes, mordeduras de serpentes. Senhora, fazei de mim, servo inútil, instrumento da Vossa Paz! Que nossos olhos, rasos Vos procurem, Imaculada, Advogada Nossa, que cada instante velais. Da prova, abracemo-nos a Teu Filho: Amados do Teu térreo coração, sintamos também bater o Seu, que, com iguais entranhas, nos ama. Pedro e Celeste: Estranheza, trânsito, vidas esquecidas. Trabalhava, em lugar frequentado por argelinos e indianos. O alojamento ficava ali, perto da fábrica. O sol batia a jorros. Havia um hipermercado, pejado de gente, ao pé da estrada. E a cidade, com confusão, ruído, fumos, radiante néon. Parques, onde a amenidade calma sossegava. Travou amizade com um tal Dubsveck, de origem eslava e infância amargurada. Regressou, meses depois, num dia de arco-íris, fazendo uma paragem em Marselha. Deteve-se por seus jardins, o cais, a Cannebière: Na aventura de saber-se entregue a si. Do escuro, uma lua caía lindíssima sobre as águas. Lajes e tabiques davam-lhe esbatido reflexo de seu melhor tempo. Branda serenidade de ondas. Mansa ficava a vasta praia. Como Celeste lhe aparecia, obsessiva vida, na sua memória. Dez anos depois: Restavam casas, labirintos, santuários, bibliotecas, arquivos, luzeiros, instâncias de fascínio e liberdade.

Outros sonhos habitariam novos entrechos, em esboços de romance, ou diário, em infindáveis tentativas: Sua inacabada obra! A vida, incessante rio, fluiria, tempo no tempo, p'las vertentes do pastoreio. Aproximando-se do desenlace. A cara suja de óleo, um operário, dentre os ardentes motores. Rememorando o Menino de todas as linguagens e ubiquidades, que, de brincalhão travesso, se fez homenzinho bem comportado, eternamente novo, sempre inominável, igual ao Pai, e peregrino da eternidade, que entregou à vida em flor de todos os renascimentos da contemplação mais pura, despojada, a melhor parte do que aqui nos coube, enquanto gastos arrojamos a comum miséria, calada e quotidiana. Se aniquilou ao mínimo, piccolo ponto: Senhor do viçoso coração de Sua Mãe, onde escondido nos guardou vivos motivos de saudade: Do sol, da água, da paz, do sonho, do vinho, do pão, dos amigos, do bom ar, dos entusiasmantes caminhos. Entre poetas: Achamo-nos, de cá dos muros, lembrando, em quase trevas. Se falamos, sabemo-nos iguais. Dizemos: Se nos ouvimos, todos nos ouvimos. Fogo que se ateia e se resolve em convulsão, é onde quer que o Espírito sopra. O corpo dormido, os dedos pendidos, os quietos joelhos. Os segundos fruir. Fundas águas discorrendo incessantemente sob amplas pontes, através. Vi em grupos crianças, as batas iguais, as largas sacas, correndo, ou saltitando, por um campo verdejante. Iam às aulas ali perto. Longe. Teu nome de éles, éles, éles candura rememorada. Ou moças, dançando nos confins. Antiquíssimo anoitecer, por S. Martinho de Angueira. Telefonam de remotos sítios. Algumas palavras ecoam, indecifráveis. Todo o bar se atravessam, lado a lado, dispersos risos. Resquícios, cinza e uma dor a regressar. A face moída de inquietude.

Mas um leve aceno, uma cadeira a uma mesa, os largos gestos, sem rasto se entretecendo, desprendidos. Quando não, ao ouvido, como que inútil lamúria. A amargo, soa. Em quieto voo, lanço o olhar ao mais perto. Refaço, dos dias do lugar o só destino. Um quase nada: O estado de graça de me ver suspenso da tarde sonhada. Já aquele dia liberto se tornava absoluto, inteiro de início e aventura. Bastava-lhe tanto. Tudo se esquecendo. Nada escreveria. Da casa os vãos do ar ausente, os vãos de Deus. Carlo e Dora: Embrenhado em fumos, o café. Carlo rascunhava uns desenhos. Afinal gostavam ambos de música, cinema, flores, iogurtes. Estavam já a despedir-se. Ela levava para o seu quarto aquela azul reprodução de Chagall. O fim de dia moía-os. Então, até amanhã. Pá, que horas tens? Dez. Dez?! Partira, manhã cedo. Sua terra natal, entre árida e sagrada, acolhia-o a seu regresso, estendendo-lhe como que um manto branco, devastado da vastíssima solidão. Estava a casa vazia, o quarto nu, o tijolo argamassado, a porta aberta a’o desconhecido. Avistava-se o céu somente, sem nuvens a ensombrá-lo. O dinheiro contado. A mala pesada. A muda de quarto. Paredes que se apertam. Um cão lá fora. Abjecção e náusea. Hora de partida. Cri-cri constante, noite dentro. Quilómetros, até romper manhã. Sou a Imaculada Conceição: Figura iluminada, a portal ou quina de solar, a uma candeia tímida. Pode sair! O fim de tudo aquilo. Nos lagos ao Jardim da Estrela, cisnes desmaiando estagnadas eternidades. Lembrava ainda laranjadas bebidas na cantina do quartel, por Campolide, enquanto, na Tv, nadavam horríveis peixes, das profundidades. O reencontro consigo mesmo. Uma palavra: E uma oração: Todos sejam um. Tia Palmira carregara com uma imensidade de roupa, da Alemanha. -

Celeste tomara conta da sua vida, como de uma verdade total: Seus restavam-lhe sonhos: Em margens livres, esvoaçavam aves feridas: Deslizavam férreos comboios: Irrompiam, de altas penedias, claras cascatas de precipitar-se: Surgiam labirintos, de cidades nunca vistas, destroçadas, em que se perdia e se reencontrava: Cataclismos, desabamentos, conflagrações, reuniões, debates, tiradas de árias de ópera, políticas quezílias, confusões, discussões familiares, temperando doridos tédios, distantes dramas pessoais, a nova luz sondados, escritos evocados, elaborados mentalmente, surtos versos repentinos, esquecidos, inéditos e inéditos, esquissos, exames, naturezas mortas, desérticos, extáticos horizontes de piscinas, e plenitude: Até ao balbuciar do nome de Jesus: Tudo s'entrecortando de canções submersas, que, do transístor, resultavam irreais, mesclando-se a bocados de redondas frases da locutora. "'Té Santa Clara, além ar." Dissera-lhe Manuel: A graça faz-nos ver, a graça ou seus anjos, súbitos, nas antemanhãs. Obstinar-se, a todos os rumos. Investir, olhos ao futuro, as possíveis direcções. Oh, as horas de ponta na cidade! Mergulhar no fenómeno humano, o corpo leve, ascendendo em pó, neblina, esperança, caminhando, na direcção do poente, ao lado de lá da ponte, o lado distante e claro, a acontecer de caóticos destroços. Forçoso arrancar do férreo grisu o bairro inteiro de tristeza. O entardecer nas árvores da verde inquietante Primavera. Suavidade no chinfrim dos pássaros, em intérmina, angelical melodia, antecipando saudades de algo de melhor e mais pleno. Num café, ou bar, tirado dalgum romance de Pratolini, uma jovem mulher ingeria uma bebida escura. Serenidade de um outro dia. Passara tempo sobre tempo. Era altura de dizer "era uma vez": Reclamar o passado pra o passado. As palavras realizavam o que se sabia desperdício do silêncio, ou submersa voz do coração. A não ser que a sua revelação se desse de tal modo solta, que rebentassem, graves, nítidas, de incontido ímpeto: A pastorinha veio às flores. Encontrou um elefante, malmequeres, papoilas, pombas brancas, andorinhas, gaivotas, borboletas. A pastorinha, de cara preta. Lua. Mar. Sonho estar sempre contigo: Penso em teu amor por mim. Desejo paz a todo o mundo: Amor, paz, concórdia, a toda a terra. Hoje o grande dia, que abre a flor de neve, na noite de te ver. Gosto da noite por sobre automóveis, noite orvalhada, em aço e fumo. É na vida de viver que se vive a vida dura.

O que te resta: Fixares-te, ateres-te: Ateres-te, fixares-te: Ansiares perfeitamente: Saberes, exactamente agora, quanto é claro. D’água és: Mergulhas, na leveza chuva de tua cama, distendido pra o voar nocturno. Dissolves-te, em palavras água, que fluem em teu afã mais dentro. Anónimo, escrevo fim: E reinicio, sem querer, meu ontem único. Uma coisa em que cismo: O bom Deus está em cada um, quando cada um está com o bom Deus. Scherzo: Dêem-me a água, e o negro café de após sono. Dêem-me música, que m'intervale os goles bebidos, e as baforadas, de fumo, que, entrementes, se m'engolfam pulmões dentro. Café, água, música, cigarros, e, claro está, a minha mesa de canto. Por favor, com este calor, não se esqueçam de ligar a ventoinha. Aqui respiro o meu ar, com o ar do meu cigarro, de raízes minhas, que também vivo no pó. Ah, o egoísmo natural de ser-se, a si próprio, como vento ou chuva. O natural egoísmo de fruir-se pura e simplesmente. Não me puxem pra trás a cadeira, enquanto me sento. Convenhamos em que tais brincadeiras, de absoluto mau gosto, só cabem em certas fitas. O resto está certo: Certo como a morte, ou como a força da vida. Certo como a liberdade, o amor ou a graça. As contas ficam em dia, logo que acabe a leitura da gazeta e diga obrigado, no acto último de pagar o preço. P'lo céu aberto dê entrada o Filho do Homem. Já a seara 'stá pronta, para a ceifa. Senhor, lembrai-Vos do vosso povo, pois o conduziste do deserto. Lembrai-Vos de quantos saíram por Vossa mão da dura tribulação passada. O instante final vençamos. Que Tu, Maria, boa Mãe, nos encaminhes ao Trono da Graça: Lá, onde nos abrace, da maior bondade, Misericórdia. A última universal bandeira: Embebida no sangue de inumeráveis mártires, esvoaçando livre ao vento que brame dos últimos

bombardeamentos, nas mãos de crianças sobreviventes, rubra e branca, da brancura da pomba da Paz, iluminada como Maria, alta, bem alta, até aos máximos cimos. Na aureolar plenitude, alçam-se-lhe inscritos verde V de vitória, gloriosa Cruz, Estrela d'oiro de David, Candelabro perdido do Templo, Arca da Aliança, Graal da Demanda, mínimo Seixo, e rubro Coração, verdade do amor. Ver à força de hoje a clareza de um dia, ascendendo até mais não. Rumor resíduo do dia inextinguido Charlie "Bird" Parker a brancura da tua boca haustos de fremir ar livre ares de voo solto. A loucura é ver. Balbúrdia e alarido de crianças, sobrepondo-se a rostos cinza. Perturbadora moínha de gritaria. Surdamente, na incerta tarde. Senhora do grande livro, guarda-nos contigo, em tua mão. Lê, e esclarece, nosso incerto sentido, e nosso passo a passo, dia a dia. Que à tua protecção, de Mãe, nos acolhemos. Pálida lua, p’lo menos por ora não aclares meu desfigurado rosto, até ao desmaio cinza, que morte é. Deixa-me ficar a sonhar o abraço da terra, a amante única, fidelíssima. Pedras sobre pedras, sobre os dias de falta de ar - árvores magríssimas, arranhões, crueza, fome, névoa ou atravessar de frieza. Impossível cantar senão depois de uma jornada de trabalho. À indiferença da rua, um nome abominado duma montra. Vou gritando, olhos varados d'impassíveis, turvas caras, uma palavra liberdade. Que não esqueço mais aqueles amigos desconhecidos: Vieram a minha casa, fazer um telefonema, a uma hora a que os cafés fechavam: Tinham pressa, e queriam pagar o telefonema: Entraram e saíram. Mas guardem vosso dinheiro. Reflexo de um mundo a aproximar, entre múltiplos de mil.

Se o direito à respiração se dá. Forçoso renascer de aproximações, dentre 'scombros. Sei de inúmeros sítios onde vermo-nos, e, porque aqui, ante o mesmo portão, às mesmas canções ausência, da tua ausência inexistência, ou ante os muros, onde crianças vadias pintam a palavra PIÃO com as letras ao contrário: OÃIP nós, Mulher-Mãe, sabemos - e há as mesmas brincadeiras da incomunicabilidade diária, um trabalho que cansa, ainda antes de ser trabalho - sei - e, a este escurecer, digo-te absurdamente, que não estás. A uma infinidade de tiques, ao horizonte abismado do horror, às recordações da errância - imagem exacta de exílio - sei - de portas de janelas, de brancuras mar - nós, Mulher-Mãe, sabemos - de aborrecedores holofotes, da exacta localização, em carta, de equilibradas construções. Fincarem-se unhas à pedra. O papelão é belo, quanto o pão. O espaço à medida dos olhos a chamar-te. À medida dos braços, para ti. À medida do teu nome, a anunciar-te. Esse teu nome, à largura do jornal, dá as notícias que lês, TODAS AS NOTÍCIAS. Móbil de vazio, corro. Com os meus, muitos gestos se m'entrecruzam inconsequentes. Da desconexão, instantes de instantes se m'entrecortam a mim, um igual aos que, da submersão, acaso vêem o rigor de dar-se, nascer, conhecer. Fixar, sem ver: Ficar à espera. Encandeado o olhar, cambiar palavras. Tudo de tudo, em toda a parte, tu. Além da obsessão dos tiques controlados, uma catedral verticalmente: As cordas fibras da guitarra, a traduzir a náusea, a veemente paixão: Travessas paralelas: Envolvente orvalho. Dás-me a tua mão aberta, aquele teu sortilégio de ontem, e a foto, emoldurada, em que estás a gritar. Tua face nua, aos números cruéis. -

Convenhamos em que é verdade a 'scusa prisca. Um fim de tarde, na praia, aquela mulher falou-lhe, o cântaro descansando na anca, a exagerar sua postura, tristemente. Uma ideia às vezes atormenta. Um compartimento a média luz, um divã, um quarto. Mas deixem-me dormir. As voltas que dê, lembras-me rua, vago correr de pedras. Gaivotas, ao rio. Conheceres-te um. Insectos em desvario. Que anseio, debaixo do chão? O peso, a senha, e esquecer. Conversas ciciadas, teu natal. Amores furtivos. Um rir de crianças, terrível aos ouvidos. Meus amigos, não me sabeis o nome, mas alguém me conhece, que não eu. A afronta das sombras, bloqueio, gelo, imobilidade. Revolto recomeço do ciclo migratório, que sou. Voo e fico, enlevado. Tépida Primavera. Saíra de casa. Estrada fora, o sol cantava. Trauteava um texto enternecido de Granados. Era bom ter tempo livre! Não ter de que pensar. Que desejaria de maior? Água só, água de pedras, terra, areia, fundas profundas, saibro, vertigens e abismos. Doía, entretanto, a evidente ausência de sorrisos. Luz esbatendo-se: Entre cerveja e música, tanto nada. Tal qual Ruy, o poeta amável, sofro o imenso tempo gasto! Embora pareça absurdo, gosta-se do tempo gasto. Uma saudade. Um apelo leve para a indecisa lonjura. Apelo íntimo, familiar, para o além, montanha ou ar, lua ou ribeira, areal ou bruma, raiar de claridades. Um vontade de partir, uma vontade de ficar. Uma vontade de melhor, mais dentro, mais brando. Do Oriente, uma estrela: Seguiam-na uns pastores, que se deslumbram, da maravilha: Um recém-nascido, rescendendo terra, rodeado dos pais e de animais pacíficos e lentos: Caiu doirado silêncio. Eis-me só e nu, neste lugar sombra, a que recolho. Deixo os sonhos, ao distante azul do teu olhar ou aos muros - do papel - em que, do mínimo poeminha, um termo arrisco.

Alheio a idas e vindas, a subidas ou descidas do elevador, preocupa-me a interrupção do itinerário das moscas. Hábil, o gato as apanha, aos pulos, p'lo ar. À deriva do aparo, que desliza segredos de estar, descrevo trajectórias de aquém eu. Já a sólida cadeira me situa sentados 90 Kg. Absoluto de plenitude e solidão, os dizeres mesmos, que mais e mais se adentram, à nascente donde procedem. Plena vida, na meia tarde. Anoitecendo na varanda, ou lá pra lá. A poesia da relva, onde se distendem corpos enamorados. Só o cantor chora e canta a um tempo, anónimo fauno emocionado. Maria, Rainha da Paz, acompanha-nos a Teu Filho. Acompanha-nos à pátria verdadeira. Porque nós não somos deste mundo. Estamos cá, mas somos d'Ele, que o mundo rejeitou, como a nós rejeita. Que nos amou. Na plenitude dos tempos, Se revelou, com Sangue nos resgatou, deu-nos Vida, e à mais viva Vida nos arrebatou. Contra as vãs razões com que nos possam prender, pertença Sua somos: Que, porque Caminho, Verdade, Amigo, fiéis seguimos. À Foz do Arelho, Joseph. O ancestral trabalho adiante, de longíssimo. Grave nome, de luta, selado traz, que lembra, e só, enquanto há paz. Ainda aí a guitarra ferindo, entretecendo, rasgando o puro espanto, ao esclarecer da agora outra madrugada. Um voto de Natal: Que esse menino, nascido pobre, seja paz, em teu coração, onde a paz se faz. Repuxo que teima em subir contra o tempo, que o atira. Constantemente o obriga a recair. Não digas nada. Deixa-te estar. Que Deus é grande.

Se é plena, e terna, a claridade, a hora amena. Corre o vento, e vem até aqui. Corre o vento, e fica dentro em mim. Bem podes correr, vento da minha não aventura. Bem podes anunciar-me o lugar. Pois aqui sopras, vento de minha precária estadia. Abro-te todas as portas, ar que a vida me dá. Nenhum obstáculo te detém. Transportas-me, nuvem, à praça do sonho. Lá, a casa perdida onde me frequentas, brisa, aragem de meus dias. Vento dos ligeiros sustos, pudesse eu fazer, contigo, o único último poema. Porque 'ora corres longe, vento livre da frolida e árdua liberdade? O vale de Deus me abrigue e silencie, e em tempo me deixe a mim entregue. Pra que, tarda, a morte me aconteça, como a um mais, dos que, já certos, de enfados aliviados, entram, com suas tendas. Sebastião, Ínclito Cavaleiro do português Graal, como não reviverás, se, em cada um de nós, connosco ressuscitas? Quando voltarão, em pó e revoada, alas e frentes de teu exército, adolescente rei, quase Messias? Do sonho da névoa, pronto te reergas, uno de muitos, Portugal. Enfim em firme mão alteada, a Universal Bandeira. Cá dentro, o repleto silêncio se adensa, em seu peso, ténue e pacificador. Oxalá algum dia o saboreemos o, suavíssimo, por ora incerto, nome da paz. Aqui fico, moro, morro, vivo, e revivo, rodeado da Festa: De ardor comovido. Luna madre, recôndita face, velada. Tarde sentada:

Folheiam-se velhos in-fólios. Latente vida irrompe, de amareladas folhas. Há as mãos a erguer. Há que adormecer e esquecer. Que trabalhar e ser. Que não seja senão, todo teu, tua simplissíssima oração, Maria, boa Mãe. Fumando, Deus perdoe, abrevio a viagem da cantiga. 1º de Maio: De rosas de suor, o canto de alguém do trabalho. Rosas breves, de recôndito aroma. Filosofia: O mais para lá do outro ou o olhar do outro. O que, envolto, alcanço. Obrigado, Senhora dos sonhos, subterrâneo desvelar de mim, Númen meu, Companheira, Vigia da sombra, Inominável. Sei da lonjura-estrela a que acedi da infância. Sei da palavra que me deste a dar, polpa de fruto. Sei de quanto tal palavra doo a outrem. De quanto sei, construo o poema da firmeza confiante da alegria, submerso no zum-zum do tráfego, que mais e mais se adensa, ao instante dia. Vá alguém suster os alados cavalos… Da madrugada donde procedem, pletóricos e fortes se soltam, galopantes. A Vanicelos: Sussurro do vento, sorriso divino, fremindo no tenro das florzinhas, assoleadas. Camões: A terra, a monte, desenha-me a ilusão dum rosto, coincidência entre noite e morte. Adenda: Do que ficou de mim aqui se releva a impressão

do ‘splender da identidade de sonho e eternidade. Astronomia: Olhando o ar é que nos temos: Estrelas, distância d'espelhos, olhos d'alma, fulgor desmedido. Do todo envolto em que estou, da imensa clareira a evidência: Gratuita se dá. Senhor da firmeza da invencível paz, pega-me ao colo, enquanto parte do Teu corpo glorioso. Deixa-me participar de Tua beleza, muda a meu olhar. Tu és, vitorioso, o Cristo dos povos. Tua face enche os vãos lugares: Faz diferentes - imensíssimas - as desvairadas paragens. Affiche: 361º poema: A arte está de novo a 36 Km/h. Das aulas os redutores raciocínios curto-circuitados, ou, diversamente, das navegações o divagar libérrimo. Em Tavira, os olhos na brandura resplandecente da cal. Excessivas claridades. *Na Morte do Senhor Trabalho Ao Miguel Teixeira. Entremez, de acto único, com as seguintes personagens: Senhor Trabalho, morto de trabalho. Padre Água, "habitué" de semelhantes ocasiões. Dona Morte, então quase feliz. Dom Plim, mais conhecido por Dom Dinheiro. Dona Amorosa, viúva do Senhor Trabalho, divagando desconsoladamente, em lunares lucubrações. Dona Saúde, sempre de boa disposição, graças a Deus. Dona Bizarria, mais caída em graça do que engraçada. Bambino Jardim, dilecto filho de Dona Amorosa e Senhor Trabalho, criança filósofa, super-pasmada, estranha. Algum Público, que a tudo assiste. Adereços cénicos:

Uma cruz: Um livro aberto: Uma espécie de mesa, ou altar: Uma articulação de madeira ou aço, onde jaz, cadáver, o Senhor Trabalho. Do rosto gasto de Trabalho parece surtir enigmaticamente um sorriso idiota, de imobilidade. Dito o "Ite Missa est", PADRE ÁGUA, encetando, aos presentes, breve prelecção, pesa uma palavra, que pretende de conforto: Tem agora este nosso bom homem, de nome Trabalho, concluído o breve fio de seus dias, a que sempre deram refrigério os braços sossegados de Dª. Amorosa. Houve por bem Dª. Irmã Morte o visitar. Transportá-lo-emos, daqui a incerta paragem, incerta quanto definitiva, na certeza de que, se sempre Trabalho contou com o amor e o desvelo de Dª. Amorosa, esse desvelo o assiste à presente hora. A vida continua, e o bambino Jardim aí está, prestes a suceder-lhe, à frente da empresa por ele inaugurada. Certo se desfará em zelos e zelos, sob a mão de Dª. Amorosa, mãe extremosa e cúmulo de atenção. Também a generosa ajuda de Dom Plim não faltará, como até aqui nunca faltou, ao nosso bambino, a quem ri, a olhos vistos, um futuro promissor. Nos declives da sua já farta vida, reiniciam-se, para Dª. Amorosa, primaveras novas, se não ensombradas da dolorida saudade. DONA AMOROSA, como que falando só: Pobre Trabalho meu, conheci-te como ninguém mais deste mundo te conheceu. Sempre trabalhaste. Até porque nunca soubeste fazer coisa nenhuma. E terminaste. Vais já avoando, nos braços de Dª. Morte, com ela, a quem sempre quiseste mais do que a mim, por quem sempre suspiraste, em tuas provas, lazeiras e enfados. DONA MORTE, como que murmurando, entre dentes, atrapalhadas rezas: Tens-me contigo, agora, em meu abraço, rico Trabalho, és o que sempre foste: Um bom e pobre diabo. Ninguém nunca te viu melhor do que eu agora. Olhando para o ar atarantado do teu gaiato, dou conta do reflexo, ou marca repetida, do teu riso ingénuo e parvo. DOM PLIM, em suspiros e ais: Embora nunca fôssemos grandes amigos, custearei, de bom grado, teu ofício final, na passagem, que ora levas, desta pra melhor. Revejo, com saudosa mágoa, as tardes solarengas, em que te requebravas, com Dª. Amorosa e seus enlevos, na Vivenda Felicidade, sob latadas de vides, acompanhados das meninas dos vossos olhos, o irrequieto Jardinzinho, ali à Rua da Ilusão, do número um. Até as viçosas ramas das acácias, lá próximas, dançavam, com os suavíssimos entardeceres! Agora tens paga tanta, ao teu tamanho devida, agora tens conta certa, de sete palmos medida. Ai, amigo! Ai, Trabalho! Ai, companheiro! Deixa lá, não te rales, pois não mais terás de repetir antigas adições, com o aproximar do fim do mês! Bons sonhos, caro! Que os melhores devaneios te alimentem a estada! De novo, DONA MORTE, gemendo e suspirando, como que em desatino: Tanto te amei, tanto te desejei em meus braços, puro aconchego.

Mas tu eras feito do meu oposto - todo vida - e sempre, sempre escapavas a meus quereres. Eras vida, vida indetível. Mas paraste. Ontem. E deste-me de tua noite. Tens os aprontos todos para um lindo enterro. Descanses pois! Linda manhã, sã Primavera! Bambino Jardim, repete lá uma das tuas rezas, das que aprendeste na catequese, mas em voz alta, que eu quero ouvir, por alma de teu pai, o bom Trabalho. Uma reza que lhe dê proveito farto. À boca de cena, para o vago, BAMBINO JARDIM: Morte todos igualha. Nenhum trabalho a vence. Nenhum dinheiro a compra. Vida bem amada, melhor sabedoria. Pe. Água, a vossa bênção, meu padre, meu bom pai! Soluçando, repete perdendo-se num desastre: Trabalho merece repouso, trabalho merece repouso. DONA SAÚDE, avançando a curtos estremecimentos de passinhos ágeis: Trabalho, Trabalho, alegre companheiro, tanta vez lembrado. Dizias tu: Bom sono, bom afazer, melhor comer, e melhor amar. Que mais querias? Se sempre da melhor sorte tiveste. Em tudo fizeste o que quiseste, e não morreste de nada ruim, nem sequer te cortaram, te retalharam, ou esfaquearam! Na morte, de quem fundo dorme, te engolfaste. Trabalha, Trabalho, que trabalhar dá saúde! Não era esse o teu dito de sempre? Não era esse teu lema, teu grave ponto de honra? Nem sequer precisaste de gozar de uma reforma. Farás nascer, e crescer, em Algeruz, plurais ervinhas. Que, delas, se faça farto chá. Agaiatada, DONA BIZARRIA: Já dançaste, até cair para o lado, a tua dança de moço? Tu, que andavas como quem esvoaça, nem precisavas de um grãozinho na asa para te espalhares, lindo, ao comprido, p'las ruas fora, p'las largas praças, p'los amplos salões engalanados. Bailarins inseparáveis, que nós fomos! Mas tão sem jeito ficas, não sei por que carga d'água ‘inda sorrindo, cheio só do que não presta. Saboreia a derradeira paz! Final: Com Mozart, em jeito de minuete: OS ACTORES, em coro: Adeus, adeus, penoso trabalho, adeus! Adeus, amado trabalho! Votos de bom trabalho! OS ACTORES, ainda em coro, mais ALGUM PÚBLICO: Votos de bom trabalho! Porque trabalhar educa! Aparte de DOM PLIM:

Porfiai, porfiai, que a quem porfia Deus dará. Pois mereceis justa paga, pois bem mereceis a justa paga. Alguém vos dará da justa paga. Alguém vos dará a inteira paga. Ou eu não seja eu: Um acabado exímio, encantado da vida, feliz e descontraído, transbordando estupidez natural, um notável, capaz de redonda cambalhota. Cai súbito o pano, e, enquanto vão desvanecendo-se os sons Mozart, fenece o entremez. *31 Poemas do Novo Milénio À Minela. Redonda como um ovo, a fermosa lua, repousando plena, no zénite do horizonte. Presa ao corrimão da escada, a bicicleta do sonho: Nela galgo degraus e patins, milhentos andares. A mesa da água e do quente café: Repouso do movimento: Sobre ela, dos versos acrescem motivos. Cinzeiro, das cinzas das ervas dos fumos: Quedo se enche, fundo, dos restos do ar. Radiozinho dos sons, vozes, luas: Ósculos a ouvidos, qu'auscultam. Esferográfica dos riscos, que sobre o plano deslizam: Eclosão da verdade, que preenche a luz. Moedas esquecidas dum troco distante:

A que jazem aí, se ao mundo devidas? Gentes, que irrompendo, a entrada perpassam: Que anseiam perdidas do dia 'inda incerto? A hora entreaberta, se tange o que falta à plenitude. A planta escondida, que sobe do húmus. Tão pouco - mas tanto - que teima em crescer. A espada do espírito da palavra inflamada. Recolhe-se o verso, relê-se o poema, confluem, da vida, os 'sgarrados caminhos. Acertam-se os passos, e, assim 'xpectantes, damos connosco no agora. Da porta a passagem, que dá para o nada: O nada, que é tudo do que hoje 'inda é vão. Entrada por qu'irrompe o humano sentir: Aberta à manhã. Anelam os olhos. Alumbra-se o olhar. Ora o coração. Toda plena, ó Maria, Teu Filho nos trazes. Se nEle só somos, Teus somos Teus sonhos. Envolvente capote que o corpo m'abrigas, agasalhas-lhe a alma qu'í habita, 'inda fria:

Levas-me, p'lo dia outro, até onde sonho. Seja 'inda véspera de maior novidade. Encete-se caminho, de regresso ou partida. Ramerrão d'automóveis, por muitos sentidos: Que último horizonte, sem saber, prosseguis? Retorno do pão, da palavra, e da paz: Harmonia de dedos: Forte sabor a verdade. Inteira verdade, submersa. Óculos de ver perto: As luzentes evidências a mim s'imprimam, a que me mova, de novo ânimo, ante o fluente, acontecido alvor. Olhos de ver longe, as opacas barreiras deixai desmoronarem-se-me, envolvam-vos distâncias, que, a além, a si, clamam. Sonhos de ar de meu olhar: Das aéreas nuvens, abandonado, o azul atenue a ténue substância alma. Botas do meu encantamento, a corridas novas me levai! Corram, com o vento, tuas solas gastas, que o vento só atacadores não desaperta. Isqueiro da breve chama, disparada pela chispa, que, de repentina, crispa a baça luz do magoado, transeunte ver: Nel' ateia a labareda eterna do novo sol, que vença, dentro, teimosa noite escura.

Volante cachecol dos turbilhões do vento, aconchega-me a rouca voz e aos caminhos da vida - com teu toque d'improviso anima-me, acompanha-me. Fio de meus óculos, libertas-me prá lonjura. As lentes, um tudo-nada abaixo do nó de gravata, deixas dependuradas. Suspende também quanto em mim pese o que ao perto está: Deixa-me a que voe a mais pra lá. Relógio fixo ao pulso do meu desalento, faz com que pronto esqueça teu mostrador, de inexoráveis marcas: Atenua, e abranda, tua voz e tua cor: Mas me alerta a que, aquando da boçal miséria, de desperto me erga e mãos em flor levante. Minha cruz, do meu contentamento, ao alargado amanhã me alcances coração. Janela: Estou dentro e fora. Família: Dos mais fortes laços, primevos elos, fundos alicerces, fundamentos de humana ponte para o mundo. Berço, casa, pátria: O lugar onde acordei e insciente vivo. Onde me finde. Alguns dos lugares

do ténue, brevíssimo, curso dos dias: Cerejais: Coração do NE: Coroação da vida: O avô, e seus criados, exímios cavaleiros. Alfândega da Fé: Cais do definitivo começo, donde parti, um dia. Balsemão: Um fidelíssimo Amigo aí estava. Bensaúde: Água, de longínqua memória. Cardanha e Estevais: Fragas, d'altos tojos. San Martino: De los raros cangarêgos. Freixo de Espada-à-Cinta: Remoídas lembranças, d'inacessíveis romanças. Bragança, do Fervença: Torre alteada da menagem, da antiga glória, de heróis e santos. Barcelos: Me embarque outro, por esse rio fora, dos primeiros, tímidos versos, sereníssimo Cávado, rio de penas. Braga: E à luta da praça nos convocas. Coimbra: Porque passaste, voz mal lembrada, largo, rua da irmanada canção? Lisboa: Do que trouxeram caravelas, fumo e nada. Setúbal: Prisão refúgio, de minhas horas, da gloriosa liberdade dos filhos de Deus! Algarve: A ver mundos, abalamos. Madeira: Páscoas flores, p'la Natividade. Açores: Cantai-me, cantai-me de vossos cantos, das saudades novas. *Estações do Peregrino Ao Eduardo Reisinho.

Estações: Bat Yam: E acordaram-se-nos os olhos pó. Jaffa: Às portas da Terra Prometida. Cesareia: Romanos, lusos, ameríndios, indianos, etíopes, eslavos, arménios, croatas, gregos, hebreus, árabes. Haifa: Aí, à cor irreal, dormimos acordados. Monte Carmelo: Fremindo da força do Sopro. Stella Maris: Que era de Iahweh a voz que move. S. João de Acre: A longe nos levavas. Tiberíades: Da faina da pesca nos erguemos: Passavas, e seguimos-Te. Monte das Bem Aventuranças: Nova Palavra em nós nascia, jorrava, estremecia. Igreja da Multiplicação: Tu, impossível milagre, que estavas dentro de cada um, movendo e interpelando. Cafarnaúm: O frémito, que se soltou em Tua viva voz, porque não tocou, desde logo, os humanos, dos surdos ecos? Casa de S. Pedro: Mas connosco continuavas. Mar da Galileia: Nas lides escondidas, nos calámos. Dabourieh: E, suspenso em ar, 'inda Te erguias. Tabor: Até tangermos e fremirmos, do Inominável. Canaã: Água e vinho, teu sangue nosso, convivas de uma santa alegria. Nazaré: Quotidiano escondido, de aí estares.

Basílica da Natividade: Porque desceste, pra ficares no meio de nós. Jericó: Onde o estranho era Irmão. Qumram: E registos sobre registos Se fixaram. Jerusalém: Um palestiniano, passeando, e assoando-se, à diurna luz da última paz. Até que acordássemos definitivamente 'a novo Templo. Muro das Lamentações: Pesada era a memória e a prova da memória. Sant'Ana: A Mulher-Mãe, Mãe de tua Mãe, e nossa Avó. Piscina Probática: Esquecidos em nosso pecado, longo tempo esperámos nos soerguesses. Via-sacra: Com a marca da Tua dor, em Ti morremos. Santo Sepulcro: Pra ConTigo a fundo descermos, e nos reerguermos. Ein Karen: Até nossa mão pegar o bastão de arrimo e de jornada. Monte das Oliveiras: ConTigo, chorámos, em agonia, 'o desígnio do Pai. Local da Ascensão: E regressámos a de aonde viéramos. Pai-Nosso: Éramos agora outros, ao olhar do outro. Dominus Flevit: Estávamos entregues a Tua mão, protegidos e amados. Agonia: Da repetida prova, desentranhavas do amor maior. Horto de Getsemani: Tudo anteviste, por isso Te entregaste, e Te deixaste matar. Monte Sião: Para o reacender das madrugadas. Cenáculo: Juntos, com Maria, nos demos ao consolador enlevo de Teu 'Sprito. Túmulo do Rei David: E acordávamos novos, entre sombra e luz. Dormição: Toda a tua noite, Maria, alumbras da Palavra. Belém: Era tão só crer no Cintilar da Estrela. Yad Vashen: Donde, do que se fez memória, em nós caímos. E nos levantámos. Até haver Cor, e Manhã. Estações revisitadas: Tel Aviv: Afazeres da Pátria Universal... Que reza teu passaporte? Cesareia: Quando nos sentávamos, a ver no que tal dava, partiam, de volta, com seus adereços aviados, os viajados saltimbancos. Haifa: Na aberta imensidade, a maior grandeza d'alma, suspensa d'ânsia, mas a olhos dada. Lançado a fundo o olhar, todo o Imenso envolve ambas as meninas d'olhos, devolvidas ao pleno claro, do nosso íntimo sonho. Ao Monte Carmelo: A subterrânea Eucaristia. A S. João de Acre: 'Inda mais largo era o voo, d'entre Haifa e Líbano, por onde o alto cedro, do caminho. Tíberíades: Onde, descalços, pisamos as pedras, húmidas, do manso lago do poema, dormente dorso de vagas e embarcações, atravessadas de longuíssima memória. Bem-Aventuranças: Ecoa ainda, nossa e Tua, a divina Palavra.

A Cafarnaúm - onde rezaste - e anteviste ruína. Primado: Do Pedro, da pedra, que pisaram fundantes os pés primeiros, alados, da Notícia Boa. Galileia, a Lago ou Mar, despreocupação, distensão e acalmia. Ida a tempestade, pairámos. Tabor: Sonambulissimamente, divagávamos, e, absortos, discorríamos, deslumbrando-nos do repleto sonho, da Luz, um dia erguida, sobre a Terra, mal acomodados em nossa tenda mortal. Gruta d'Anunciação: Verbo caro factum est. Pr'alentar-nos. Do Anjo a irradiação doirada a Ti descida, começo dos começos, bem fecundo! Jericó: Porque ofereceste boleia ao desfigurado, o Cristo te sarará também as tuas chagas. Monte das Tentações: Acossados, superámos ancestral 'sespero. Jerusalém, cidade d'acolhedoras portas sempre abertas. A Ti, por próprio pé, acedemos jubilosos. Sant'Ana, Mãe da Mãe da Paz, ouve o Louvor de nossos cantos solto. Cenáculo: Raiz do pão e do vinho compartidos, da plenitude das mãos, do sopro, do fogo, da voz, do 'stremecer nossa vertigem. Getsemani: Fundos ais choraste, sobre a arrasada cidade. Via-sacra, Basílica da Agonia: Onde, um furco perto de Teu pé sangrando, a soldadesca jogava seu gamão, sobre rabiscos no lajedo, com mínimas pedrinhas. A caminho: Bem quis ajudar-Te o de Cirene, mas Tu é que lhe deste a ele da Tua Vida. Sepulcro: Nos morremos conTigo, pra, conTigo, renascermos. Ein Karen: Miriam, sempre, sempre, caminhaste, pois sabias, do coração, a distância de Teus passos. Da Dormição: ConTigo, a Mãe Ternura. Pai-nosso: E, iguais, Teus filhos somos, co-herdeiros da Pátria Libertária. Geena: Medonha, horrenda, dantesca, hiante, sem fim 'solação. El Aqsa: Em tonto sono, voaram-nos as ideias. Sob a cúpula dourada do Templo, os anéis dos versículos da benignidade dO Misericordioso. Yad Vashen e Tumba de Lázaro: Da ignóbil tragédia, nos reencontrámos, pra prosseguir jornada. Aeroporto: Na bagagem, terra declarada. Mal refizéramos a ínfima parte do percurso de Teus pés. Mas lá ficámos, da pura verdade vagando e respirando, conTigo,

ó Cristo da pomba do caminho de fogo e da vertigem, da evangélica loucura, da bimilenária, inenarrável libertação. *Também Através da Poesia se Constrói a Paz Ao Dr. Azadinho. Dos entrechos do amor a dois, milagre quotidiano, simples, familiar, ao reduto, por ora intacto, não bombardeado, da plenitude térrea da casa, de uvas e neve envolvente, envolvente alvíssima neve. Em entontecido, fremente êxtase de florir. A eterna novidade do mundo, a renovada face da terra: Todos os dias a nós dados, em que, nautas planetários, percorremos os possíveis espaços, habitados ou não. No bolso esquecido, o plano minucioso da errância cumprida, à mistura com o que resta de verdade de um verde raminho de oliveira. O pouco, de nosso, que ficou, brônzea rosa da desventura, colámo-lo, em álbum de família, por entre recordações. Do inelutável quotidiano: Invariavelmente, p'las sete menos cinco da manhã, a sexagenária empregada da limpeza, descia, sozinha, do autocarro, que, adrede, parava, mesmo ao chegar à praceta. Era uma princesa, que, às vezes, me lançava o seu bom dia, para a janela, onde, enleado, poetava. E prosseguia adiante, em seu caminho de curtos passos, carregando dois sacos fundos, um a cada mão, dois sacos cheios de paz. Todos somos judeus quanto o Cristo o foi: Ele que desmedidamente nos amou. Em sangue e água da humana Judeia nos lavou. Tomou nossa sofrida miséria, e deu-nos verdadeira paz. Fez brotar crescendo em nós abundante vida de final reencontro. Estamos no mesmo barco: O meu mais próximo companheiro é o mais distante estrangeiro. Eu ainda menino: Nasci em Alfândega da Fé, em uma casa térrea, habitação de único andar, no dia de Santo André, a uma tarde, de muitas, de uma quinta-feira, do distante 1944. Por estranho que pareça, guardo a mais antiga das minhas recordações de uma bacia de alumínio, e o sol esbatendo-se sobre o sobrado, isto dos primeiros dois ou três anos ali passados. A casa ficava em íngreme ruela, que vai da escola primária, que depois frequentei, ao quintal do Gouveia, que Deus haja.

Logo de pequenino, a vida deu comigo a andanças até Lousa, aldeia num planalto, a uns quilómetros de Torre de Moncorvo, donde anoto breves iluminações: Uma, de uma queda, de um cavalo. Houve, por força, de cair em terra verde, escassíssima entre pedras, e que pedras. Outra, de me tirarem uma foto, a quase noitinha, eu em forte pijama de flanela, ali o frio aperta, em um corredor, que dava pra uma larga varanda. Tempos idos, mudámos pra São Salvados, lá para as bandas de Mirandela, donde fixo: Um cruzeiro, umas traseiras de casa, um largo, e um outro, uma bica, uma escola, umas medas, restolho, ao luar branco de Verão. Também a neve! Os passos, sobre ela apartando-se, eram do meu pai, que ia, após fim-de-semana, ao serviço, à Repartição de Finanças. Também, da mãe, as sopas, ou de cebola, nabiça, alho, couve ou milho, que me amarguravam os serões das ceias. De Mirandela, um breve entrecho, pelos meus 4, 5 anos: Ruído de bombos e gaiteiros, um dia fabuloso, os cabeçudos, os gigantones, os Zés Pereiras, pertinho de uma varanda nossa, quiçá dum 2º andar. Na Sª. da Assunção, de Vilas Boas, estrelejavam foguetes de lágrimas. P'lo ar lavado, descia lenta, a noite por dentro deslumbrada, da leveza do ar insuflada, a branca Senhora dos Prantos. Por San Martino: Lo rapazo de la professora anda a la 'scola, la rapaza nô: Os primeiros sonhos de notoriedade. Levei, pra casa, as cartolinas, co'as letras todas, que o professor tinha na sala de aula. Pra emenda, umas palmatoadas, na manhã seguinte. Os natais, povoados dos luzeiros do fogo. O bom, bom, bom, dos bombos. O forte bradar das gaitas-de-foles. As piruetas, festivas, dos pultriqueiros. A cigana, sempre demandava: Uma codinha, e danço! A explosiva festa dos paulitos. Mirandum que se fui a la guerra. Num sei quando benerá. Se benerá pu'la Páscua, se pur la Trenidá. Puro, santo povo! Os longos esterlóquios tradicionais, em que acompanhávamos os relatos da Paixão, nas longas manhãs, e p'las tardes fora, insolados da prolongada maravilha. A mina, encantada, de Stº. Adrião. Que mais evoco? Minha primeira comunhão: E o tremendo ar, aborrido, rezingão, que posa ao eterno retrato. Na ribeira, a sombra mansa dos decadentes chorões. As cegonhas, voadoras de amplo fôlego, altas pairando, soltas. A surpresa dos ninhos de perdizes. P'los tortuosos caminhos dos fontanários a água borbulhante. As longas peregrinações, vadiagem, até ao pôr-do-sol, leiras dentro. Que bebedeira! Ainda os arqueológicos enlevos amorosos. De aí em diante, perdi rastro à infância. Vozes antigas, limpas e ancestrais, cantarolai-me la sarapilhera. E voltarei outra vez a ser menino! Belém, Alcântara, Praia das Maçãs: Varanda, das velas girando, dos moinhos de papel, ao vento sobre o azul da viela, sons estridentes subindo, de folguedos e estúrdia, de gentes. É noite de Stº. António. Fecha-se compacta negridão sobre a murada cidade. Que é dos meus alunos? E os poetas amigos, aluados? A já antemanhã é clara de certezas. Trindade Coelho, conterrâneo, ansiavas p'lo Reino. Está por 'í! "O espectáculo mais bonito de se ver, na Terra alcançada do Espaço, são os homens a trabalhar." Por mim, contenta-me, de completa alegria, a obra do novo prédio aqui ao lado. De meu já antigo 4º andar, observo-a avançar, dia após dia. É verdade que, em cerca de ano e meio de trabalho, que agora leva, ainda me não foi dado surpreender, a qualquer dos seus muitos operários, o mínimo movimento errado. "Tiram ouro do nariz" os poetas: Atraem, pra suas janelas de entressonho, ar puro, das remotas paisagens: A plenos pulmões, inspiram dos aéreos cumes himalaicos: Entre sono e vigília, soletram do desconhecido:

Constrangem-se da humana miséria e por, dos versos, a não verem resolvida: Dizem sempre paz, embora por arrebatadas e condoídas, estranhíssimas formas de expressão. Disse-to pelas nuvens, pelas árvores do mar, pela noite bebida, pela janela aberta. Toda a carícia, toda a confiança sobrevivem: O desejo de inevitavelmente cantar, pétala a pétala, por ti, a inteira brancura dos sonetos, que outrora decorei. Fugindo ao geral atordoamento: Por ti, única, secretíssima flor incólume, à peu près à une Mère. Plenitude: À volta da mesa, toda a família, conversando. "O homem não existe em si, mas para Deus." Dom António, a longe olhavas. A morte do homem, que t'inquietava, alastra agora por todo o lado, com forte odor a cadáver: Repete-se, vulgarizado, o assassínio: Há a esperar outro tempo noutro orbe. Do despertador o normalíssimo tic-tac: E a felicidade da indizível paz, que entrou, p'lo postigo dentro: Meu amor, não vês? Meu amor, não sentes? Tratem, tratem do governo, do mundo e de monarquias, que, enquanto ocupo os dias, pão do forno e manteiguinha! Que separa o público do privado? Ou por outra: Que tem o castrado gato a ver com política? Imensa Mesa, Imensa Alegria: Aos doridos Irmãos Timorenses: Sabei, homens, quanto vale viver a Paz. Sabei, homens, a insondável riqueza da Diferença, do vosso Irmão. Sabei, homens, o intangível sagrado, que encerra a Consciência do que discorda de vós. Sabei, homens, quantas vidas se salvam por um Acordo, selado com um simples aperto de mão. Sabei, homens, o valor que é o Outro, e quanto bem é dardes, a esse Outro, o espaço vosso que lhe é devido. Sabei também, se humanos sois, quanto a vossa Terra merece que a deixeis florescer e frutificar. Sabei, igualmente, quanto o Ar respirável é a Luz da imensa Alegria das abertas madrugadas.

Se tal souberdes, dareis as mãos confiantes. Se tal souberdes, chorareis com os que choram, e alegrar-vos-eis, com os demais convivas, do Comum Banquete da Palavra, não só de simples voz, mas de Invencível Amor. Se tal souberdes, abraçareis, reconhecidos, os que de vós esperam o vosso melhor, e cumprimentareis, com à vontade, todo o homem, em língua que a nenhum será estrangeira, e, em qualquer parte do habitado planeta, vos sentireis como em vossa própria casa. Abrireis as janelas amplas de cada novo alvorecer. Cada manhã será a manhã do Novo Homem. Se tal souberdes, sabereis o que é o vosso Chão e o vosso Pão. Sabereis o que é andar de fronte erguida, e de alma límpida, sensíveis à miséria do vosso Irmão Sofredor. Sabereis do peso, e da leveza, de uma sã consciência solidária. Sabereis da dignidade de estar vivo. Sabereis do vosso tempo, pois todo o tempo será vosso. Sabereis do calor da Fraternidade, da Alegria de vos dardes, e de compartilhardes da Alegria dos que se vos dão. Sabereis por sabedoria vossa, bem vivida, inaugurar um novíssimo milénio, de Concórdia Amorosa e Liberdade. Serão, então, o Ar, o Pão e a Água distribuídos com a Poesia. Tereis abundante parte à Mesa dos Humanos, envolvidos, e elevados, dos cantos da Verdadeira Música. Sereis Família Humana, e o Alto, Claro Sol vosso será, e partilhado. Um Deus será Um Comum Pai, ou Uma Comum Mãe. Será, para vós, actual possibilidade de ser invocado p'los Seus mais distintos e desvairados nomes. Será presença, jamais ausente, na mais pequenina das flores. Até vós descerá, e em mão vos terá, de paz movidos: Pois chegará, com toda A Sua Ternura, ao cerne dos mais íntimos dos vossos sonhos: E iluminará os sorrisos dos meninos. "Tens muito que fazer? Não, tenho muito que amar." Vãos cuidados idos, vagueiem meus olhos à tona-luz do teu olhar. O repouso das lidas vãs acresça à ternura do gosto de te ver. Cá me perca, e ache, todo o meu amor do fogo do puro amor. Dêem-me pão que baste à minha fome, e água que baste à minha sede, dêem-me palavras que comungue. E o forte abraço, do tamanho do mundo, que meu abraço abrace: Que da pureza das mãos resulte infinda paz: Que tal paz alargue, e se reforce, nesse terreno abraço, largo ao total mundo, em que quisera sempre vadiar! Fotografa, mãe, teu querido filho: Que quási que cá 'squeço. Nunca agradeceremos bastante o dom inestimável da paz. Colombina paloma, pomba colombina,

vê se meu coração co'a paz atina. Eternidade: Movendo-se entre os infinitos Aurora A Céu Aberto e Imensidão Íntima, Immanuel Kant teoriza, larga e espontaneamente, para Manoel de Oliveira, da precisão da câmara do olhar. Isto, aquando do novo intérmino filme do enigmático realizador. Entrementes, eu traduzo e, linha a linha, legendo seus diálogos mudos, em silabados versos, que, confusos, s'atropelam, porque aquebrantados p'los velozes meteoritos, com que o Menino Deus se entretem, a alterar-lhes trajectórias, pr'atrapalhar do filósofo o encadeamento de razões, do cineasta o aprofundar planos, do poeta o dizer do verde coração. "Des maisons à cigarettes et à musique." Do eclodir dos risos claros, dos falares. Dos comuns dias, que se vivem felizes, porque entretecidos dos enredos da paz. Dormiamus, frater, até acordar a carne do sonho a que vamos, como que inscientes de que acompanhados p'la mão imponderável do madrugador anjo verdadeiro. *Dos Sonhos os Poemas A Meu Tio Nelo. Descrição de um sonho: Um rapaz, com uma maçã, a custo equilibrada sobre o ombro direito, fez, sem fumar, sem dinheiro, e sem bilhete, o percurso errado o dia todo. Acabou por pagar a exorbitância de 150 euros, o máximo que o seu cartão Multibanco permitia, quando, pelas dez da noite, chegou, apesar de tudo, ao largo, ou praça, de sua terra natal. O equívoco: Vemos Camus. Ceamos num recanto do teatro. Usamos o cartão plastificado. Seguimos, atentos, o depoimento, filmado em vida do autor, reclamando-nos, a portugueses e espanhóis, descendentes de carniceiros, e etc., etc., e da importância do, mais que debatido, bife bovino. Mal reparamos que o actor usa bigode. Rimo-nos muito, quando é suposto não ter graça. Realmente, não percebemos patavina do que ali acontece. Desliza o palco para a rua, e continuamos a peça. Fazemos que nos cumprimentamos, e não dizemos nada. "Um dia, pra Deus, mil anos. Mil anos, pra Deus, um dia." 111333 milénios volvidos, o sobejamente conhecido poeta, um humano dentre os demais da descendência de Abraão, sic dixit: Já passou o lapso de tempo, que demorou a extinguir-se, de todo, a débil luzinha, provinda da mais longínqua das estrelas. Tenhamos, agora, renovada e revivida consciência do nosso verdadeiro, último destino. Entretanto, os miúdos aprendizes de letras confundiam, da cartilha, o nome, impresso, do vate, em tudo igual aos demais comuns nomes, com o do avô lá de casa, ou com o da andorinha gémea,

ou com o do bom Deus cansado. Tal facto não constituía, para as superiores instâncias governativas, real motivo de preocupações. Em qualquer parte dos conhecidos planetas, não escasseava aos bambinos tempo e tempo pra brincar. Certo é que, hoje em dia, pouco ou nada sabemos dos pormenores relevantes das vidas esquecidas dos artistas. Quanto àquele, de quem falávamos, há a anotar que viveu, em vida, estranhos constrangimentos: Especialmente por não ter nascido mulher, por não ter-se publicado um só soneto, nem ter visto seus versos alguma vez incluídos nas selectas, por não se ter dedicado suficientemente ao teatro, ou por não ter abraçado, a sério, a carreira diplomática. Com ambas as mãos pegando o aberto livro, a jovem mulher mãe relê, do humano sentido, a história passada. Relê, treslê, e perpassa, com o olhar do coração, as linhas do eterno texto, que grave deus ditou. O livro inclui dos nomes os mais remotos nomes, dos nomes todos. Da leitura, o acto demora o lapso imensurável da terna eternidade. Aos movimentos do olhar da jovem leitora, ressaltam inenarráveis estremecimentos de terreno e sublime significado. Esse vigilante descortinar esclarece sobremaneira a natural condição, a que também redime a precariedade, que é estar vivo aqui, no ápice da hora: Ao pleno da luz. Em tal absorto exercício, de repetir-se, e mil e uma vez repetir-se, se resume sua forma, ou alma, de transcendente completude. Em apaziguadora respiração. Pungente entristecer de minha terra. Subíamos, até meio, a rua da casa da mulher amada. De nossos passos, sob os pés, se despegava palha enlameada. Aquela não era já a mesma mulher dos juvenis amores. Casara. Tinha marido e filhos. Beijávamos nossa prima, que, com as tias, se encaminhava à oração da tarde. O pai dobrava-se, ao fundo da vereda, sobre umas vides. Tudo se perdoara, a quem muito amou. Estávamos prestes a retomar o pedregoso rumo, mai'las santas mulheres. Mas, dos tais amores, o rasto era vão. Não são os que dizem: "Senhor, Senhor!", que vencem o Reino. Só com a medida do amor sereis medidos. Mais se registe, a fim, que estávamos em uma terra, e acordávamos noutra. Jamais acabaremos de explicitar o claro dia: O pai divorciara-se, e vivia em Faro. O filho seguia, por toda a parte, o papa João Paulo II. Incompatibilizara-se com um tio seu, com quem se cruzava frequentemente. Como encetariam qualquer forma de diálogo? Não era que lhe quisesse mal. Sentia-se apenas magoado. Não são as catedrais que encantam o esparzido olhar, mas mais o que em nós vive, e não se diz. Quanto começou com Feuerbach: Revolvido o livro, assinalou-se, em cruz, uma passagem, que apontava para um duplo sentido: Os filhos da terra arrebatavam para si a Eterna Escritura: Chegara o tempo. Cada gesto era inaugural: Submersa, continuou, até hoje, a subterrânea oração: Houvera, em campo aberto, peleja desigual: E o doce Cristo fez-se ao terrestre caminho, acompanhando o coração do homem. Mudança para Nênêne, Vila Real:

Lá fomos ver o lugar de destino, que era maior do que nos quereria parecer. A trama, e complicação, de termos, pra mudar, mais coisas do que inicialmente pensávamos. Até as embalagens dos filtros nos sobrecarregam a bagagem, ou as orações de S. Francisco, ou a brancura ordenadora do computador. Quando remexemos os haveres, ficamos com a impressão de que muitos se nos esqueceram, até porque deles nos não damos fé, com o normal fluir dos dias. Entre las flores: P'lo horto da esposa, o apeado cavaleiro prossegue, à meiga luz, o lugar donde procede. Saudoso e nostálgico, ama, delira, e em ténue arroubo sonha a pátria, por que, alheado em exílio, sempre suspirou. Vão, esmorece. Frágil, desmaia. Logo o novo odor do amado corpo, o realenta. Alto dia, acorda, entre las flores: Alma só, a si regressa, anelando p'la, jamais esquecida, grácil gazela do seu sonho. "Projecto de sucessão." Continuar de pé, até que as pombas de meus olhos voem. Continuar dormindo, até se me regelarem os dedos. Continuar rezando, até que o tempo finde. Continuar esperando, antes que o café feche. Continuar despido, até que o colchão navegue. Continuar escrevendo, até que o papel acabe. Continuar apaixonado, até que o mundo acorde. Continuar sonhando, até que, morto, durma. Continuar delirando, até se incendiarem as órbitas. Continuar ladainhas, até que o cérebro estale. Continuar a acompanhar o derrube dos tiranos. Continuar iluminado, até que a maluqueira passe. Continuar chorando por um miosótis encarnado. Continuar teimando no trevo de quatro folhas. Continuar a seguir a rota da estrela cadente. Continuar contando, uma a uma, as cintilações natalícias. Continuar procurando um piolho-estrelinha, na cabeça tonta de l'Enfant Jesú. Continuar a apostar, no vermelho e no branco. Continuar sangrando, até que se esgote a água. Continuar nadando, até que o sangue estanque. Continuar a coçar uma jubilosa ferida. Continuar a lançar-se sob gélido chuveiro. Continuar a adorar a mulher artimanha. Continuar a andar sobre escombros da lua. Continuar sentado, até que os pés da cadeira se enraízem. Continuar a dar corda a relógios, que ninguém olha. Continuar escutando uma espécie de música.

Continuar a elucubrar linguagens indecifráveis. Continuar a cantarolar o milagre da vida. Isto - e muito mais - até que o pai evapore. Isto - e muito mais - até que a paz floresça. O super-criativo dramaturgo de entremezes post-modernos misturou dinheiro com borboletas, entenda-se, máquinas de papel-moeda, actores falhados, recém-saídos do Conservatório, cheios de milhentas ilusões, que ele próprio filmou, numa mistura de Benigni, Fellini, Kafka, Saramago e Dario Fo. Ilusionista e sensacionalista, fez os ditos, e outros desdentados actores, comer montes de erva, regenerando-se de sua insídia tabagista. Até ser reconhecido por Hollywood e sua Academia, que os chamados momos-macacos reabilitou de vez. Intérmina peça essa, misto de sonho e de loucura acordada e delirante. Outrora, fora, pelo foro médico, simplesmente declarado esquizofrénico-paranóide, de discurso ilógico e alucinatório: Ao mil vezes lhe perguntarem se ouvia vozes, respondia sempre não, não, infelizmente não ouço! Montou, explicávamos, seu super-espectáculo exótico. Comprou uma carrinha, de articulações bizarras, e foi conquistando mundo, pelo Leste dentro, à exacta medida em que Sua Santidade o Papa ia conseguindo avanços diplomáticos, que progressivamente contribuíam para sucessivos degelos, de fundamentalistas e ortodoxos, para não falar já dos dinossáuricos marxistas. Pois tal autor, dizíamos, ordenou seu super-espectáculo sem palavras. Teve enormíssimo êxito entre bárbaros e eslavos. Era uma autêntica festa, de estrelas decadentes, de luzeiros de fogo soprado, sobremaneira comovente para as instâncias do próprio bom Deus pasmado. Aliou um jeito minimalista de tratar luzes, cores, odores e sabores, super-atletas, estruturas e actores, que se desdobravam de contorcionismos, improvisos e malabarismos. Não era, propriamente, circo ou ópera bailada: Era um festival! Que tinha por força de obter universal aplauso. Mexia com tudo o que há de mais primitivamente humano. A óbvia, pública reacção haveria de ser uma espécie de coro, ou um choro em coro, de alegria. Essa vida de saltimbanco do dito autor-actor-realizador-encenador, prolongou-se, por decénios da, impropriamente, chamada post-modernidade. Acabou por colher os louros possíveis, das áureas estatuetas ao Pulitzer e ao Nobel. Pobre homem, que nunca esperou senão lograr da alegria de ouvir chilrar os pássaros p'la manhã, num louvar a Deus por ter nascido, mais um dia, o sol. Prece louca de impossíveis: Haja sol desde arrebol! Haja Deus e haja sol! Jogue-se, a céu aberto, infindável jogo de futebol! Seja imenso o estádio.

Imensamente iluminado! Todos os canais televisivos o dêem, em directo. Indefinidamente prolongada seja a festa! Dela se deslumbrem idosos, adultos, jovens e meninos, homens e mulheres. A que jamais se acabem, em noite, as boas, breves horas! *Louvor da Luz Ao Botto Semedo. Quem, da pompa inigualável, veste os ociosos lírios? Contemplação sem tema: A folha, que, de amarela, cai. O passarinho, que chilreia, saltitando raminho a raminho. Um parceiro seu, que voa, alto e breve. O menino, que por aí corre. O par de namorados, que atravessa. O bancário, pai de família, que abre a porta do prédio. Alunos escrevendo, rescrevendo, em teste. Duas moças, numa bicicleta de sonho. A nuvem, carregada, que imobiliza. Janelas, abrindo-se amplas, as persianas subidas. A longe avoou o passarinho, que, na árvore inquieto parava. Um ligeiro zéfiro flúi no ar lavado. De saudades repleto, como que se sustém o entardecer. O colorido da folhagem d'árvores, bailando ao quê da luz do sul, amanhecida. Os jovens nautas, do clima ameno, tudo renovam do brilho renovado. O dia, esplêndido, se prenuncia, com o sol se expande, aos remotos, apelativos recantos da imensa, brutal cidade inexplorada. "Ai que lindeza tamanha!" Da neve, a lua, a alta montanha, ao olhar do sonho, onde moro. Quarteira, a amanhecer: O branco esfuziante das casas, da cal, sob o sol nascente, agora erguido: Quási nos não chegam olhos prá difusa imensidade. Volare: A alegre geometria do poema precisa a pontuação do aquém e do pra lá. Da amenidade do clima: Delícias do poeta, enamorado da tarde, lenta a enoitecer. -

Que acaso cogitam pardos patos, regalando-se na lagoa, onde, agregados, nadam? Intermezzo: Nostalgia de barcos atracados. Ou doçura de cordeiros pastando. Ou frémitos de deslumbramento, nas florações, lilás, das meigas hortênsias. Ou ondas de ondas, renovando-se incessantemente, umas noutras, sobre a amarelada vastidão dos miríades de grãos de areia das edénicas praias. De giestais a amarelidão florescente, a veementemente esquadrinhar. Tirem-me do labirinto das palavras e deixem-me toda a sã poesia da matinal brandura incólume. P'lo percurso da errância os olhos ventoinhas aurem tontos da aereza envolvente: Pr'atrás de si os pés nos deixam, por pedrinhas magoadas, a lampejos d'aurora. "Yo solo vivo dentro de la Primavera! Los que veis por fuera qué sabéis de su centro?" Ao fogo lento do lume, meio adormeço. A seu eclodir quase solar, comovo-me e desvaneço-me. Noite após dia, dia após noite, em seu sortilégio m'adentro. Longe, pra lá da vida. Fundo, pra lá do tempo. "El mar del corazón late despacio, en una calma que parece eterna.” Dentro do sonho, se alonga o meu olhar, até perder-se na distância da tranquila lisura do horizonte. Sejam fundos, plenos, os parcos, árduos dias. Na leveza imersos, sejam fundos. Inteiros me levem, onde nasce do canto o encantamento: Ténues descrevam a lendária certeza do Agosto, que reúne os sonhos dos poetas. "Por cada flor estrangulada há milhões de sementes a florir." Ergue-te, outra vez, ó novo sol, companheiro dos heróis: A que respirem teus surpreendentes cantos. Rosa que ousa, alta. Lá fora, o firme chão. Sob o sol. O vago medo é longe e foge aos pés, que avançam p'la deserta cidade verde. Sã verdade nos veste, perplexos, desvelada. "As estrelas mortas apagam-se aos molhos. Vem, lume perdido, florir-nos os olhos."

Se reavivam as floridas distâncias de te ver: Se reacendem, após negrume de doença, as florações, dos olhos enamorados: Se reanima o fulgor da luz d'abertos dias, puro grito, doido de te amar. Bénie sois-tu, âpre Matière, glèbe stérile, dur rocher, toi qui ne cèdes qu'à la violence, et nous forces à travailler, si nous voulons manger. Que estás aí, só aparentemente inerte, e interpelas, deslumbras, exalças e constranges a refazer os instantes, únicos, da comunhão no mundo. Grave de verdade, arfando a parusia, coisa-asa te chama, ó místico poeta, em silencioso, paciente apelo, a trazeres evidência ao corpo do poema, intérmino labor, a profundas sondado: A que se faça clarividência da doçura das ledices gemebundas. "Airiños, airiños, aires." Longe, mas longe, me levai! "Sôbolos rios que vão, por Babilónia, me achei." Onde, em pavor de confusão, chorei lembranças da, de Sião, diafaneidade. Quarteira, a anoitecer: Um último raio de luz sumido ao mar, ficou, 'inda a pairar, o raro fulgor do dia ido. Arranca-te da escura noite, cálido ar d'amores, do novo dia. Da claridade plenificando-se a tarde toda, límpida e nítida abrindo-se, tudo abraçando, branda, da ternura. Ici: Ao ápice do tempo, reservado a meu fruir de meu recanto, a parte que, a abrigo, me cabe - "contente por poder respirar" - "como se visse o invisível" digo d'o que se esconde. Imobilizado sobre pedra, assento de meu assentimento ao inimaginável. De meu "dizer o ser", enceto a estruturação da linguagem de minha nudez. Espanto maravilhado o descortinar o que ressalta a meus olhos, e que a alma imprime! Fragmento de fita magnética em que o circundante se fixa, o poema, notícia de repórter de (in)significante acontecer. A que emerge o novo. Que ignoto Deus dorme sob verdura? A que vozes se une minha mínima voz, a bem dizer muda? Que orquestração comove a clara noite de te ver? Que visão maior tremeluz da habitual paisagem, pra lá dos pardos espelhos e das foscas vidraças? Qu'indetível sopro incita instâncias do vento, sob ervas? Acontece sempre qualquer coisa. Tal mistério me anima e inebria. Poeta de alados olhos, de sentidos alados, exulta, em meu afã, a ideia da englobante completude: O mais pra lá.

À praceta: Nas calmas duma manhã de sábado: No destino certo de ir acordando entre os demais. Sol nulo, dos dias vãos, cheios de lida e de calma: Contudo aqueces-me as mãos. Contudo animas-me a alma. Contudo, a meus olhos, luzindo na nudez da tonalidade, em que tudo abraças, golpes desferes, a, neles, refazer o fio a vibrar do lírico sentimento. Resplendes no ar. E abrandas-me as mãos, agasalhas-me o olhar, quebrantas-me a alma. Lobo em seu covil, o coiraçado poeta, das fugidias imagens que perpassam sua retina, os alucinantes incêndios do sangue versifica. Vazio em gris e ocre. Ante o olhar metralhado, guindastes e poentes. Meu velho, algures nas Comores: Talvez por lá tenhamos andado, ao sol e à agua, em solo firme, ao pleno fogo quente de Verão, um dia destes, em plenas Ilhas Comores. Ou talvez apenas lá tenhamos deixado o errante olhar, extasiado em tamanha plenitude, ou um só breve relance de olhos, lançados ao mar do grande mar, de sonhos soltos, água, calma e velas, da curva de alguma estrada, rente ao cujo oceano mais do que pacífico, por onde, algo alheados de enamoramento, nos tenhamos encontrado. Ou talvez que, desfeita a morada de nosso corpo mortal, por lá continuemos em deslumbramento. Hoje, à plenitude do espírito, deixa-me imprimirem-se, em mim, as desgarradas paisagens do inefável. Tua calada presença exige que coloque último, definitivo ponto final à obra do eclodir dos dias. E louve só, a íntimo, infindo glória, grato d'enlevado, quanto da maravilha do indizível por língua ou voz de humano sentimento, grita, carinhosa, a claridade. Rainha, como Franz, académico, a concluir, diria, em só narrar me contentei. Reciclagem: Dos dispersos instantes, por uma força maior atiradas a os vãos de Deus, se acumulam mínimos átomos, ou miúdas porções, do universal poema, magro salário do tempo, reunidas palavras perdidas num só verso: Que atravessam uma vida e lá pra lá da morte através se continuam: Que, revolvidas e lavradas, resultam no final todo acabado.

Meio Divino: Olha as árvores a florir p'lo caminho. Aclarando-se, o olhar, iluminado, tenteia a decifração do imo, presença saudosa, gemebunda, d'inefável, prenhe do Santo 'Spríto. "Du plus pur miel de tous les amours." Jx, Mª, Ioseph, obrigado, p'lo leite e mel do oiro do dia, que me sacia o fluido olhar. Acresça, em mim, a voz da cor etérea da clareza. Clareza, que alcance me submergir alma. E 'a sempre, a si, revivo me converta. Versos sobre o branco equilíbrio da A4 na branda luz: O Céu não está no fim do mundo. Está na minha rua. Senhor, imprime em meu poema Teu não tempo! Pra que daí ressalte o tónus nu da flor do Teu olhar. De hoje em diante, aclare, vibre em mim, e comigo vá, o quê do ledo alvorecer do novo milénio cristão: Louvai Iahweh, pois é bom cantar ao nosso Deus: Doce e belo é o louvor. Maria, luz de etérea graça, transparente cortina! Tu, que côas o ar da sarça-ardente, abre-me, por 'í, passagem para o diurno lado. Estes os meus precisos versos da clara luz banhados, firmamento de janelas, amplidão. Licht, mehr Licht! Depois de a morte de Empédocles, de Hölderlin: Ó terno, eleito jovem, olhos cegos da luz, como ninguém, tu viste.

Tanto, tanto cegaste desse ver, que dum dia pra outro te deste, sem tino, a pura queda: A vinho divino ou ancestral angústia. Descrever, sem rodeios, os momentos de do sol me consumir. O todo envolvente eterno, onde meus olhos se abrasam e fogosos rejubilam: Onde o coração estremece: Onde minha voz desponta: Onde meu verso se escreve: Onde meu Deus se lê: Onde meus ossos florescem: Onde minha garganta ecoa. Onde minha paz acontece: E minh'alma, íntima, freme: Onde, des oiseaux, música rebenta: Onde, intérmino, o filme dos meus dias: Onde minha morte, erva tenra. Onde minha viva esperança: Onde ladainhas se rezam: Onde mil línguas se dizem: Onde devaneios ressurgem: Onde meu sonho reside. Onde a luz se desenrola. Onde minha eternidade é nada, e a saudade é além: Onde o descanso do afã: Onde m'exalço a estrelas, e m'nha mãe carrega flores do dia: Onde meu canteiro, minha cova. Onde brinco, 'inda menino: Onde estou, jovem de oiro: Onde, homem, me levanto: Onde, já velho, me sento: Onde passo, onde me abrigo: Onde, a instantes, me morro, e, mais e mais, me redigo. Onde a cinza, o pó, o nada:

Onde o alento, o pneuma, o tudo. Onde, com Deus, ressuscito. E, com Maria, companheira, desnudado de completo, m'emudeço. O gato brinca, amanhecendo dentro da luz, o pássaro voa, afundando-se de luz, a flor suspende-se, alvíssima de alegria, íntima à viva luz, a pomba, do fogo alado envolvente do Verbo Trinitário, repousa, tímida e cauta, parando na fina luz. Aos olhos do poeta, um humano e divino, que vive, e se demora, movido dos sons de harpa e citara, que, ao limpíssimo ar pairam, do davídico salmo do louvor, que em tudo, e em cada menor coisa, ao puro espanto acodem. Luzeiros, reflexos e cintilações: Breve fremir de pétalas ou folhagens, radiações de aragem ténue, mínimo soar, leve surtir de aromas suavíssimos de fogo, gosto incerto a mel. Maria, é Tua, e de Teu Coração, a natureza frágil do fascinado declínio de meus 'nstantes. Nevada antemanhã, deserto branco d’acesa luz, que afoga a mágoa. Aurora da verdade: Alvo alvor, pleno do 'terno amor. *Episódicos e Circunstanciais Ao António Mateus Vilhena. Sinfonia: O controlador do colossal guindaste exercita seus precisos gestos, que elevam a terra aos céus, descendo os céus à terra. Promessa: Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, vinte, vinte e quatro velas ardidas. Ficou, impregnando o ar, em torno ao altar da Senhora das Dores, um cheiro a cera. Prolongando-se, mecanicamente murmurada, a consumida oração chegou onde chegou. Ouvida onde? A colegial de olhos lavados inventa a cada hora novos ritmos de trabalho a tempo inteiro: Ocupadíssima, cumpre, repetitivos, milhentos gestos de serviço, com infindo gozo e ferocíssimo júbilo: Atravessam-na espantosos desvelos, e zelos, p'la perfeita realização de mínimas lidas, que a vão transformando em adorável mulher completa. Quando casar, terá para construir a sua casa.

O bruto avantajado cão da obra devaneia entre os destroços da estrutura do andar recém-construída. Falho de motivos poéticos, aceno-lhe, como a querer conquistar um novo amigo. Inspeccionando-me, alça a mim vidrados olhos. Abana, inteirado, a farta cauda. Faz que ladra. Depois dá outra volta. Afanando-me à ligeira empresa de enrolar novo cigarro, venço algum tempo ao tempo, neste obscuro afazer. É certo que venço algum tempo ao tempo, que me é dado. Enquanto enrolo de tabaco a dita mortalha, não fumo, por ora, o fumável cigarro. Se me fui fumando a vida toda... Por outras palavras, Pessoa disse. Morro-me, a instantes lentos, do devaneio disperso do vagar, de ir devagar, mas devagar, divagando às paisagens ausentes do invisível. Até que, de todo, pare de subir a água do poço da canção, essa força, esse anelo, esse êlan, esse alento, essa verdade. E se fixe, de vez, na final estação, esse comboio de corda, que se chama coração. Adão electricista a toda a hora suporta choques de alta voltagem. Considerado cidadão saudável do milénio, dada a sua enorme calma pachorrenta, tornou-se acabado exemplo de resistente ao stress. Notórias entidades, da orgânica da saúde, reconhecidamente competentes, apontam-no à geral consideração do cidadão comum, normalmente tão apressado e impertinente, quanto impaciente ou sonolento. Abrindo a minha Bíblia de Jerusalém: Presente, passado, futuro dos humanos, cifrado em tuas linhas. Quem, em qualquer lugar de acaso, seja a que altura for, te ler, sente de Iahweh o providente amor. Então vistes que eram muitas as brechas da cidade de David. Em extremo atenta à leitura do poema, a jovem musa aluna corrige, em seu ácido sondar, o que, do mesmo, é excesso de veemência incontida. Reduz à normalidade crua do dia as exacerbadas vozes, que, do dito, transparecem. Torna-se o eterno poema mais poema, porque já poema apenas. Desceu de etéreo, aéreo voo a pacífico episódio do escolar quotidiano. Concentradamente distraído, o condutor de autocarros desenvolve, com destreza, a processão dos precisos gestos necessários, que o tornam a ele, um santo homem, um verdadeiro profissional. Nova ode triunfal: Tempo de comunicação: Montanhas de papeis e de disquetes, brancas A4, auto-estradas da palavra. Aviação, navegação, trens ultra-rápidos. Velocidade supersónica. Astronaves de passeio: Férias em Marte, aportando na Lua. Linha azul de crédito fácil. Cartões plastificados, bandas magnéticas, digitalização, telemóveis.

A alma inteira do poeta, a nu para o mundo inteiro. Aldeia global. A Bíblia em CD-ROM. A bela face do Cristo, multiplicada por biliões de fotocópias. Satélites de comunicação. Água canalizada, gás canalizado, ar canalizado. Escolha a temperatura do seu fato, igual a toda a hora. Viva sempre em dia claro. Não perca tempo a comer. Revolução na psiquiatria: Até pode dormir acordado. Congresso Eucarístico Internacional: Novo recorde de distribuição de partículas. Engrenagens, construção rápida, fabricação robotizada. Em casa, como na praia. Em Lisboa, como em Azeitão. Esgotaram-se todos os slogans: Veja agora se é você mesmo que inventa um único. A Oriente e a Ocidente as religiões e as místicas convergem num novo humano. Frua da plenitude: Viva onde nada lhe falte. Veja, em directo do Oriente Médio, o acto de assinar o último acordo de paz. Nota à anterior peça: Batida a teclado p'las 7.05 h de 22 de Julho de 1999, em Setúbal, à praceta. Na Web, p'las 9 h da manhã. Sob isto, uma lágrima de pato. Sob isto, uma pomba assassinada. "O silêncio é tão longo que os cães enlouquecem nas ruas... E as noites ficarão imensas." De Jorge de Lima, o superpovoado poema, transcendendo prováveis glosas. A nua verdade, neste 'scuro, pétreo Porto de passagem, de cães, gatos, lixeiras, monturos e automóveis. A fins de Julho, das fantasmagorias, que habitam minha distensão. De eléctrico até à Foz: Reatam-se-me antigos diálogos de entre banho e praia. Quereis outro achamento - além dessas ventanias, tão tristes tão alegrias? É como se voltasse de novo ao Norte, é como se tornasse, mais os meus, a fazer praia a este Norte vetusto, de rudes areais, tosca pedra, agreste mar. O arame do equilíbrio inteiro: Obrigavam-no a fazer tais exames, para despistagem de possíveis lesões devidas à sua condição de inveterado fumador, que, a conselho do taxista, que o remeteu do IPO a seu hotel, resolveu largar ao empedrado da rua aquele seu cigarro havia pouco aceso. Glorioso, o tempo do desporto: Resplandecem, de apolíneos equilíbrios, os atletas, nas tardes noites da ofuscante luminosidade. Mil e uma inquietações por um golo invalidado, pois nem tudo navega em alegrias. Há que deixar ajustar, dentro do sono, a que seria da bola a trajectória certeira. Ou rever, realiter, nos canais televisivos, o súbito, decisivo remate: Le coup de grâce. Prenúncio de Outono: Moinho de dona Brites invadido de folhas desmaiadas. Sorte, os pombos, as gaivotas, as andorinhas - domésticas ou peregrinas criaturas? não o acossarem, da inóspita, entristecida estação: Sinal de que se repete de volta Setembro. De que a propósito ou despropósito abriga o cimeiro boné?

Brincadeiras proibidas, Portugal na CEE. A ponto de desposar uma psicóloga nórdica, o computador vomitou-lhe montes de folhas de disposições legislativas, aplicáveis ou não ao seu caso. Frente à Tv, ao longo do braço do maple, o preguiçoso gato, amiga companhia, alerta postada. "Os que vêm da dor directamente." Trazem raso o olhar das amplas, largas vistas: Indetíveis e certos, da mais pura certeza: Ei-los que avançam, dos seguros passos. Sagrados da verdade, loucos, apaixonados, feridos de ver, os magoados heróis. Seu fito é mais além. Desde a mais terna das madrugadas, se levantam. Acossados, nenhum estorvo os detém. Lestos progridem, p'la evidência plena dos caminhos. Sol batido à rua. Um surdo som, de jazz. A encher, dentro, o carro. Celeste, ao volante, em seu vestido azul. Tal qual quando a viu, da vez primeira, na antiga mansarda, da porta da saleta. Há tanto tempo. “Balões! Balões! Pró menino e prá menina!” Meiga velhinha, distribuidora de devaneios a pataco, tu que dás, p'lo fio, os balões às pequeninas mãozinhas, dá-me também um a mim, colorido, pra que, o cordel firme nos dedos, o erga ao vento do meu júbilo, p'lo livre ar, o brevíssimo balão. Meu melhor bem. Ilusória novidade. João Cabral: O comum dos mortais 'inda dormido, aconteceu-te dares teu triste pio. Tiveste pois de passar o letal rio. A esta hora estarás já acostado a outra margem. Que bagagem levavas? Versos de pedra, versos d'água, versos d'aço: Versos murmurados: Por certo 'inda mais versos por dizer. Passeando seu diminuto canídeo, na absoluta pasmaceira? Leve-o bem, que ele a leva, a si, consigo, até ao recôndito, secreto recanto, onde, sem raiva, possa bem mudar águas, e, mansinho, obrar. Os calhaus do ruído: Série de terramotos, sucessivos abalos, na Turquia.

Lá, ou cá, ao tremer convulsionado, o planeta humanos despedaça. Chalaça ou charla, que já meu avô contava: J'aquim, antes queres ferrar ou ser ferrado? Eu cá, antes quero ferrar. Então ferra-me aqui as ventas no olho do cu. Serviço só ao balcão ou ginástica sueca: Que violento torção, que Dona Rosa me obriga a fazer! Mas Dona Rosa, aproximando-se, abondava-me, de atrás de mim, o primeiro copo de água matinal. Alcoóis, alcoolismo e outros tratos das contradições da dependência: Depois de levar um forte estremeção, Dionísio, o novo entusiasta, fã da cerveja sem álcool e do amendoim torrado, com seu cigarro da farmácia no beiço, só erva inofensiva, arrazoava ufano, ante díspares auditórios, discursos sobre discursos, reflectindo sua íntima convicção profiláctica: Só não dispensava o meio Lorenin/2,5, quando o frio o transtornava e as brancas vigílias das noites vagabundas o obrigavam a ocupar os embrenhados, invernosos ócios. Para embarcar na nau dos sonhos livres das sereias, o só ouvir uns acordes de violas ou violetas lhe bastava. A sós dentro do quarto, consigo se reconciliava. Aos dezanove dias do mês de Dezembro, do ano da graça de mil novecentos e noventa e nove, o último dos dias, portugueses, da nobilíssima Cidade do Santo Nome de Deus de Macau: Hoje aportadas a cais as últimas das caravelas, ficaste a ti entregue, aí a meu lado, povo bom na Fé, roído da mais ancestral de todas as fomes: Do que do sonho do absoluto nos ficou, em grave silêncio mastigamos até aos últimos grãos o arroz trazido no convés da derradeira barca: Tonta de destino, a Saudade cá 'stá, tangida de natal mágoa, a melhor parte, que nos move. Agora que temos, finalmente nossa, a nesga de céu que o olhar alcança. SOS: A vizinha perdeu o gato, mas que disparate. Eclipsou-se, num abrir e fechar d'olhos. Fugiu de casa. Pra não mais voltar. Porque te sumiste sub-reptício, malvado gato? Dá p'lo nome de Rom-Rom. Avisa-se o prédio, a praceta, a cidade, publica-se pormenorizado anúncio. Alvíssaras a quem o achar. Se alguém o vir, chame-o p'lo nome, e dê-lhe kitekat. Por onde andas a esta hora da noite, famigerado animal vadio? É preto, luzidio, usa coleira vermelha anti-pulgas, e só vê de um dos olhos, o esquerdo. Mas é meiguinho, asseadinho, garante a vizinha, e faz imensa falta. Não vamos contar a história dele, que dava um romance.

Por ora trata-se de recuperá-lo. Oxalá não esteja já a rebolar na barriga d'algum chinês! A vizinha, d'inconsolável, obriga-me a enviar este urgentíssimo SOS para a Internet: Encontrem, mas encontrem o Rom-Rom. Já que a cibernética o permite, apresentam-se, em marginália, as ventas pretas de larau do mansarrão Rom-Rom. Pra que apareças, e voltes prá dona, desgraçado animalejo. Amores difíceis do gato Caramelo: Verdes redes de nylon e estruturas de andaimes separam Caramelo da amada gata, do vizinho prédio em construção: Bem tenta ela a aproximação: Os arredores rodeia, explora, estuda, enquanto Caramelo, dependurado de sua janela, como estátua imobiliza e freme: Mutuamente se suspeitam, mas, na aluada, inóspita noite, a distância entre ambos é praticamente intransponível, e feita só de sonhos de impossíveis: O peso da nocturna hora passa, inspirando e expirando frias árias, suspenso do mármore do peitoril de janela. Regressado ao interior fofo aconchego da carpete, suspiros fundos dá, no frio gemer de seu dorido miar. Lapsos depois, à estratégica postura torna, e já a amada gata, dos olhos negros faiscantes, desistira de rodeá-lo. Continua então movendo e removendo o pescoço, estranhamente suspenso de áureas luas. Ia pra me deitar, e ele, rondando-me, dose de comida reclamava. A incrível bailarina, que é meu par, desafia-me a versejar os nossos, quase sonhados, larguíssimos passos de valsa. Perplexo, que tenho a lhe dizer? Que em registo vídeo eles estão indelevelmente gravados, esses exóticos passos voadores, subliminarmente gravados, sob as aluadas pedrinhas e flores da nossa comum praceta. De ferry-boat até Tróia: Estuário das leves ondulações, onde residem fluidos sonhos de golfinhos e gaivotas, à superfície da aquática brancura da espuma em neve flor. Entretecidos de vago e de distante, a largo navegamos. Por fim, sem nos apercebermos, atracamos. Por nocturnas horas, um grilo na casa de banho. Traspassa - o seu gri-gri incisivo - escuros de desesperança. Escrivaninha das horas quietas: Estou morto e não me levanto. Absolutamente morto para o que não seja. "P'lo São Lourenço, vai à vinha, e enche o lenço!" Inacessíveis ficaram uvas e vides, das vertentes da infância alada.

Hoje, migrante desterrado, resta-me tomar o 4 até ao Livramento. Estória do filho do Diabo e de Ana Pandilha, conformemente contada por Velho António Bento, setubalense de nascença e creação: O Diabo tem cornos? Mas ele nunca foi casado. O diabo usa sua forquilha? Mas ele nunca trabalhou. Do Diabo e de Ana Pandilha se tramara abrupto filhote, que não tinha coração. Disto, Dom Diabo interpela o Bom Deus: Vais mesmo deixar o filhote, meu e de Ana Pandilha, vir a mundos sem coração? Desliga o Bom do Deus, sem troco dar. Nasce, e cresce, e, de si, se faz filho de algo o cornudo cachopo descorçoado, e pronto é já meio palmo de gente. No entretanto tomado de um baque dos seus, o Bom Deus a o estranho petiz vai de comunicar: Rabino Moço, sabes dentre o sideral espaço imenso, que minha bondade administra, de minúsculo planeta, de humanos habitado, a que chamaram Terra? Queres ir pra lá? Então promete lá portares-te bem, e cuidares vidinha. Prometo, prometo, corresponde à divina prédica o enfeitado rebento. De quejando, sumário diálogo, resultou cá descer o famoso filho do Diabo. E a que veio a sinistra, cómica, "invisível" criaturinha das trevas e da mentira? Oh, este mundo dividido! A todas as horas, por praças, ruas e ecrãs, surpreendemos sequazes bastos do Mofino. Esse cujo gajo, espertíssimo à insídia, montou seu singular busílis: Gerir sórdido tasco, em transitada esquina. Revejo Leandro, leiteiro dos velhos, de carrinha e vasilhas, púcaros e medidas de latão. Já reformado, continua em forma, convivendo com seu bicho de trabalho, ruim de dominar. Envelhecendo, faz, e refaz, iguais percursos, antes de porta a porta, percursos idos, matinais e eternos. Quando o castanheiro do quintal floriu, toda uma antiga angústia se desvaneceu. O carteiro Candeias, mais conhecido por flaviense, conversador, ou vagaroso, apregoa a todo o mundo maravilhas do presunto e da comida de Chaves, desde que por lá passou, uma ocasião, uns oito dias. Raúl, o soba negro, para os bancos da pedonal rua de Vasco da Gama, da Quarteira, desterrado, toda a clara noite, as acordadas Áfricas e Índias, de seus desertos, fuma. Em crueza acabrunhada de loucura. Sábados e domingos, a altos brados entoa, pra quem o ouvir, o ave de Fátima! Ementa: Sopa d'alho francês, figos pretos de capa rota, queijo fresco, água fria do Alardo.

E ala moleiro! A delicadíssima, fina película ou a transparente casca da cebola: Entre dramas virtuais, de históricos vampiros, e entrechoques das mais comuns paixões, Pedro e Pedro enredam, com jogos de imaginação e enigmas de charadas, o despontar do novíssimo milénio, que vai clareando! O professor Campos comprou garagem no prédio ao lado, na mira de por lá dar largas ao seu fraquinho por pesca submarina. Delicadeza: Dê-me uma bica, mas anormal! Desculpe lá, mas o que é, para si, uma bica anormal? Uma malvadinha, das que ardem por dentro do coração. Campos da bola: Grupo Desportivo de Bragança: Longa era a marcha até lá, largo o descampado. Aquecia-nos o humano calor da dura lide. Adelino Ribeiro Novo, do Gilinho: Fervilhava humanidade o envolvente próximo: No tempo em que Ynjai não falhava um único canto directo. Antigo 28 de Maio: Convivas abancados sobre pedra, torcíamos cada qual por seu Sporting. O rescaldo era rever cada lance em pormenor, à mesa da comum palavra. Associação Académica de Coimbra, ao Calhabé: Dentre negro de capas e batinas, exultávamos de Eusébios, Jota-Jotas, Rochas. Ginásio de Alcobaça: Para alguns, poucos, o resultado acabava por dar certo: De várias paragens vindos, saboreávamos reunindo-nos o destino. S. Luís: Aparício bem buscava repor verdade nos descontos: Só que as bolas, que lhe davam, não caíam onde queríamos. José de Alvalade: Inclinados por cima da relva, comoviam-nos os golos esperados. Bonfim, de Setúbal: Ao vitorioso disparo do Henriques, voaram confetis. E o meigo sol brilhou, mais intensamente. Habitadas casas: A Lousa: Escuro e claridade, sobre pedra. A Cerejais: A graça e a luz, a sombra e o pecado: Beethoven. A Valverde: Propaganda de velhas presidenciais, com sabor a fraude. A Trindade: Cenouras, nabiças, horror do escuro, ledos campos e escola, paredes-meias à casa, jovens criadas, cantoneiros, tinteiros, bambas carteiras, luxúria, um crucifixo. A São Salvados: Brinquedos destroçados, nevões, a largos campos.

A Vimioso: Nasce-nos um irmão: Lavatórios, toalhas, azáfama, água quente. E banda desenhada. A Alfândega da Fé: Leitura das longas tardes: O bobo e O incesto. Escadarias, sobrados recém-esfregados, tralha acumulada, pátios desarrumados, velhos trastes, gradeamentos. A Coimbra: Sótão de ideias. Escritos a esmo, dura luta, desalento, e reerguermo-nos: Habemus Papam! Giovani Baptista Montini! Ao Porto, a Cedofeita: Livros de botes, livros armazenados, que ninguém leu. A Braga: Crime e castigo, a desoras até a fim. A montanha mágica. Num ápice, a jovem explicadora de Alemão. A Cardanha: Aconchego de cobertores de papa: Ângelo, apaga a luz e dorme! Os pascoais Belo e À minha alma. A Barcelos: Primeiros canhenhos, verdes versos: Turismo, Tv: Vilaret, Nemésio, Homem de Melo, António Pedro. A Lisboa: Clarinha nuínha no banho. Baques de infância. A Cem Soldos: Os pintalgados impressionistas. Ecoar de horas no relógio da sala. O inaugural sorriso da manhã. A Setúbal: Todas as noites, p'la meia-noite, o repetido acto, do casal vizinho. A Quarteira: Abertas as portas à luz, janelas, varandas, vida. Abertas não, escancaradas. A Madrid: Proximidade de estudantes, secretos arquivos de silêncio, a esquadra próxima, as irmãs conventuais. A Leiria, Fátima: Surdo, nocturno remoer de versos. A 'nstantes, ledices e tremuras gemebundas. A Jerusalém: O patim, contíguo ao quarto, dos desolados fumos. Também dentro, ao vão, é átrio santo. Viagens: De trem: Do Tua a Bragança: P'lo dentro de vinhedos, desolação, fragas, urzes, giestas, estevas, aereza, montes, a longe, torneando curvas, um automóvel verde. Do Porto a Barca D'Alva: Acompanhávamos o curso do rio de oiro, rumando embora contra a aluada corrente. Do Entroncamento a Tomar: Avistávamos a casa, como que reconhecendo-a familiar, no fluir desconhecido. De Coimbra a Lisboa: Entre férreas estruturas, revoltávamos o poema. De Setúbal a Faro: Se por demais sobrecarregados, lançávamos, janelas fora, os magoados olhos. De Copenhaga a Malmöe: Poesia de serenidade, sinica poesia, Shakespeare, Ibsen, Pöe, Selma, Karen Blixen. De automóvel: P'lo Vale da Vilariça: Os mesmos sítios, das mesmas histórias, incontáveis vezes rememoradas. Até Madrid: Antes do "Cerro da Águia", muita curva e dor, ruins aflições, pavor, consumição e morte. Até Paris: Até ao "Bois de Bologne", muito pra trás ficou do nosso vão dormir desperto. Até ao Algarve: Noite, dia, a rádio: O terço, ou Ravel, e a agreste fantasia. Quarteira/Setúbal: Bem cedo, encetávamos caminho de regresso, até a de onde viéramos. De avião: Portela/Zurique: Enquanto nos entretem a refeição da Swissair, o eterno entretece vagos gestos. Funchal/Portela: Rectângulos sob relâmpagos, mondriânicos rectângulos, extensões de pátrios terrenos. Caído a solo o alado pé, devolvíamos, ao deserto local, os peregrinos sonhos. Contava-me o velho professor Costa que o Setúbal, de há cinquenta anos, empregava pessoal especializado em remover dejectos das "tigelas das casas": Horrível fedor! O destino dos mesmos era a cultura agrícola.

Daí, o Zeca ter cantado: Quando o pão, que comes, sabe a merda, o que faz falta: O que faz falta é animar a malta. Hoje em dia, mau grado sofisticados sistemas de tratamento, com pompa inaugurados, continua a ser verdade que, quanto mais se remexe a dita, mais ela fede. E ainda não menos verdade que as moscas migram, mas mesma é a mesma. Então, muito bom dia! E ninguém responde. Os bons dias estão mesmo p'la hora da morte. Ainda se fossem as boas noites, estou como diz o outro. Será por ter chovido muito ultimamente? (É caso pra perguntar.) Elegia aos últimos sapatos luva, que o pai me comprou: Por onde andastes, por onde não andastes, fizestes verdadeiros os percursos: E agora chegastes naturalmente ao fim. Reina gran’ confusão no estaminé. Bufa o gato, 'spartiça-se o copo, tropeça a padeirinha. Pois é, qualquer dia parte um pé! O comedor de sandes: Sem hora pr'abancar pra dar gosto ao maxilar, ei-lo imprevisto. Sempre o reencontro. Rogélio, o último dos cravas: Desvivendo cintilações do quási ido milénio do pasmo em anti-diplomáticas abordagens, a mim consegue palmar-me um por semana. Vai contando com desvelado acompanhamento anímico de gentis e humaníssimas psicólogas: O fi de puta! Por nocturnas, intempestivas horas, entra ao Caffè di Vita, ante o primeiro cliente especa, e, boçal, dispara: Posso pedir-le um cigarrinho? Pesquisadores de anedota: Selectas bocas ouvem até descortinarem a da hora: Tarde, estremunhados, chegam a estúdio: Os porreirais artistas. Após pródiga distribuição de palmadinhas a costas camaradas, contra o sisudo maestro soltam, descontraídos, a que julgam novíssima. Padeiro Moreira, do Alto da Guerra,

tem viva memória da História de Portugal da quarta classe: Não esqueceu nenhum dos cognomes dos nossos antigos reis: "O venturoso". "O desejado". "O gordo". "O magnânimo". "O conquistador". D. Pedro I, "o justiceiro": Pois vingou a morte da amada Inês, por mão de bandido, que seu pai contratara: De nome Pêro Coelho Diogo Lopes Pacheco. A quem mandou arrancar o coração pelas costas. Às portas de Querença, fazemos digestão do repasto de Carnaval: O fatal cigarro devoramos. Do Caldeirão, dos novos ventos respiramos. Aquela mulher de Ciência viveu anos sessenta no Quénia selvagem, rodeada de tigres, chitas, leopardos, leões e outros felinos. Um leopardo rebelde, que ela secretamente sempre temeu, embora o predilecto de arriscadas brincadeiras, um dia a devorou. Descalço dos pés, mas podre de rico, "o descalço d'Évora" entrou, certa tarde, no Café Arcada. Chega o garçon, que o põe no olho da rua. Mas o dono vai buscá-lo de volta. Logo, acomodando-se, exclama: Senta-te, Meu Dinheiro! Após intensa chuva: Encher-se o ar, de vago e de distante, florida largueza, gorjeios, luz crua, iodo, maresia. Entretido, releio: Uma vida toda por mim perpassa. Escrevo fim: Alvorecendo. Ladra um cão, passa um carro, a aurora rompe. Eu posso lá morrer, terra florida! P'lo Olé Paelhas, de Sara as dezoito primaveras expandem-se em ritmo samba, por entre cabeças de fumo, cola e caipirinhas. -

Campeona Neuza: Já há onze anos que a raquete do ténis a acompanha. Ela que conta agora dezassete. Teima agressiva a fere na peleja. Ao treino dedica das melhores horas. Vejo-a a adejar no court um, do quarto, do meu 4º, ao CTS. Rodeou já o orbe todo: Espanha, Bolívia, Escócia, Japão, Colômbia, Polónia, Chile, eu sei lá. De Santiago recorda ágeis alturas. Às aulas a Miraflores vai, despedindo-se de mim, tal uma qualquer rapariga, da qual nada há que cá se diga. De ler uns versos bucólicos: Sussurra ventanias sonho inóspito, reverdecido ao rés da farta relva, aragem que arrefece. Tomba o sol, a meu canto, a oriente. Ecoa já, p'la noite 'scura, da urze, que estremece, voz divina. Citar-te, irmão Barahona: O poeta passou-se, com armas e bagagens, para o Todo de Deus e refugiou-se na Chaga do Lado. "A estupidez e a ignorância humanas dão ideia do infinito." Puxou o autoclismo? Não ouviu, por acaso? Aquele autoclismo deve ser mesmo silencioso. Praza a Deus que, pacientemente, vá esquecendo, suspenso do madrugar aclarado. Falar bilingue: Bon jour. Un petit café noir. Desculpe, se bem entendi, no ar não adrego tirá-lo, só na chávena. Na tarde do Domingo passado surpreendemos o Conservador Arquivista Museólogo Municipal, abancado com a sua senhora, na esplanada de uma conhecida geladaria da baixa, comendo, a colheradas, de vítrea taça, bruto e envergonhado gelado. O Silva contador não suporta vozearia. Toda a tarde passou em demoradas leituras prá EDP. O som rock, a nicotina e a cafeína a boa hora curte, assapado entre garotas. Desde carros roubados ou de portas, ou rodas, arrancadas, a jipes transviados, depois desagregados em peças,

tudo a noite, na praceta, foi pródiga a encobrir. Até termos connosco o guarda-nocturno, que agora passeia garbosa farda por inóspitos recantos, perpassados a pente fino, nas horas do saudável pasmo finalmente inaugurado. Isto e muito mais, mais do que aqui se diz, dentre volteios de solitárias aves, luz melhor, e refluxos de benévolas ventanias. Ternura ácida de arrumar papelada velha, momentos revividos, fixada história de uns bons dias. Saudades gritando do duro pó. Da impertinência da Saudade: És tu, garota de Ipanema, que aí vens bamboleando-te, dengosa e azougada, p'lo Vieux Port? Que coisa linda, mas linda! Ah, esta saudade de vago e de distante, acompanhando a música dos teus passos, na sempre igual, terrunha, enredosa nostalgia! Que longe, longe, a Ibéria! A Orla Dourada, o Nada, a Névoa, a Claridade! O dulcíssimo Brasil! Ouro e fome! Do povo irmão! Quanto longe o mesmo Portugal! Eu canto da Empresa Carlos Costa a obra há quase uma década começada, canto-a porque a acompanhei com vida, dia após dia subindo ante a janela aberta do sonho do meu nada. Antes de raiar clara a madrugada é já o operário da dita, arremetendo do Ernesto o tasco. O pão quotidiano, vulgo carcaças, cedo demando. Café é o alimento comum da hora amanhecida. Sumindo-se, esse laborante lidas mil do dia, novo e outro dia, arrasando-se, empeçava. Hora qualquer que fosse, que me fumasse o pensativo cigarro, debruçado sobre o poético alpendre, esse obreiro de Carlos Costa a obra alevantava: Eram pás de lixo removidas, era o guindaste incansável a topo alçando torpe matéria, descensos e subidas ensaiando: O infatigável José o dominava. Era o terraço, a escadaria, o sótão, o azulejo, a massa de fora, o revestimento, a carreta, os baldes, andaimes postos, usados, retirados, um sem número de afãs, que, poetando, acompanhei. Hoje falou o brasileiro Leandro que um ano só, de lida, à obra falta. Logo o andar modelo propõe que visite e contemple esplendoroso. Erguida já ao céu a alta torre dos andares vai. Anos de sol cá rouba, que, em Acapulco, Carlos Costa devera me repor, pra compensar

o exílio da sombra e da demora, a que, há tempos, me dou, de versos enredado. Humílima epopeia, pátria e local, dum acontecido recanto, que canto e canto, destacado. Evacuado poemeto, para Leandro e trabalhadores do novo prédio agora pronto, no ângulo a sudeste da praceta. *Simples Orações Ao Padre Costa Marques. Anunciação: Graça única achou em Ti o Altíssimo, um dia, em que, com enlevo, cuidavas da casinha, num recanto de Nazareth. Cenário mirabilíssimo os olhos de Gabriel Teu anjo vêem, quando irrompe da porta cerrada. Parou aí o voo sem fim de Tuas mãos, de que se entretecia paz. Essência e perfume da mais bela oração! Pudera eu também, na hora, divisar, através da translúcida cortina, se meus dedos não alcançassem arredá-la, os Teus alados gestos dulcificando o entardecer. Absorta, surpreendes-Te, da inesperada visita! Logo o coração balbuciou Seu Sim. Fátima: Arrancada de um mundo novo, arrancada de um mundo novo... Nova Jerusalém, Novos Céus, Nova Terra... Noiva ricamente ataviada... Manso cordeirinho... Meiga gazela... Dulcíssima Apaixonada... Delícias e ledices do Dilecto Esposo... Não era o vulgar brilho da beleza. Era outra luz, era outra suavidade: Que me não esqueça, Mãe. E a não perca. Irmã, comigo vá. M'envolva, inteira. Me acolha. Meiga, me abrigue próxima, na fria noite. Me acompanhe, ao resto do caminho: O bem árduo e árido caminho. "Que pela acção do Espírito a vossa esperança transborde." Nos demos: E, porque, de imensamente forte, nos invades e enches, de irmão a irmão, saciemos a comum fome, de algo mais do que a só vontade do comer. Todos nos demos, e, onde quer que essa fome roa humana natureza, auramos com fervor do transbordante vaso, que em frágeis mãos sustemos. Reavive-se em nós o sabor novo, de antigo, da viva sabedoria das multiplicadas palavras que és. Jezu, ufam tobie!

O Eterno é meu pastor e eu seu cordeiro. Conduziu-me às vertentes das águas cristalinas. Louve-se, a uma voz, Ieóua, Miriam e Ioseph! Em todas as línguas das babeis da Terra, toda a criatura louve sem cessar a família humana e divina de Nazareth! Nossa Senhora da Vida, olhai por nós! Jesus, irmão, perdoai-me! Maria, mãe, guardai-me! José, defensor, fortalecei-me! Nós te louvamos e bendizemos, ó Maria Imaculada, Mãe co-Redentora e amável, porque trouxeste a nós Teu Fruto Excelso, ó Eleita do Altíssimo, Aquele que é a experiência que vivemos, n'Ele e conTigo, da Admirável Redenção. Nós Te bendizemos e aclamamos, Maria Imaculada, Mãe co-Redentora e Amável! Aclara-nos o caminho, sempre connosco vás, conduz-nos, seguramente, conTigo, em Tua mão. Aia de Jesus, rogai por nós! Aia do Senhor, rogai por nós! Mãe do Carmo, defesa nos duros transes! Santo Espírito de Benevolência, infundi, dentro em nós, o puro fogo do Verbo do Vosso pleno Amor! Anjo Companheiro, dá-nos o discernimento de bem agir, faz-nos firmes os passos no caminho! Bendita, sempre, a flor da Santa Eucaristia, pão, que, do Céu, de graça, se nos dá, em alimento, fruto do trabalho e da triga farinha, que Maria, Mãe, no Seu casto seio, acalentou! Maria, José, Jesus, em Vós confiamos! Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo! Que seja exalçado, Senhor, em todo o lado, Teu Santo Rosto. Apresente-se-nos favorável! Bênção Tua, ilumine-Se-nos propício, e sempre, sempre, sobre cada um de nós, inteiro resplandeça! Eu sou todo Vosso, e quanto possuo Vos entrego, ó meu amável Jesus, por Maria, Vossa Santa Mãe! Coração Imaculado de Maria, sede a nossa companhia! Doce Coração de Maria, sede a nossa salvação! Porque a Natureza é o doce sorriso do Cristo, Francisco, António, Clara, repeti, connosco, doce louvor p'lo irmão sol, a irmã lua, as estrelas irmãs, altas, preclaras, belas, e p'la amiga morte irmã! Livre-nos Deus de morrermos em pecado mortal! Porque é Natal há dois mil anos, se cultive, se cante, floresça e soe, p'los orbes ecoe, acompanhada do coro dos alados, inumeráveis músicos, da felicíssima meia noute de Bethlehem, dos filhos de Deus a imorredoira alegria! Padre Cruz, Jacinta, Francisco, Lúcia, inspirai-nos a que nos mantenhamos em sacrifício: Para que, em tudo, façamos por merecer, com parte na paixão libertadora do Cristo, da bondade de um Deus, que é nosso Pai. Sta. Teresinha, ora pro nobis! Beata Faustina, ora pro nobis! Porque o cedro foi arrancado. Afastarei de teu seio os orgulhosos fanfarrões. Um povo, pobre e humilde, procurará refúgio no nome de Iahweh. O Resto de Israel: Não nos pesem mais angústias passadas. Nossas tens acções de graças abundantes p'los séculos dos séculos dos sucessivos milénios. Bênção e consolação Tua, Deus nosso, Único e Verdadeiro! Nosso corpo mortal seja leveza e cruz de Tua santa alegria, Senhor Deus do Universo! O Louvor que Te damos seja Festa e Restauração da, em ruína, de Israel eleita casa. Atribulada, não vencida, humilhada, não abatida, vexada, não subjugada, entristecida, jamais desesperada: Porque a Teu Nome só deu confiança! P'la Tua Santa Cruz, ó Cristo, Filho de Deus Vivo, todos Teus sejamos inabalavelmente, para conTigo suportarmo-la aos remotíssimos confins. Até nada mais vivermos do que o só esbatido reflexo de Tua face, no coração da Tua imensa Luz. Em Ti, que és Luz de toda a Luz! Castelo do refúgio, guarda-nos do Malino! Tão verdade é o estares connosco, Maria, Mãe expectante! O que esperas tens por condição. O que em Ti saudosa anseias, Te foi dado antes. Pára, de alegria, Teu nóvel tempo, ó Gratia Plena! Estrela da Manhã, Porto Seguro, Teus olhos vêem o melhor para os ânimos humanos titubeantes. Por isso pranteias seus descaminhos. Teus somos filhos, irmãos do Filho Teu. À tua maternal solicitude, a Teu coração,

Sapiente Protectora, quando nos entregaremos? Do peregrinar do Céu tão arredados! Vela-nos os rumos. Repõe em nós a simplicidade amorosa de há milénios, quando fazias o necessário na casa de Nazareth! Nossa perdida vida seja Vida: Vida que em Ti vivida é viva Vida. Teus nos toma em mão, a fim de refazermos, do vaguear os percursos, da luz banhados. Refúgio de pecadores, conTigo somos. Se meiga Te dás, nada nos falte. Se sempre de nós tens Teu cuidado, nenhum receio, ou medo, nos ensombre. Teu níveo Ar respiremos, e, em Ti, pra sempre, repousemos. Em Teu casto colo, adormeçamos: Dá-nos sono bom, nosso sonhar meiga nos guarda. Boa companheira, linha recta até à Trindade, a escadinha Tua nos apronta. Tuas rosas, rescendentes, se derramem sobre o nosso leito da dor. Toda formosa és, aqui nos vês, nos tens, nos amas. O resto é nada. Tua Dextra suporta a minha dextra: Como pastor recolherá os cordeiros a repouso: A nós recolhe Tu só, ó Bom Pastor, distantes que somos de reconhecer Tua voz, que a cada clama! Se nos conheces como ninguém, encaminhes-nos aos verdejantes prados de Tuas pastagens, bênção amorosa da graça toda plenitude! Aí nada nos faltará. Nos dês da água viva do bondoso lado! De viva voz, se eleve humílimo obrigado, em pleno não tempo, inimaginável à humana medida. Tua Dextra abençoe. Mimados a Teu colo de Pai e Mãe, fiéis nos toma, da bondade que dói a Teu Âmago golpeado. Esteja connosco o Senhor Jesus Cristo, abra-nos porta do Seu coração Sua Mãe, Maria Santíssima. "Em que espelho ficou perdida a minha face?" Tens nosso nada, e dás-nos um nome nosso, que é tudo o que transportamos, um nome cristão. Tens nossa fraqueza, e dás-nos Tua força, que abre todas as portas. Tens nosso silêncio, e torna-lo repleto da Palavra, nuvem d'estrelas na noite do fundo coração. Um firme fio invisível liga-nos à fonte, que és. Porque em Ti nascemos, somos, passamos, em Ti desaguamos. Flui, em Teu tempo, o escasso tempo. Apanha, em mãos, a terra: Nela, és hoje tudo o que já foste ontem, e o que serás amanhã e depois. "Bendita a paixão redentora do Senhor, que padeceu por nosso amor, a cabeça de espinhos coroada.” Alguém em leito de dor. Sol de após chuva. Levar adiante, a bom termo, a tarefa em mãos: Ora et labora! Tornar mais leve a bela liberdade. O pai de teu pai e a mãe de tua mãe levam-te Deus dentro: Sem esforço se fixa de teu sorriso nítido a fotografia. Os filhos de teus filhos e os netos de teus netos recuperarão a transcendência da sequência, que continuaste. E em Deus te terás, como Ele te tem. Dos 15 (?) mistérios do rosário: Anunciação: Fiat voluntas Tua. Visitação: Maria, a caminho. Natal: O Verbo, encarnado.

Apresentação: Cumpre-se, do Resgate e da Purificação, o rito. Encontro: Explosão da sabedoria do Menino. Agonia: O Filho d'Homem, suando, sangrando, diz Seu sim aO Pai. Flagelaçâo: O manso Cordeiro deixa-se, entregue, torturar. Espinhos: Ecce, o humaníssimo rei. Cruz: Toma-nos conSigo. Morte: Todo Se dá e, dorido, nos redime. Ressurreição: O primeiro Domingo da Eternidade. Ascensão: O Filho, de volta, abraça-se aO Pai. Descenso: O Paráclito, Tudo em todos. Assunção: Salve, Senhora, Aia Eleita de Iahweh. Coroação: Ave, Maria, Rainha dos Anjos, Paz da Terra. "Não deixeis emudecer a boca dos que Te louvam!" Infindos ámens, louvores, glórias sempiternas a Teu Nome Acima de Todo o Nome: Ante Ti, se dobre todo o joelho. Voem ágeis passos dos construtores da Paz. Exultem os humílimos da terra. Brotem águas dos duros rochedos. Frutifiquem abundantemente campos desolados. Soltem-se os murmúrios de gratitude dos pequeninos, a quem as mães 'inda amamentam. Todo o homem deve nos aparecer como um irmão, um irmão como que do manto do sangue de Cristo revestido: Osso de meu osso, alma irmã sofrida, dói-me, tanto, tua dor: Vinho sanguíneo d'íntimos alanceados! JHS: Que corpo é esse que solidário como e assimilo? É o corpo, humano e divino, de todo o distante próximo humano. É um corpo um, que me une aos dispersos filhos de Israel. E aos 'sgarrados excluídos, só porque diferentes: Com eles sou um outro, infinitamente livre, na excelente liberdade dos filhos de Deus. "Se não fosse esta certeza, que nem sei donde me vem..." Brandos espaços, sonho inenarrável, a se apagar, ou o retalhar do aclarar nítido da bela aurora: Ó escondidinho, agarra-me, que te passo à porta! O cabo dos cabos é que é lindo, mas a paciência tem limites! Senhora Nossa, olhai por nós, que sêmos probes! Judas Tadeu e Rita de Cássia dos Impossíveis, dai-me cova onde morra! Menino Jesus da cabeça fendida, fecha-me os dissolutos olhos!

"Vede como se amam." Pois se dão de coração quebrado: Por gesto e voz inteiros dão-se, em puro amor movidos: O mandamento novo os inspira: Em torno a eles, se refaz, cada instante, a humanidade de um Deus descido, Amigo, Irmão: A esse novo amor os leva cada olhar: Desde milénios, a Terna Palavra soa, quebrantando recônditos: Jamais estranhos, ou estrangeiros, mais que conhecidos ou chegados, em verdade família uns de outros: Os que do alto voo se querendo, mansos s'encaminham, largo tempo fora: Só de amor s'alegrando, fortes s'entregando: Vede como se amam! E dizei se tal amor não vale a vida: Em assim ser, firmíssima s'expande, a amorável aventura do mortal: De estrelas a estrelas se exalçando, íntimo desígnio do sentimento: Desde sempre assim afim, a divina harmonia dos terrenos corporiza-se, e comunga-se, p'la sublime empatia, que leva amor a mais e mais amor: Porque sempre, p'lo sucessivo tempo, é d'amor o modo de humano a humano cativar: Que, se a Ele leal, as quietas montanhas arrebata. 'Inda o anterior canto: Trate linguagens do universo, ou, por particular sabedoria do Espírito, domine meandros d’alma, m’afogue luz divina, acaso achada em graça ou de Maria ou José. Tudo diga, em versos fraternos, do Filho revelados. Se não houver em mim Amor, mas puro Amor, como Paulo em banquete escreveu, se não houver em mim Amor, mas mesmo Amor, eu nada sou. Sonhos, loucuras, génio d'esforçados dias... Tudo passará! Excepto a tenuíssima Cáritas! N'Ela, irmãos somos. Clame eu, agora, o "nunc dimittis". Reze 'ora a da Fátima oração: Meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno. Levai as alminhas todas para o Céu, a começar p'las mais precisadas. Espírito Divino, acolhe-me, que, mísero, morro: Dia a dia, hora a hora, de mim a mim errante: Pó, alento e liberdade, dói-me não cantar toda a alegria! Amiga, levo, como de sinete gravada ao coração, a imagem truculenta da réstia de cor do teu olhar inundando felicidade: Devolve-me, em enlevo bastante, esse reflexo: Nele vogando - grande mar! - sumo-me em estremecimentos intérminos. Estranho, mas solidário, entre iguais, comovo-me de sorrisos: Tais frémitos colho, quanto falta a’o deslumbramento. Afã de amar, interminamente. Vou a além. Que além é perto. Depois vos escreverei, noticiando, pra ajudar a seriar vossas palavras. Tanto me machucaram minh'alma as feridas vivas!

Tantos infernos tive que sofrer! Que ‘ora, assumpto em mi, mal sei dizer dos atropelos a'o eu nos golpes certos sobre mi' cometidos! Salvo, por obra e graça de Maria, A da Fátima Senhora, incréus me olham os que, antes, eram puro desdém ao coitado ali jazido, olhos cegos de não verem os milagres dum tempo apocalíptico. Mil bocas mudas jazem, sem palavras que alertem dos vulgares assassínios, em silêncios cúmplices de crimes contra Humanidade perpetrados. Oswiecins tive a meu caminho, mas, alegre da alegria imorredoura, clamo a vós, no tempo crítico, que, ante os novíssimos, espero, e creio, e amo, e que de Mãe Maria a graça é de dizer-me outro a poesia. A Mãe Maria, Santíssima Senhora, Rainha da Lusitânia, na solenidade da Sua Conceição Imaculada: Ó Maria Imaculada, estrela da manhã, que dissipas as trevas da noite: Abre-nos caminho que leve a bom lugar. Le coeur trop plein em Ti, Te olho porque me olhas: O nada que tenho a dizer-Te o Teu eloquente olhar o cala: Me baste esse tanto, de Ti suspenso. Pára e ama! Pára de vez, e ama de verdade, flébil alma de meu coração! Credo: Há Um Só Deus, Pai, Mãe, Dos Céus Da Terra Das As Coisas Visíveis E Invisíveis Do Inteiro Universo. A Ele, A Ela, Que Em Manto Estrelejado De Vastidão Todos Acolhe, O Poder, A Honra E A Glória P'los Intérminos Milénios! O, A, Que De Alto A Fundo, Norte A Sul, Largo A Alto, Levante A Poente, Tudo Habita Da Plena Totalidade, A Que Nada Falta. O, A, Em Quem Amamos, Somo-Nos, Movemo-Nos, Como Sombras Vamos: Até A 'Í, Pra Sempre, Contritos Regressarmos. Lausperene: Aos olhos da Fé estás, inteiro em corpo inteiro. Revejo-Te, tal quando percorrias, mais os teus, as iluminadas margens da terrestre celeste Galileia. Louvor ao Santíssimo: A plenitude está em Ti. Ave, Spes Unica! Fruto das suavíssimas entranhas de Maria, A sempre Virgem sempre Mãe. Agnus Dei, Oferta Maior, da infinda dor redentora, dor das humanas dores,

que carregadas manchas branqueia. A Ti atrai, amorosamente, os errantes filhos da Terra, e os plenifica no júbilo da Tua Paz. Pra torná-los verdadeiros filhos do Céu. Os que, por condição, connosco são irmãos, filhos de Único Pai e Única Mãe. A rodos derrames consolação! Jesus, inspecciona-me a que ande sempre em Tua luz: A que volte de novo a comportar-me como menino: A que nada perca da graça que me dás: A que respire sempre louvor a oração em que inteiro brota o falar do meu coração: A que cada palpitação do meu sentir Te seja aprazível oblação: A que me dê à vida de cada despontar do sol, e me envolva da bondade infinita a clarear: A que, a tarde toda, Te acompanhe na Tua paixão, que a humanos redime: A que, a noite, repouse na amizade do Teu ombro: A que em mim flua, a cada transe, a inteireza do Teu amor: A que nesse amor se prolongue o curso de meus dias: A que a Ti regresse para o gozoso sem fim da Tua sem fim Bem-Aventurança: A que em Ti viva, espere, ame. A que, em Ti, morra: Ámen! Amar o grande mar: Amar-te deveras, verde mar! Amar-te do mor amor, ó mar maior! Alba plena: Maria, dá-me teu rosário, pra que alcance subir a pulso a Escadinha das Rosas. Sê minha boa mãe, e alcança que eu cale quanto não Te louve. Que não canse de mostrar-me grato, p'lo que me dás, e que é meu tudo: A alegria de filho Teu, com O Teu Filho, e José, e O Pai, e O Santo 'Spríto. Por acréscimo, Maria, Mãe bondosa, desculpa-me asnear. Deixa o bobo mafarrico e aramista dar em minha não-vida despropositadas pultricas. Não é ele acabado parvo chapado? Pudesses Tu perdoar-lhe o desnorte. Só com a ajuda do humano penitente Te é dado fazer com que o de embustes a milhas suma. Mas prende-me a Teu olhar sem sombra, ó Maria, Imaculada, Benigna Mãe, Vida minha, Esperança minha, Caríssima! Pois estar conTigo é viver Deus. Porque na Fé de avós educados e encaminhados, na Fé renascemos, até ao abraço do Pai, a comunhão do Filho, o amor do Espírito.

Por Maria, Estrelinha Matutina. Ancestral patriarca José, Forte dos Pobres, Farol do Mundo, abre-nos de par em par portas do dia. Meu Menino Jesus, Salvador do Mundo, deixai-me brincar conTigo. Meu Sant'Antoninho das Moças, Demove-lhes seus devaneios cordiais, a que me dêem da fresca água do barro das bilhas, e me matem a antiquíssima sede. Senhora das Sete Espadas de Dor: Branca lâmina trespassar-Te-ia, profetizou Simeão, pois o Menino estava ali como sinal de contradição: A-M. Longas léguas p'lo deserto, com José, o Menino, e teu burrico, pra o Egipto do desterro, Mãe Saudade: A-M. Teu Filho ensinava na Casa do Pai, e Tu buscáva-Lo, incansável, por todo o lado, Mãe Terra: A-M. Acompanha-Lo na via dolorosa, incapaz de suavizar, sob o Sagrado Madeiro, as feridas do Seu Ombro: A-M. A lança, que tangeu a corda do Seu bondoso lado, varou também Tuas entranhas de Misericórdia: A-M. Tombou sobre Teu regaço, e Tu, em lágrimas Te consumiste, e Te condoías, Mãe Ternura: A-M. Sobre frígida pedra repousa: Já, ante Ti, s'indicia nova luz da Única Ressurreição: A-M. De repetir a angélica prece: Trindade Santíssima, Pai, Filho, Espírito Santo... Em nome do Pai, Iahweh, do Filho, Jesus, do Espírito Santo, Paráclito, por Maria, Estrela do Mar. Fogoso Santo 'Sp'rito, Esposo de Maria, Consolador, toma-nos, a que nada nos falte. À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus. Reze eu.

Balbucie, a que desperte, a portuguesinha oração: Jesus, Maria, José! Alumiai-nos! Socorrei-nos! Salvai-nos! Jesus, bom amigo, estais comigo. Seja eu conTigo! Coração de Maria, íntimo a mim, afazei-me inteiro a Ti. Obrigado por mais um dia, Senhor Deus meu, Anjo meu de minha guarda, sempre Virgem Mãe Maria. Fecha-se o Livro, solta-se o Louvor: Pleno é o Orbe de Tuas maravilhas, Santo, Omnipotente e Bom Senhor! Hossana nas Alturas! Criaturas aladas, louvai vosso Senhor! Névoas, neblinas, regatos e ribeiras, louvai o Senhor! Anjos e meninos, bendizei o Senhor! Santos e Mártires do Senhor, louvai o Senhor! Irmãos sofridos, cantai constantemente o Senhor! Imensamente duradoura é a Sua Misericórdia! Poetas, aedos, bailarins e músicos, cantai as minuciosas belezas do Senhor! Seja desmesuradamente longo o saltério de Louvor dos Seus Prodígios! Arquitectos, artistas, dramaturgos, cinéfilos, informáticos, jornalistas, bendizei o Senhor! Urzes e giestas, estevas, tílias e lilases, fremi da parusística alegria da grave presença do Senhor! Aragens, brisas, fogueiras, dizei a plenitude do Senhor! Ventos, relâmpagos, raios, tempestades, gritai o Senhor! Répteis, peixes, mamíferos, batráquios e animais domésticos, alimárias todas, exalçai o Nome do Senhor! Luz da manhã, aclama o bom Senhor! Pedras e terras, explodi de santo Louvor ao Santíssimo Senhor! Noite da solidão, cale, no fundo coração, o Amor de Seu Senhor! Sono e vigília abriguem, sob benévolo manto, ânimos dos que o Senhor ama, pra que, com correspondente amor, louvem, bendigam e exultem em Seu Senhor! Cansaço, fadiga, stress e exaustão entreguem-nos mansos no Senhor. De tudo, tudo, brote justo Louvor!

Flores, verduras e florestas, mares e nuvens, esplendei do Senhor. Seja eterno o Louvor! Das alegrias e dos sorrisos perpasse a graça imensa de quem louva e habita Seu Senhor! Poderes, Bondade, Hostes d'Anjos, Arcanjos, Querubins, Serafins acrescei, hora a hora, a Glória do Só Senhor! Aumente a Aclamação d'AQUELE QUE É. Luzeiros, astros, sóis, estrelas, clareiras, anunciai por todo o lado a infinita Bondade do Senhor! Seja essa vossa eloquente expressão grato louvor ao Providente Senhor! Jesua, abraça teu povo na paz! Encaminha-o, passo a passo, na senda do Pai! Maria, Mãe Bondosa, guarda teu povo no Coração do Filho, que é também Coração do Teu Coração! Na plenitude consoladora do Espírito de Amor, pra todo o sempre, Ámen! Joséph solidário, defende a Tua Igreja, Madre e Mestra, Amiga de Maria, fortalece-a, nas tarefas pacificadoras! Seja o Altíssimo Senhor Notícia Nova de cada nova, altíssima antemanhã! Novidade do Reino do Amor! Miriam, Esplendente Serva Eleita de Iahweh, Glória de Israel, Honra do Teu povo, Porta da Porta do Céu, Mãe da Terra da Paz, abriga-nos, pois sempre pões em nós Teu Puro Olhar! Segurança de tuas portas, Jerusalém! Rochedo de nossa Salvação! Defende e nutre teu povo na paz, Abscôndito Senhor de pais e avós! Que em Teu Nome só há confiança! Tropeços, ciladas, embustes, venenos não temereis, pois o vosso auxílio vem do Nome do Senhor, O a Quem ventos e mares obedecem! Que fez Céus e Terra! Ele, em Quem nossa vida não acaba, transmuda-se nEle, o Vivente! Como Tu, perdoe infinitas vezes, Senhor, pra que Tu me perdoes. Como Tu, ame, com todas as fibras d'alma, com todo entendimento e força - de coração pra que sejas Refúgio! Como Tu, desarme ódios e mentiras, com gestos de perdão, pra que me torne, verdadeira e libérrimamente, filho de Deus. Abrace-Te em Tua bondade! A que tornes repleto meu coração, pequenino pouso no Teu Coração Aberto. Pois, também Tu por mim morresTe em cruz, Jesus! A exemplo de Francisco, o Irmão, onde houver peso, que leve a incólume leveza do Teu sorriso, vezes sem conta violentado, ternura nata de Teus Imos alanceados! A que, do Orbe Todo, se surpreenda Tua Face, Esplendor Admirável da Verdade, ó Pantócrator! Beleza deslumbrada, que sacia humanas fomes, mão firmíssima, que ampara nas hesitações! Único Porto Seguro dos atribulados! A que, de todas as provas, resulte mais forte, no peregrino, o Amor por Ti, Deus Amor! A que não esqueça o pobre Lázaro. Tenha aberta a ele a porta da choupana! A que Tu, Senhor, tenhas igual compaixão de mim, a que alcance Lugares Benévolos, de Pão, Leite e Mel! Jesu, Filho de Davi, reencontra os cordeiros desgarrados! Traz a Teu Redil mesmo os que magoam Teu Santo Rosto, e desatinam, Boníssimo Pastor! Teu entranhado Amor se dê em pródiga bênção, acolhedora

dos que se esquivam da Ternura do Teu Ombro! Jesus mansíssimo, humílimo de coração, fazei meu coração ao Teu semelhante! Pois ligeiro é Teu jugo, como algodão hidrófilo, e pacientíssima, até aos últimos milésimos de segundo da respiração, Tua bondosa expectativa em relação a nós! Que por nada deste mundo te cambiemos, Amoroso Deus! A Teus pés deixemos angústias e alegrias, esperanças e desesperanças deste mundo dividido! A Ti entreguemos injustiças, árduas tribulações de filhos Teus! Dá a cada quanto mais lhe falte, pois provês seu melhor! Recolhamo-nos a Teus Átrios, Senhor Deus do Universo! 12000 Anjos musicantes destilam mirra, incenso e aloés! Lá saciados da Palavra Viva, juntos entoemos hinos novos de Louvor! A que, por intérminos milénios, nos salve Tua Bênção! A que transborde o Vaso do Vosso Coração, Beneficente Magnitude, Plenitude de Amor! A que, pra sempre, sobre nós derrames Favor! Deus de Nossos Pais e Avós, todas as gerações Te louvarão! Jamais esqueceremos: Que, nos amaros transes, nos sustentaste. Acompanhaste-nos, na fuga do Egipto da vida. Saciaste-nos, na Terra da Promessa. Endireitaste-nos os tortos ossos. Mostraste-nos Tua Santíssima Face: Jamais nos deixaste confundidos ou gorados. Senhor Nosso Deus, Único e Verdadeiro, Um Obrigado eterno a Ti, Bondade Imperecível! Um Obrigado eterno a Ti, Amor-Sem-Fim Fim-dos-Fins! "Amo o Coração Imaculado de Maria, e espero na Sua protecção." Que mais dizer-Te, rezar-Te, 'inda a Teus pés, Companheira Mãe? Que, sob Teu manto, acolhas os filhos, em ódios transviados: Amem Tua bondosa paz: Proclamem, a júbilo imenso, Teu Coração, A Paz! Venha, a nós, Teu Reino! *Cantos de Intervenção Ao Raposo Nunes. Milénio novo, sujo mundo: Duros cow boys, no pragmático afã de meter malvados na ordem, decidem escalavrar o que ficou do caos do recente balcânico cataclismo, profusamente noticiado. Pra quando será o eles substituírem o gatilho de acertar errado p'la ternura do coração nas mãos? A fim de refazer caminhos bloqueados de pontes afundadas. A distribuição do pão: Bem se afadigam lavradores a sol escaldante, lançando no ventre da ávida terra a pequenina semente, que, uma vez morta, vivifica. Bem se dão, incansáveis, as ceifeiras, com suas foices, a golpes certos, à seara.

Malham na eira os malhadores, destrinçando da palha loiras espigas e das loiras espigas fino grão. Movem os moleiros do moinho as mós, que esmagam o que será terna farinha. Afanam-se, a desoras aclarando a noite, padeiros, que já amassada a lume levam última fornada. Inquietam-se motoristas, e seus ajudantes, que, nas carrinhas, em largos cestos transportam alegre bênção do começo de cada nova antemanhã. Bem cuidam comerciantes, que abrem cedo portas para dar, por dinheiro, o esperado pão. Bem se ocupam eleitos governantes, planificando orçamentos da geral distribuição. Nós, cristãos, rezamos aO Pai, único a todos, para o pão quotidiano nos dar hoje. Porém, no planeta da fome, distribuem-se armas, e falta a muitos o alimento, que pedimos. Homem de boa vontade, olha, olha o pão. Quando o partires, julgues tu que ninguém ouve, diz obrigado. Talvez, um dia, do humano coração magoado nasça um grãozinho de cereal, que se multiplique. E chegue a bocas secas de irmãos que desesperam o pão comungado, o gostoso pão da paz, o pão do companheirismo, da ampla mesa, recôndita alegria. Nova poética própria: Sentimento do tempo, diria Ungaretti, que acompanhamos, palpitação de humanos corações. Pra registarmos. Zeca: Em Setúbal, na tarde lenta, recostavas-te p'los bancos corridos da CGD, à Luísa Todi, esperando na tua magra conta alguma pensão, ou tença, das usualmente concedidas a famintos de paz. Tinhas o ar simples, acossado, de algum anónimo kosovar recém-chegado a exílio, a quem são dadas roupas lavadas, sabonetes, pasta de dentes, toalhas e alguns desodorizantes. Mas fizeras soar teu grito acordado de clarim: Um rio de sangue, do peito aberto, sai! Pague-se-te já agora a medida certa: Se ao fim caíste, faça-se-te no teu talhão florescer as vivas flores vermelhas da madrugada, vulgo, cravos. Pra que, pra sempre, nelas vibre a canção, somente nossa, da mesmíssima chã certeza, que aqui viveste, e hoje és. Cada vez mais perto do fim, sem professores, e sem mim. "Feliz gente: Com duas realidades. E eu sem ter nenhuma." Então, Zé, em que ficamos? Em que planeta? Certo, incerto, melhor, pior, quejando o habitado na sequência dos dias do eléctrico. Em que chão, se te deslocam supostamente os pés? O caso é simples: Cá 'stamos. Mas não somos de cá. Onde vamos? Não sabemos de certeza. A que viemos? A entendermo-nos de palavras. O que conta? A inteira verdade. Boutade, ou angústia, de tua poesia concluo: Nem terra, porque perdidos do grande encontramento: Nem céu, porque cegos para a tenuidade.

Nosso devera ser teu grito. E contudo descremos de tudo e da mais crua verdade. Que acresce? Porque vivos, enquanto e não, cuidemos. Viver estranho e isolado num mundo que se pretendia habitado e harmonioso é viver suicidado, viver morto vivo, num mundo de nado-mortos: Dos jornais não consta: O Reino de Deus também na China: Nas prisões, de que não se sabe: Nas gentes de ignoradas aldeias de desnecessário policiamento: No cansaço dos que não querem armas: Nos que suam o pão, parco sem palavras. No anónimo nidificar do amor. No indetível romper da nova luz da Face, que se volta para todos os lados, à envolvente bancada do Grande Circo Universal. Vitor Baptista: Foste mesmo o maior, na voragem dos dias. O coveiro te olhou sublime, autêntico, camarada. Sob a cinzenta farda, sob o decente nó de gravata, ao padre-nosso murmurado do cura, te reconheceu talqualmente dentro, como és, seu e meu irmão. Lançou-te então a primeira pazada. Tiveste, uma vez, a tua mãe. Quase vinda a manhã, por Sesimbra do sol, o Jaguar estacionavas, ao pé do bar, a fim de beberes com a malta dos derradeiros copos. Vitória Futebol Clube, Lisboa e Benfica, Desportivo Estrelas do Faralhão, quiçá Alguidares de Cá, concitou-se maralha à tua volta, em feliz sociedade. Logo os jornais venderam fartos números, à custa do teu nome em caixa alta e da tua fotografia em primeira página, aquela em que estás atirando duro para o golo. Tinhas achado de vez teu adereço de orelha. Olha, olha, louco varrido, quanto baste polido, em Amora, Setúbal, ou Montijo, galgas alto sobre teu cavalo, inteiro deus Apolo, p'lo estádio fora e p'la eternidade além. "Questão que tenho, de mim a mim, comigo mesmo, Portugal!" Ilusão madrasta que me mata, condição em que me morres o lugar. Aproximaste de mim a irreal cadeira, a que me acomodasse. Diluíste, monotonizaste do mais variegado cambiante de meu dizer o rigor. Fiquei de pé, e, mudo como sempre, reencetei fuga, p'lo inelutável caminho. Era fado reencontrá-lo, e tropeçar nele, o remorso de teu corpo irmão, jactado ali à vala. Do deserto tóxico, da infestação, do desastre, clareava teimosamente, dos domésticos microclimas, a fina tonalidade da atlântica ou quási mediterrânica feiticeira luz. Uma e mil e uma vez fiquei ébrio desse quê. Uma e mil e uma vez ficarei de novo ébrio, literalmente ébrio. Até que, poalha cremada, que desde já vou sendo, todo, na dita luz, me dissolva, e a algures vá. Capazes de firmeza, sem cair no ódio, e de compreensão, sem cair na conivência com o mal: Dom Helder, deixaste a selva, ou mundo cão, império dos jagunços do cifrão, e foste gozar férias a O Alto: Que tais achaste teus pobres? A Xanana: Verdadeiro

me abraça teu coração inteiro, Avô Crocodilo, Loro sa'e, Timor. Quando chegará o dia da tua festa fraternal? Essa aurora, em que te ergas gingando, jovem negra? Quando, de teus íntimos ritmos, celebrarás o perdão do amor com lágrimas de alegria? A humanidade te abrace, alma irmã. Do escuro, que 'inda dura, aconteça realçar-se teu sonho, tanto tempo adiado. Ao calor do novo sol, rebrilhe de esplendor tua escura tez. E em festa te envolvas, e, em pó de veraz luz, à clara paz ascendas. De vez te reencontres, e em novo amor exultes. Alma angolana, enorme coração de África, portuguesa alma gémea, terra encantada e mágica, mártir pátria dos confins. Hoje é o tempo, que nós humanos quisermos. Fale português o Oriente da Vida: "Maravilha fatal da nossa idade." Sebastião, que irrompas da bruma cavalgando. Flamejante espada em mão, e, em tua armadura, pétrea e brônzea rosa do deserto, sagrado da reviva Saudade, te reergas: Os corações dos teus à peleja do Espírito arrebates! Conquistem-se-te enfim, a tua voz rendidas, praças e hostes do inteiro orbe, a nova hora tidas: A teu largo ânimo se dêem e abriguem: E a ti ascendam, submetidas d'alma, quais voadoras bandeiras. Cada cavaleiro teu firmemente se anime, movido da sobre-humana ternura de teu mando. A teu manso fôlego, heróico de benignidade, eclodindo da névoa, nova matéria, o Império último do definitivo início espiritual do Amor se indicie: Final Fim Sem Fim: Pacífico, benévolo estremecer da preclara plenitude. Meu país desgraçado! E, no entanto, há sol em todo o lado! Meu tão doce país! Entretanto, vil tristeza rói tua gratuita alegria, minando-te a raiz. Meu tão fundo país! Mas apagada tristura, que, imprecisamente, nomeaste de saüdade, deixa-te nesta feira cabisbaixa,

das ilusões mesquinhas, sanguinárias, vaidades, que amarguram a graça singela, de, sem óbvias razões, seres feliz. Onde o verso escondido de Deus, amigo poeta Miguel Teixeira? É como se eu ou tu nos perguntássemos se vivos mortos somos, ou se vivos só depois de mortos. Metafísicas subtilezas! Nun'Álvares, ergue já teu dextro, firme braço, e, em força, em punho límpida espada de vitória. A que se realize, 'a sempre livre, sacrossanto Portugal. Cada pedra sobre cada pedra: Acaso ressurgiu Ceausescu, agora escudado em vãs razões do vil cifrão, mais a cinzenta, expedita camarilha dos sinistros? Clowns, ou clonados, tão sem rosto implacáveis, de obscuros intentos, hábeis articuladores da lógica voraz da nota verde. Qual dentre eles se lembrou, ou todos à uma se lembraram, as mãos empapadas em sujo óleo de dinheiro, de atirar à cidade, que desconhecem, a ferocíssima ideia de planear arrasar o nosso estádio do Bonfim? Oh, o finíssimo papel-moeda, esse dito papel, de que vos sabemos devotos devedores, a que subjugastes o vosso vão juízo insano! Mas pergunto: Quereis então demolir a aérea varanda, lugar de belas vitórias? O belo estádio, repleto do recente, próximo e distante, glorioso memorial? O que mais vos pesa, o volume da carteira ou a consciência? A consciência do que é ferir de morte quanto é bom, e puro, e aéreo, e sublime, porque erguido com o amargo suor do humano trabalho. E insisto em perguntar: Não serão vossos cálculos ao haver da mais pura infâmia, ante a limpidez da manhã, a doce manhã da lide, a verde manhã da verde relva? Acuso-vos. E convoco os média: Jornais, emissoras, Tv: Apontem, um por um, os desalmados, com clara razão e pura voz, mais seus tenebrosos planos. E desafio-os: Esmaguem, destrocem, ou mandem outros esmagar, destroçar, e destruir (completamente) armações, vigas, estruturas, alicerces, andaimes, cabinas, camarotes, placares, luminárias, mastros e bancadas!

Que não se alcatifam nem se aniquilam os sorrisos limpos das crianças, dos jovens, dos atletas, dos anónimos adeptos, dos trabalhadores em geral, e dos poetas. A frescura nimbada de sol, vivo nos olhos novos deste povo, que está em Setúbal, esse sopro alado, que freme sobre o esplendor aclarado da verde relva, e que a almas converte, íntimo sorrir de quem, a ar livre, constrói a felicidade de respirar, nenhum vosso desígnio anulará. 'Inda de minha rua te contemplo, nobre estádio, acolhedor lugar das mansas emoções! Queiramos nós, homens povo, e os tais senhores das decisões maquinadas não passarão! Alçado às estrelas, estradas largas do porvir, belo, acolhedor estádio do Bonfim, obra de avós, obra que não renegamos, sustentado ainda, em teu equilíbrio alado! Continuarás lugar de saudáveis alegrias, tais as dos que, com graves mãos de paz, em outro tempo, como estás te levantaram. Covardia: Depois de rever um documentário sobre o Dalai Lama e as atrocidades contra o povo tibetano, acabou por afossar-se sob o edredão, não sem antes engolir, rigorosamente ponderado, um décimo de um Nozinan/25. *Caleidoscópio Ao Avelino de Sousa. Fazia tal resistência à propaganda, que, se alguma vez surpreendesse algum famigerado produto, já antes publicitado, não o comprava. Melomania: Hábil decifrador de mil mensagens, esforçava-se, no entanto, por não ouvir ninguém. Só a linguagem musical lhe dizia algo. Passou a vida inteira a sonhar, ao som de vária música. Do sonho, de que se tomou absorto, só despertou no dia em se achou completamente morto. Diotima: Porque pousaste em mim o subtil beijo da beleza, resta-me mandar vir, mas sem urgência, em português fluente, com ou sem gás, tão-somente e nada mais do que uma garrafa de água natural. Elementar, meu caro Watson! Desde que, manhã alta, acordou, e se vestiu, até que, noite fechada, se deitou, decorreu, para ele, um dia mais, normalíssimo, e igual. Umas catorze horas, se afez a inúmeras lidas, em nada pertinentes pra lhes fixar resenha. Resto: Uma tesoura de mola, na sequência mesma do desastre. Dum tombo cai, o professor, um tinteiro entornando-se-lhe sobre a boca. Os ossos doídos, a uma faca de espaços. Finos fios de frio, fundando sulcos.

Uma rapariga a andar, com rosas rubras. Um som apenas som, a repetidas canções. Pensamentos tecidos de vacuidade. Somos seres devastados, concluiu, ansiando por um dia bom, de manhã à noite. Ah, a perfeição! Estou-me nas tintas! República farsa! Mas haverá alguém que jogue jogo sério? Súbito som: Abrupta presença: Algo que do fundo subsolo irrompe: Anjos, ou entes semelhantes? Trazem espadas, caídas: Abalam dormentes disposições do terrestre peregrino: Abrem-se-lhes os olhos, de benévolo fogo. Brinquedo: Em seu balanço, o cavalinho de madeira, atrás, adiante, adiante, atrás, galga mundos e mundos, de irrealidade e de montanha. Relincha, salta, retouça, cansa-se, estrebucha e detém-se, em desmaiada inércia de movimento, até todo imobilizar, no chão da estreita sacada do bambino. Dispositivo: As só palavras fazem o poema, vibram nele dentro, de serenidade construtoras. Aparentemente neutras, como entranhadas sob solo, pólvora da paz, violentas, fecundam. Delas se resolve do relato o sentido, que graves impregnam: Sobem à superfície, a que se dizem: Arquitectura, a erguer-se a pleno céu: Será sua finalidade a emersa clareza de haver hoje? Gershwin: Alegria de uma vida repleta a transbordar, ingrediente privilegiado da total globalidade: Repercute, variada, a obra: Nenhum motivo falta à universal carpete, amplamente estendida, onde o menor elemento ressalta do todo colorido - aos atentos olhos e aos vigilantes sentidos: Receptivos aurimos, ouvimos, vemos, tangemos, saboreando a inteireza sábia do mundo: Imprimerie de exaustas passadas: Terrenas ou aéreas passadas: Corpo, alma, vida, matéria, forma, do inconcluso noticiário do acontecer: Fundo velado, onde a história, enredo a enredo, se desenrola, aproximando-se do final inexorável. Elogio do sono: Porque nos retemperas das manchas do olhar, arqueada ponte, através, regularmente. Oscilamos entre o real mais real que albergas e o melhor despontar para a vida, a que, ofuscados do pasmo, nos lançamos. Questão de ritmo, como diria o Avelino. Também, pra leccionar Filosofia, se cuide de arrumação, persistência, teimosia:

Um tema, cada hora: Uma pergunta, cada tema: Como de um só problema, cada poema: De cada coisa, cada interrogação: Uma de cada vez: Dum assunto, cada aula, cada sumário. E, assim sucessivamente. Findo o curso das aulas e dos dias, concluída é a antes programada matéria: No múnus das diurnas cogitações. Refeição, de fim-de-semana: Estávamos outra vez reunidos. Da mesa ressaltava, de farta cor, fresca salada. Conversa de macacos: Um pra outro: Não vejas. Outro pra outro: Não ouças. Outro pra outro: Não digas. Intervém, concluindo, o nosso imberbe filósofo: Para mim, isso sublinho. Porque, de descuidado, não deixas parar os olhos, admirando das rosas a essencial fragrância? P'las íngremes encostas batidas de sol, das oliveiras, varejadas por grossas mãos, caíam e se recolhiam, do chão de extensas lonas, os rebuscados frutos. Ao calor do lagar, as prensas esmagavam, das esteiras chorando, a massa do denso, pegajoso líquido. Dos caroços, desfeitos em baga, da azeitona esgotada, ardia novo lume na lareira: Enquanto, gélidas manhãs, pra fundas talhas, corria fluido fio d'oiro. Avisos a possíveis intrusos ou do outro poema pouco original do medo: Cuidado com a relva! Não vá calcá-la! Cautela com o cão! Nem lhe fale nem o pise! A lucidez da mulher de meia-idade: Extremamente acinte, reduz a pó, por arguta luz sua, os obtusos devaneios do poeta. Prá mesa, prá cama, pra os média o sacode. Ele, d’esgrouviado, acaba por cair em si, a limites de terreno bicho. Aéreos, aquáticos veleiros: Fluem, não ao sabor do puro vento e das marés, brancas velas sob sábio pulso ágil. -

"O acender das luzes nas grandes cidades." P'la janela, uma réstia de espaço arborizado. Soltam-se conversas desconexas: Tanta necessidade, e que de raivas, por esse mundo fora! Foi a sortes, e ficou livre! "Uma existência honesta, de cristal." Ver, condoer-se, estar perto. E erguer mãos. Pairar, nuvem de calças, sobre-realidade. Reconciliação, após bica bebida, ante a cruel devastação. "Nada há de mais belo do que um corpo." Equilibrado, hora a hora, ao ritmo do coração. Ante a parede nua bate, ferido e livre. O sonho reinterpela-nos. Reiteramo-lo de cada altura que o lembramos, mas transcende-nos, prolongamento do Invisível, até onde nem supomos nem imaginamos. Lá, o que evocamos somos. A manhã sem nome, os intervalos exasperados, trechos de casas, vultos, finos fios ante a extensão ar, largura, abisso. Remergulha o fosso o elevador, dor òr, dor òr, rodas dentadas, cabos, arestas, aço, baralhados fios, nós imbricados, vãos e desvãos, degraus iguais. A disformidade obsessiva dos 27 dedos. Rodeiam-nos, sábias, desvairadas, absolutamente pasmadas, as eleitas crianças. "Se, muita vez, na sem-razão da angústia, quebramos o oco do silêncio com palavras incoerentes." Será que, de futuro, se repete do dia extasiado o amanhecer da transbordante alegria? Cedros, pinheiros, asas, as pernas sobrevoando a ventania. À mediateca: Dos poemetos. Óbvias escrituras. Infindáveis ruas a percorrer exaustamente. A não esquecer o irmão, o pai, a mãe. A não esquecer esse outro. Ainda aí. Um dia

pegarei na bagagem e viajarei a longíssimo: Certeza do matinal canto, que vem aflorar desde mim mesmo. Aranha, aranhinha, a tecer a teia! Ai, pai, ai, mãe. Entrechos muitos, de nada. E depois? Aos saltos, quais ágeis galgos, folguem pujantes palhaços. As andorinhas, aos pares, cruzavam-se voando em torno dos seus lares, suspensos do beiral, da casa onde eu nasci: Aprendizagem dos gestos da ternura primordiais, no calor de teu regaço, minha mãe. A retalhos recuperado, o poema: Carne só carne, osso só osso, resíduo, resto, resquício, gengivas, a que sumiram, de gastos, devastados dentes. Foram prá guerra e deixaram cá as noivas, de luto. Cumprida a tropa, regressam às origens. Uns anos depois, chegam, crescidos, os meninos mestiços. Vêm reclamar, por lei e sangue, do destino a parte que lhes cabe. Sebastião, poeta moço, enquanto breve aqui estiveste viveste um lindo sonho. Ao romper da mansa aurora, vou buscar nas florzinhas esquecidas, que povoam tua Serra-Mãe, da canção, que és, o redivivo eco. A uma hora destas, "fumando seu cigarrinho, em plena burocracia!" Lance fora a porcaria! Descontraia-se! Respire fundo! Rasgue o dia! Vivinha da costa! Do mar prá rede, prá barca, prá canastra, prá grelha, prá mesa: A pequenina sardinha. Humilde, requintada. Com salada e pimentos, com batata cozida por descascar, ou tão-somente embebendo rude pão: A temperar de fino azeite: À meia dúzia, enche de verdade tosca travessa: Precioso manjar, de rico ou pobre: Com o sabor do condoído sal, ei-la, que chega. Dela, a saciedade farta, portuguesa. A descoberta de uma "realidade", a entrada num mundo novo, isso interessava-o prodigiosamente, mas era algo impossível de ser dito. Um, saleta, padre, 'tá bem, confio, thum paix, toth, love, bròda, tóvaritch, shalom, mir, rauha, paz, pax, país, pai, abba, papá, pá, pace: Tout dire, noite, du fond du coeur. Palmela, noite dentro:

Equilibradas arcadas de fundos alicerces: Ralos, cigarras, grilos. Acaso pirilampos? Ladrar de cães: Abafado fluxo de automóveis. Auto-retrato, em forma de glosa a Bocage: Olhos castanhos, gordo, agreste cara. Meio torto de pés, alto na altura. Aspeito incerto, de alegria ou de tristura. Nacho dobrado a meio, feio, torto. De ânimo vário, mas mais brando agora. Co'a idade, dado a se mover do coração ferido. Com álcool não, mas de cafés matando os dias. A nenhum deus, dos da fama, dando culto, mas a sorrisos gentis sempre sensível, digo, a ternas musas feminis. Quási só pra confêsso, tolerando os padres. Eis Ochôa, a quem talento, à borla dado, serviu, certa manhã, de devaneio: Não sonetando, mas dizendo. Jardins d'água e flores, onde retine colorido o chilreio das múltiplas avezinhas: A vendedora das ditas, canoras, diminutas criaturas, achou assim maneira de, embora 'inda aqui, emigrar de vez. Tal fuga lhe admiro, sempre que lá acaso passo apressado da redutora sequência dos sincopados segundos. E se com ela estabelecesse sociedade? Que um outro, melhor poeta, aceite a sugestão. Mas onde, aonde, essa Lua, essa Estrela, essa Chymera? Muito simples: Dobrada a esquina, passado ao fundo um arco, ao Centro Comercial do Bonfim, loja 6. Muros, pinheiros, asas, vento, narinas, frestas dos dentes: Mancha z, z um, z: A zonas, a vasta terra: Os largos ombros: O canto poema, enquanto achado de palavras. "Onde cada um pode olhar-se, e pode alegrar-se, e pode reconhecer-se." Os versos outros, à medida do Teu Nome, digo-os pra repetir-Te, repetir-Te. O pelourinho azul que se ergueu na praça ampla e fotografei dez vezes dez anos volvidos. A sopeira do lado, a cantar arrumações. O Brasil. E daí? Velhos, as barbas, os socos, dos pés enfiados em meias de lã. É ver o correr do azeite! Tossem fundo, e inspiram rapé pausadamente. Tantas cosas han muerto, que no hay más que el poeta. "Na fonte está Leanor." A encher o pucarinho. Tanta saudade dos montes! Ela à fonte. E eu sozinho. Cai em meus braços, cabecita tonta,

que logo te dou secreto mel. "La sandalia fresquísima para mi pie desnudo." E caminhar! A barba por fazer, quatro cafés bebidos, quatro rascunhos ao raiar do dia. Quatro rascunhos não, com este, cinco. Contigo, os melhores arrebatamentos, meiga pomba. Os pobres de Cristo estão aí, lançados às valas das nossas cidades. Com os pés chagados, mal conseguem andar. Esperam por ti. Por onde quer que vás, nel's tropeçarás. "Moveu-se o automóvel. Mas não devia mover-se, não devia." Pois me deixou a sós co'a minha morte. Queres ver? E segurava, entre dedos, o anel de brilhantes, que, por um mero acaso, achara em plena rua. Diálogo ouvido um dia destes: Mulher timorense, porque carregas aos ombros um tão pesado fardo?! Não é um fardo. É um irmão. A paz a fazer-se, a paz a refazer-se, e aquática música em leito de alegria. Uns sons ocupam, monótona, a emoção. Um disco girando, um compasso, um copo, um livro, um isqueiro e um relógio de pulso. Estranheza existencial de entre si e outrem: Estranheza do jeito de não tocar o mundo. Alguém lia A Raposa, de Silone. Havia que matar a raposa: À machadada, ou a fio de arma branca. Raiz do mal, da devastação, do orgulho, da sedição, da perfídia, da corrupção, da desumanidade, do terror, da ganância. -

Um quotidiano puro, de evasão: Eis-me anónimo, envolto do mistério de ser. As mãos secando, não caem estrelas: De velhos carreiros o antigo afago. Do dia, que anoitece, a cor apagada: A cada tombo, mínimos, lentos instantes exasperados: Não sei se as palavras dizem, ou atropelam, o ser: Mas existo, do poema. "L'art pour quelques-uns, le livre pour quelques-uns nous est inutile. Est-ce vrai ou pas vrai?" Os versos, das recônditas asas, naveguem inumeráveis águas. Semeados de paz, cheguem onde se dê do humano coração resposta. Deixem-se vogar ao mare magnum dos desconhecidos ledores. Das gavetas se lancem, quais redes, p'lo vasto mundo, em letra impressa, e recolham, dos peixes, os ínfimos cordiais movimentos, na maré-alta universal. Seja réstia de serenidade sua ressonância nos íntimos dos íntimos. E regressem, com o escriba, à quotidiana mesa do verbo partilhado, na exactíssima fidelidade àquele fundamental acto de estar desperto, a amaro tempo. Se escrevo é por um imperativo que me ultrapassa. Abria o livrinho, que trazia para os tempos mortos, abria-o, e lia, ou relia, sem detença. Fazia uma dobra ao canto da página, fechava-o, e partia. Oh, a poem! Cobras apareciam esventradas, por veredas de cabras. Só, crescente, a longe lua. Alta, erguida. Vozearia de creanças da escola perto: O trânsito, agora mesmo. Um 'scasso resto de rio, que 'inda vi: “Má sina, a das papoilas!” Fatal imobilidade. Falar sem ter nada a dizer: Uma palavra pode mudar o mundo? Duvido. Até que, um dia, os gestos dêem certos, quanto os versos certos possam dar. Deu um pontapé pró ar e espartiçou-se o caco! "Comer da mão de Deus."

Radiante diafaneidade da clara, tarda tarde. Do metrónomo o vulgaríssimo soar. O estádio, borbulhando do ansiado prélio: Dum prolongado bru-ah-ah em fundo. Desprendem-se, soltas, modeladas vozes oiro, portadoras de sã verdade. "Signo mofino." Árido trabalho de preguiçoso: Premir teclas, a associações de acaso: Exaltação do mais distante remover d'íntimas lembranças. Reacrescer novos sentidos a reapropriadas palavras. Mas estou amarradíssimo ao que me é perto. Fólinho, sopra! Fátima, 1917: Deu-lhes o nervoso com o sol - e iam tombar: Parecia então flores d'amendoeira, baloiçando-se, p'lo chão: O sol deu aquela volta: Tremíamos, como varas verdes: Perguntaram aos miúdos pastores: Não têm medo? Não, responderam, Deus Nos'Senhor livra a gente. Francisco da irmã, Mãe Natureza! Ir à tua catedral, na máquina do peixe, com calor humano construída, é entrar p'lo Paraíso. Chá com torradas, menina Inês? Ó maravilha verdade do teu tempo parado! De Norte a Sul, de Levante a Poente, os pés assentes sobre o crescente lunar, vestida d'aurora Te ergas, ó Fátima Imaculada, Rainha, Mãe, Senhora, dilecta Eleita de Sião! "Gato em telhado de zinco quente." Se não caça ratos, que faz aí o bárbaro gato? Mimoseia o poeta com sua lânguida descontracção. Para que inscientes o admiremos, boquiaberto relaxa. Ao lustroso pêlo repõe lento e lambido brilho. Por soez desfaçatez de actor, exibe, 'inda noite, a pura cor. Não vá o sol matinal despertá-lo à letargia. Bicho, bicho, imponderável rezes teu poema. Fotografia nítida de olhar feliz, aqui ressoe, cantata de vazio. -

Quais mínimas, miúdas formiguinhas, as minúsculas letrinhas se encaminham, verso a verso. De grossos óculos precisaria o leitor, pra distingui-las. Encaminham-se quietinhas, linha a linha, contornando obstáculos de vírgulas e demais sinais de pontuação, que por diante estão. Até irem, uma por uma, ordeiramente comer, à saciedade, do inesgotável ponto final. Dos versos os sons se associam e expandem, sibilinos, como que celeste música. Truque máximo de prestidigitação do poeta, fazendo-os bulhar, de dissonâncias, contrastes, aproximações, aliterações, de íntimo rimar! Em bem distribuí-los concordemente reside a fina arte de o sutil acorde ouvir-se. O obscuro indecifrável não existe: Da ampla respiração da amplidão surgidos, quisera meus versos largos, libérrimos, profundos, espraiando-se d'imensidade suspensos, duros da pedra, demorados. Alentejo, ai vastidão! Seara, de onda em onda, de enorme mar. Monte e monte, longa e largamente a perder de vista. A que nos desafias, gleba irmã imensa? Pórtico da Fé: Cruel mouro, régulo islamita, a seu torreão ou castro, as noivas cristãs, por lei de uso, reclama. Simples fiéis, os moços, o nome de Maria lhes aflorando à boca em intérmina oração, se armam rijos pra combate: A fim de resgatar do tirano as apaixonadas: Refrega crudelíssima se trava: Aos corpos mortos, celestial bálsamo a marial mão derrama: Logo revivos, a árdua luta refazendo, chacina obram sobre árabe milícia: Sangue ruim de se ver! Estrepitosos gritos! A pouso tornam invictos cavaleiros! Albergou, desd' essa hora, aquela vila, gente cristã, que a Fé proclama nome alto: Alfândág, Morada, Da Fé, que, como se diz, das obras da luz acrescentada, aos homens salva. Deu-lhes, Maria, Mãe, as namoradas: Em Sua mão, que benze e livra, encontra refrigério pronto o peregrino. Tal povo são os que os Lugares da Paz por que vivos lutaram conseguem gloriosos. "O vento mia, o vento mia, que irá no Mar?" Algum temporal desabrido, que, vai não vai, atira com uma barquinha, de aflições de ganha-pão, pra debaixo de uma maior onda desalmada. "Ai do lusíada coitado, o Nobre Pobre!" Com seu cachimbo, sua fatal doença, seu só livro de poesia, toda uma riqueza. Mai'la janela do sonho, que é seu melhor bem! -

"P'lo sonho é que vamos." Dentro do que somos, até onde fomos. Onde habitamos o que livres sonhamos. "A vida é feita de nadas, de grandes serras paradas, à espera de movimento." De fadigas ignoradas, de cantares, gestos de entrega, mãos vazias afagando, encantamento cúmplice d'olhares. De cismar fascinada a solidão. Do manso pastar de alimárias. De zelos e cuidados desmedidos, nas lidas infindas, esquecidas: De ver brincar um menino, e reviver em nós o que já fomos. De aligeirar o olhar a o espaço aberto, e recolher, completo, o breve tempo a cada dado. De se ser, e se correr: Água de pedra de montanhas! De abrir olhos a o todo e o integrar por simpatia à florescida hora. De pôr fim a cansaços, ao recolher a sono ou oração. Gritos de árvores com galhos despedaçados, gritos verdes, da friagem de folhas ao vento trémulas. Tragédia do homem vão que entra no estádio, quando do piparote original do pontapé-de-saída. Quem me dera que nada omitisse meu registo. Que nada falhasse o meu poema. Caleidoscópio: O silêncio, imenso espaço, polifonia de cores-luzeiro, fremindo de invisível. Hoje, na antemanhã de novo dia, chegam a mim, mísero um, perdido num fundo do universo, ecos do sumido ser, e seu quási 'napreensível pulsar, que gozoso se dá. Notícia-poema-registo de última hora: Fim, imenso fim. O dia outro de hoje, ante a grande mão de Deus, imenso e emerso. Um dia mais, a conhecer manhã: Meu maior poema: Em leves sinais de vivo brilho. Na divina mão s'expanda, e a longe soe, a acrescida música do ver. Se fixe sobre nada, amável invenção d'ardor, sons de sinfonia sob dedos. Dissipe a noite, irrompa sobre cal. Do fulgor do ser, maravilhado se deixe - tão só do compositor-poeta fruído jogo de sentidos. Ecoe, excelente, o colossal espectáculo do mínimo. Desenrolada eternidade, lentinho alvor. Praticar a modalidade: Por tais palavras, rebarbativo, conotava, com risa ou graça, o repetido acto. Mas amor mais do que em fazer-se, está em ser-se, e em si mover-se de enleado, d'amar só possuído: Mais do que o substantivo o verbo. Onde se lê amor, leia-se amar: Onde de amar se cuide, se cuide de viver possível o impossível: Se cuide, e em ledo afã se zele,

como de cada um ciência própria, em dar do bom de si, certo e em tempo certo, e em, grato recolher das breves radiações da luz mansa fragrância: Amar d'amor: De bem amar, se saber melhor amado: Tempo de um a um, tempo de par, tempo de dois num: Ânimo de ânimos, corpos dum corpo, olhos dum olhar. Amar sem fim, ou só morrer: Outros renascer. "Não há tusa pra tanta musa!" Mininas dos vagos devaneares: Pra onde ao incauto arrebatam vossos cativos olhares? "Tu, só tu, puro amor." Cuidados d’hora esconde, e vem daí até ao mar. "Co'a calma, as aves" passam, suspensas da lonjura. Co'a calma elevando-se sobre a planura. Rápidas m'enlevam. E desvanecem-se, p'lo ar lavado. Deixam-me saudoso do seu voado voo, já sonhado. Breve teorização da poética escrita: Reúnam-se as facetadas palavras, e fluam, em absoluta consonância de reciprocidade. Nenhum atropelo a seu sussurro - submersa familiaridade - possa dar-se. Emergindo concordemente, em celeste aura de esferas, ondas de ondas se sobreponham, no acabado trecho da terrena harmonia. A palmeira, das palmas desgrenhadas, a chuva e vento. Sob si seguem longínquos reis poetas. O lobo-do-mar, investindo, a passos largos, p'la marginal, a longe vai, olhos mandados ao farol. "Quero por força ir de burro": Donde, aperrado à albarda, à força de estar morto me levante. Qual seixo interminamente rolado, vezes sem conta batido de vagas, o que aí está, polido, escorreito, lavado, transparecendo mundos de aquém e além.

Às avezinhas do amor nada as separa: Dos límpidos cantos aquecem o aconchego de seus ninhos: Todo o tempo sem conta, extático se lhes 'svai: Alegria sem porquê, de se cuidarem bem. Grafiti: RO-MA-RO-MÃ-O-PA-PAI-A-PÁ-PA-PA-PÃO-PA-PAI! Eu cantarei d'amor tão docemente, em uns termos em si tão concertados, que a vã memória d'idos prantos apagados não poderá já mais nos ser presente. Olhos, mãos, vozes às claras madrugadas, alçando-se, e repetindo-se, nos darão d'enredos amorosos os enlevos - de quem vive de saudoso ausente da Pátria, que certos indiciam brandos esgares. Só d'amor feridos, doem-se-nos, de distantes, os pousos do advir. Aos quais alheios, vagabundamos, tidos da palidez da ideia da luminosa estada. 'Nha Céu, continuemos demanda. A aí movidos, as mansões d'alma a fogo do livre amor 'nfim refeitas, tu e eu afins, sem morte ou término, âmagos vivos alumiamos. Pedrinhas iluminadas da clara luz do teu olhar. Se tropeço distraído, o poema interrompe-se. Dar pérolas a porcos. E não passar da cepa torta. Antes burro livre do que cavalo arreado. Antes solto pássaro que rouxinol na prisão. Que a verdade só liberta porque dói. Ou melhor: Muda-te a ti próprio, se queres mudar fortuna. Ou, outrossim, Aleixo, prá mentira ser segura e atingir profundidade, há-de trazer, à mistura, qualquer coisa de verdade. Ou daqueloutra saída também tua: Eu não tenho vistas largas nem grande sabedoria,

mas dão-me as horas amargas lições de filosofia. Ou da dica, que em tempo nos mandaste, ó Sena! Pilriteiro, dás pilritos, porque não dás coisa boa, cada um dá o que tem, conforme a sua pessoa. Ou do bem antigo dizer: Deus escreve direito, por linhas tortas. Ponto final, porque o demais é moléstia. A dança do sável: Esperar, distenso, outro tempo. Fim de acto: De gentes palmas ecoando, da satisfação do que dos corações lhes brada. Até que, enfim, Verão. O fazer-se mundo à minha volta. Reminiscência: As velhas, faces róseas d'água benta, à partida da apanha da amêndoa: Leva mais toicinho, ó tu! Ventres inchados, tensos. Rostos toscos, próximos, uns noutros. Juncal, Valeflor, Lagariça, Bouças, Sabor, Inculcas, Parada, Eiras, Ribeira, Vale da Porca, Eixo, Pedra, Eucísia, Adro, Sambade, Valverde, Vieiro, Luna: Dar de escutar morros, a infinito. Distantes vozes uivo, invioladas. Pudesse ser Controlador Aéreo: Pra determinar aterragens, passagens e descolagens. O longo voo escapa porém a meu sondar: Isto até porque sempre há mais ar do que ar. Estrada de Santiago ou Arte de Marear: Por estrelas até onde nem sonho, a além mim vá ledo. Anjinho mau, que se salvou, por lhe ter dado a mão o anjinho bom: Não é que o anjinho mau assim tivesse sido sempre. Foram agruras da vida que o moldaram. A horrível inferno desceu por descaminho, e seu maior defeito era um árido egoísmo. Mas, certa manhã, antes do nascer do sol, enquanto 'inda dormia, o visitou um amigo alado, finas feições femininas, a que, por facilidade, nomeámos de anjinho bom:

A ensinar-lhe a ler sua fim e seu destino: Não é que era u'a fim feliz? Logo acordado, à fonte, a jorrar fresquinha, foi lavar as asas, e ficou curado de maldades. Hoje, o só problema do anjinho, que fora mau e agora é bom, é não saber que fazer da bonomia. Esta história contou-ma, cantando, um argelino trovador, que brandas palavras entoava. Acompanhava-o o doce choro do rotundo violão. Estavas, linda Inês, em teu sossego, de teus dias colhendo doce fruito: Aos montes ensinando, e às ervinhas, o nome, que no peito escrito tinhas: Pedro, Pedro, suave nome o teu, nome de único amor meu, nome daquele que é, pra mim, mais do que o claro céu. Platão, Cristo e Paulo: Em Atenas, o antigo, socrático sábio o etéreo das ideias apontava: Séculos depois, da Judeia, um Outro, O Irmão, O Amigo, íntimos ânimos, de humanos, incendiou. D'onde vindo, o de Tarso, no Areópago solta a clara voz, e O Ignoto Deus livre proclama. Agostinho: A deserto abismo desce em seu desnorte: Instante, de Mónica mãe a prece o silente Senhor em fim atende. A si cai Agostinho e, a doce paz converso, já confessa: Inquieto, insatisfeito o coração vagueia, só, perdido, errante, e repouso não colhe senão quando em Ti descansa, Deus d'Amor. O de Assis, Francisco: De oiro um sonho de restauro da Santa Madre Igreja, do luxo da Roma poluída, move-lhe os verdes, tenros dias: Pobre se assume ao que é, de Deus vestido: A Natureza ama, que o conforta de frio e indigência, com'a irmão: Arrastando-se roto, nu, em vil desterro, só sonha e ama: O discípulo António destaca, para a pregação da Arca do Saber: Seu total desígnio é tudo dar, nada ter, de Deus tudo esperar: Morte amiga o conhece, exalça, acolhe, abraça em sua graça: A flor d'humo assumpto, ele é Um Outro Novo Cristo. Maximiliano Kolbe: Da Imaculada os cartuchos pródigo distribui da milagrosa medalha e até remotos confins de Miriam Esplendente leva Gran’ Sinal: Da ignomínia do Shoa a medida funda bebe: Em cinza se dá, para que um amigo seu após si viva. Henrique, o Navegador:

A cruz templária em pano-cru das velas das barcaças, leve, à mão desenha: Terras, céus, ares, mares, ventos, correntes, procelas e marés, a rigor analisa, vê, especula, estuda: Os rumos assinala aos que conjecturas de monstros nebulosos, ao ritmo do ousado navegar, por completo vão desvanecendo: Do Infante enviados, inauguram novo padrão de fé, na terna claridade dos areais da chegada. "Alma até Almada!" Entusiasmava-me o pai. Que acabou por Coimbra. "Ó tempo, volta pra trás!" No escurentado arraial, tio António suspirava. Agora, tem o tempo todo. "Tenho ali um docinho para ti!" Avó Madrinha demandava-me à parte, à quermesse, com seus desvelos de seda. Hoje pra lá me atrai ainda, desarmando-me com o mel da ternura. Putin: Conheceste bem planos, intrigas, perfídias, estratégias. Eis-te hoje, em puro à vontade, governando, para o reacender da antiga alma, tua pátria, a santíssima Rússia. Mário Soares: Se algum argumento ainda te faltasse, pra, no pátrio jardim, seres um dono e um senhor, achá-lo-ias. João Paulo II: Sob sombra amiga dO Misericordioso, orientas a ignoto porto de Pedro a frágil barca. Nenhum, dos que te pesam, te é estranho. Bush: Reúnes as condições para profícuo policiamento global, mas esqueces, entretanto aí, na Mãe América, o grito, e as sagradas razões, do último condenado à morte. Juan Carlos: Toda la sangre hispânica, das quixotescas venturas, vela tua firmeza. Sóbrio, igual, empreendes a enésima tentativa de concitar à razoabilidade

sanguinolentas mãos terroristas. A santidade, o amor, a paz, o sonho, a natureza: Excelentes temas pra um livro de versos. O certo é que a poesia nasce do âmago coração. Caça grossa a NE: Gamos, gazelas, javalis e lebres, sustos espantados de meu irmão Jorge. Nevões de amendoeiras florescendo, cegai-me e alumbrai-me o gasto olhar! Calma pescaria: Barbos, pargos, bogas, sáveis e demais habitués de água doce a anzol ou rede cativos se deixam. Golfe: Amigo Neves algumas acerta das vãs, secas pancadas. Motonáutica: Campeão reformado, Carolo velocípedes assiste, lá pra o fundo da Luísa Todi. "Vi uma noiva entrar pra um automóvel." Em seu esguio corpo sublime. Arrancando-me de obsessivos sonhos. Uma passante: Jovem escuteira, de mochila, pisa, leve, a terra, e alegre vai: Até onde olhos não alcançam. Da lógica dos sonhos: Terá Freud previsto alguma não-absurda relação entre ovnis e fósseis? A uns noivos: O venturoso sol pra vós sorria limpo, p'la vida além. No quarto, onde contra a luz escrevinhava, um visionário Cristo, fixo à parede, acompanhava-o nos menores movimentos. P'la manhã:

Chilreio intérmino de universal louvor. Ao entardecer: Rescendentes tílias, etéreas brancuras de florir, odorífera plenitude. Anoitecendo: Arbóreos reflexos, desmaios de cintilações múltiplas, vivazes luzeiros. P'lo firmamento: Espartiçando-se, miríades de estrelas. Antemanhã anterior: Pingos de chuva, luz crua a raiar, melancolia. Meio do dia: Pletórico, como que ensonado sol, de acordado enleio. Meia tarde: Ao calor, o odor a corpo, sob frígida água. Artérias adentrando-se, borbulhantes, ao fogoso coração. As 4 estações: Primavera: Pura rebentação do corpo do poema. Verão: Sazonado, recolhe-se cadente fruto. Outono: Ténue decadência, empalidecida ideia. Inverno: Crepita íntimo lume, ao chão do abrigo. Canoagem: Contra o rebentar da água, na canoa do verso, ante a morna anomia das correntes, irrompe, remador. Montanhismo: A pulso trepo íngremes altos, a que me incluo. Operário em construção:

Tijolo a tijolo, sobre o solo, encho do sólido sol o raro livro. Andaimes e andaimes subo à exaustão, até que porção nenhuma falte dar de esforço. Arcanos do meu coração alquebram-se ternurentos p'la cidade, ao deparar com as varredoras camarárias, de batas verdes. Cedo em suas lidas, alindam, mais e mais, as ruas do poeta. Abrindo nupcial passagem à divina brisa dos voos leves. Hipismo: Saltar a cavalinho obstáculo após obstáculo, capaz de chegar a repouso à branda pradaria, onde, du coeur, o sobressalto cesse. Que graça haverá em cegar o touro contra o vermelho dum pano, e lhe desferir férrea estocada? Alpinismo: A claros cimos aspiro, e nada mais me é dado além do ar. Asa-delta: Vogando por sobre montes, quase me esqueço de que terei de pousar o pé no chão. Esqui: Sobre neve, flui meu não poema. Natação: Água-Mãe me circunda e abraça. Alenta-me, aleita-me, agasalha-me. O amante de dicionários palavrinhas uma a uma esmiuça em busca da Palavra. Voleibol de praia: Tu cá tu lá com a bola, bola não bola, bola aquém, ou além rede. Tombam ao puxanço, sobre areal, tostados corpos. Basquete: A alto chega o negro atleta, e encesta, pontuando.

A seus beirais voltaram as andorinhas, mortas de saudade. Almada, milénio novo, exalta-se S. João. Canta e ri, alegre povo, pois vences lutas do pão! Almada, milénio novo, alegra-se com S. João. Que afã folgado o do povo, em festa, luz, ilusão! Almada, milénio novo, festeja a cor S. João. Vá longe, longe, meu povo, d'arquinho, fogo e balão! Um 10 de Junho: Dia de Portugal, de Camões e das Portuguesas Comunidades. Da praceta igual. O gordo tubarão, das mil aparas, peixes múltiplos em cardume abocanha duma vez. Filatelia de temática ornitológica: O nascer e o morrer da luz as aves todas cantam dos selos das cartas enviadas ao Deus dará, que, como as ternas avezinhas, voam das mãos de Pai Francisco, Irmão Universal. O espeleólogo a si desce, por obra e graça do profundo sono. Nu, transido de frio, na noite densa, envolve-me o bom Deus: E agasalha-me. Em mãos me tem. Mísero embora, protegido, amado. P'lo bar aqui mais próximo: As electrónico-líricas jovenzinhas dos comuns dias, do liceu e da praceta,

das elásticas pastilhas, dos cafezinhos, e dos pachorrentos jogos de azar, da mesa da janela, por horas de saudável pasmo, regional, nacional, internacional, oh, as horas que céleres voam!, as jovenzinhas, dizia, conhecem-me melhor do que os famigerados, consabidos folhetinistas de gazetas, corifeus contratados da acomodada praça. Gaivotas bicam peixe à flor da água, enquanto do Sado azulam-se ondulações de alada ventania. Ante os largos espaços, abrem-se-me os olhos espantados, que, fremindo novidade, esperam desmesuradamente. Ai linda flor! Ai fresca rama! Ai neve flor! As aves todas cantavam d'amor! Ai bela água! Ai verde rio! Ai dulce air! As aves todas cantavam d’amar! Cantiga: Que chorades, amiga, à fontana fria? Amores hei. Alba, e vai lieiro. Que pranteades, amiga, à fria fontana? D'amores vou. Alba, e vai levaando. Amores 'mpeçados, sem eu sonhar sua fim, choro 'a mim. Alba, lieira. Amores, que muito mentem, pranteio ‘migo. Alba verdadeira. Ó amores, mal amados,

findos em vão. Alba, asinha. Ó amores, desgraças, de meu coração. Alba, 'svoando. Branca arquitectura me envolvendo, de vítreas, férreas, pétreas, dinâmicas estruturas, a aureolar hora efabuladas. Santo António, meu santinho, sábio santo dos doutores, ensina-me sã doutrina, aceita meus louvores. Santo António, Antoninho, qu'acodes nas aflições, toma meu coraçãozinho, ensina-lhe orações. Vi o Menino brincar, nos braços de Santo António. Ó meu santo popular, mata em mim o ruim demónio. Santo António dos Amores, faz-me amar minha mulher. Dou-te guirnaldas de flores, seja o que Deus quiser. Santo António, sábio santo, e português milagreiro, por amor de teu Menino, salves tu o mundo inteiro. Santo António de Lisboa, bom amigo e protector, dá-nos Esse teu Menino, que aclara o mundo d'Amor. Ah, o Camilo! O dos olhos negros e chorosos. O poeta, místico e músico. O de Macau, Pessanha:

Só, incessante, um som de flauta chora. Antiga tristura, que em lágrimas em mim mora. Dolorida, me demora. Ao sol erguido, porque não morreste ora? Só, incessante, um som de flauta chora. E o alvo pão? E os florões? E os arcos? E as cascatas? E o fogo? E a plena lua? E o nardo? E o aloés? E a donzela, na folhagem que deriva? E, no longe, os barcos das flores? Com pétalas leves, sobre alma derramadas. Será que, de ébrio, me morro, em vão, farto da lida? Ou é que o pranto sara, e o pavoroso ardor extingue? Quem sonha alto sobre a hora? A que estrelas s'exalça? Em que silêncios mora? Vãs perguntas, que a noite devolve, 'sfinge da morte assustadora. Só, incessante, um som de flauta chora. "Adeus, eu vou com as aves." Com as aves vou, mas onde nem sonhar consigo. Onde estou sem estar, onde, ausente embora, moro. Sem daí conta me dar. Aquela triste e leda madrugada, enquanto houver no mundo saüdade, quero que fique sempre demorada a meus olhos abertos sobre o nada: Amplos campos verdes, da clara luz banhados: Arvoredos, automóveis, idos passantes pasmados: Roucos sons de cães, a os dos pássaros acordados mistos. E rosas. E aromas. E tons. E amores de meus amores. Porque não cantar, se o dia nasce à mesma hora da flor e a neve é véu de núpcias sobre o ar? Ó enorme madrugada rompante de meus dias, em ti vibra minh'alma o jubiloso louvor. Longínquos acenam sonhos de asas, nuvens, p'los montes. Boxe: Do OK ao KO, directos, defesa, ataque, golpes baixos, incompletas contagens decrescentes: Até soar o final som!

Acontece que um beija exangue o chão vermelho do tapete. Doutro, 'inda em pé quedando-se, um braço lhe levantam. Pascoaes, irmão da luz e da terra, poeta meu, luso e eterno, meigo, saudoso, que rezavas: Sem esta terra funda e fundo rio, que ergue as asas e sobe, em claro voo; sem estes ermos montes e arvoredos, eu não era o que sou. Le Portugais est toujours gai. O francês o disse, mas não lhe veste a pele. Lá terá suas razões. Alguma verdade respira cujo dito. Alguma verdade lhe surpreendo. "Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?" Quem te manda a ti, pobre Ochôa, encher de versos umas cem brancas A4? Ora põe depressa finda no poemeto. Fique claro o céu ante teus olhos. Fique limpo, nevado, o poema, no olhar da tua bem amada. Eterno reflexo da mais secreta flor do teu jardim. "Não mais, canção, não mais." Que irei pranteando, sem de tal me aperceber, milénios de desventura. Hora ascensional d'antemanhã: Abre-se, de vez, o livro. Pardalito, meu irmão, vem cair na minha mão. Pardalito, meu irmão, aquenta-te na minha mão. Pardalito, meu irmão, aconchega-te na covinha da minha pequenina mão. Pardalito, meu irmão, debica da minha mão as franjas das falangetas, ou as orlas das unhas, rubras grainhas de fecunda romã. Aux Alpes: Suspenso do ar lavado, a alto, a largo aspiro do aéreo poema sobre a terra, pacífica extensão da eternidade a meu olhar. Sequência amorosa e possuída do sopro e da vertigem do espírito e da asa, que estremece fundo ao coração. Terra, terra me tens! A longe, longe me exalces e arrebates, habitação da paz. Regenera-me, cura-me, projecta-me pra lá de mim, da sombra, e do pecado.

"Meus amigos, que tristeza nascer em Portugal!" Boi da paciência, que sempre reencontro, amo-te, e detesto-te até ao vómito. Quisesse eu afagar-te os vis corninhos, e ririas melífluo, como quem padece de coceguinhas. Conheço-te bem demais, bom ruminante, ágil de engenho. Conheço, e reconheço, teu minucioso e porco ritual! E ainda aí estás, a ti igual: Anos 0, anos 60. Marras agora, como já antes marravas, ao tempo em que te detectou, sagaz e crítico, o O'Neill. Pronto regougas, desmaias, fazes que desfaleces, ou desfaleces mesmo de contente. Como que em derriço. Como se te sorrisse um incisivo dente. Deixa-me que te diga: Com os meus quási 57, que levo desta passagem, já não estou pra ti virado. Mas, se esse é o teu maior gozo, envolve-me de blandícias, revolvendo-me em teu bandulho. Estou farto! A toda a hora me desafias a que nem de relance te espreite ou fite. Tal o nojo da tua meiga baba! Tais as emboscadas, que tramas ao transporte poético do meu tesouro. Que meus dentes cerre firme, cego da Alta Luz, que nem Deus nem o Diabo roubam. Que aspiras 'inda, ó mansarrão? Abre os olhos e vê: Estes não são já teus belos dias! Continuas aí, meu boi boizinho? Ateimas 'inda? Ouve bem: Sei que, realmente, só sumirás, de ao pé de mim, quando, por minha vez, eu der o berro. Pertinaz aderente, espera, espera, que já morro. Boi da paciência! Portuguesinho, ronceiro, salazarento cornudo! "Puseram-me a ferros. Chamaram o cão. Mas tive o Diabo na mão." Espertíssimo e espessíssimo bicho esse, dos mais ubíquos, que atenta quando menos se espera o desprevenido peregrino. Tão mal encarado és, que forçosamente nos lembras, de ausente, o Deus esquecido ou Mãe Maria! Malino Dianho, que interpelas a que, pra renegar-te, louvemos enlevados a luz aberta da aurora das sandálias de ouro, como poetou Safo, já há 26 séculos, sob céus sicilianos. As Mães da Mãe, filocálica pra umas três horas: Anne-mari-eozu-ao-pleno-ar. Podes morrer: Que o sol continuará resplendendo, as ondas continuarão desdobrando-se sobre a mansa praia, pálida, a lua continuará alteando-se, mês a mês plenificando-se, dos montes os lombos ermos de maravilhados continuarão ascendendo do fundo do horizonte, e as niñas flores continuarão acordando novos despertares de voos e ilusões. À tua praça convergindo renovos de risos e vozes, ou estertores outros das manhãs tardes noites espantadas.

Frustre borboleta, na noite só, irrompeu por janela entreaberta da marquise. Breve irrompeu. Breve sumiu. Posologia: A + Z = Infinito. As Twin Towers do World Trade Center revisitadas: Milhares de azuis pontículos, reemergindo, dum sonho, a meu olhar. Lei de talião: Até à infernal exaustão, perpetuam-se réplicas de ofensas: O difícil é saber quem começou. Lei de amor: Um só gesto de paz e de perdão, nascido de bondoso coração aberto, inaugura a excelente liberdade dos Filhos de Deus. Onde o destino dos poetas é tão só, depois de mortos e bem mortos, dar nome a alguma rua ensolarada: Que seja Dono da Quinta o Zé do Nabo ou o Manel da Horta, ó meu Amor, antes fosses ceguinha, surda-muda, salamurda! Pois aqui caíste, pomba indefesa, no rectângulo das 89 mil dóceis e cínicas facadas, sorte madrasta, sina bovina, vómito ritual. Milagre fatimida, o sol resplende, e resplende, esplendoroso: Enlatem-no. Vendam-no em embalagens recicláveis. Engendrem americano negócio, quejando o da azeda Coca-Cola. Tejo: Limpidez alada d'olhos d'água. Tremuras de difusa luz. Gratuita poesia. Solto voo. "Graça Morais, terra quente, o fim do milénio, as 4 estações." Lá, a realidade remove milénios de ficção, sã realidade do chão, onde, sempre, me guia o sonho o coração. Meiga borboleta, volteando em tenras flores de sardinheira, alimentando-se do ouro luz. Do sabor a pão: O pão sabe a trabalho e a suor, o pão sabe a amor. O pão sabe ao calor da espessura do sol. -

Do vinho: Cor e travo de eternidade sanguínea. Da uva o bago: Cristalizações da ternura. Da água: Liquidez de íntimos - terra, ar, alma - reflexo da passagem ao eu. Do peixe: Solidez d'imos líquida, inteireza de coração aquático. Do mel: Pólens iluminados d'ardor, arte de voadoras abelhas, tontas de saciadas. Do leite: Alvor d'úberes, complexa ruminação de frescas ervas. Do queijo: Esplêndida solidez, branca verdade térrea das mãos d’obscuro Inverno. Do iogurte: De remoer azedezas o resultado pleno, milagre da convergência. Do pão-de-ló: Do ovo a gema dulcificada, em doirado, suavíssimo pó. "Quem canta seus males espanta." Quanto mais e melhor cantar, mais e pra mais longe os vai espantar. De um devaneio trivial: P'las traseiras da praceta passavam, carregados de cismar, uns homens sós. Lembro que nossas filhas andavam longe: A arquitecta p'lo Mar Vermelho e a actriz por Barcelona. Minha mãe partira um braço na Barra, quando arrancava flores. Isto por alturas de um Setembro, de começo de aulas, andava então o papa p'la Arménia. Tínhamos acabado de ver o carteiro de Pablo Neruda. Naquele tempo, eu só escrevia, por motivos de força maior, algum verso com que sonhava. E falávamos. De repente, saía-me com coisas:

Tratas bem dos meus instantes, companheira! Setúbal, no seio da gloriosa e pura Virgem Maria, sob a Abóbada Celeste: José Varela Teles, sobre secular heráldica em pedra da Cidade, atirada prá erva do Parque do Bonfim: O mais - laçarias, volutas e outros motivos arquitectónicos não são senão simples enquadramento. Porque acresço, aos Favoritos da Web, vaticano.va: A que em volta plenifique o sopro da pomba e da vertigem do Tudo, o Santo 'Spríto: A que se desvaneçam ácidas arestas de ressentimento e torpor. Vexata quaestio: Pra uns, febre de dinheiro, pra outros, desígnio celeste. Pra uns, o só terrestre, pra outros, obra de fé. Quando acabará por perspectivar-se a verdade da pátria história? E deixarão de se chamar bastardos a heróis e santos? Meu epitáfio: Sólida árvore do meu coração. Sólida luz do teu olhar. Sólida flor do doce amor. Sólida esperança em neve flor. Diversificados cursos do nosso Ensino Superior: Nova Licenciatura intensiva em Talibãs: Desde o sinistro 11 de Setembro, que os jornais publicitam Textos de Apoio, a complementar com informação documental, sem descanso transmitida p'los domésticos canais Tv. Abre-se já público concurso para atribuir marca a registar a brutal detergente de eficaz lavagem a cérebros. Variações, se t’apanhasse de volta, dava-te cá um abraço. Piscina de Alta Competição: Esplêndidos atletas. Enxergo-os, sob luzeiros esfuziantes, esforçando-se, a céleres braçadas, indo e vindo. Eu cá se quiser boiar em águas quietas, terei de procurar a Baixa da Banheira. A vereadora do Pelouro da Cultura

resolve agora incrementar novíssima, lata e popularucha festa: A do balão! "Se não me lembrar de ti, Jerusalém, maior das minhas alegrias..." Leveza de meus pés, cidade das cidades, ternura de meu olhar, p'lo dentro de tuas portas, revolto do glorioso, luzente resplandor. Céu terra! Terra céu! Jerusalém, pátria comum! Anelo meu, deslumbre fundíssimo de eternidade! Francisco de Assis, bom povorelo, de palavras e obras gravadas nos Altíssimos Céus. "Restauremos a Poesia, em Cristo!” Cuidado, Sörge, pre-ocupação, atenção expectante, zelo e desvelo. Estremecimentos, vibrar meigo da luz do todo, que nos inunda. De que comungamos. Só nos somos divinos na medida, em que, cosmicamente, contemplamos. Pontículos: Cada um é um único pontículo, do cruzamento em que se lhes interceptam infinitos: Macro- e microcósmicos: Os infinitos das estrelas e os infinitos do corpo crístico, um e igual mundo. A voz, a cor, o som da Mãe Natura são como que acerada adaga que golpeia o lado mais coração do nosso lado. Ou grave imobilidade, em que emergimos do Cristo Pascal. Poetar é rezar! Alçar a céus e terra versos magoados. Os sons dos versos, animação rítmica da sideral luz. Ciência de ver Deus. O Deus de Deus, Motor Imoto, Acto Puro, Auto Imóvel. Verdadeira Vida. Sentido certo de quem a passo a passo se abrasa da ternura! A música, a luz e a linguagem de toda a criação exige um intérprete: O poeta místico é esse intérprete, que surpreende quanto aí impregnou o Criador. Mediador. Pontífice pra o não sabido. A natureza, fecundidade transcendente e diurna: Daí que dinheiro nenhum a valha, sagrada coroação da vida: Absoluto vivido no tempo: Telúrica e divina condição do Redimido: Que no Amor se cumpre cabalmente. Tanto mais a natureza se esconde, mais revela o Deus que a habita, ausente embora. É na manhã que a noite desvanece. É a Maria, Stella Matutina, Porta da Porta, que se abraça o penitente.

Grafismo: Continuar, continuar, continuar. Quando de minhas mágoas a comprida maginação dos olhos me adormece, em sonhos meu tudo me aparece, felicidade ou sonho desta vida! Só sonhada ventura me conforta da vivida desventura: Sonhe eu, e infindo sonho viva, da ventura, que a vida me negou. Donzelas mil, ternuras só sonhadas, indícios foram, meus, de idílios mil, p'los anos que aqui tive, donzelas, de quem não vi senão breves enganos: Donzela de toda'las donzelas, em ti, Maria, única de toda'las Marias, a felicidade humana prometida guardas em teu corpo, d'essências perfumado, a meu lado dormindo o imenso sono, sem tino, da ansiada, final serenidade, inevitavelmente alongada da 'tribulada série de meus dias. Sedia-m'eu en la Ermida de San Simion, acercam'ondas, qu' grandes son! Ondas m'emparedan, eu san rum' ô' guia. Ondas m'engolfan, eu cerrad' a' dia. Madre, qu'ondas altas, contra mi' s'avêem! Madre, qu'm'envoltan! Eu san pous' ô pé! Portalegre, Museu da Tapeçaria, 14/10/2001: A caligrafia do poema consiste em complexa teia, tecida dia a dia, com os nós da lã de todas as cores que há. Passa, por lá, diluída, rubra gotícula do dentro coração. "O justo viverá pela fé." Canto do homem completo:

Ou da plenitude radiosa do Espírito: Ou do homem, a quem Deus ama: Como não cantar o homem completo, a quem Deus basta? Homem de palavra e de amor, homem novo e inteiro, que os olhos rasos abre a céus e terra. Homem de fé e decisão, homem projectado infinitamente para as alturas do amanhã. Acaso falta a esse homem algum quê? Não, suponho, pois a esse homem não falta vencer nenhum obstáculo, a não ser transpor extremo fim. Tudo ele tem em si, pois em Deus vive, para a amorosa comunhão dos filhos de Deus, a exaltante plenitude do Amor, do Verbo, e do Paráclito! Novos Céus, Nova Terra proclame esse homem, cada dia mais completo. A meu canto não falte a vertical beleza, a que ele emerge. É o homem do amanhã, homem inteiro e completo, homem a quem rigorosamente nada de bom falta. Os maus vi sempre nadar em mar de contentamento. Os bons vi só prantear injustiças e tormentos: O mentiroso, exaltado com festança e honraria, pró pobre homem honrado, um tropeço cada dia. Larga autoestrada, pró iníquo, íngreme ruela, pró justo. Insano, cru mundo este, pois só paga quem padece. Se medida Cá não há, pese Deus os corações. Na balança da Igualdade, saiba Ele quem conta mais. Dois cegos e um manco: Um cego pró manco: Como andas? O manco pró cego: Como vês! Nisto, outro, desconversando: A ver vamos. Que tens tu no Algarve, que estás sempre a querer ir pra lá? Tenho uma janela. De ouvir o caminho da manhã, de Sophia: Em todo o lado tropeças nas marcas e nos sinais do grande Deus invisível. Ele que Se esconde e submerge na oculteza: Mas, a cada esquina, ante teu atónito ser, Se prenuncia. Templo de Milreu, dia de Todos-os-Santos:

Sob sombra amiga cair pra sempre em Ti, Gran’ Pacificador. Atravessas-me com Tua bênção, Deus de bondade! Linguagem do sapato do actor avô: Vou para casa, Manoel de Oliveira: Longo discurso, de uns três minutos, o daquele hirto e inquieto sapato novo do actor avô, maravilha de pasmar! De acompanhá-lo, ritmicamente tremendo, enternece-se-nos o morto coração! Todos os anos, por esta altura, lembramos nossos mortos: O pó do irmão nos é igual. Se O respiramos e O somos... Fazei resplandecer sobre nós a Vossa Face, Senhor! Deus vê-nos e ama-nos como nos espera: Como um menino confia, assim eu confie em Vós, Jesus. Previsão do estado do tempo: Céu em geral pouco nublado, vento soprando ligeiro de NE, próximos dias de sol aberto, águas do mar supostamente instáveis, breve oscilação das temperaturas máximas - e por hoje é tudo. Notícia do grave, geral e horrível crime: As taxas de juro descem 0,5, em todos os bancos da CEE. As pensões de sobrevivência/2001 continuarão a pagar-se, nos dias aprazados. O salário mínimo manter-se-á até ao próximo Natal. Os arrumadores continuarão a embolsar uns repetidos trocos. A Cáritas recolhe fundos a âmbito nacional, pra conta da CGD, pra tentar obviar ao inobviável. As caixas negras do Airbus, dos centos de mortos de New York, não revelaram indícios conclusivos. Nós, cristãos, continuamos a ser lançados às feras. Prevê-se nova Cabul de morticínios, e uma subida das temperaturas de Inverno na Península. Começa-se nova campanha de prevenção da SIDA, nos jardins escola do país. Incerta a ocorrência, na zona da Grande Lisboa, de terramoto qual o de 1755. Horas mortas, a sós com o meu Deus, eu louvo, amo, a obra, o Criador. Se tudo, ant'Ele, apresento e doo, nada me ensombra ou preocupa.

Sempre estás onde estou, e vais onde vou, comigo, alada companheira. Maria, Fátima, Senhora, somos filhos teus, muitos, indivíduos, desgarrados. Rosa Mística, Torre Ebúrnea, Refúgio dos pecadores, reúne-nos na fé. *Selecta Literária A Minha Mãe. Nomes: Anne Frank: Em Amesterdão, da clarabóia de sórdido sótão, as nuvens eram a substância da tua vontade de melhores dias. O'Neill: Viciosa, indolente existência, de anelos de fraternidade. Lima: Povoaste de figuras aladas, bailarins e trapezistas a cerca dos sonhos de um Cristo amarelo. Hölderlin: Fundura, alemã e grega, de um fundo sopro e verbo criador. Vian: Ligeireza de plumas dentre toques de clarim. Despedaça-se o verde coração. Pagnol: Térrea foi tua saga, moura, francesa e ociosa. Duval: Cantavas. Havia sorrisos, que atravessavam a rua. Machado de Assis: Tabelião da escrita, ó excelente funcionário do idioma. Brel: Golpeados os fios que sustentavam a marioneta, eis-te em fuga ante ti mesmo. Junqueiro: Luz divina e flor de urze, em torno a teu burrico. Teilhard: Coisas quiseste dizer, porque animadas. Eça: Burilaste a tal ponto teu poema, que já nem das palavras precisavas, pra dizer da maravilha. Bilac: Abraço trouxeste a um lado atlântico, abraço em que reuniste o inseparável. Senghor: Salmos fundos de África, tambores eclodindo de ritmos sanguíneos ancestrais. Pessoa: À leitaria a copos, à literatura a golpes d'asa. Rilke: Soturnos anjos da noite. Segredavam carícias? Camilo: Todas as palavras esfarelaste, e no-las deixaste, em banquete. Simone Weil: Das 3 para as 4 da manhã, és hoje, no Metro de Londres, a transeunte do Cristo, que te agasalhou nos braços. Bresson: A preto e branco, intimamente, o mais íntimo sentimento. Kazan: América, de sublimes jogos de azar. Antero: Limpidez da Ideia Nova, traída p'la insânia. Agustina: Reerguendo painéis sobre painéis da casa pátria arruinada. Jimenez: Moguer tuyo, de tu Platero, e New York, de tu mujer. Vergílio: A felicidade pela agricultura: Áurea mediocridade, excelente via. Manoel: Fixaste, a cor e luz, Douros e Douros. Dante: Ante Amor és, pastor de estrelas. Cervantes: Quixote, poeta visionário, arremeterá de futuras brumas, engenhoso cavaleiro.

Teresa de Ávila: Dizer-te a ti, é dizer Deus. Carlos de Oliveira: Trabalho infindo, a infindo verso. Florbela: Mulher de estremecimentos d'êxtases, só mulher. Char: Teceste, enoitando, verso, de insecto solto. Bellow: Do homem que ganhou o mundo, que nada é esse quê angustiante, que lhe diz que algo lhe falta? Camões: De uma por todas as vezes, rezaste do melhor. Pascoaes: Peregrino da Saüdade, que de eterno freme em teu olhar entornado e na paisagem em que te detiveste? Kafka: De tão real teu ver ideal. Hoje, aos solitários pés, a noite demandada. Beckett: Absurdo grito, mansamente ressoando. Federico: Solto sol, de areia, ar, folhagem. Aragão: Não é que o Cristo-Rei de Almada se entretem, em jogos malabares, lançando e aparando, no ar, vis banquinhos de assento? Dostoievski: Envergadura eterna de eslavos actores. Böll: Chagas, cataclismos, desumanidade, irracionalidade. Daí, entreteceres, ironicamente, carambolantes prosas. Sophia: A perder de vista sobre areia a brancura de espuma da onda da onda iluminada: Lá estás. Serpa: O que não vias disseste em puro verso livre. Matos e Sá: Perda de ti, puríssima perda. Saint-Ex.: Teu principezinho brinca agora com aviões-correio. Rosalia: Sar teu rio, Galiza tua pátria, saudade, portuguesa dor. Cinatti: Não chegaste a explicar uma série de coisas: Desde o teu reino em Timor àquele engate da ingénua inglesinha em Sintra. António Maria Lisboa: O dizer especioso. Ruy: O dia a dia, dos mil nadas. Aleixandre, Vicente: Espanhol camarada, o pó volante do pé cantaste. Al berto: Chagadíssimo clown, algo te dói. Rimbaud: As vogais: Luzinhas flébeis, de embriaguez vadia. Green: Levaste a extremo a minuciosa descrição da sinistra gesta do acossado. João XXIII: Foram as entranhas de misericórdia do Bom Deus, que te geraram a simplicidade gorda e santa. Brandão: Fundo humo, o do teu drama, bicho metafísico e religioso. António Machado: Declives e ermos píncaros, rios e ribeiras de tu Castilla, onde pairas. Sena: Nome de rio tiveste, meu tu de riso amargo. Régio: Realeza de cumes de dor, abismo de uma ferida. Deus se amercie de ti. Aquilino: Beirão e lusitano íntegro te quiseste. Em retalhada escrita isso revelas. Pessanha: Ópios dormentes de Oriente... D'stranhas infusões, que jazzes ‘svoam? Torga: Humano só tu foste, mas humano. Cesário: Delineaste perfis de ruas de Lisboa, que percorreste. De que deste televisiva notícia.

Raposo: O 13 de tua porta: Conselho te dou, que de mim guardes. Mozart: Troca as asas aos anjos e executa os imbricados prodígios de seus scherzos! Negreiros: A voz e a cor cantaste, da Lisboa dos Navegantes. Caeiro: Respigaste da anónima pastorícia a fotográfica indiferença de quem acordado dorme, olhos assombrados. Avelino: Que século o nosso, que carreia milénios. Botto: Teus e meus versos leremos juntos, interminamente. Miriam: Mãe, que cale. Husserl: O que ante ti esteve, disseste. Reis, Ricardo: Jesuítico, tu? Vernáculo, castigado, pagão, indiferente. Gabin: Que aventura resta? Campos, Álvaro: Roldanas, mecanismos, estruturas e válvulas, Mercedes, Chevrolets... Shakespeare: Tramas múltiplas de abismos de paixões. Porque somos, tanta vez, complicados, sabias. Joseph: Abraça-me pai, e pede-me que fale baixinho. Kosik: Concreteza existencial e pseudo-concreticidade. Iosus: Pega-me na mão. Que hoje me abraça o olhar o mundo inteiro. J. J. Rousseau: Que sente, e rumura, a água corrente? G. Bernanos: Bem e mal, daimons de teu rigor, névoa e graça, sombra e luz, neve e sal. Trindade Coelho: Sítios secretos de regatos, de encantatórias histórias, ah a infância! Espinosa: Deus sive substância. E viste. Paredes, Carlos: Desfiar de lágrimas de mel, um povo a sul. Renoir: A caça: E as armadilhas, e as artimanhas. Afonso Duarte: Montanhês da planura, porque lavraste o verso? Neruda: Canto universal, só porque humano. Joyce: Irlandês completo, de entrechos e entrechos de envolvência. Natália: Perpassavas as mãos por sobre papel rugoso. Pousavas um poema sobre nada. Bernardim: Doce tristura de saudosa amargura, de alguém a quem um amor deixou. Eluard: As precisas palavras, como por exemplo liberdade. Stockhausen: Roem-se-nos sons. Sati: Pontilham-se-nos ecos. Sebastião, da Arrábida: Mudavas de camisola, saltitando de um barco pra outro, trocavas de sapatos, trocavas de flor. Alcançavas o Ar, a Água e a Montanha. Pound: Da gesta mais longínqua, itálica e universal, o melhor fabro te fizeste. Lucas: Pintaste, com a cor mais pura da ternura, o rosto de Maria. Paulo: Eclodiu de ti, e de tua conversão, da mais funda fundura, o arroubo do Espírito. Deste testemunho da dimensão do fogo, da bênção, do entusiasmo. Pablo: Uns rabiscos disseram a completude. Chagall: Meninos fomos sempre, e habitámos uma esquecida aldeola nas Rússias dos czares. Goethe: Gota de diamante, esplendidamente lapidado, epopeia.

Cecília: Tão equilibrado verso, encanto de sentir, encantamento. Neto: Preciso de ir para casa, mas daqui perdi o caminho. Ajuda-me tu, querida filha. P'las praias do sem-fim: Oh! - aí sim! - à tonalidade ideal - dormimos 'spantados. Minha riqueza o diz: Coisas há mais interessantes do que a cama. Uma estrela perdida no céu, frágil barquinha no alto mar, frustre borboleta ao vento adejando, assim eras, p’lo vasto mundo, meu amor. Queridas graças, tudo de bom pra vocês, que eu amo, com um amor do tamanho do Ar. "A estrela de Belém, hoje ainda, é uma estrela na noite escura." Dissipem-se 'ora, à boa luz, dos corações as trevas. Quando o Reino de Deus chegar de vez, os padres ficarão pura e simplesmente desempregados, o Papa entreter-se-á longas noites a fazer bolinhas de sabão, as armas converter-se-ão em bugigangas pra crianças, o lobo e o cordeirinho pascerão juntos, e o leãozinho e a rastejante viperina tornar-se-ão amigos e humanos. Tanta vez aqui me achei, na praceta dos encontros e das partidas, dos regressos e das despedidas. PIN: Mnemotecnia: Eis-infinito-infinito-coração. A multidão das crianças, dentro, ao coração: Céus de tua vida! -

De Miriam, Joséph, Jesu! Em Miriam, Joséph, Jesu! A noite mais longa do ano, perpassada de delícias e risas. O que diz, e canta, o novo dia: Eis-me, ressurjo. O que diz, e cala, a antiga noite: Me mergulho, funda, em surdo sono. Chafariz do Vento: Idas andanças, por subtis aragens peregrinas do bento vento. Como alcançar-vos? O cobrador de quotas, do Clube de Campismo da cidade, há uns bons vinte anos que a más horas chega, indesejado. Os últimos trimestres de prestações me crava em euros, à socapa. Recolhido estava, com tempo dado a aprazível ioga espanhol. Retirado o bigodado gajo, em vão leito retomo, revoltando-me pró outro lado. Ai de mim, que a interrupta urdidura dos sonhos meiga não mais reato! A nau dos sonhos solta: Pra que embarque a saudade. Soidão querida, habitada da força da vida. "Deslumbro-me, de Imenso." Entre ensonado e desperto, das alturas do ar suspenso. Consumições, quezílias, ralações, desvelos e zelos. Com isso que têm as estrelas? Continuarão brilhando altas e belas. -

Gato que brincas na rua como quem brinca na cama, invejo a sorte que é tua, porque nem sorte se chama. Vá só dormir descansado num canto terra perdido, se ache sempre a meu lado florida ausência e sentido seja meu corpo chagado a plenitude do olvido a cada instante moldado, meu poema seja vivo futuro, presente, passado, num surdo existir conTigo, revivendo, de enredado, um 'terno fluir amigo. Homo oeconomicus: Andamos efervescentes: Ler, escrever e contar é o que está a dar. Nem precisamos da conversora, pra acertar o quantitativo em euros. Comuns génios matemáticos despontam nóbeis à luz do dia. Não há prestidigitação ou golpe de mágica, que nos ludibriem. Ou será, isto, só, um vão cuidado, a que nos damos? Vida e Poesia: Porque somos, e só, o que livres sonhamos! Voa, minh'alma! Voa, coração! A rapariguinha do Dancing: Entre copos solícita, nutre choroso amor. Festa de Fim-de-Ano: Entontecidos volteando, de valsa, serpentinas e champanhe. Resistir em Amor:

Nudez de ser. Alegria nas tarefas do Partido: Só quando desceu para ir à reunião, esperavam-no, reparou que vestira a camisola americana. Todos os anos, pelo Entrudo, nosso barbeiro disfarça-se de faraó, ou centurião. Dia sim, dia não, vale mesmo a pena esperar, cedo, pelos mimosos flocos de aveia em leite. P'lo alvorecer: Inaugurais, os gestos. Decepção: Os eternos cornos do boi cansado investem, sujando a Ideia. Ah, as puras, verdes intenções! Jóua bondoso, abriga-me sob Teu telhado imenso. Campanhã/S. Bento: Filha, que a tua estrelinha - única - vai continuar a reluzir. Uma boa noite, pejadinha de estrelas, céus e luas! Sr. Carlos, já sabia que no Jardim de S. Paulo há casas de banho para os cãezinhos vadios? Ora, ora, o meu Pufe faz sempre o serviço na sanita. Oh, mãe, isto só vídeo! Mas diga-me cá: Ele usa papel higiénico? Vem a manhã. Para que quero eu a manhã que vem? Para enchê-la do puro canto, do pleno amor, sem muros e sem nome.

Depois falamos! E despediu-se. Pedrinhas da calçada iluminadas, uma a uma dispostas em mosaico harmonioso, por onde dos pés as solas gastas dos sapatos a seus trajectos certos tanta vez me encantam. Sob elas abrigam-se-me sonhos de vago e distante, submergidos p'la implacável chuva, que os mergulha entre interstícios e sob fundas profundas se dissolve. Yolanda ladina, a frescas horas, irrompe meio dormida porta dentro, 'inda apertando o cinto das calças, na Casa do Café. Um poema seu a mim me pede. Ao que anuo. Mas demoro-me a pari-lo para o papel, bom ruminante que sou de versos múltiplos, para acertar as secretas contas dos sorrisos. Se assim tanto lhe custa a se vestir, porque não dorme enroupada, na praceta, a coberto da Primavera da noite e das mil estrelas? Em que ficamos, boa Yolanda? Achas o poema pronto, ou versos outros amanhã mais pedes que te dê? Traseiras do Liceu, 4 da manhã: Como habitualmente, dois, três padeiros distribuindo, discriminadamente, pão a pão, por cestos e sacos e carrinhas. Mas eis que há novidade. Chegou o grande dia da viagem de finalistas a Ibiza. Uns primeiros pais esperam já, mais seu menino, pelo autopulman da Setubalense: Mas o menino está nervoso, e mal dormido. Desloca-se muito, de um lado para outro, não sabe onde deixar os pés. Mais pais, mais pais, mais pais e mais paizinhos: E mais meninos e meninas. Já não há onde arrumar tanto carrinho, tanta mochila, tanta malinha. Basbaques uns e umas, outros e outras fumando, outras disfarçando pasmos com beijinhos. Será que telefono ao Ilídio, para aviar pequenos-almoços? Boa antemanhã para o nosso Zé guarda-nocturno. Se está bem entregue a praceta, pode, por hoje, ir para a cama, dormir com a mulher, que tem andado doente. Bandos de andorinhas

riscam, com negras asas, vastidão. Cândido Guerreiro: Pudesse ser tu, virtuoso poetastro, perdido na brancura de uma aldeola florida de amendoeiras, e fruída de regatos. "O sol parece um morango." Sol nascente, hóstia pura, pra já erguido. Brando da ternura. Rua Infante Santo, Quarteira: Modorra de tempo! O todo branco tinge por completo o ar ao vórtice do dia. Uma preguiçosa doçura alastra e plenifica-se ao mais dentro. Aqui, ali, além, cá, acolá, por todo o lado! Algures ressoam vãs branduras, pasmo imenso! Alguém grita dentre envolvente silêncio. Estores caindo bruscos, estampidos e vozes. Um automóvel passa. Um cão, que ladra. O lugar da flor: Obra acabada, estilhaçados os vidrinhos do caleidoscópio, tudo igual a nada. Pra o reacender das vindas madrugadas. Perdoa-me por tudo o que mereceste que te desse, e não te dei. Programa de vida: Abrir um sorriso. "O mistério dos seios por debaixo das blusas." Porque se não desvela ele a meu olhar plongé? Femíneas mulheres, que, à sombra do companheiro, no arroxeado poente, postas de borco sobre a face rugosa da terra, dormis descansadinhas. Nutris de vosso sonho meus sonhos turvos.

Acompanhais-me na prolongada estada. Dais azo à música que soa destes dizeres rimados. Sois a substância carnal dos devaneios, que a cada transe nos têm, e a torpe matéria da fria ironia, que arrasa e consome. De ir corrigindo soltos versos: Que ignorada palavra espera ainda, ao dobrar da linha? Que renovo de som remexerá amanhã do surdo ouvido? Que melodia não transcrita? Que extraordinária correnteza de novidade? O arrumador de tabacos da máquina automática, minucioso discriminador de moedinhas, relata idos do manguchi, independentista e vate, Agostinho Neto. De um telefonema: 'Stá! Daqui é da Empresa AltaMira e AltaVista, Limitada: O Senhor Manuel não chegou a vir levantar as suas porcelanas. Ando a ficar distraído, ultimamente. Mas o Senhor Manuel tem cá um cheque de quinhentos contos. Sabe, tenho dinheiro demais. E desligou. Lembras-te, de quando abriram as nossas duas túlipas vermelhas? Chegando ao fim o dia, cautas as leves pétalas encerraram-se-lhes. Instante(s): Quási delida é já a fim da tarde. Versos muitos releio, meio insone. Abre-se-me, último, o sol, vermelho ao fundo da janela do horizonte. Reacendem-se clarins do gozo, que minh'alma alada sente. Os relidos versos sumindo dos olhos o percurso vão, que, em relê-los, a ausente se converte. Morto é o passado, no entanto vivo. Morre o presente dos momentos idos. Graças a Deus, que continuo. Anseio só a paz - e o longo sono em água me comove. Pergunta-resposta: Que fazer

? Décima: Continuamos vendo novidades, cabriolando a cambalhotas a Esperança, dos males ficam as mágoas na lembrança, e do bem, se algum houve, a Saudade: Desses lisos, polidos versos, em que encetaste revelar, num sussurro, teus fantasmas íntimos, guardo, na manhã, que acalenta o corpo da frescura, o registo nítido de que a vida é mesmo assim: Mas, mais e mais do que, de ti, aqui eu digo, tu terás 'inda a dizer-te, a tempo infindo. Balanço: Ou da continuação da notícia do grave, geral e horrível crime: O poeta do olhar abrangente resolvera parar com as suas crónicas e, como ninguém lhe pedisse nada, mergulhou numa noite de mil sonhos: De que acordou: Seria desta, que, no Brasil, Lula subiria p'lo voto a Presidente? Seria desta, que, o velho Timor-leste livre, renasceria para a final concórdia? Seria Jospin - ou Chirac? - o arrebatador do eleitorado francês? Continuaria indefinidamente impune a caseira bagunça das golpadas? Em Espanha, os presuntos criminosos, das bombinhas, continuariam incógnitos? A que insuportável aviltamento desceria ainda a Palestina? Haveria, em algum lugar do nosso mundo, mais Rainhas-Mãe prestes a morrer? Quando estaria resolvido o buraco económico da Argentina? Teria terminado a dança de presidentes, na Venezuela? E os migrantes? E os deslocados? E os estropiados? E a fome? E a peste? E a paz? Convenhamos em que se tornava cada vez mais duro, com tanto murro, voltar-se para o lado certo do adormecer. Paradoxo ou geometria do absurdo: De tão quadrado redondo, de tão redondo quadrado. Narciso: À sombra das buganvílias, reflexo sombra, da sombra ressurgido: Em 'scuro jazo, e à plena luz revivo. Retorno de antigo tema:

Com ambas as mãos pegando exausto livro a jovem mulher mãe agasalha, com os olhos, presente, passado e futuro do comum mortal. Paráfrase: Eloquentemente elucubrando as linguagens das linguagens da fecunda Terra, uma pequenina luz, qual gorjeio d'avezinha, interminamente brilha e brilha, sem se apagar. Escura banda magnética, simulacro da noite. Luz da manhã. Encontro entre o nada e a Beleza. Na noite dos planetas alinhados, sinto-me bem de enumerar, um a um, os sonhos. "Er sieht nur Sterne, Sterne!" Sobre o céu! Sob o chão! A pomba do Santo 'Spríto voa-me da lapela por volta do meio-dia, linguagens de melros e demais avezinhas estuda. Regressa ao ponto de partida, saciada do pleroma da luz inebriante. O que ficou da Copa do Mundo: Saibam os brasileiros compor, à espanhola, um concerto italiano, ou brandeburguês, em solo nipónico, quiçá turco, senegalês, ou vagamente chino, em lídimo português. Está cá um encantamento por aqui! E os ponteiros dos segundos, retomando percursos tontos!

Puxaram p'lo sol para debaixo das nuvens, ou o sol está só do outro lado? Meu Jesus da parede ou da porta comunga cada 'nstante. Dure até sempre meu louvor subindo. Pessoa, vil poeta, estavas mesmo louco. Tu e o teu Super-Camões: Mas onde enxergaste tal poetastro? Vou pra fumar o cínico cigarro, uns 112 conversam horas mortas, nada acontece, ou acontece sempre alguma coisa? Fecho a porta? Ou puxo a cortina? "Jesus Cristo é a Paz." Canta-se do Canal 40. PHN: A conversa é de chacha, mas os caras são patuscos. E escrevo este poema, pra provar que vivo. Outra vez tu, doméstico Pessoa? Mas sobrevives? Em meu sonho ficaram versos outros. Versos outros ficaram em meu sonho. De topar uma foto, de um bebé palestiniano, vestido de "kamikaze": Até onde a infâmia da desumanidade? Podem as entranhas do Deus bondoso com tal vómito? A qual de vós, homens muitos, não se lhe quebra, de horror, o espinhaço? A qual de vós se não revolve um coração? Ant'isto, nenhum poeta saberá qu'inda dizer. A que ponto extremo a atrocidade! A que inacreditável pesadelo! Nem mil apocalipses superam este real! Mas pergunte-se cada um para si mesmo: Tenho daí limpas as mãos? Regresso a minhas hortênsias já descoloridas, sob fumo de névoa e de cansaço. Da luz a excitação é quási nula. E um frio e triste Agosto se anuncia. Variante: À meiguice regresso das hortenses, descolorindo-se sob névoas d'aereza. A fermentação da luz é mansa e ténue. Brando e ledo se acerca novo Agosto. -

O sonho envolto: Eu, a Clara Pinto Correia e o escritor mirandês revelação, de nome estranho, fazendo, e publicando, ilustrados romances e romances, amor promíscuo e uma obscura invasão de um familiar canal televisivo; esquecia-me de referir a jovem e bela filha da dita camarada de armas; à pergunta porque era o Messias de Levi - de Eboli - tão diferente do seu? o amicíssimo mirandês, esplêndido e descontraído, proclama às câmaras: Porque o nosso povo é cruel e adora as vísceras que exibo! Cada um de nós é janela de Deus, templo d'Amor, sentinela do Cristo. Árdua simplicidade, de após trabalho. Paraíso, tudo sanado. Cigarra canta, a todo ouvido. Florido jacarandá, lavas de mágoas o olhar. Repetido, florescente louvor, do eufórico chilrar de castas aves, na manhã. Frequentes vezes, sob céus, de céus de estrelas, meu amor. Outra vez tu, vate Pessoa? Nacional obsessão da contumaz pilhéria, a que nos reduz teu vicioso ciclo alcoolizado! Era só o que vias este sol? Ou - mais pra lá - do que disseste mudo - ou, em páginas fechadas, nos legaste não haverá a rua, a lua, a alma, a praia, o monte, a luz, a imensidade? Que o hoje não é só

tua Lisboa. De ver o "giroflé", com o "circolando": O jardineiro Wojtyla escancarou, aos passarinhos, todas as portas. Ao que os putos bateram fartas palmas. Dulcineia del Toboso e Quixote de la Mancha celebram suas prolongadas festas nupciais. Mas pra quê inventar um novo terminus pra o mais famoso romance? A noite vai longa, e eu rio-me alarvemente de uma gaffe televisiva do Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Mas onde param, a esta hora da noite, os meus óculos? Reza o entendido eclesiástico que tudo, o que de mais polémico derivou da alucinante investigação noctívaga, começou num inocente sublinhado. Da transcendência ou da essência da liberdade: A verdade contemplando-se. Alta noite, acordo de uma digressão por debaixo da cama. De um vilancete só sonhado: O gosto, humano, da saudade. Países e/ou lugares: Polónia: Austeridade de teu Cristo em pedra, acompanhando as revoluções dos orbes. Hungria: Endiabrados, ciganos violinos, navegando um Danúbio fotográfico. Praga: Intérmino desfile de trapezins kafkianos, vagabundos artistas. Dom Giovani. Rússia: Devastado, enorme corpo terrestre, de imensa alma alta: Aí, és peregrino. Cuba: Ritmo e sabor de águas correntes, prolongamento do invisível: Havana. Marrocos: Labirínticos e atapetados recantos, do confuso chá e das cimeiras tâmaras. Brasil: Alma de enormíssimo coração, musical litania de samba e alegria: Mescla santa! Grã-Bretanha: Modernidade revestida de fraque. Engravatada revolução liberal. Argentina: Pampa, tango, Buenos Aires, Borges e Piazzola, hispânica, irmã alma: Gardel. Santiago, e Chile: Cravos gaseados, cordilheiras, píncaros. Mansas praias, bom Neruda. República Dominicana: Das virgens florestas, onde é mais verde o verde, da folhagem. Galiza: Morrinha de encantatórios regatos, mudos d'alma. Tua, de Castro Murguia, Rosalia.

Miranda do Douro: Soberana voz, amordaçada, que acorda - e canta - pró bailico. Copenhaga: Angústia, humanidade, luminosidade de fogo e mel: Kierkegaard, Andersen. Luisiana: Um caminhinho p'la relva, voláteis engenhocas, que nos faziam baixarmo-nos. Ofir: Dunas de Eugénio poeta, ondulantes. Brandas mágoas, do apaixonado. Paris: Qual a cor da luz? Que diz o Sena? Quem chora em Notre-Dame? Holanda: Pelotiqueiros, bicicletas, túlipas, campina a perder de vista, moinhos d'infância. Um dia, um saltimbanco assaltou um banco. Salta o saltimbanco pra cima do banco bradando: Isto é um assalto! O banco era manco e mancou o saltimbanco: Surge GNR. Prendem saltimbanco. Não mais o saltimbanco assaltou banco. Privilégio: Já os mortos se apartam, deslumbrados, deixando-nos haveres aqui colhidos. Sinto próximo demais o dia certo, de cá deixar também herdado fruto. Mais e mais, me agarra a vida, a desfrutar, com terno amor, da obscura luz do objecto do desejo que me rói a completar o verso só indiciado, do intenso amor, que a ti me tem devoto: É eterno reinício o acto incerto de o fogo de teu corpo ter por dado, como eterno é meu devotamento à anímica raiz do que em ti é só indício de desfrute mais lindo, e vivo, e duradoiro: Seja o desenlace d'alma hora boa pra mim, que a viva luz persigo cada instante. Há a falar novas línguas. Ultimamente, coisas e loisas nos aconteceram. Quando a cadelinha se estendia no sol do lençol do chão, era sinal de que tudo dava certo. -

Das profundidades às alturas, um silêncio cheio de palavras indizíveis: Do três vezes santo rei de amor o inefável nome. Ao primeiro raiar da clara madrugada, árvores, 'spreguiçando-se, despertam de duro sono. Sempre há pra cantar mais razões que a vida. Do peso e da leveza da História: “Presente”, como vaga sinfonia balbuciada, a que “passado” dá corpo sem se perder, “futuro” em que o acto total se recupera. De um diário: Senhor da Paz, acolhe-nos em teus braços bem abertos. Conduz-nos mansamente para a direita do Pai. A Ti entrego o espírito! O lugar em que estás. O mais distante. Os poetas sentaram-se. A um tempo tiveram a mesmíssima inspiração: O ventinho que soprava era a grande paz, que franqueava portas. Ficaram fruindo dessa paz, mudos e quedos, abismados e silenciosos. É um belo Domingo: Calmo, sereno, burguês, provinciano, nem triste nem alegre. Poesia, viesses tu,

e tudo seria puro e nu. Sento-me na casa e parece não haver nada a fazer do coração. O velho Deus, no último dia da inicial semana, dá-Se conta da bondade do resultado. Assim o poeta, no declive da vida, ao rever a obra. La Source: Título de filme? 'Inda um provérbio! Pra quem não tem vergonha, todo o mundo é seu. Na canonização de Monsenhor Escrivá: Tanto enredo em volta da normalidade... Mas não eram os mais comuns homens que Cristo procurava? O Caminho caminho, no caminho. O Canto do recanto canto. A Hora da hora ora. O Fazer e desfazer do afazer. Do aprazível quotidiano: O sonho sonho, fundo. À luz me dissolvo, todo. A água nado, nada. A aura da hora m'envolve, alma. Voo no verso, vento de mim diverso. Pão me dão, que amigo como.

Tal graça meço, início imenso. Saudosa pátria, meu re(en)canto: Os pássaros a rezam, sua história. Oração da manhã: Luz de Alegria, dissipa-nos as trevas! À luz te exalces, alma, à luz ascendas, terra, à luz te libertes, corpo! À luz, com Maria, Fonte de Poesia! Ámen, Aleluia. Quando dormia, na tristeza branca da noite. Antiquíssima história, velha como o cagar. Ao primeiro Sábado, rejubilou o bom Deus: Era plena e pura a criação. Adão e Filhos Limitada, no imperativo de dominar a terra, a esgotaram, e conspurcaram, até aos dias d'hoje. Novo Adão, flébil d'Espírito, quisera, a tempo, reconstruir a de Israel arrasada casa. Bem sopra por onde quer um vento novo, Paráclito, Amor de Filho e Pai! Bem chora Maria, nossa Mãe! Bué estopada! Tudo pior que estragado! Reerguer a obra amachucada aos feridos do belo cabe tentear. Obra obra proba o cão da obra. Caca caga casta o cão da casa. Slogan, a pedido: Tens o telemóvel à mão. É namorar, coração. Mudo, me mudo à ouvida voz do vento.

Sem quaisquer palavras, a redigo. Oitava: Tarde te descobri, Montanha Arrábida, onde está de minh'alma todo o enlevo; tarde te descobri, mas ainda a tempo de teu abraço gozar, divino enleio! Branda me desfrutes, íris de meu olhar, branda me enlaces, sonho e realidade; luz, ave, flor dum eterno meio-dia, arqueada saudade, sem ocaso clarear! No Restaurante: O jovem cliente prá empregada de mesa: Quero uma laranja! Mas quero-a descascada! Haveis sido minha, boa, caríssima! Tripas à moda do Porto, frias, para o Pessoa, bacalhau à Brás, com arroz, para o Ochôa: Sento-me em Café Restaurante de conhecido Centro Comercial. Pergunto ementa. Escolho bacalhau à Brás. Juro, eu que nunca jurei, que o bacalhau à Brás tinha arroz. Pra não falar de imprevistas rodelas de tomate, de avulsas azeitonas e de dúbia amostra de alface. Não vem para o caso, que a Cozinheira, a outra hora servindo mesas, até é leitora de minhas folhinhas volantes. A casa é limpa, pra chatice basta a Tv estar sempre no canal i. O facto, que aconteceu, é que comi, contra as antigas tradições culinárias, bacalhau à Brás, mas com arroz. Que, aqui pra nós, nem estava mau. Sítios: Antes, a seguir, e agora: Dum planeta para um sapo, até pairar em terra etérea, bandeira, névoa, ala d’ave. Mysteria lucis: *Com João, no Jordão, em Água e Espírito, o que és Te nomeasTe.

*Luz de Luz, ao que és regressasTe. *Na Verdade, ao Mal resistisTe. *Com Moisés e Elias, no Tabor, Te transfigurasTe. O que és, montado em pacífico jumento, filho de jumentinha paz, por nossas vozes, na Sempre Jerusalém Fátima Nova, Te aclamasTe: "Hossana! Hossana ao Filho de David! Bendito o que vem em Nome do Senhor!" *E em vinho e pão Te desTe à nossa fome. Diz um tipo: Vai chover. Diz outro: Vai tu! Enquanto a noite for sempre claro dia, abracem-me, em terno abraço, teus braços, Virgem Maria. Canoras avezinhas ensinam-nos a poetar. Em vez de lágrimas, vómitos: Insana, não lírica variante a vãos desvelos retóricos, que sentidos, ultimamente habituais. Bem grunhe porco. Não é que lhe falte bolota. Cócórócócas, galaroz? Espera-te a faca. Arrulha pomba a Paz, o 'Sprito! Arrota, burro. Comeste urtigas. Fareja, rafeiro, qu'achas oiro de lei. -

Pula, macaco, qu'agarras galho. Alça nariz girafa. Ao que quesita chega. Forças voo, cegonha. Pra descanso, paira. Rato gordo do sujo se ceva. Borboleta cega, a luz t'encandeia. Leva-me p'la noite, par de asas luarentas derramadas. Insecto seco, terra tens. Formiga, terra és. Poeira interstício, sub-verso. Águas de bolbo, áureas raízes. Bico de pardal destila mel. Flor de laranjeira, bordado edénico. Cravo vermelho ao peito, sinal de pouco dinheiro. O anel que tu me deste

era de vidro. Quebrou-se. O amor que tu me tinhas era pouco. Acabou-se. O anel que me compraste, pela feira de Azeitão, era ouro sem contraste, deu comigo olhar no chão. Olha bem para meus olhos, mortos são para te ver. Nos meus olhos põe teus olhos, os meus troca pelos teus. Se pudesse ver teus olhos, não eram cegos os meus. A saudade saudadinha, diz-se nada no Faial, se em ti voasse, Saudade, era meu o Portugal. A saudade saudadinha é viúva, noiva, e tem por irmã a manhãzinha, a noite é dela também. Saudades de meu lugar, mas saudades são vontades, duro, difícil partir, sempre possível chegar. As cordas duma guitarra, dobram tristes, magoadas, lírios uns dedos desfloram, preenchendo madrugadas. Não quero dizer que vivo morto só por te encontrar. Quero dizer-te que morro, de tanto amar, e chorar. Água que me deste viva, branca flor de meu jardim.

Canteiro que tu regaste. Abriste sonho sem fim. Pára, coração, explosão d'amor. Dorme, meu menino, a Estrela-d’alva 'stá 'scondida no sonho, só pra ti! Fui menino, sou menino, porque me deste um docinho. Não chores, Madrinha, que o Deus pequenino chegou. Pra brincar com teus casulos da seda. Teu retrato, pai, no coração do mundo: Não partiste, esperaste. O abraço é que tardou. Irmã, mulher, mulher só, meu eu outro. “Tu és meu.” Mãe Maria, Teu Coração Teu Filho, Teu Filho Teu Coração! Se do Teu Filho sou, ó boa Mãe, do Teu Coração também. Conclusão de cá-cá-rá-cá: Ou é punk ou viu lobo.

Verbo ar: Presente do indicativo: Eu aéreo, tu

»,

ele

»,

nós », vós », eles ». Verbo amar: Presente do indicativo: Eu amor, tu

»,

ele

»,

nós », vós », eles ». Obrigado p'lo dia. Dá-nos santa alegria. Obrigado p'lo dia, Virgem Mãe Maria. Um anjo, decisivo, me arrouba à nitidez. Geométrico bordado a ramas, flores paraíso. -

Outra vez, a disformidade obsessiva dos não sei quantos dedos. Visitas do Norte: "O Porto acabou por defender a vantagem escassa conseguida por Helder Postiga no termo da primeira parte." Um a um, da praceta, os automóveis foram debandando. Fátima, Rainha, 2002: Aquela clareira inteirinha da luz acabou por elevar-nos nas suas margens braços. Entre nocturnas sombras e luz maior de aberto dia repousas no vago além vidraça. Meus encantos: Olhos abertos. Minha raiva: Punhos cerrados. Minhas asas: Mãos a céus. Minhas mágoas: Do passado. Minha prece: Livro aberto. Esperança: Nome gravado. Minha fúria: Querer pão. Tua luta, teu bordado. Minha vida: Tu a dizes, meiga rosa, verde relvado. Minha morte, de estar vivo. A palavra: Ai pesado. Isto dito,

eis retrato, só esboçado. Durmo, e velo, inesperado. Fujo, fico, do teu lado. Voo, tombo, atordoado. Amo, espero, exilado. Só de flores aluado. Esta paz, lago habitado. Meu canto, chilreado, alma, voz, som, sopro alado. Paira noite, chão molhado. Abre o dia, fim datado. Abre a luz, dou-me enlevado. Cá me abriga, céu e fado, cá me ama, bondade demasiada. Já não lembra meu pecado. Todo o choro já chorou. Já vigia de meus dedos a escrita. Fumo, ar imponderado, fruído, treslido, selado.

Margem, água da poesia, onde desce uma pétala. Põe seus olhos sobre mim. Pois bem me quer, também me tem. Gozo infindo é seu regaço. Mãe, irmã, ou só mulher. Guitarra, senha, recado. Baixinho fala a meu ouvido. Sacia-me de mel, manjar sagrado. Sonha-me um sonho, re-acordada. Meu tu, meu tudo, asa, porta, ave, cofre de cheiros: Maria, de sua graça. Mas eu vivo do Senhor. Ise, vê os veros ares! A aereza! Dos frescos ares, do fontanário das donzelas! Ise, vê o fluido, exalçado ar, benfazejo, à fonte fria! Árduo, especioso, acolhido ar da santíssima graça! Concreteza d'ar libérrimo,

à rebentação d'água! Ares outros, à fonte fria, brandos! À fonte dos cafeeiros e das moçoilas! Ise, ama os frios ares do monte dos castanheiros! Mas vê! Ar das gazelas na nascente longe! Ise ver verá o fino ar, das fontes puras a sutil música amará. Olha, olha, Ise, o belo ar, verídico, das fontes, sereníssimo! Minha Ise, vê, com olhos de ver, o manso ar! Ai, Ise, Ise, o ar amável, do poço nosso, até onde, descuidado, desço. 'Stou cá, óbvio, contra a terra. Que mais tirar dos bolsos d'alma senão a sustentada quietude? Das profundas clamei: Não haver ainda verdadeira paz. Não conseguirmos abraçarmo-nos à terra, da boa paz. Não nos darmos, todos, à viva paz da vida. Não procurarmos Tua Justiça, Senhor do Perdão. Sinal início da melhor paz. -

Um dito, outro, e outro: Faça o mal quem o fizer, as favas paga o Miguel. Onde vais? Vou ali e já venho. Não foi ninguém, foi o Bargas. Antigos horários: Frequentara assíduo a Escola Prática. Natal: Hoje uma grande luz desceu sobre a terra! Das lágrimas ao riso: Alta noite, aclarada da alegria. Iahweh, louco de amor humano. Desconcerta, p’la ternura, o sonho dos pastores. Perdura – pra lá da hora – da ‘strelinha de Belém vivaz luzir. Lua aberta, muito céu. Mãos vazias, sonhos dobrados. Mais vale o futuro, poema sonhado. A Norte: O que sobrou de infância: Jeito de festa, consciência abrupta de pedras. Mãe da Misericórdia Encarnada, rogai por nós! José Viana,

hoje, à tua morte, dou comigo a cantarolar uma das tuas cantigas povo. Fumistas suicidas de morte lenta, ‘stamos mais do que estragados. (Mas mexemos o dedão. Mas vamos passear o cão.) Prá ‘qui a noite boa, quente no Inverno. Povoada de luzes altas e de memória interstício, de veladas solidões. Prá ‘qui resolve-se o poema a um rítmico bater de corações. Prá ‘qui habita o ar vazio e raro trazido da montanha, transido d’infinito. Prá ‘qui tudo dorme na noite ancestral, remota, morta de saudade, complexa d’alegria. Prá ‘qui morre-me a vida que de brilhos explode. Precário ‘stou. Quase ‘xtinto lume sublevado, dócil de musicantes cuidados. Prá ‘qui, doce amor, rubro vinho, verso pleno, verde lua, branda mágoa, ao acordado sono subjazem deslumbres da eterna festa única do noivado. Porta dentro: O terno silêncio do filho que a casa torna. Do pai, que sempre o esperou, o abraço do perdão. Mais bondoso que tudo o que sonhou. Filha: A boa, bela nuvem, imensa de estrelinhas, tua, jamais deixe de reluzir a teu coraçãozinho! Oração: Aclarem-se-me, Senhor, todos os muitos sóis dos céus! Trato em família: Então, vai prá ‘í nascer uma Setúbal Nova? Mas onde?

No Vale da Rosa. Desbastem-se embora verdes sobreirinhos. E não têm outro lado? Só se for na Quinta da Laranja ou no Terreiro dos Cravos. Mãe, meu amigo noiva me tem. Hora é, moça, qu’és alteada! Hora que vivas mais bem amada! Amiga sua sou, com ele me vou. Amada ando, de seu mor amor. Noiva te vás ‘ora, de seus olhos gozo! Tua, que mereças, alcances guarida! Canção nova: Eis-me, Senhor. Fazei de mim o que quiserdes… Vale Manso, Fevereiro, 2003: A completude ao olhar dada: Sobre a zêzere extensão d’água se respira. Sardoal, a uma tarde de Domingo: Deserto d’alma o alto templo, dalgum antigo herói memória iluminada. Da tasca, Mourão, de profissão coveiro, prefere a paz do copo à do cemitério. Registo de pontículos, átomos, lumes, do brevíssimo curso dos dias. -

Poema que quisera de louvor: Flor Santa Pobreza, Irmã da Caridade, comigo durmas, veles, a boa hora amada! Esposa te dês meiga, Tu, A de Cristo Rainha! Única paixão do Povorelo, como de António e Clara! Ele, que saboreou o sábio corpo teu, de odor humilde e terno e puro, bondoso e casto! Estrela da Paz Vera Radiosa, Intraduzível Luzeiro! Sacratíssima Face de Irmão, Cuspida e Ensanguentada! Herdade do Esporão, Março/2003: P’lo dentro de relvado, ondulações de luz, planura, gritos de aves, vaga sombra… Sossegamos distensos os corpos da plenitude. Jornalismo: Enquanto, pelo inteiro orbe, cristãos, budistas, judeus e muçulmanos clamam e rezam paz, tenebroso repórter, aviadas trouxas e engenhos prontos, vai pra noticiar in loco eminente directo de diabólica artilharia. A seu recanto fugida, uma criança, de seus íntimos sonhos encantada de infindável paciência, faz terços e terços, com cruzes, fiinhos e missangas. Todos os dias à mesma hora, burocratas abancados do vazio falado e do café, esquadrinhamos na gazeta, com fúria imperturbável, entrechos de linhas e entrelinhas, buscando o móbil do evoluir das coisas. -

Ângelo O Ochôa Bibliografia e Biografia poema um - 1965, poema 2 - 1966, poema - 1967: folhetos; as cidades de Israel - 1970, (poesia escrita de 1959 a 1975) - 1976: livros; poema do íntimo afã - 1983: folheto; do memorial de Pedro - e uns poemas - 1990, desolação saudosa 1992, os 363 poemas - 1999: livros; poesia dita pelo próprio - 2001: CD/Audio. Livro de Horas, Opera Omnia, 1029 Poemas, reúne seu texto. 1944: De avós agricultores, e rurais, de pai funcionário de Finanças e mãe professora, nasce, em Alfândega da Fé, a 30 de Novembro. 1944/55: Vive uma infância em liberdade, por paragens remotas de Trás-os-Montes e Alto Douro, donde os seus primeiros contactos com a riquíssima cultura popular transmontana e mirandesa. 1955/57: Começo do Secundário, em Bragança: Colégio S. João de Brito e Liceu. 1958/60: Continuação de estudos, em Barcelos: Antigos 4º e 5º anos do Liceu: Externato D. António Barroso. Primeiros tenteios, em prosa e verso, por jornais locais. 1959/61: Finaliza o Secundário no Liceu Sá de Miranda, em Braga, tendo sido aluno de Feliciano Ramos e de Manuel Faria. Algumas letras para o República Juvenil. São seus companheiros dessas lides Vitor Branco, Vitor Sá e Margarida Malvar. 1962/70: Passagem, ainda estudante, por Coimbra e Porto: Desiste de Direito e frequenta Letras - Filosofia. Filia-se, e toma parte, em organismos académicos: TEUC, CITAC, CADC. Escreve, para jornais e revistas, crítica de livros, de cinema e de teatro. Publica em Coimbra, em Novembro de 1965, a sua primeira produção, o poema um.

1970/74: Inicia actividade de professor, não efectivo, de Filosofia. A partir de Setembro de 1973, reside em Setúbal. Conclui, em Letras, p'los anos 80, na Clássica de Lisboa, Licenciatura. Efectiva-se para a docência do 10º B Grupo dos Liceus. Participa no Grupo de Poetas e Escritores Setubalenses. Dispersa obra por jornais, publica alguns títulos de poesia. De 19 de Janeiro de 1998 até aos dias de hoje, vem divulgando, em página Web, a recolha da sua poesia escrita, que, regularmente, actualiza. Daí o seu, em grande parte inédito, Livro de Horas, Opera Omnia. 2000: Por Abril, integra o grupo católico "Tabor", do Renovamento Carismático. Submete-se à Efusão do Espírito Santo, em Sta. Rafaela, Palmela, a 18 de Junho. Por Agosto, peregrina à Terra Santa, com a paróquia de S. Paulo. Frui da liberdade de viver, a pleno dia, o Jubileu. 2001/2003: Vem continuando a escrever. SÍTIOS DE ÂNGELO O OCHÔA Todos os Poemas: http://pwp.netcabo.pt/0666102401 (1029 poemas, 7/3/2003) http://ochoa.atlantidaweb.com (1029 poemas, 6/3/2003) http://www.terravista.pt/meco/1927/ (1029 poemas, 7/3/2003) http://aoochoa.no.sapo.pt (916 poemas, 13/7/2002) http://planeta.clix.pt/ochoa/index.html (907 poemas, 13/5/2002) Poesia Dita Pelo Próprio: http://angelooochoa.no.sapo.pt (CD/Audio: Duração: 39:58, Fev./1999) E-mail: [email protected] Ou: [email protected]

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