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Finanças públicas, democracia e ... realçaram pensadores clássicos da economia, como Stuart Mill e ... de Schumpeter e de Keynes, os adeptos da teoria...

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Publicado em: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2004

Finanças públicas, democracia e accountability. Fernando Luiz Abrucio - FGV/EAESP Maria Rita Loureiro - FGV/EAESP

SUMÁRIO O capitulo examina inicialmente as relações entre a política e a economia. A seguir, discute os conceitos de democracia e accountability – ou responsabilização política dos governantes – e seus impactos sobre as fnanças públicas. Por fim, analisa os instrumentos de accountability que afetam as finanças públicas no Brasil: as regras de financiamento de campanhas eleitorais, o processo orçamentário, formas de restrição orçamentária, os tribunais de contas e as Comissões Parlamentares de Inquérito.

INTRODUÇÃO Com o crescimento da democracia no mundo atual, abarcando 120 dos 192 países filiados à ONU (FREEDOM HOUSE, 1999), a resolução dos problemas da sociedade contemporânea depende cada vez mais da qualidade das instituições democráticas. Isto vale para toda gama de questões, inclusive as econômicas, que não se limitam ao universo técnico das decisões, pois elas são influenciadas fortemente pelo arcabouço político existente. Dentro deste, ganha importância a temática da accountability democrática ou responsabilização política, definida aqui como a construção de mecanismos institucionais pelos quais os governantes são constrangidos a responder, ininterruptamente, por seus atos ou omissões perante os governados. Normalmente a literatura sobre accountability trata do controle dos atos dos governantes em relação ao programa de governo, à corrupção ou à preservação de direitos fundamentais dos cidadãos. Mais recentemente, este tema tem sido analisado em sua intersecção com a reforma do Estado, tentando observar como o aperfeiçoamento das instituições estatais pode contemplar, ao mesmo tempo, a melhoria do desempenho dos programas governamentais e sua maior transparência e responsabilização do Poder público frente à sociedade. As políticas econômicas e as finanças públicas raramente são analisadas pelo ângulo da accountability. Esta lacuna é ainda mais grave porque se manifesta já no momento da formação dos economistas, uma vez que a variável democrática é pouco ou quase nada discutida nos cursos existentes. O pior é que, como mostraremos adiante, há um conjunto importante de autores na Economia que vêem a democracia como um obstáculo à boa decisão econômica. Trata-se de um equívoco tanto empírico como normativo. Em relação ao primeiro, constata-se que desde a segunda metade do século XX os países mais desenvolvidos têm nas instituições democráticas um dos principais alicerces de seu sucesso.

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Do ponto de vista normativo, é preciso que os economistas em formação tenham em mente que a racionalidade econômica não é a única presente nos indivíduos, nem necessariamente a principal. Outras orientações éticas e liberdades básicas do homem são fundamentais à boa vida social, como realçaram pensadores clássicos da economia, como Stuart Mill e Marx, e também contemporâneos, como Amartya Sem, ganhador do prêmio Nobel. Ademais, desprovida de “valores extramercado”, a economia de mercado não se sustentaria no longo prazo, como bem percebeu Robert Kuttner: “Em certo sentido, é o mercado que tira vantagem dos valores extramercado que tornam nossa sociedade de mercado suportável, temperando o oportunismo incansável recomendado pelo modelo de mercado. Normas de civilidade são um bem público. Sem elas, o mundo degeneraria numa sociedade de suspeita mútua permanente [...] Em vez de um mundo comercial relativamente prazeroso, precisaríamos nos manter em guarda permanente contra achaques. As falências proliferariam. Os bancos teriam que cobrar juros mais altos para compensar o oportunismo generalizado. Garantias explícitas teriam que ser formuladas para cada transação [...] O aperto de mãos se tornaria inútil” (KUTTNER, 1998: 99). Mais especificamente no campo das Finanças Públicas, é fundamental formar economistas que conheçam a complexidade do Estado moderno em sua face vinculada à accountability democrática. Não é possível entender as decisões de política econômica, a elaboração do Orçamento Público, a definição do sistema tributário, para ficar em três tópicos básicos, sem entender o interrelacionamento que têm com o sistema político democrático. Pela importância do tema, portanto, o presente capítulo propõe-se a discutir o relacionamento entre finanças públicas e democracia. Para tanto, discutimos inicialmente como a literatura econômica construiu ao longo do tempo uma visão baseada na tensão – senão na dicotomia – entre democracia e eficiência econômica, concepção que está sendo hoje rediscutida neste campo científico. Na segunda parte, passamos para a análise do conceito de responsabilização democrática ou accountability, suas formas de realização e possíveis impactos sobre as finanças públicas. Centramos o foco, na terceira parte, na relação entre os instrumentos de accountability do sistema político brasileiro e a área de finanças públicas, recorrendo sempre que possível a comparações com outros países. Nas considerações finais, apontamos os desafios analíticos trazidos por esta discussão, bem como as dificuldades de efetivação dos mecanismos de accountability no Brasil. DEMOCRACIA E EFICIÊNCIA ECONÔMICA: O “GOVERNO DE TÉCNICOS” E SEUS IMPACTOS PARA A ACCOUNTABILITY A análise dos instrumentos institucionais de accountability na área de finanças públicas supõe uma discussão prévia das relações entre economia e política em uma ordem democrática. Em boa medida, o debate econômico tem muitas vezes visto a eficiência decisória, de um lado, e a democracia, de outro, como objetivos opostos ou mesmo excludentes. Nesta concepção, predomina a escolha por arranjos institucionais que isentam os técnicos de prestação de contas relativas às decisões tomadas, o que acaba por enfraquecer o controle da sociedade sobre o Estado. Refletir sobre este tema requer a revisão da concepção que os economistas ou outros atores encarregados da gestão macroeconômica têm da política e de suas relações com a economia. Esta visão dominante fundamenta não só o processo de formulação e implementação das políticas econômicas, mas também o próprio desenho institucional de suas agências, bem e os instrumentos de prestação de contas de seus gestores.

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A atividade política costuma ser vista pelos que tomam decisões macroeconômicas como fonte de ineficiência, na medida em que os governantes podem ser corruptos ou, em um regime democrático, facilmente pressionados a atender às demandas de seu eleitorado. Assim, predomina entre muitos deles a idéia de que o melhor é separar estas duas atividades. Tal visão é partilhada por autores de diferentes – e mesmo conflitantes – abordagens teóricas, como Schumpeter e Keynes, de um lado e, de outro, os neoliberais e mais especificamente os teóricos conservadores do Public Choice (Escolha Pública). Dois dos maiores economistas do século XX, Schumpeter e Keynes acreditavam que os políticos deveriam deixar nas mãos de burocratas ou especialistas certas decisões técnicas, como as relativas a problemas macroeconômicos. Afirmando a superioridade da razão técnica sobre a lógica política, eles viam os políticos como atores que se comportam, diferentemente dos técnicos, sempre de forma irresponsável ou descomprometida com o futuro, na medida em que se orientam pela dinâmica eleitoral, podendo se comprometer com demandas imediatas ou populistas. Um biógrafo de Keynes, por exemplo, indica que diante de indagações de funcionários do Tesouro inglês sobre como controlar ou restringir decisões de gastos públicos no contexto de rompimento do padrãoouro, o grande economista teria respondido: “Confiemos na inteligência responsável dos técnicos" (SKEDELSKI, 1977). Nesta perspectiva seria desejável a completa a autonomia ou insulamento dos técnicos em relação ao sistema político (SCHUMPETER, 1971; BELLUZZO, 1993). Por razões diversas, também os portadores do credo neoliberal propõem a despolitização das decisões governamentais. Mas, ao contrário da visão tecnocrática de Schumpeter e de Keynes, os adeptos da teoria da Escolha Pública, por sua vez, desconfiam dos burocratas, tidos sempre como auto-interessados e maximizadores de seus recursos de poder. Para autores como Buchanan, a despolitização das decisões sobre matérias macroeconômicas não deveria ocorrer através de sua transferência para as mãos da burocracia, como propunham Keynes e Schumpeter, mas sim através de mecanismos de mercado (BUCHANAN, ROWLEY e TOLLISON, 1987, apud BELLUZZO, 1993). A desconfiança abarca, então, toda a ação estatal. Falta responder a uma pergunta (que nem é colocada pelo Public Choice): a que tipo de accountability deve o mercado ser submetido? A discussão da temática de accountability democrática supõe a rejeição da idéia de que política e economia tenham lógicas necessariamente incompatíveis. Pressupõe também negar que a política seja irremediavelmente uma prática geradora de ineficiência e que os políticos sejam atores que sempre tomam decisões contrárias à racionalidade técnica. E ainda que a única saída para este conflito inevitável seja a separação das duas esferas, com a subordinação da política à racionalidade econômica. Robert Behn (1998) conseguiu resumir, de forma contundente, este problema: “por mais de cem anos, estivemos mantendo a ficção de que funcionários públicos (burocratas ou técnicos) não fazem política”. Esta ilusão foi construída por diferentes autores e escolas de pensamento no século XX. Na realidade, o que se tem constatado nas democracias contemporâneas é a emergência de policymakers que ampliam a qualidade de suas decisões na medida em que aliam competência técnica com habilidades ou virtudes políticas, tais como capacidade de negociação e articulação de interesses. Os políticos no mundo atual têm de tomar posições e decidir sobre temas e assuntos técnicos cada vez mais especializados. Por isso, devem conhecê-los com relativa profundidade, sob pena de não responder devidamente às demandas da população e, conseqüentemente, perder seus eleitores. Por outro lado, os burocratas mais eficientes têm não só que dominar os assuntos técnicos, mas igualmente articular idéias, interesses e, sobretudo, ser hábeis negociadores. O fato é que atualmente a qualidade das decisões em assuntos públicos supõe tanto a “burocratização da política” como a “politização da burocracia”, como demonstrou uma ampla 3

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pesquisa sobre as relações entre políticos e burocratas em seis importantes democracias ocidentais, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Holanda e Suécia (ABERBACH, PUTNAM & ROCKMAN, 1981). Tal constatação põe em cheque a separação entre política e administração. É preciso, neste sentido, evitar duas falácias. A primeira é a tecnocrática, que supõe não só a reserva dos assuntos técnicos à burocracia, alijando os políticos de tais temas, como também busca reduzir ou mesmo eliminar os controles democráticos sobre as decisões públicas. Os técnicos teriam todas as respostas e, quanto mais protegidos da sociedade ou dos políticos, melhores resultados produziriam. O que a experiência da administração pública no plano internacional revela é exatamente o contrário: quanto maior o controle efetuado pelos cidadãos, mais o Poder Público tem condições de corrigir e melhorar as políticas públicas. O insulamento dos burocratas tende mais a potencializar a criação de redes sociais não controláveis e espúrias. Um bom exemplo disso foi verificado no Brasil durante o regime militar, no fenômeno denominado por Fernando Henrique Cardoso (1974) de “anéis burocráticos”: o enfraquecimento do Congresso, das oposições e, por conseguinte, da capacidade da população fiscalizar o Poder Público, resultou na criação de relações diretas e sem nenhuma transparência entre grupos de interesse econômico e os Ministérios. Isto se repete em vários países autoritários ou com instituições democráticas frágeis, levando ao incremento da corrupção e do mau uso dos recursos públicos, numa espiral negativa que impede o desenvolvimento e mantém a miséria. Há uma outra falácia perigosa que ronda as relações entre economia e democracia. Trata-se de enxergar a política democrática como mero resultado do jogo eleitoral. Este aspecto é basilar para o regime democrático, mas não o esgota. Primeiro porque o processo de disputa eleitoral não se resume à soma de preferências, mas depende fundamentalmente da qualidade do debate. Neste sentido, é importante fortalecer as regras que favoreçam a disseminação da informação, o aperfeiçoamento da discussão das principais políticas públicas e o maior equilíbrio entre as candidaturas em competição – para que o dinheiro ou o monopólio da comunicação não determine a escolha dos eleitores. O processo de formação das opiniões, nas várias arenas em que ele ocorre – escola, empresa, família –, também deve ser um espaço para reforçar valores vinculados ao aprendizado democrático frente às decisões dos governantes. Além disso, o regime democrático depende da criação de regras que protejam direitos os quais não podem ser facilmente alterados pelos governantes de ocasião, ou seja, que exigem um quorum mais qualificado de apoio parlamentar para modificar, por exemplo, princípios constitucionais. Com isso, procura-se evitar a “tirania da maioria”, e estabelecer limites legais intertemporais à ação dos representantes da população – no caso das Finanças Públicas, é recorrente em vários países o expediente de fixar parâmetros de restrição orçamentária que devem ser respeitados pelos governantes do momento, mas igualmente pelos futuros eleitos. As confusões quanto ao sentido da democracia expressam-se, por fim, numa visão segundo a qual o importante é tomar decisões rápidas baseadas na vontade de quem está no poder. Estudos recentes têm, ao contrário, mostrado que a coerência das decisões e a estabilidade das políticas públicas podem ser aumentadas e não reduzidas, como se pensa geralmente, em função da existência de estruturas institucionais que requerem amplas negociações e debate entre os diferentes atores políticos envolvidos com tais decisões ou políticas. Um bom exemplo dessa argumentação está no trabalho de Stark & Brustz (1998). Examinando as bases institucionais das políticas adotadas no Leste Europeu no pós-socialismo, os autores indicam que a capacidade de elaborar e implementar programas de reforma pôde ser aumentada (e não 4

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diminuída) nos casos em que o ramo Executivo teve um poder menos concentrado, ou seja, quando foi mais constrangido a prestar contas de suas decisões às diversas forças políticas no Parlamento e na sociedade organizada. Tendo que debater e negociar suas propostas com outros atores, os policymakers melhoraram a compreensão dos problemas, ampliaram a capacidade de obter informações críticas, corrigindo erros de cálculo que, na ausência deste processo, só apareceriam no momento da implementação e, portanto, com menor possibilidade de correção. Isto encorajou, ainda, os formuladores a pensar vários passos à frente nos jogos estratégicos da política de reforma. Com maior alcance empírico, o trabalho de Lipjhart (1999) analisou 36 países e os dividiu em dois tipos de democracia: a majoritária, em que o poder está mais concentrado, e a consociativa, em que o poder está mais fragmentado. Suas conclusões indicaram que não há comprovação de que a forma majoritária – a que recebe menos veto e decide de forma mais rápida – seja de qualidade superior, como o saber convencional imagina – e os economistas e os editorialistas de jornal não cansam de repetir. Ao invés disso, os melhores resultados, em termos de qualidade do processo decisório e seus impactos no bom desempenho governamental, ocorreram geralmente nas nações perfiladas ao modelo consociativo. Em suma, a perspectiva da accountability democrática supõe a conciliação, tanto do ponto de vista analítico quanto do ponto de vista normativo, entre as exigências da eficiência e os imperativos da democracia. Cabe indicar aqui que a temática da accountability ganhou força dentro da ciência econômica só muito recentemente, a partir de estudos sobre reforma de Estado e dos efeitos das boas práticas governamentais no crescimento econômico. Isso ocorreu especialmente devido à influência de adeptos de teorias neo-institucionalistas nos organismos internacionais, como o Banco Mundial (SCHNEIDER e DONER, 2000). O neo-institucionalismo é uma nova corrente teórica que tem crescido muito nos últimos anos, nas Ciências Sociais em geral e, mais particularmente, na Economia e na Ciência Política. Ele reafirma, como já há muito indicaram os autores clássicos (Marx, Weber, Polanyi etc.), que as instituições têm um papel decisivo na vida econômica e política, afetando a ação dos indivíduos, suas escolhas e estratégias e os resultados das políticas governamentais. Na Economia, a ênfase no papel das instituições representa uma revisão importante (mesmo que sem ruptura) do paradigma neoclássico dominante na disciplina. Nessa visão, o indivíduo é concebido como um ser racional e que pauta sua conduta pela maximização de seu interesse ou utilidade. Questionando a idéia de que o homo economicus seja dotado de informação completa e de racionalidade perfeita, e mais ainda, que se possa definir a ação dos agentes econômicos apenas de deduções lógicas derivadas de modelos abstrato-formais, vários economistas, na esteira de críticas provenientes de outras disciplinas como a Sociologia Econômica e a Historia, começam a considerar o papel do contexto institucional. Assim, Douglass North, o principal teórico do neoinstitucionalismo na Economia, buscando entender o desempenho econômico de diferentes países através da história, afirma que o comportamento humano é mais complexo do que imagina a visão neoclássica, e enfatiza o peso das instituições, ou seja, das regras formais e informais que, mesmo não sendo eficientes economicamente, reduzem a incerteza e os custos de transação. Aliás, custos de transação é um conceito-chave na teoria institucionalista. Diferentemente dos economistas clássicos e neoclássicos que consideram apenas os custos de produção, os institucionalistas apontam a existência de custos para se obter informações, para medir os atributos ou qualidades das mercadorias ou então para proteger direitos e garantir o cumprimento dos contratos. Portanto, a grande contribuição destes teóricos é lançar o olhar para as dimensões não 5

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econômicas (tais como o aparato legal, o sistema de informações etc.), examinando seus impactos sobre o desempenho econômico (NORTH,1990). Influenciado por tais idéias, o Banco Mundial em um de seus últimos relatórios, intitulado Institutions Matter, enfatiza o papel das regras legais que garantem o cumprimento e a credibilidade dos contratos, a predicabilidade do processo legal, a transparência das decisões governamentais. Tais elementos não só melhoram a qualidade dos governos, mas são igualmente fundamentais para se alcançar a estabilidade macroeconômica e o crescimento. Assim, reconhecendo a conexão teórica de boas práticas de governança, a realização de princípios democráticos e melhores resultados econômicos e sociais, os organismos internacionais e o Banco Mundial, em particular, têm desempenhado papel de relevo neste processo de formação de consenso em torno da idéia de que para se alcançar o desenvolvimento econômico não basta canalizar capitais para investimentos em economias emergentes. São necessárias reformas institucionais que reduzam a ineficiência na alocação de recursos por parte dos governos e possibilitem maior controle dos governantes, reduzindo ou eliminando os problemas de corrupção e clientelismo que afetam o desenvolvimento econômico. Assim, a problemática de accountability democrática emerge neste contexto da chamada segunda geração de reformas do Estado, que objetiva tornar os governos não só mais eficientes no provimento de suas políticas públicas, mas também mais responsivos às demandas dos eleitores (HAGGARD, 1996) [1]. Antes de passar para a análise do conceito de accountability democrática e de suas formas de realização, é interessante chamar atenção para o fato de que, ao reconhecer o peso das instituições na vida econômica, a chamada Nova Economia Institucional pode estar contribuindo para a construção de um novo padrão de relação entre a Economia e a Política e, conseqüentemente, para uma nova visão da política por parte dos economistas. Revertendo, pelo menos em parte, a tendência à “colonização” da Ciência Política pela Economia, à maneira dos teóricos da Public Choice, a análise institucionalista suaviza a estilização do comportamento humano (seja ele econômico ou político), tomado apenas como maximizador do auto-interesse. Ao contrário, olha a ação dos indivíduos ampliada pela lente de outras dimensões societárias, associadas às normas institucionais, aos valores culturais e à história dos países. Dessa maneira, o neo-institucionalismo segue o caminho já apontado pela Sociologia Econômica, mostrando que as atores econômicos estão inseridos em contextos sociais e político-institucionais que afetam decisivamente suas formas de ver o mundo e construir suas estratégias de atuação. DEMOCRACIA E ACCOUNTABILITY Embora haja muita controvérsia quanto à definição de democracia (SARTORI, 1994), ela pode ser sinteticamente entendida pela busca de três ideais, tomados como princípios orientadores. Primeiro: o governo deve emanar da vontade popular, que se torna a principal fonte da soberania. Segundo: os governantes devem prestar contas ao povo, responsabilizando-se perante ele, pelos atos ou omissões cometidos no exercício do poder. E, terceiro: o Estado deve ser regido por regras que delimitem seu campo de atuação em prol da defesa de direitos básicos dos cidadãos, tanto individuais como coletivos. A esses ideais democráticos correspondem às formas que no mundo contemporâneo, em especial a partir da segunda metade do século XX, visam garantir a accountability, ou seja, a responsabilização política ininterrupta do Poder Público em relação à sociedade. A primeira delas é o processo eleitoral, garantidor da soberania popular. A segunda é o controle institucional durante os mandatos, que fornece os mecanismos de fiscalização contínua dos representantes 6

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eleitos e da alta burocracia com responsabilidade decisória. Por fim, a terceira forma de accountability democrática relaciona-se à criação de regras estatais intertemporais, pelas quais o poder governamental é limitado em seu escopo de atuação, a fim de se garantir os direitos dos indivíduos e da coletividade que não podem simplesmente ser alterados pelo governo de ocasião. Essas três formas contemporâneas de accountability existem, com maior ou menor grau de sucesso, em todos os países democráticos. Sua consecução depende da utilização de instrumentos institucionais e da existência de condições mais gerais (sociais, políticas, culturais etc.) capazes de dar um alicerce estrutural à democracia e a suas formas de responsabilização política. O quadro 5.1 resume o modelo de accountability democrática aqui adotado. Quadro 5.1 - Accountability Democrática Formas de Accountability

Processo Eleitoral

Controle Institucional durante o Mandato

Regras estatais Intertemporais

Instrumentos • Sistema eleitoral e partidário • Debates e formas de disseminação da informação • Regras de Financiamento de Campanhas • Justiça eleitoral • Controle Parlamentar (controles mútuos entre os Poderes, CPI, argüição e aprovação de altos dirigentes públicos, fiscalização orçamentária e de desempenho das agências governamentais, audiências públicas etc.), • Controle Judicial (controle da constitucionalidade, ações civis públicas, garantia dos direitos fundamentais etc.) • Controle Administrativo-Procedimental (Tribunal de Contas e/ou Auditoria Financeira) • Controle do Desempenho dos Programas Governamentais • Controle Social (Conselho de usuários dos serviços públicos, plebiscito, Orçamento participativo etc.) • Garantias de direitos básicos pela Constituição (cláusulas pétreas) • Segurança contratual individual e coletiva • Limitação legal do poder dos administradores públicos • Acesso prioritário aos cargos administrativos por concursos ou equivalentes • Mecanismos de restrição orçamentária • Defesa de direitos intergeracionais

Condições • Direitos políticos básicos de associação, de votar e ser votado • Pluralismo de idéias (crenças ideológicas e religiosas) • Imprensa livre e possibilidade de se obter diversidade de informações • Independência e controle mútuo entre os Poderes

• Transparência e fidedignidade das informações públicas • Burocracia regida pelo princípio do mérito (meritocracia) • Predomínio do império da lei • Existência de mecanismos institucionalizados que garantam a participação e o controle da sociedade sobre o Poder Público • Criação de instâncias que busquem o maior compartilhamento possível das decisões (“consensualismo”)

Essa classificação adotada não tem divergências de fundo com aquela construída por Guillermo O’Donnell (1998), atualmente uma das principais referências do assunto na literatura de Ciência 7

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Política. Segundo este autor, a responsabilização democrática procura aliar dois mecanismos: de um lado, os relacionados à accountability vertical, na qual os cidadãos controlam de forma ascendente os governantes, mediante o voto em representantes, formas de democracia semi-direta (como plebiscitos) ou ainda pela utilização do controle social – exemplificado pelos conselhos de usuários de serviços públicos –, e, de outro, os vinculados à accountability horizontal, que se efetivam mediante a fiscalização mútua entre os Poderes (checks and balances) ou por meio de outras agências governamentais que monitoram o Poder público, como os Tribunais de Contas brasileiros. Sem contradizer tal divisão, o modelo proposto aqui enfatiza outra maneira de observar o processo de responsabilização democrática. A accountability é classificada em três formas – processo eleitoral, controle institucional durante o mandato e regras estatais intertemporais – que diferem entre si na medida em que cada uma delas busca fundamentalmente um dos objetivos básicos do ideal democrático. Duas razões motivaram esta distinção. A primeira e principal foi deixar mais claro aos economistas em formação quais são os princípios orientadores do regime democrático e suas múltiplas características, no intuito de criticar a visão padrão que a Economia tem da democracia, bastante simplista, quando não preconceituosa. Do outro lado do problema, a teoria política praticamente ignora o estudo da articulação das formas, instrumentos e condições garantidoras da accountability democrática no campo das políticas públicas e, mais particularmente para o propósito deste capítulo, na área de finanças públicas. Acredita-se, assim, que esta nova classificação é mais útil para a presente argumentação do que a elaborada por Guillermo O’Donnell. Como forma de accountability, o processo eleitoral é o ponto de partida de qualquer governo democrático. Por meio das eleições, o objetivo é concretizar, a um só tempo, o princípio de soberania popular e o controle dos governantes, pois os eleitos precisam, de tempos em tempos, prestar contas de seus atos aos cidadãos. No entanto, o bom desempenho democrático não é assegurado apenas pelo sufrágio popular. Primeiro, é preciso que sejam asseguradas condições básicas para a sua realização: liberdade de expressão e de reunião, tolerância entre opiniões divergentes – à exceção daquelas que se coloquem contra os princípios da democracia –, disponibilidade de informações ao conjunto do eleitorado e garantia do próprio direito de voto a todos os cidadãos, os quais não poderão ser impedidos de participar da eleição. O processo eleitoral depende também da criação de regras que tornem mais fidedigna a relação entre representantes e representados. É preciso, desse modo, constituir adequados instrumentos de accountability para a realização do sufrágio popular. Dentre estes, destacam-se a escolha do sistema eleitoral, fundamental para garantir uma representação a mais justa possível da vontade do eleitorado; a existência de uma justiça independente que preserve a lisura do pleito; o uso de mecanismos para estimular a disseminação das informações e do debate sobre as alternativas colocadas à população; o estabelecimento de regras de financiamento de campanha que evitem o abuso do poder econômico e delimitem uma situação de relativa igualdade entre os concorrentes, além de assegurar a transparência dos gastos eleitorais, a fim de que o cidadão possa se informar sobre os interesses vinculados aos partidos e candidatos e, com estas informações, efetuar suas escolhas e controlar os eleitos. A democratização do Poder público deve ir além do voto, pois assim se evita a situação enunciada por Rousseau, em referência irônica à Inglaterra de sua época (século XVIII): o povo inglês só é soberano no momento da votação; no dia seguinte passa a ser escravo. Aqui está a limitação mais importante do processo eleitoral: sua incapacidade de garantir o controle por completo dos governantes. As eleições não contêm nenhum instrumento que obrigue os políticos a cumprir suas promessas de campanha, e a avaliação do seu desempenho só pode ser feita de forma retrospectiva nas votações seguintes (Przeworski, Stokes, Manin 1999). Desse modo, é preciso constituir 8

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instrumentos de fiscalização e participação dos cidadãos nas decisões da coletividade durante o mandato dos eleitos. De forma mais precisa, é possível dizer que devem ser controlados também os ocupantes de cargos públicos não-eleitos, os burocratas, que crescentemente adquirem importância na definição dos rumos das ações estatais. O exercício do controle estendido no tempo, que vai além da eleição para abrigar o mandato dos eleitos, é fortemente condicionado pela transparência e visibilidade dos atos do Poder público. Todas as decisões governamentais devem ser conhecidas pelo povo soberano, na medida em que o eixo do regime democrático está no controle dos governantes pelos cidadãos. Vale repetir a célebre pergunta do filósofo Norberto Bobbio: “Como o governo poderia ser controlado se se mantivesse escondido?" (BOBBIO, 1992: 87). A transparência das ações governamentais não esgota a busca da accountability durante os mandatos, porém, é um requisito fundamental para a efetivação de seus instrumentos institucionais, pois sem informações confiáveis, relevantes e oportunas, não há possibilidade de os atores políticos e sociais ativarem os mecanismos de responsabilização. Os instrumentos de accountability durante o mandato podem ser divididos em cinco tipos. O primeiro deles é o controle parlamentar, exercido pelo Legislativo sobre o Executivo, por meio de fiscalização orçamentária, da participação na nomeação de integrantes da alta burocracia, da instauração de comissões de inquérito para averiguar possíveis equívocos em políticas públicas e/ou atos de improbidade administrativa. Para que o Parlamento tenha sucesso na utilização destes instrumentos, é preciso que ele contenha um conjunto de capacidades institucionais, no que se refere às competências legais, à autonomia financeira e à qualidade de seu corpo técnico. Além disso, necessita-se de uma classe política que, baseada numa cultura cívica democrática, dê valor à atividade fiscalizatória do parlamento. Os controles judiciais constituem uma outra maneira de fiscalizar ininterruptamente o Poder público. Seu objetivo maior é garantir que os governantes e altos funcionários públicos atuem segundo o império da lei. Para tanto, tribunais analisam a legalidade das normas produzidas pelo Legislativo e pelo Executivo, ao passo que o Ministério Público pode acionar o Estado para que determinadas regras legais sejam cumpridas. A independência funcional e a existência de uma burocracia meritocrática são condições essenciais para o bom exercício dessa função no sistema de accountability. A elas deve se acrescentar algo que muitas vezes é negligenciado pela Magistratura e promotores públicos: os atores judiciais são formados, no mais das vezes, por burocratas, e precisam passar por formas de controle político. Neste sentido, três exemplos podem ser citados: os checks and balances exercidos pelos outros dois Poderes, que têm um papel estratégico na nomeação e sabatina de juízes das Cortes superiores; a criação de agências de fiscalização da atividade administrativa do Judiciário, como já foi feito em alguns países; e também há casos nos quais, em determinados níveis da carreira, o preenchimento dos postos é feito pelo voto popular. A accountability durante o mandato pode ser realizada, ainda, pelo controle administrativofinanceiro das ações estatais. Normalmente, este tipo de fiscalização é feito por Auditorias Independentes ou Tribunais de Contas. O objetivo é verificar se o Poder público efetuou as despesas da maneira como fora determinado pelo Orçamento e pelas normas legais mais gerais, tais como os limites para endividamento e a vinculação orçamentária a determinadas áreas. O ponto central dessa fiscalização é a probidade, tendo como finalidade não permitir o mau uso dos recursos públicos e, sobretudo, a corrupção. No uso deste instrumento de responsabilização, além de acompanhar e avaliar os procedimentos, é preciso também examinar os aspectos substantivos que envolvem a eficiência e a efetividade das políticas públicas. 9

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A utilização de mecanismos de controles dos resultados da administração pública é uma das maiores novidades em termos de accountability democrática. Trata-se de responsabilizar o Poder público conforme o desempenho dos programas governamentais. Isto pode ser feito por órgãos do próprio governo – contanto que tenham autonomia para fazê-lo –, por agências independentes organizadas e financiadas pela sociedade civil e, ainda, pelas instituições que tradicionalmente têm realizado o controle administrativo-financeiro. O novo aqui nem tanto são os atores que fiscalizam, e sim o quê se procura fiscalizar. Nesta nova modalidade, os governantes eleitos e os burocratas serão avaliados substantivamente pelo cumprimento das metas propostas. Para além das possíveis penalidades que os cidadãos possam via a impor aos ocupantes de cargos públicos, o mais importante é que este instrumento de accountability democrática orienta-se por diretrizes mais claras que melhoram o debate e, desse modo, servem não só como forma de controle, mas igualmente como aprendizado cívico. A qualidade da administração pública é um pressuposto fundamental para o sucesso deste instrumento de responsabilização. Obviamente que o é para todos, porém aqui ela é a própria essência do controle de resultados. Outra condição para o êxito desse mecanismo é a transparência governamental, peça-chave para a accountability de maneira geral, como dito anteriormente, mas sem a qual, neste caso, não há minimamente como auferir o desempenho do Poder público. Cabe destacar, por fim, os instrumentos de controle da sociedade durante os mandatos. Eles funcionam por meio de mecanismos de consulta popular (como o plebiscito), de conselhos consultivos e/ou deliberativos no campo das diversas políticas públicas (saúde, educação, etc.), da figura do Ombudsman – quando este tem autonomia funcional efetiva perante os governantes –, de processos orçamentários participativos e da parceria com organizações não governamentais na provisão de serviços públicos. O controle social é uma forma de accountability vertical que não se esgota na eleição, atuando ininterruptamente, sem, no entanto, contradizer ou se contrapor aos mecanismos clássicos de responsabilização. Na verdade, ele depende, em linhas gerais, das mesmas condições que garantem a qualidade da democracia representativa: informação e debate entre os cidadãos, instituições que viabilizem a fiscalização, regras que incentivem o pluralismo e coíbam o privilégio de alguns grupos frente à maioria desorganizada, bem como o respeito ao império da lei e aos direitos dos cidadãos. Nesse ponto entra um elemento pouco citado na literatura sobre a accountability democrática. O seu exercício depende da criação de regras intertemporais que protejam os direitos básicos dos indivíduos e da coletividade. Em boa medida, são estas normas que asseguram a limitação do poder dos governantes escolhidos por uma maioria de ocasião, a qual não pode impor a mudança de todas as regras da sociedade independentemente da vontade dos demais. Trata-se de separar o domínio do Estado – é o horizonte de longo prazo da coletividade – do de governo e suas injunções conjunturais, garantindo assim direitos básicos inalienáveis e a melhor resolução das questões que podem afetar as próximas gerações (aspectos intergeracionais), como fica evidente na temática ambiental. É claro que estas regras estatais intertemporais têm graus diferenciados de importância e perenidade. Há, em primeiro plano, o pacto constitucional, isto é, aqueles direitos que garantem a própria existência da sociedade e do jogo democrático – no Brasil, são as clausulas pétreas. Num segundo nível, existem as normas que garantem a continuidade e impessoalidade do Estado, como o princípio de seleção burocrática pelo mérito e a definição do poder discricionário da administração pública e seus limites. Ainda neste patamar, é preciso colocar os instrumentos que garantem a viabilidade orçamentária para existência e funcionamento do aparato estatal, uma vez que a 10

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desestruturação das contas públicas torna quase impossível o cumprimento das promessas de campanha, enfraquecendo a qualidade da democracia. Num nível em que a flexibilidade de mudança é bem maior, fica toda uma legislação que define percentuais de recursos ou metas para as políticas públicas, além dos meios que operacionalizam a preservação de direitos. Neste último ponto, o governo de ocasião tem maior poder de alterar tais normas. Com a definição dos principais conceitos e formas de realização da accountability democrática, analisaremos agora este tema sob a ótica das finanças públicas na experiência brasileira, com algumas citações de exemplos e parâmetros internacionais. Para tanto, o Quadro II sintetiza os instrumentos da responsabilização política que são utilizados no Brasil no plano das finanças públicas. Quadro 5.2 - Accountability e finanças públicas no Brasil FORMAS DE ACCOUNTABILITY • Processo Eleitoral

• Controle Institucional durante o Mandato

• Regras estatais Intertemporais

• • •

• •

INSTRUMENTOS Financiamento de campanhas eleitorais Comissões Parlamentares de Inquérito Regras de discussão, publicização e accountability horizontal do Orçamento (processo de elaboração do PPA, LDO e LOA) Tribunais de Contas Auditorias Financeiras Internas (Secretaria de Controle Interno e Corregedoria Geral da União)

• Orçamento Participativo • Regras de restrição orçamentária e de responsabilidade fiscal • Limites de endividamento público • Metas Inflacionárias

INSTRUMENTOS DE ACCOUNTABILITY EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

NAS

FINANÇAS

PÚBLICAS

E

A

O Brasil tem uma história democrática relativamente curta e recente. Seu primeiro experimento se deu entre 1946-64, mas foi a partir da redemocratização, em meados da década de 1980, que os princípios e instrumentos de accountability começaram a ser melhor desenvolvidos no país, com impactos no ordenamento das finanças públicas. Dentre as mudanças mais significativas desencadeadas pelo regime democrático, cabe destacar: o fechamento da conta-movimento do Banco do Brasil; a unificação do Orçamento público, extinguindo o chamado Orçamento monetário e, com a Constituição de 1988, reunindo as contas do Tesouro, das estatais e da Previdência; a criação da Secretaria Nacional do Tesouro (STN), no Ministério da Fazenda, órgão centralizador da gestão fiscal no país; a montagem do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira), que organizou e tornou mais transparente o fluxo dos recursos públicos federais; o maior sucesso no controle inflacionário a partir do Plano Real, aspecto aperfeiçoado com o estabelecimento das metas inflacionárias em 1999; o controle mais rigoroso do endividamento público por meio de resoluções do Senado; o acordo de refinanciamento das dívidas subnacionais e, por fim, a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que representou um marco na gestão fiscal do país ao instituir normas mais efetivas de restrição orçamentária (LOUREIRO E ABRUCIO, 2004).

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É importante ressaltar que todas estas mudanças foram impulsionadas pela redemocratização do país, o que reforça nosso argumento de que a gestão fiscal responsável relaciona-se fortemente com o desenvolvimento e reforço das práticas democráticas. A seguir, analisaremos os limites e possibilidades dos instrumentos disponíveis para a accountability dos governantes com relação à gestão das contas públicas. Como já indicado, embora a análise se refira ao caso brasileiro, recorreremos sempre que possível a comparações com outros países. Financiamento de Campanhas Eleitorais Na análise dos instrumentos de accountability democrática é fundamental considerar, como ponto de partida, o processo de financiamento das campanhas eleitorais. Ele constitui o primeiro passo na definição do padrão dos gastos públicos e das prioridades dos governantes, porque é o Orçamento o instrumento pelo qual as promessas de campanha podem ser cumpridas. A influência desmesurada do poder financeiro tem crescido nas democracias de massa. Com a necessidade de se alcançar um público cada vez maior, mais fragmentado e que em boa parte se mobiliza politicamente apenas no momento eleitoral, os partidos e seus candidatos têm de levar em conta duas estratégias. A primeira é montar um enorme aparato de marketing político, que custa muito caro. Para tanto, e aí entra a segunda estratégia, os políticos gastam a maior parte de seu tempo arrecadando dinheiro, cultivando e bajulando seus doadores. Os efeitos deste processo são perceptíveis em vários países do mundo e podem ser devastadores: vão desde o abandono da política por parte daqueles que rejeitam tais práticas, passam pela frustração, desencantamento ou mesmo cinismo dos eleitores. Este processo de encarecimento extremado das campanhas eleitorais e de dependência dos políticos em relação ao dinheiro é um incentivo ao acesso privilegiado dos financiadores às arenas decisórias e, desse modo, possibilita o avanço das práticas de corrupção. Numa sociedade de massas, seria impossível fazer a política sem as estratégias de marketing político. Por esta razão, a maioria das democracias ocidentais tem procurado, de uma forma ou de outra, criar regras ou constrangimentos institucionais que procuram neutralizar os efeitos negativos do financiamento de campanhas. Isto passa, em primeiro lugar, pela criação de restrições ou de formas mais estritas de controle das doações privadas. Cresce significativamente o número de países que adotam financiamentos predominantemente públicos das campanhas, com exigências rigorosas de prestação de contas, tais como existem na Alemanha (NASSMACHER, 2000). O financiamento predominantemente público não impede por completo a existência de corrupção nas campanhas, e nem necessariamente leva à extinção das doações privadas, cuja existência pode até ser justificada do ponto de vista democrático, no caso de pessoas físicas, pela liberdade de exprimir apoio a uma força ou causa política. Por isso, duas outras medidas são essenciais para garantir a accountability do financiamento: o aumento da transparência e controle dos gastos eleitorais, bem como a criação de medidas que limitem o abuso dos apoios privados. Começando pelo segundo aspecto, é preciso vincular o repasse de recursos privados a partidos e não a candidatos, ao que se soma a necessidade de se ter uma justiça eleitoral independente e eficaz em termos de fiscalização e responsabilização do sistema político. O estabelecimento de um teto para as contribuições também é uma resposta interessante. Por meio dele, consegue-se fixar um parâmetro aos apoiadores privados, que o utilizariam inclusive para não serem chantageados pelos candidatos, além de poderem financiar campanhas de forma mais transparente para a opinião 12

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pública, para seus acionistas e consumidores, reduzindo as suspeitas sobre a sua atuação, quase sempre perigosas para a imagem institucional das empresas. A medida mais importante, contudo, diz respeito à transparência das despesas eleitorais. Este processo deve ocorrer ao longo da campanha e não só ao final. É preciso utilizar os avanços da Internet para publicizar as informações, incluindo aí as contribuições de pessoas físicas e jurídicas a partidos e/ou candidatos. Seria um mecanismo de accountability que ajudaria os eleitores a conhecer mais profundamente os seus candidatos, ajudando-os no momento de decidir em quem votar, o que constitui um avanço em relação à publicação das contas apenas depois da eleição. O Brasil teve pelo menos três avanços no terreno do financiamento da campanha e da accountability aí envolvida. O primeiro foi a consolidação do Horário Eleitoral Gratuito (HEG), instrumento que torna mais justa a competição entre os candidatos, o que em tese reduziria o peso do poder econômico e permitiria a todos apresentar suas alternativas de políticas públicas. O segundo elemento positivo é o reforço do papel dos Tribunais Eleitorais e das leis de moralização das campanhas, de maneira que nos últimos anos aconteceram, pela primeira vez em nossa história, cassações de mandato vinculadas ao abuso do poder econômico. Por fim, desde 1993 todos os candidatos são obrigados a fazer, ao final da eleição, uma declaração detalhada das contribuições de campanha (SAMUELS, 2003: 366). As diversas denúncias de corrupção vinculada ao financiamento de campanha revelam, entretanto, que há ainda muitos problemas na sistemática adotada pelo Brasil – algo que, aliás, também ocorre em outros países. Em primeiro lugar, as eleições brasileiras perfilam-se entre as mais caras do mundo (FLEISCHER, 2000), e mesmo o uso do Horário Eleitoral Gratuito (HEG), que é um avanço dado que em parte eqüaliza as condições de disputa, elevou as despesas com rádio e TV de tal modo que apenas os partidos com bastante dinheiro podem utilizar com êxito o HEG. Ademais, a propaganda eleitoral gratuita tem um formato hoje que pouco favorece o debate, incentivando mais a venda dos candidatos do que a apresentação e discussão das alternativas aos problemas coletivos. Dois obstáculos permanecem no caminho da maior transparência das contas de campanha. O primeiro se refere à enorme dificuldade de se controlar os gastos eleitorais dos candidatos a cargos proporcionais (postos legislativos, com exceção do Senado), uma vez que suas campanhas são extremamente individualizadas no Brasil e é difícil ter uma estrutura institucional que dê conta dessa fiscalização – afinal, são milhares de postulantes a vereador, deputado estadual e federal. A saída aqui seria fortalecer mais a vinculação entre os candidatos e seus partidos. A despeito de ter melhorado a prestação de contas das campanhas para os cargos executivos, como o processo só se dá ao final, normalmente estabelece-se, principalmente entre as grandes legendas, uma “espécie de ‘acordo de apoio mútuo entre cavalheiros, onde cada partido ratifica a lisura da contabilidade dos outros partidos para que, em troca, possa ter as suas próprias contas aprovadas” (FLEISCHER, 2000:79). Por esta razão, caberia adotar o acompanhamento das despesas eleitorais durante a campanha, que reduziria a possibilidade de falsificação dos dados por meio de um pacto silencioso entre as mais importantes forças políticas. Além disso, David Samuels, na pesquisa mais completa sobre o assunto, mostra que, em geral, as contribuições tendem a se concentrar em poucos doadores, os quais normalmente repassam muito dinheiro. Cria-se, assim, uma situação de “oligopólio do financiamento”, claramente vinculada à desigualdade de renda no país, reduzindo a possibilidade de os mais pobres – a maioria da população – influenciar o processo político (SAMUELS, 2003: 381).

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Numa situação como esta, o financiamento público de campanha aparece como o principal remédio. No entanto, a manutenção de algum tipo de contribuição privada é importante. Primeiro, do ponto de vista realista, porque sempre haverá alguma empresa ou pessoa física disposta a doar recursos, mesmo que por “debaixo dos panos”. Soma-se a isso o fato de que, do ponto de vista democrático, é possível argumentar que os indivíduos podem querer doar recursos para partidos ou causas vinculadas à defesa de valores mais amplos. Para ambos os casos, a solução passa pela definição de tetos de contribuição e pela restrição à doação privada, que só ocorreria nos momentos não eleitorais e diretamente às siglas partidárias. A inclusão destas exceções às contribuições privadas não resolve por completo os dilemas do financiamento predominantemente público de campanha. Isto porque a adoção desta proposta levaria à maior centralização das decisões sobre a distribuição dos recursos na cúpula partidária, exatamente num país marcado pela maior fragilidade organizatória dos partidos e descentralização de comando, questão vinculada ao expressivo peso dos líderes locais (governadores e prefeitos, principalmente) na definição dos rumos partidários. O fortalecimento das siglas partidárias, tantas vezes propugnado no Brasil, como a solução para os males do seu sistema político, tem de ser feito com cuidado para não fortalecer uma oligarquia dentro dos partidos. Por isso, para se optar pelo financiamento majoritariamente público das campanhas, é preciso combinar o reforço dos partidos com a criação de mecanismos que delimitem e controlem o poder das cúpulas partidárias. Mais do que isso,é fundamental atrair mais pessoas para a vida interna dos partidos, de modo a evitar a criação de uma oligarquia política pouco transparente e financiada quase que exclusivamente por dinheiro público. Na verdade, se a maioria dos cidadãos tiver incentivos para participar das organizações partidárias, até mesmo as contribuições privadas vão mudar de natureza. A melhora do financiamento das campanhas não se esgota em medidas que atingem o período eleitoral. É importante aperfeiçoar instituições que atuam, sobretudo, no momento do mandato, como o processo de elaboração do Orçamento e a definição das licitações públicas. Trata-se de prolongar a accountability para além do voto. Com este intuito e com ênfase no tema das finanças públicas, analisaremos a seguir os limites e avanços de controle estendido do Poder público no Brasil, por meio do processo orçamentário, da criação de regras intertemporais para ordenar os gastos públicos, da atuação dos Tribunais de Contas e das Comissões Parlamentares de Inquérito, além da experiência do Orçamento Participativo (OP). Processo orçamentário e prestação de contas por parte do Poder Executivo O Orçamento é um instrumento fundamental de governo, seu principal documento de políticas públicas. Através dele os governantes selecionam prioridades, decidindo como gastar os recursos extraídos da sociedade e como distribuí-los entre diferentes grupos sociais, conforme seu peso ou força política. Portanto, nas decisões orçamentárias os problemas centrais de uma ordem democrática como representação e accountability estão presentes. Pode-se indagar, por exemplo, se distribuição da receita fiscal na peça orçamentária contempla os grupos políticos segundo sua correspondente representação na sociedade; se as decisões relativas à sua elaboração, aprovação e implementação são transparentes, permitindo a devida responsabilização dos governantes etc. Alguns autores consideram que a política orçamentária em sistemas políticos, como o dos Estados Unidos, constitui um momento político crucial e exprime de forma explícita o compartilhamento do poder entre Legislativo e Executivo (WILDAVSKY, 1964). Na verdade, é na disputa orçamentária 14

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no Congresso norte-americano que se define como os recursos públicos serão distribuídos. Por meio de negociações ou enfrentamentos entre os membros do partido do Presidente e a oposição, decidem-se, por exemplo, se as receitas serão alocadas prioritariamente em armamentos e gastos militares, ou em políticas sociais, se o governo recolherá mais impostos da sociedade ou se, ao contrário, os reduzirá, beneficiando certos grupos em detrimento de outros. Mesmo podendo sofrer veto por parte do presidente da república, as decisões orçamentárias tomadas pelos congressistas dos EUA têm caráter obrigatório, ou seja, devem necessariamente ser postas em prática pelo Executivo e sua administração. Além disso, o orçamento nos Estados Unidos é um poderoso mecanismo que dispõe o Legislativo para controlar a burocracia governamental. Mediante sanções ex post, envolvendo corte de recursos para as agências que não seguem as preferências da maioria dos membros de suas comissões ou subcomissões, o Congresso pode direcionar a atuação da burocracia. Os congressistas enviam sinais à administração pública em função das demandas que eles captam de seus eleitores e os burocratas respondem a eles, produzindo mudanças nas políticas que conduzem (DAN WOOD e WATERMAN, 1994). Esses mecanismos favorecem, assim, uma clara identificação da responsabilidade dos políticos eleitos, presidente ou congressistas de diferentes partidos, pelas decisões tomadas, permitindo ao eleitor aprová-las ou reprová-las nas eleições seguintes. Em comparação com os Estados Unidos, os mecanismos de responsabilização dos governantes no Brasil através do Orçamento são bem mais limitados, devido à pouca transparência do processo e à concentração, na prática, do poder decisório nas mãos do Executivo, no momento de sua execução. Até recentemente, o processo orçamentário no Brasil era uma peça de ficção. De um lado, porque a elevada inflação tornava irrealista qualquer cálculo das contas públicas e servia inclusive para aumentar, de forma artificial e sem controle, as receitas dos governos, mediante o simples adiamento dos prazos de pagamentos de funcionários, fornecedores, etc. De outro, porque, além do Orçamento fiscal propriamente dito, havia outros orçamentos não contabilizados nas contas públicas, tais como o da seguridade social, o das estatais etc. Essa situação distanciava-se muito do padrão recomendado pela OCDE para a transparência do Orçamento, que deve ter um caráter abrangente, abarcando todas as receitas e despesas do governo, de modo que os necessários trade-offs entre diferentes opções de políticas possam ser avaliados claramente pela população (OCDE, 2002:272). Todavia, nos últimos tempos, vários fatores contribuíram para a alteração de tal situação, permitindo avanços no processo de transformação do Orçamento em um instrumento que exprime, de forma mais efetiva, as decisões políticas sobre o gasto público. Além da redução das altas taxas de inflação, a partir de 1994, que permitiu o acompanhamento de forma mais clara das receitas e gastos reais dos governos, o processo de unificação de todos os Orçamentos da União, iniciado ainda nos anos 80, e outras importantes mudanças institucionais trazidas pela Constituição democrática foram igualmente decisivos. A Constituição de 1988 trouxe inegável avanço na estrutura institucional que organiza o processo orçamentário brasileiro. Ela não só introduziu o processo de planejamento no ciclo orçamentário, medida tecnicamente importante, mas, sobretudo, reforçou o Poder Legislativo. Em seu artigo 165, a nova carta indica que, por iniciativa do poder Executivo devem se estabelecidas, além do Plano Plurianual (PPA), Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e ainda Leis Orçamentárias Anuais (LOA).

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O PPA é um instrumento de planejamento no qual são apresentados, de quatro em quatro anos, os objetivos e metas para os programas de governo. Ele deve ser iniciado no segundo ano do mandato presidencial e encerrado ao final do primeiro ano do mandato do próximo presidente eleito. Por sua vez, o projeto da LDO é encaminhado para discussão e aprovação no Congresso no primeiro semestre do ano que antecede o Orçamento, não podendo o Legislativo entrar em recesso sem aprová-lo. Ou seja, o Executivo deve enviá-lo até oito meses e meio antes do término do exercício fiscal (em torno do dia 15 de abril de cada ano). Este prazo é relativamente grande se comparado a outros países como o Chile, no qual o Legislativo não tem mais do que sessenta dias para a discussão orçamentária. Além disso, o prazo que dispõe o congresso brasileiro é bem mais amplo do que o mínimo indicado pelas recomendações da OCDE, ou seja, pelo menos três meses (OCDE, 2002:272). O quadro a seguir resume as recomendações da OCDE em prol da transparência orçamentária. Quadro 5.3: Recomendações da OCDE para a transparência orçamentária

1. O Orçamento e os documentos a ele relacionados deve ser detalhados relativamente a cada programa de receita e despesa discriminada para cada unidade administrativa; 2. O Orçamento deve incluir uma perspectiva de médio prazo. Informações comparativas sobre receitas e despesas no último ano e previsão atualizada para o ano corrente devem ser fornecidas para cada programa, bem como as despesas classificadas por unidade administrativa; 3. São vários os relatórios orçamentários previstos: além dos Orçamentos prévios, mensais, anuais e de longo prazo, sugerem-se também os relatórios pré-eleitorais, ou seja, que informam o estado geral das finanças governamentais no período imediatamente anterior a uma eleição; 4. Devem ser divulgadas igualmente as hipóteses econômicas subjacentes ao Orçamento, bem como ativos e passivos financeiros e não financeiros do governo, as obrigações derivadas do pagamento de inativos e responsabilidades contingentes que dependem de eventos futuros, que poderão ou não ocorrer; 5. Um resumo das políticas de prestação de contas relevantes deve acompanhar todos os relatórios, incluindo o método contábil utilizado e informar quaisquer desvios a partir das práticas contábeis; 6. Um sistema dinâmico de controles financeiros internos, incluindo auditorias para assegurar a integridade das informações contidas nos relatórios orçamentários e a declaração de responsabilidade do ministro das Finanças e de funcionários graduados responsáveis; 7. Além da auditoria de órgão superior especializado, deve-se dar ao poder legislativo a oportunidade e os recursos para examinar efetivamente qualquer relatório fiscal; 8. Finalmente, o Ministério das Finanças deve promover ativamente a compreensão do processo orçamentário pelos cidadãos e organizações da sociedade civil.

Os projetos referentes ao PPA, LDO e LOA são apreciados em conjunto, pelas duas casas do Congresso Nacional, por meio de uma Comissão Mista de Orçamento (CMO), composta por 84 parlamentares, sendo 21 senadores e 63 deputados federais. É também função da CMO receber as emendas do Congresso à peça orçamentária encaminhada pelo Executivo. Estas emendas só poderão ser aprovadas se forem compatíveis com o Plano Plurianual e com a LDO e se indicarem os recursos necessários para atendê-las. No início dos anos 90 foram introduzidas importantes modificações no processo orçamentário, como resultado do trabalho de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), conhecida pelo nome de “anões do orçamento”, que constatou inúmeras irregularidades na sistemática de apresentação de emendas no Congresso. Dentre as mudanças, cabe destacar: 16

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A limitação do número de emendas apresentadas por cada parlamentar individualmente (antes elas podiam chegar a milhares); A fixação de valor máximo para cada uma; o estabelecimento de prioridade para as emendas de bancadas (que exigem a assinatura de três quartos dos parlamentares de um estado) sobre as individuais; A criação de relatorias com o objetivo de descentralizar o processo decisório antes concentrado em poucos dirigentes da CMO; As exigências de reuniões de bancada; A instituição de audiências públicas; O incentivo à rotatividade dos membros do CMO, para evitar o controle dos recursos públicos por determinados indivíduos ou grupos etc (SOUZA,2003).

Deve-se destacar que tais mudanças resultaram da reação do próprio Congresso que, frente à grande repercussão da CPI na imprensa, às exigências de maior racionalização do processo orçamentário e de sua adequação às necessidades de ajuste nas contas públicas, procurou limitar o espaço de competição individual entre os parlamentares, estimulando formas mais cooperativas de decisão entre eles (SOUZA, 2003). Em outras palavras, o Congresso foi accountable ante a sociedade, gerando novas normas orçamentárias que incentivam a cooperação de seus membros na consecução de objetivos coletivos mais amplos. Mesmo que os avanços institucionais trazidos pela Constituição de 1988 e os aperfeiçoamentos mais recentes no processo de apresentação de emendas sejam importantes, é preciso levar em conta os limites ou imperfeições do processo orçamentário brasileiro como instrumento de accountability, através do controle mútuo entre os Poderes, ou seja, no qual o Executivo elabora a proposta orçamentária, o Congresso delibera sobre ela, aprovando soberanamente o Orçamento a ser finalmente executado pelo governo. Em primeiro lugar, a capacidade do Poder Legislativo de tomar decisões no processo orçamentário e impô-las ao Executivo é limitada e está sujeita a negociações (às vezes individuais) para a liberação das emendas aprovadas. Também sua capacidade de controle da burocracia via Orçamento, como ocorre nos Estados Unidos, é praticamente nula. Como o Orçamento tem caráter apenas autorizativo e não impõe obrigatoriedade de executar as verbas aprovadas pelo Legislativo, cabe ao Executivo tomar decisões sobre o momento de liberação das verbas e inclusive o percentual a ser executado, o qual pode não atingir o limite total autorizado pelo Congresso. O contigenciamento dos recursos orçamentários, permitido pelo caráter autorizativo da peça aprovada pelos congressistas, representa enorme insulamento de decisões centrais de políticas públicas nas mãos da burocracia, limitando consideravelmente a responsabilização do Poder público. Como decorrência destas características, o próprio processo de planejamento orçamentário fica comprometido, revelando uma enorme distância entre as regras e a realidade efetiva do jogo político no Orçamento. O pouco interesse dos parlamentares na apreciação do PPA e da LDO, indicado pelo baixo número de emendas apresentadas nessa etapa, é revelador do esvaziamento destas funções (GOMES, 1999). Não obstante, mais recentemente se observa a emergência de algumas práticas que apontam para maior transparência e accountability no processo orçamentário brasileiro. O PPA para 2000/2003 inovou nos procedimentos de planejamento, na medida em que ao invés de ser apresentado em torno de objetivos a serem atingidos, o plano foi organizado a partir de eixos nacionais de integração e desenvolvimento, reunindo programas de cada área específica (educação, saúde, etc.) e relacionados ao Orçamento anual, permitindo não só o aperfeiçoamento do processo, mas 17

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igualmente o monitoramento do gasto público em cada um deles (SPECK, 2002:173). Por sua vez, o PPA de 2004 a 2007 foi elaborado levando-se em conta a consulta à sociedade civil, através de relatórios de mais de duas mil organizações da sociedade civil, produzidos sob a coordenação do Secretário Geral da Presidência da República, e ainda à consulta ao Ministério Público e a autoridades ambientais para os projetos de infra-estrutura, antecipando assim futuras ações judiciais por problemas ambientais (O ESTADO de SAO PAULO, 15/8/2003:B5). Por fim, cabe fazer referência ao processo de prestação de contas pela Presidência da República. Conforme texto constitucional, dentre as atribuições do Poder Legislativo, inclui-se o exame das contas do governo que são também apreciadas pela CMO, com base em relatório e pareceres efetuados pelo Tribunal de Contas da União. Todavia, há indicações que o Congresso não lhe tem atribuído à devida importância política, como instrumento efetivo de fiscalização do Executivo. As contas dos presidentes da República passam anos sem julgamento pelo Congresso, algumas sendo avaliadas somente depois de oito ou dez anos, outras simplesmente arquivadas, não recebendo parecer algum. Além disso, desde que o processo de prestação de contas começou a ser efetuado, em 1934, todos os pareceres relativos às contas do Presidente de República, emitidos pelos tribunais de contas, foram positivos, independentemente do regime vigente, democrático ou ditatorial (SPECK, 2000:61-63). A uniformidade destes pareceres para doze diferentes governantes, ao longo de mais de cinqüenta anos, certamente permite questionar a eficácia deste instrumento de accountability. 3.Mecanismos de restrição orçamentária e accountability Na discussão dos problemas de accountability das finanças públicas no Brasil, é necessário destacar as diversas mudanças institucionais que criaram restrições ou limites mais efetivos ao Orçamento e ao endividamento público. Tais modificações nasceram de um processo político que envolveu, primeiro, pressões sociais muitos fortes, presentes nas CPIs que analisaram escândalos ocorridos na década de 1990 (a dos “anões do Orçamento”, já mencionada, dos títulos precatórios e da “máfia dos fiscais”) e, além disso, houve ampla negociação entre os diferentes atores envolvidos. Constata-se, por exemplo, essa dinâmica na forma como o Senado debateu e decidiu a limitação do endividamento e a regulamentação da emissão de títulos públicos, no processo de negociação dos débitos dos governos subnacionais, e ainda na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (LOUREIRO, 2001; LOUREIRO & ABRUCIO, 2004). Grande destaque deve ser atribuído a esta última, considerada um marco importante no federalismo fiscal no país, não apenas porque objetivou melhorar a gestão fiscal de todos os níveis de governo, mas, sobretudo porque apontou para um novo padrão de responsabilização mútua entre a União e os governos subnacionais. Promulgada em maio de 2000, a LRF tem como principais pontos: a) Limitação de gastos com pessoal, estabelecendo não somente o quanto pode ser gasto por cada nível de governo em relação à receita líquida, mas também - e aí está a sua novidade o percentual equivalente a cada um dos Poderes, eliminando assim a distorção existente anteriormente, especialmente nos governos estaduais. b) Reafirmação dos limites mais rígidos para o endividamento público estabelecidos pelo Senado Federal, indicando que o não cumprimento será punido igualmente com mais rigor. O principal mecanismo de enforcement não é o judicial, como se destacou na imprensa, mas sim a retenção de transferências constitucionais e a proibição de obtenção de empréstimos e de convênios com o Governo Federal. c) Definição de metas fiscais anuais e a exigência de apresentação de relatórios trimestrais de acompanhamento. Foram criados também outros mecanismos de transparência, como o Conselho de Gestão Fiscal – a ser ainda constituído. 18

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d) Estabelecimento de mecanismos de controle das finanças públicas em anos eleitorais. e) Por fim, e mais importante, proibição de socorro financeiro entre os níveis de governo, reduzindo o risco moral entre agentes públicos e destes com os privados. Em síntese, a LRF visa prevenir déficits imoderados e reiterados, limitar a dívida pública a níveis prudentes, preservar o patrimônio líquido, limitar o gasto público continuado, estabelecer uma administração prudente dos riscos fiscais e oferecer amplo acesso das informações sobre as contas públicas à sociedade. Todos estes mecanismos estão atrelados a dois tipos de punição: um de cunho administrativo, limitando a ação do governante quando não cumprir adequadamente as regras; e outro de natureza político-jurídica, cujo objetivo é punir no âmbito político, com retirada de direitos políticos ou do governante do próprio cargo, procurando também estabelecer penas cíveis e criminais aos que desrespeitarem a LRF. Examinando a LRF à luz da problemática de accountability democrática, deve-se ressaltar que a maior responsabilização entre os entes federativos foi uma conquista em prol do melhor desempenho econômico, pois evita o endividamento perverso que ocorria antes. Representou igualmente um avanço da democracia, uma vez que tornou mais transparente e responsiva a decisão de um governo em relação aos demais, ao estabelecer, por exemplo, a obrigatoriedade de apresentação de relatórios periódicos e impor sanções a quem não cumprir as regras. Permitiu, assim, reduzir a chamada “tragédia dos comuns” que pode caracterizar as relações intergovernamentais em uma federação (LOUREIRO & ABRUCIO, 2004). Ressalte-se, porém, que esse mecanismo básico de accountability federativo está mais preocupado em controlar passo a passo os governos subnacionais do que em discutir regularmente a gestão fiscal do país com os atores envolvidos, como ocorre no exemplo australiano. Tal modelo tem reforçado a concentração do poder nas mãos da burocracia do Executivo federal, que centraliza o processo de controle, geralmente deslegitimando os reclamos dos outros entes federativos. Deste modo, há o perigo de que o objetivo de transparência contido explicitamente na Lei acabe por funcionar como instrumento de controle do Governo Federal sobre os governos subnacionais mais do que como uma real prestação de contas por parte dos representantes eleitos ao Legislativo e aos cidadãos. A accountability democrática ganharia mais força se a LRF colocasse em funcionamento o mecanismo do Conselho de Gestão Fiscal previsto em seu arcabouço jurídico, mais precisamente no artigo 67. Seu principal objetivo seria harmonizar e coordenar os entes da Federação, constituindose num fórum que reuniria os diversos atores federativos, a sociedade civil e os representantes dos Poderes, os quais avaliariam e discutiriam a implementação da Lei, podendo até propor a modificação da legislação, caso julguem necessário. Em resumo, seria uma arena na qual os principais agentes negociariam ajustes no processo e compartilhariam decisões. O funcionamento do Conselho de Gestão Fiscal depende de uma lei que o regulamente. É bem verdade que o Executivo Federal enviou proposta neste sentido ao Congresso - projeto de Lei 3744/2000 -, mas também está claro que não houve vontade política para que essa legislação avançasse em sua tramitação. Na ausência dessa regulamentação, todo o poder foi concentrado na Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que vem editando normas gerais de consolidação das contas públicas (VIGNOLI et alii., 2002: 192-194). O que explica a posição adotada pelo Governo Federal é o predomínio de uma visão em que a variável democrática da negociação e do controle é percebida como algo que pode afetar negativamente os resultados da política fiscal. O temor da equipe econômica vincula-se à possibilidade de retorno do antigo modelo federativo, marcado pela irresponsabilidade predatória 19

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dos governantes subnacionais. Trata-se de uma concepção fiscalista que, no fundo, crê que só uma lei geral que ultrapassa mandatos e governos, pode garantir o equilíbrio fiscal. Em suma, uma forma de sepultar a política, em sua acepção mais ampla, no terreno das finanças públicas. A história de irresponsabilidade fiscal do país e o peso do clientelismo são razões que não podem ser negligenciadas. Não obstante, da maneira como está definida a Lei de Responsabilidade Fiscal, coloca-se em questão o direito à mudança das políticas governamentais. O que está em jogo aqui é a relação sempre necessária de equilíbrio entre governo e Estado, de tal modo que é preciso sim ter regras estáveis no essencial, mas também deve haver um espaço para negociações e mudanças que exprimam a dinâmica democrática do voto. Reproduz-se aqui a desconfiança na política, vista como ameaça certa à eficiência. Portanto, supõe-se ser necessário atar as mãos dos políticos através de regras técnicas perfeitas para se alcançar o bom resultado econômico. Tribunais de Contas Um instrumento fundamental de accountability na área das finanças públicas é representado pelos Tribunais de Contas. Praticamente todos os países dispõem hoje de órgãos de controle financeiro do Estado, em alguns casos vinculados à própria estrutura estatal, enquanto noutros há Auditorias Independentes. Do ponto de vista histórico, tais órgãos se difundiram principalmente a partir do século XVIII, com duas orientações básicas. A primeira é de caráter administrativo, buscando controlar os recursos públicos para evitar desperdícios ou desvios. A segunda orientação que dá origem a estes órgãos pode ser encontrada nos princípios liberais de limitação deste poder. Nesta vertente, privilegiam-se suas atividades fiscalizatórias, tornando-os independentes do Poder Executivo (SPECK, 2000). Há ainda uma terceira função que está ganhando importância: o acompanhamento dos gastos públicos para avaliar a qualidade e os resultados dos programas (BARZELAY, 2002). No Brasil, desde a era republicana, o Tribunal de Contas tem status constitucional. Inicialmente era órgão independente, ou intermediário entre os Poderes. Com a Constituição de 1946, passa a ser órgão auxiliar do Legislativo, no exercício de suas funções de fiscalização do Executivo, o que foi reiterado na Constituição de 1988. Seu objetivo principal é realizar o controle financeiro e patrimonial do governo, em todos os níveis da federação, tendo como principais funções: fiscalizar a execução financeira, conforme as leis orçamentárias, liquidar as contas das administrações e assessorar o Congresso no julgamento das contas do governo. Há, assim, além do Tribunal de Contas da União (TCU), 34 tribunais estaduais e municipais que avaliam os governos subnacionais. A Constituição de 1998, além de eliminar os traços autoritários, herdados da ditadura militar, que cerceavam as ações do TCU, aumentou as atribuições deste órgão e incluiu novos critérios de controle. Assim, de um lado, a nova Carta retirou, por exemplo, o poder do Presidente da República em cancelar vetos do Tribunal de Contas da União, garantindo sua independência; e, de outro, aumentou suas atribuições, concedendo-lhe poder de punição de irregularidades, estendendo suas atividades investigativas e ainda concedendo-lhe atribuições preventivas, como o poder de afastar administradores de seus cargos, de seqüestrar bens, de definir responsabilidade sobre irregularidades etc. Além disso, estendeu os critérios de controle, ultrapassando o âmbito estritamente financeiro e contábil, para incorporar também os critérios de legalidade, legitimidade e economicidade da avaliação, ou seja, avaliação segundo critérios de custos e benefícios econômicos (SPECK, 2002: 77 e 240). Mais recentemente, a LRF ampliou ainda mais as atividades dos TCs que passaram também a fiscalizar o cumprimento das metas fiscais e os limites de gastos com pessoal nos três níveis de governo.

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Outro conjunto de mudanças trazidas pela constituição democrática refere-se ao processo de nomeação dos membros dos tribunais de contas. Até 1988, e durante todo o período de vida republicana no Brasil, os membros do TCU sempre foram escolhidos pelo Presidente da República, mediante a aprovação do Senado ou pelo conselho federal, durante o período autoritário regido pela Constituição de 1937. A Carta democrática de 1988 produziu modificação importante neste processo: além de manter a vitaliciedade dos membros e o caráter de decisões colegiadas, garantindo a independência dos membros e desvinculando o corpo diretivo da competição política, como ocorre em muitos outros países, ela reduziu os poderes do Executivo e ampliou as prerrogativas do Legislativo. Desse modo, o Presidente da República só escolhe três dos nove membros do TCU, sendo que na lista tríplice que ele envia para confirmação pelo Congresso Nacional, dois nomes devem ser necessariamente de profissionais do Tribunal de Contas. Procurouse, através destas regras, estimular, pelo menos em parte, a presença de membros com alguma qualificação técnica. Todavia, em relação aos outros seis membros indicados pelo Congresso Nacional, não existe tal exigência. A idéia subjacente à prática de nomeação dos membros do TCU, compartilhada pelo Executivo e Legislativo, seria, em princípio, evitar os critérios de conveniência política ou politização excessiva do órgão. Mas há indicações que esta transferência de poder não deixou marcas profundas, já que o Executivo tem forte influência nas decisões do Legislativo (SPECK, 2000: 196; SPECK, 2002:238). Situação pior ocorre boa parte dos estados, pois vários governadores conseguiram politizar os TCs, escolhendo ou determinando a escolha na Assembléia Legislativa de seus correligionários, neutralizando a fiscalização institucional e até utilizando os Tribunais de Contas para controlar os prefeitos do interior que discordem da linha política hegemônica no plano estadual (ABRUCIO, 1998: 140-143). Na verdade, a despeito das mudanças constitucionais trazidas pela carta de 1988 e da ampliação do âmbito de atuação dos Tribunais de Contas, a efetividade destes órgãos como instrumento de fiscalização e responsabilização política tem sido bastante questionada. Isto pode ser explicado por vários fatores. Eles se relacionam estruturalmente à natureza das relações entre Executivo e Legislativo no sistema político brasileiro. O poder decisivo na liberação das verbas e na distribuição de cargos, num país em que parte importante da alta burocracia não é profissionalizada, acaba gerando laços de dependência entre os parlamentares e o governo de ocasião, reduzindo assim a capacidade dos legisladores exercerem a accountability horizontal necessária sobre o Poder público. É neste contexto que os critérios de provimento dos membros dos Tribunais de Contas são colocados na berlinda, constatando-se uma forte influência de indicações políticas. Também a vitaliciedade destes cargos não significa garantia de dedicação, eficiência e moralidade pública por parte dos nomeados, pois acaba funcionando como aposentadoria para políticos, mantendo o sentido que Getúlio Vargas atribuía a esta instituição: “um armário onde se arquivam os amigos”. Em sondagem de opinião sobre os Tribunais de Contas subnacionais, membros integrantes do Judiciário, do Ministério Público, do Legislativo e de organizações da sociedade civil manifestaram um duplo sentimento. Primeiro, a grande maioria avaliou que as indicações dos Conselheiros são eminentemente políticas e que isso atrapalha o funcionamento da instituição. Porém, um segundo ponto ressaltado foi o da enorme importância do trabalho dos TCs, de modo que eles devem ser aperfeiçoados – e não extintos – para realizar a contento suas funções (ARANTES, ABRUCIO & TEIXEIRA, 2003). Isto revela um caminho de reformas institucionais que precisa ser trilhado para aumentar a accountability das finanças públicas no Brasil.

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As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) assumiram várias funções na historia democrática mais recente do Brasil, entre as quais a accountability dos governantes no campo das finanças públicas. À semelhança do que ocorre em outras democracias presidencialistas, as CPIs constituem instrumento institucional de que dispõe o Legislativo brasileiro para exercer suas funções de fiscalização do Executivo e de outros organismos estatais. Elas são colegiados temporários, compostos por membros individuais do Congresso, com o objetivo de investigar denúncias ou suspeitas de comportamento irregular do ponto de vista administrativo ou ético. As Comissões Parlamentares de Inquérito podem ser formadas em qualquer uma das duas Casas legislativas, ou por ambas em conjunto. Para sua formação, exige-se o apoio de pelo menos um terço dos membros da Câmara ou do Senado, havendo limites a estas atividades de investigação para evitar possível paralisia da função legislativa do parlamento. A Constituição de 1988 deu poderes às CPIs equivalentes ao das autoridades judiciárias e determinou que seus relatórios sejam encaminhados ao Ministério Público para julgamento de responsabilidade civil ou penal dos envolvidos. O sucesso de uma CPI deve ser avaliado pela consecução de dois objetivos. Primeiro, o aumento da transparência e da accountability do Poder público, reforçando a vigilância sobre a classe política, podendo chegar à punição dos infratores ou, ao menos, mudando a distribuição do poder político. Também são importantes os efeitos institucionais e políticos que podem dela decorrer, como a sinalização de que há problemas institucionais ou nas práticas políticas, daí derivando a proposição de reformas que levem a novas maneiras de gerir a coisa pública. Neste sentido, há dois casos exemplares de Comissões Parlamentares de Inquérito que acabaram funcionando como instrumento de accountability dos governantes na área das finanças públicas: a CPI dos Precatórios, instalada no Senado em 1996, e a CPI do Orçamento, reveladora do fenômeno dos “anões do orçamento”. Além da punição política (com a cassação de mandato) e de responsabilização criminal de vários parlamentares envolvidos, a CPI dos “anões do orçamento” permitiu um importante aperfeiçoamento institucional no processo de proposição de emendas na lei orçamentária. Antes dela, os congressistas chegavam a apresentar dezenas de milhares de emendas e, graças aos trabalhos daquela Comissão Parlamentar de Inquérito, hoje este processo está mais disciplinado, havendo limites para os pleitos individuais, além da possibilidade de apresentação de emendas coletivas, de bancadas partidárias e regionais. O que certamente melhorou a qualidade da disputa política em torno do Orçamento e permitiu maior accountability dos eleitores sobre seus representantes. No caso da CPI dos Precatórios, embora não tenha levado, até o momento, à punição dos envolvidos na emissão irregular de títulos públicos, ela resultou, em primeiro lugar, na crítica à maneira como os governantes lidavam com o dinheiro público. Isto impulsionou um processo de aprendizado da sociedade brasileira, que tinha se iniciado no impeachment do presidente Collor, e continuou em outras ocasiões, como a CPI da Máfia dos Fiscais em São Paulo, redundando numa maior consciência crítica quanto à importância da responsabilidade fiscal. Soma-se a isso a sua influência na produção de regras cada vez mais restritivas para o controle do endividamento público no país. Assim, em setembro de 1997, foi sancionada a lei no 9496/97 que estabeleceu critérios rígidos para que a União refinanciasse a dívida pública mobiliária dos Estados e do Distrito Federal. Em julho de 1998, o Senado baixou a Resolução no 78/98, bastante rigorosa com relação ao limites 22

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do endividamento público e que se tornou um marco de referência para as demais normas sobre o assunto (LOUREIRO E ABRUCIO, 2004). As CPIs, em resumo, têm sido um instrumento de prestação de contas do Legislativo à sociedade, não necessariamente através da punição de envolvidos nas irregularidades constatadas. Tão importante quanto isso é a utilização dessa forma de controle parlamentar para sinalizar falhas do sistema político e das instituições estatais, apontando para a criação de novas regras legais que procuram evitar a repetição dos problemas no futuro. É neste sentido que as Comissões Parlamentares de Inquérito constituem hoje o melhor mecanismo de accountability horizontal existente no Brasil, o que não significa dizer que estejam livres de problemas, vinculados tanto à falta de transparência e ao abuso de seu poder legal, tal ocorreu na CPI do Banestado. O Orçamento Participativo (OP) Instrumentos de controle social também podem ser utilizados como forma de accountability vertical das finanças públicas. O mais conhecido no Brasil é o chamado Orçamento Participativo (OP), por meio do qual a população participa da discussão e deliberação sobre a distribuição dos recursos públicos durante o mandato dos governantes. Outros países usam mecanismos semelhantes, normalmente no plano local de governo, mas é importante ressaltar que a experiência brasileira vem sendo reconhecida pelo mundo e elogiada por organismos internacionais. Implantado pela primeira vez em 1989, na cidade de Porto Alegre, este instrumento é utilizado hoje por algo em torno de 250 municípios brasileiros (WAMPLER, 2004: 7). Os principais articuladores deste mecanismo foram partidos de esquerda, particularmente o Partido dos Trabalhadores (PT), contudo, outras forças políticas também vêm implantando o OP. Sua maior qualidade tem sido colocar em questão dois problemas característicos do modo tradicional de se fazer política no Brasil: a falta de transparência e o entrelaçamento entre o Poder público e máfias locais, gerando clientelismo e/ou corrupção. Em tese, ao atacar estes dois males, o OP fortalece a conexão entre o aperfeiçoamento da democracia local e o bom uso dos recursos públicos. A simples adoção do OP não garante a consecução de seus objetivos. Segundo o trabalho de Brian Wampler (2004), baseado na comparação de várias experiências brasileiras, quanto mais o OP for formalizado/institucionalizado, com regras claras de participação e transparência, maiores as chances de sucesso. Além disso, é importante que ele se transforme em política que efetivamente altere a alocação de gastos, incentivando os cidadãos a participar do controle contínuo dos governantes. O êxito destas experiências, ainda de acordo com o trabalho desse mesmo autor, tem por vezes se relacionado a um outro fator, com efeitos negativos para a ativação da accountability vertical. Trata-se da forte associação entre a agenda do governo e as demandas dos grupos sociais mais importantes no processo de elaboração do OP. Esta coincidência pode derivar de processos de cooptação ou da criação de um relacionamento entre Estado e sociedade que privilegia os setores mais próximos do partido governante. De todo modo, sua conseqüência é diminuir a amplitude do debate sobre as alternativas de políticas, além de reduzir a possibilidade de a sociedade influir autonomamente no trâmite decisório. Em vez de reforçar o papel dos cidadãos para além das eleições, o resultado aqui pode ser aumentar o poder de vocalização somente de grupos com maior capacidade de organização e/ou mais vinculados ao Executivo. Quando segue esta linha, o OP não rompe com a perspectiva Estado-cêntrica, matriz das formas clientelísticas tradicionais na América Latina, na qual a organização dos interesses se faz de cima para baixo, do governo para a sociedade (CLAD, 2000). Por isso, a qualidade democrática do OP 23

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depende de dois fatores: da existência ou do incentivo à participação de uma pluralidade de atores sociais, e da capacidade de os cidadãos apresentarem e aprovarem idéias que não sejam exatamente as prioridades do Executivo. Algumas experiências de OP, ademais, têm criado uma polarização equivocada entre esta forma de “participação direta” da população e o caráter representativo do Legislativo local. Decerto que os vereadores não querem perder o seu poder e, por tal razão, muitas vezes resistem à implantação do OP para manterem suas formas tradicionais de fazer política. No entanto, os cidadãos ou, mais especificamente, os grupos mais ativos e seus delegados eleitos que participam do OP não representam o conjunto do eleitorado. De modo que é preciso estabelecer complementaridade entre ambas as esferas, e não uma oposição, a qual só interessa ou aos parlamentares de perfil mais clientelista, ou aos setores hegemônicos que comandam o processo decisório do OP. Mesmo com estes problemas, cabe ressaltar que o OP tem um enorme potencial de ativação da accountability vertical dos governantes, em particular de controle das contas públicas. Seu papel não se esgota na possibilidade de alterar a distribuição dos recursos públicos. Ele pode ajudar a construir nova mentalidade nos cidadãos, com relação aos gastos públicos, baseada no realismo orçamentário (o que dá para ser feito com os recursos existentes) e na definição mais clara de prioridades. Um passo maior será dado quando os atores participantes do OP além de interiorizarem noções de responsabilidade fiscal, incorporarem uma consciência tributária, a respeito de quanto pagam de impostos e com qual finalidade. Desse modo, esta forma de participação “direta” poderá tornar mais clara a relação entre tributação e representação, aspecto fulcral da democratização das finanças públicas. CONCLUSÃO Os estudos sobre a accountability no terreno econômico e nas finanças públicas ainda não ganharam a dimensão necessária. Do ponto de vista normativo, qualquer esforço neste sentido deve levar em conta que todos os sistemas políticos apresentam deficiências no funcionamento de seus mecanismos, pois eles são sempre imperfeitos, como toda criação humana. Isso não invalida, porém, o sistema democrático em si; ao contrário, esta perspectiva procura estimular a necessidade de seu aperfeiçoamento e inovação institucional, orientada pelos ideais básicos da democracia. Assim, considerando os limites ou deficiências dos sistemas de responsabilização em qualquer ordem democrática, a problemática da accountability deve ser pensada mais com uma idéia reguladora, como um valor (ou meta-valor) que deve guiar os governos democráticos: a prestação de contas dos governantes aos governados (CLAD, 2000). A análise, aqui efetuada, relativa à área de finanças públicas, não poderia deixar de caminhar na mesma direção, indicando as deficiências e avanços da experiência brasileira. Foram constatados dois grandes obstáculos à melhor responsabilização do Poder público:  A excessiva concentração de poder nas mãos do Executivo.  A existência de fragilidades nos mecanismos de representação e participação da sociedade. Em relação ao primeiro problema, deve-se destacar que a concentração de poder no Executivo deriva dos seguintes fatores: 1) O Orçamento público brasileiro aprovado pelo Legislativo tem caráter apenas autorizativo, o que dá uma enorme margem de liberdade para os governos efetuarem seus gastos. 24

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2) O poderio da Secretaria do Tesouro Nacional, que executa e contingencia as despesas de forma insulada dentro do Ministério da Fazenda, sem sofrer o impacto de mecanismos de responsabilização mais efetivos. 3) A importante influência que o Presidente da República, os governadores e os prefeitos exercem, por meio da bancada governista, sobre as indicações dos conselheiros dos Tribunais de Contas, reduzindo a independência daqueles que deveriam fiscalizar os governantes. 4) A capacidade que o Poder Executivo tem de obstruir processos de controle congressual por meio da distribuição de cargos e verbas. A concentração de poder no Executivo resulta da baixa institucionalização do Poder Legislativo em sua função fiscalizatória. A despeito dos esforços de contratação e capacitação de técnicos, bem como do maior uso de seus instrumentos institucionais de controle, o Parlamento brasileiro precisa avançar bastante nas atividades vinculadas às finanças públicas, de forma muito mais acentuada nos níveis subnacionais. A fragilidade dos mecanismos de representação e participação social, por sua vez, está relacionada, primeiramente, com a existência de um sistema eleitoral que favorece, no momento da disputa pelo voto da população, um alto grau de individualismo entre os políticos em detrimento da ação mais partidarizada. Como argumentado anteriormente, isto não só cria problemas para o exercício do controle dos representantes pelos representados (accountability vertical), como também favorece a dispersão do financiamento de campanha, tornando mais difícil estabelecer a conexão entre a ação dos legisladores e governantes e os interesses de seus apoiadores financeiros. Mesmo no avanço representado pelo Orçamento participativo, é preciso notar que os atuais instrumentos de participação semi-direta tendem a privilegiar, no mais das vezes, a inclusão dos grupos mais ligados ao governo de ocasião e/ou aqueles com maior poder de vocalização de suas preferências, alijando parcela significativa da população do processo decisório que define o OP. A caracterização meramente negativa do processo de accountability das finanças públicas brasileiras é, no entanto, uma forma parcial de se analisar a questão, podendo levar a conclusões falsas sobre a trajetória democrática brasileira recente. Ao invés disso, ressaltou-se a realização de importantes avanços, os quais desmistificam as visões preconceituosas sobre a relação entre política e economia. A crítica ao regime autoritário e ao tipo de Estado por ele consolidado, foi importante fator que impulsionou o debate e gerou um considerável processo de reordenamento das finanças públicas do país, em termos de racionalização das contas e de criação de uma burocracia de mérito para a área. O resultado desse processo foi a melhoria da qualidade das informações do setor público, garantindo concomitantemente condições para a maior eficiência técnica e controle democrático. Somou-se a isso uma série de ações para aumentar a transparência do Orçamento público, tais quais a criação do SIAFI e o incentivo à participação social na elaboração do PPA. Foram criadas, ainda, regras estatais intertemporais que garantem a accountability democrática para além do princípio estrito da maioria eleitoral obtido pelo governo de ocasião, com destaque aqui para o estabelecimento de critérios mais rígidos de endividamento público e, sobretudo, de uma estrutura de enforcement mais forte para garantir a responsabilidade fiscal, por meio da LRF. Ambas as medidas tiveram sua aprovação vinculada à pressão social e à negociação política, de modo que é possível dizer que se originaram principalmente do aprofundamento dos mecanismos de responsabilização, e não do insulamento burocrático. 25

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Considerar que a democracia presidencialista brasileira funciona também por intermédio de processos de negociação, pressões sociais e contrapesos institucionais, e não apenas pela mera concentração de poderes, implica reavaliar o próprio o funcionamento dos mecanismos de responsabilização. Estes operam de forma estendida no tempo (no período eleitoral e durante o mandato). E incorporam uma pluralidade de atores e mecanismos variados, como, por exemplo, o auto-constrangimento do Executivo, que muitas vezes, nem chega a encaminhar projetos cujas sondagens ou barganhas prévias indicam a impossibilidade de aprovação pelos demais atores políticos com poder de veto. O processo de responsabilização será cada vez mais efetivo se funcionar de forma multidimensional, envolvendo ao mesmo tempo e de forma complementar os instrumentos de controle vertical e horizontal[2]. Os mecanismos de accountability horizontal sofrem geralmente a crítica de que não conseguem efetivar completamente a responsabilização dos representantes dado que as punições não são implementadas ao final. Em parte, esta análise recorrente na literatura está correta; não obstante, ao se estudar tanto as CPIs vinculadas às finanças públicas e a ação dos Tribunais de contas, dois efeitos positivos da accountability são constatados. O primeiro é o aumento da transparência democrática do Poder Público, que necessita cada vez mais responder à população, fechando assim as portas das atividades que antes não eram controladas pela população. Além do mais, estes mecanismos têm estabelecido debates públicos – entre políticos e na sociedade – a partir dos quais muitas das regras vigentes vêm sendo mudadas. Os exemplos do limite de endividamento dos governos subnacionais e da LRF corroboram esta tese, uma vez que nasceram do aprendizado construído em boa medida em CPIs realizadas após escândalos financeiros ou políticos. A criação de instrumentos de participação social na elaboração e fiscalização do Orçamento público é mais um avanço que deve ser destacado. Nesta linha, o mais conhecido e importante mecanismo é o Orçamento Participativo, hoje utilizado por vários partidos que governam municípios por todo o país. A despeito de suas limitações, o OP revela um potencial enorme de ativação da cidadania em busca do controle das contas públicas, tema que precisa deixar de ser hermético para o eleitor médio. O aprendizado em torno das questões das finanças públicas poderá levar os brasileiros a discutir melhor, por exemplo, a relação entre taxação e representação, ou então a distribuição dos gastos públicos entre as classes e grupos sociais. Mais recentemente, a discussão teórica de accountability começou a se aperfeiçoar no Brasil e no mundo, em meio aos processos de reforma do Estado. A distinção entre antigos e novos sistemas de responsabilização dos governantes é um exemplo disso. Enquanto os primeiros priorizavam apenas a confiança pública conforme a probidade dos governos, os relativos à nova gestão pública buscam fiscalizar o Poder público por intermédio de instrumentos que avaliem o desempenho governamental (BEHN, 1998: 39). Em outras palavras, começa-se a cobrar dos governantes não apenas por sua conduta ética frente às leis, mas igualmente pela eficiência e efetividade das políticas públicas. Trilhar esta nova accountability no terreno das finanças públicas já é uma realidade em diversos países, que instalaram formas de Auditoria de Desempenho da Administração Pública, por meio de instrumentos horizontais e verticais de responsabilização política (BARZELAY, 2002). O Brasil ainda engatinha neste tema, principalmente nos meios acadêmicos. Para mudar este cenário, é preciso ter um melhor diálogo entre Economia e Ciência Política e destas duas com a Administração Pública, superando um quadro de escassez de debates e incompreensão mútua. O vetor democrático pode ser o melhor caminho para combinar estas três áreas de forma mais consistente.

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[1] A primeira geração de reformas do Estado, propostas ainda nos anos 80, privilegia mudanças como a abertura comercial, a desregulamentação dos mercados e as políticas de privatização. [2] O impeachment do presidente Collor foi caso exemplar deste funcionamento bem sucedido, pois envolveu concomitantemente mecanismos de accountability vertical, tais como denúncias na mídia, mobilização popular, e de accountability horizontal, o controle e punição efetiva por parte do legislativo.

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