Registro do gavião-real, Harpia harpyja (Accipitriformes

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Registro do gavião-real, Harpia harpyja (Accipitriformes, Accipitridae) em área urbana no bioma Cerrado Wanieulli Pascoal1,5, Lucas Barbosa e Souza2, Daiany Ribeiro Teixeira3, Milton José de Paula8, Marco Aurélio Crozariol6,7 e Tulio Dornas4,5 O gavião-real, Harpia harpyja (Linnaeus, 1758) é a maior ave de rapina do Brasil e está entre as mais fortes aves predadoras do mundo (Sick 1997). Habita o dossel das florestas neotropicais onde se alimenta, principalmente, dos mamíferos de pequeno e médio porte, sendo as preguiças e os primatas seus itens preferidos, consumindo eventualmente também aves e répteis (Sick 1997, Silva 2007). Em locais onde há moradias humanas pode atacar cães, cabritos, galinhas e até bezerros (Sick 1997). Globalmente é considerada como quase ameaçada de extinção (BirdLife International 2013). Apesar de não constar na lista de espécies ameaçadas do Brasil (MMA 2003) é citada nas listas vermelhas de vários estados, principalmente aqueles da região sul e sudeste (Machado et al. 1998, PROBIO/SP 1998, Alves et al. 2000, Marques et al. 2002, Mikich & Bérnils 2004, IPEMA 2004). O principal risco à conservação da espécie é a fragmentação e perda do habitat, em especial as florestas primárias, que vem afetando os níveis de diversidade genética deste táxon (Lerner et al. 2009). Outras ameaças provêm da venda de exemplares vivos e da caça, sendo esta última motivada na maioria das vezes por intolerância a supostos ataques deste rapineiro à criação de animais domésticos (Trinca et al. 2008) ou até mesmo por curiosidade e pela ave representar cobiçado troféu (Sick 1997, Vargas et al. 2006, Trinca et al. 2008). A situação é agravada ainda mais pela sua baixa taxa reprodutiva, sendo de apenas um filhote a cada dois ou três anos (Sick 1997, Silva 2007). A distribuição geográfica da espécie abrange toda América Latina, desde o México até o sul do Brasil e o norte da Argentina (Sick 1997, Vargas et al. 2006). No Brasil a espécie possui registros, muitos deles históricos, em quase todos os estados, salvo alguns da região nordeste, de modo que os mais recentes se concentram na região Amazônica (Sick 1997, Banhos 2009). Outrora abundante na Mata Atlântica (Sick 1997), atualmente a espécie é rara, sendo alvo de programas de conservação com solturas e reintrodução de indivíduos de cativeiro (Banhos 2009). Nas porções centrais do Brasil, onde predominam ambientes savânicos como o Pantanal e o Cerrado, a ocorrência de H. harpyja tem sido considerada rara (Sick 1997, Banhos 2009). Registros recentes publicados são originários da Serra da Bodoquena, região leste do Mato Grosso Sul, e Tapira, região oeste de Minas Gerais (Pereira & Salzo 2006, Oliveira & Silva 2006). No Tocantins, registros confirmados da espécie somente ocorreram no Parque Estadual do Cantão (Pinheiro & Dornas 2009) e na Fazenda Sapucaia, município de Wanderlândia (Olmos et al. 2004). Embora ambas as Atualidades Ornitológicas Nº 177 - Janeiro/Fevereiro 2014 - www.ao.com.br

Figura 1. Jovem de gavião-real (Harpia harpyja) na copa de um eucalipto (Eucalyptus sp.) (Foto: Daiany R. Teixeira).

regiões sejam tecnicamente consideradas do bioma Cerrado, são fronteiriças aos limites da Amazônia. Dessa maneira, apresenta-se aqui um novo registro de Harpia harpyja para o estado do Tocantins. No dia 16 de dezembro de 2012, por volta das 18h30 h (horário brasileiro de verão) foi avistado e fotografado (Figura 1) um jovem de H. harpyja na margem do ribeirão São João (10°41’56”S, 48°24’33”W), no interior da área urbana do município de Porto Nacional, região central do estado do Tocantins. O avistamento ocorreu próximo à foz do ribeirão São João com o rio Tocantins, no setor Jardim Umuarama, sendo que neste trecho ambos são inundados pelo reservatório da UHE Luis Eduardo Magalhães (Figura 2). A vegetação do local é bastante antropizada, mas há um agrupamento de vegetação com aproximadamente 15 árvores, dentre as quais se podem verificar as seguintes espécies: pequizeiro (Caryocar coriaceum; Caryocaraceae); mangueira (Mangifera indica; Anacardiaceae); cajazeira (Spondias mombin; Anacardiaceae); cajueiro (Anacardium occidentale; Anacardiaceae); embaúba (Cecropia pachystachya; Urticaceae); mamoninha (Mabea fistulifera; Euphorbiaceae); lixeira (Curatella americana; Dilleniaceae); mata-cachorro (Simarouba amara; Simaroubaceae); banha-de-galinha (Swartzia sp.; Fabaceae); e caneleira (Ocotea glaziovii; Lauraceae). O indivíduo cujo sexo não pôde ser determinado (supostamente uma fêmea devido ao porte avantajado) encontrava-se pousado 13

tão (Pinheiro & Dornas 2009, Barbosa 2010, Crozariol 2010, Leite 2010) e para a região sul do estado do Maranhão (Banhos 2009), é cabível interpretar o atual registro como um indivíduo em processo de deslocamento. Recente registro de H. harpyja em Cocalzinho, interior de Goiás, apenas divulgado pela mídia televisiva e virtual (http://g1.globo. com/goias/noticia/2012/08/gaviao-raro-e-encontrado-em-goias-apos-ser-baleado-na-asa-e-na-pata.html), deixa mostras da potencialidade da espécie em adentrar aos limites do bioma Cerrado e utilizar, ainda que só de passagem, os ambientes urbanos. De qualquer forma, registros da espécie ao longo do bioma Cerrado são de fato muito menos frequentes do que para a Amazônia e a Mata Atlântica. Quase todos os registros no Cerrado estão ligeiramente próximos a zonas de contatos entre estes dois biomas florestais, sendo a região mais central do Cerrado carente de registros (Figura 3). O registro inédito em Porto Nacional demonstra a necessidade de uma busca mais detalhada por pontos de nidificação ou entrepostos de alimentação ao longo do bioma Cerrado. Em especial no estado do Tocantins, a Serra do Lajeado, apenas algumas dezenas de quilômetros a leste da área urbana de Porto Nacional, guarda um imenso bloco contínuo de centenas de milhares de hectares de Cerrado. Nesta região há uma grande represenFigura 2. Locais de observação e deslocamento da Harpia harpyja em Porto Nacional, TO. tatividade de fisionomias florestais que abriem uma árvore alçando voo com a passagem de pedestres e carros gam espécies vegetais de grande porte, como o jatobá (Hymenea na via pública adjacente. Após cruzar a referida via, a ave pousou courbaril; Fabaceae) (SEPLAN et al. 2003), selecionáveis para niem galhos da copa de um eucalipto (Eucalyptus sp.; Myrtaceae), dificação da espécie (Luz 2005), bem como elementos faunísticos onde permaneceu por cerca de 10 min, alçando novo voo em direimportantes na dieta da espécie como primatas e quatis. Registros ção à região central da cidade. Durante o avistamento, percebeu-se confirmados de Urubitinga coronata na Serra do Lajeado comprogrande agitação por parte de outras aves no local, aparentemente vam o potencial da região no abrigo de grandes rapineiros (Bagno incomodadas com a presença do imponente rapinante. Moradores & Abreu 2001, Pinheiro et al. 2008). do entorno relataram não se tratar de um animal habitualmente avisPortanto, o registro de H. harpyja em Porto Nacional, demonstra tado na área, sendo inclusive desconhecido para a maioria. que em nível estadual a espécie não se restringe às áreas de florestas Diante da possibilidade de se tratar de um indivíduo de cativeiro da região do Cantão, Ilha do Bananal (extremo oeste do estado) e ou originário de soltura pelos órgãos ambientais competentes, foi fragmentos florestais Amazônicos do extremo norte do estado (Olrealizada uma visita à Companhia Independente de Polícia Milimos et al. 2004, Pinheiro & Dornas 2009). A nidificação da espétar Ambiental do Estado do Tocantins (CIPAMA). Além disso, foi cie no Parque Estadual do Cantão já é uma realidade, onde é certa estabelecido contato com o Refúgio de Vida Selvagem Aratama, a ocorrência de novas posturas e advento de novos filhotes (Leite localizado no município de Presidente Kennedy, região central do 2010). Contudo esse registro comprova a passagem da espécie no estado, o qual se destaca pelo trabalho de recuperação de animais interior do estado, muito provavelmente proveniente de um evento apreendidos e/ou injuriados. Porém, ambos não possuíam registros de deslocamento. de cuidados e soltura de indivíduos de gavião-real na natureza. Desta forma, estudos de monitoramento com utilização de técA H. harpyja possui uma capacidade de deslocamento muito nicas avançadas de telemetria tornam-se prioritários e altamente grande. Sick (1997) menciona estudos que indicam territórios com desejáveis, seguidos de esforços institucionais com apoio finanmais de 100 km². Além disso, análises filogeográficas da espécie ceiro das iniciativas públicas e privadas. Somente estudos desta mostram que as populações da Amazônia e Mata Atlântica comparnatureza serão capazes de nos permitir entender os padrões de tilham haplótipos, refletindo fluxo gênico e migrações dentre ambas deslocamentos da espécie ao longo desta zona ecotonal entre a as populações (Banhos 2009). Amazônia e o Cerrado no estado do Tocantins, exaltando a parNa ausência de evidências sólidas quanto à origem do indivíduo ticipação também fundamental do Cerrado na conservação desta fotografado e, considerando ainda que existam relatos e registros da globalmente quase ameaçada e emblemática espécie rapineira nenidificação da espécie no Tocantins para o Parque Estadual do Canotropical. 14

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Agradecimentos Ao refúgio de vida selvagem Aratama na pessoa de Marissônia Almeida e a Companhia Independente de Polícia Militar Ambiental do Estado do Tocantins (CIPAMA) pelas informações cedidas e atenção dispensada. Referências Bibliográficas

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Distribuição geográfica de Harpia harpyja, baseado em Banhos (2009). ponível em: Acesso em: 10 de dezemAs áreas quadriculadas representam a distribuição geográfica da espécie ao bro de 2013. longo dos biomas Amazônia e Mata Atlântica. Os pontos em vermelhos sinalizam Crozariol, M.A. (2010) [WA207183, Harpia harpyja (Linnaeus, as localidades de ocorrência da espécie no Cerrado (Banhos 2009). O triângulo 1758)]. Wiki Aves. Disponível em: Acesso em: 07 de fevereiro de 2013. SEPLAN, DBO ENG. & NATURATINS (2003) Plano de Manejo do Parque EsIPEMA (2004) Lista de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção no estatadual do Lajeado. Encarte 4- APA da Serra do Lajeado. Palmas: Secretaria do do Espírito Santo. Disponível em: Acesso Estadual de Planejamento e Meio Ambiente, DBO Engenharia LTDA, Instituem: 22 de janeiro de 2013. to Natureza do Tocantins. Leite, G. (2010) [WA195439, Harpia harpyja (Linnaeus, 1758)]. Wiki Aves. DisSick, H. (1997) Ornitologia Brasileira. 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