SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA: UM DEBATE

contação de histórias. Enquanto lia o livro Tocaram a campainha2, abria oportunidades de comentários das crianças. Os personagens Lena e Beto...

3 downloads 189 Views 96KB Size
SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA: UM DEBATE ENTRE PROFESSORES DA ESCOLA BÁSICA. Márcia Maria e Silva Joceli de Souza Cruz Figueiredo Palas Atena Lucas Brazão Rivera UMEI Rosalina de Araújo Costa

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas gaiolas prendem. Escolas asas fazem voar. Rubem Alves

O presente trabalho tem como objetivo socializar parte do processo coletivo de ação-reflexão-ação que a Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa busca realizar. Diz respeito aos saberes que considera necessários ao trabalho com a pequena infância e também às articulações possíveis com as escolas vizinhas de ensino fundamental a fim de instaurar tempo-espaço de interlocução sobre a identificação e aproximação desses saberes, considerando a pedagogia para a infância de zero a dez anos. Para escrever este trabalho, dialogamos em reuniões de planejamento com os professores acerca do processo pedagógico desenvolvido na escola e as possibilidades de mais um momento de socialização de nossas práticas dentro da perspectiva da pedagogia para a infância, que integra a educação infantil e ensino fundamental. A produção deste texto passa a ser então um tempo-espaço de organização das questões que envolvem esse tema, um tempo de articulação interna, de intercâmbio com as instituições vizinhas que atendem ao ensino fundamental. Ao mesmo tempo que vivemos esse tempo de afinamento do diálogo, lidando com as tensões e as possibilidades que as diferenças proporcionam, enquanto escrevemos também nos organizamos. Nesse processo de formação contínua em serviço, houve o fortalecimento de uma orientação pedagógica sustentada na concepção de infância como um tempo de direito: A nossa proposta é a educação, a escola enquanto serviço público permitindo a vivência de todas as dimensões da pessoa no presente. Não queremos uma escola para um dia ser. Queremos uma escola onde na infância a cidadania seja uma realidade. Em nome de um dia ser, não deixamos que a criança seja no presente. A idéia fundamental da nossa proposta é que a escola infantil dê condições materiais, pedagógicas, culturais, sociais, humanas, alimentares, espaciais para que a criança viva como sujeito de direitos. Permita ter todas dimensões, ações, informações, construções e vivências.(Arroyo, p. 91)

Superando concepções de infância construídas historicamente e ainda em vigor ─ assistencialista, propedêutica, voltada para o trabalho bem como para a pré-

1

escolarização( prontidão para leitura e escrita) ─, a UMEIRAC1 desenvolve práticas pedagógicas que favoreçam a autonomia, a opinião própria, a própria vontade. Exemplo disso é a experiência da professora Andréia. Suas aulas vêm sendo planejadas também com as crianças e não para as crianças. A pauta de reunião de pais foi elaborada com elas, a leitura das fichas de avaliação sobre cada uma não foi lida somente para os pais em momento de reunião; as crianças tiveram direito de saber o que estaria sendo dito sobre elas, entre os adultos. Na mesma perspectiva, a professora Joceli, ao fazer a leitura da ficha de avaliação para uma aluna com o objetivo de sensibilizá-la quanto ao seu perfil, ficou surpresa com o desejo de outra criança em ouvir também considerações sobre si. Esta situação em um contexto de escuta sensível, fez a professora entender o quanto seria significativo vivenciar com sua turma essa experiência. A manifestação do desejo de decisão sobre quais atividades deveriam ser priorizadas além da postura das professoras ao fortalecerem essa vontade demonstram uma perspectiva de formação para a cidadania voltada para o presente e não para o futuro. É importante ressaltar que o fato de uma professora realizar uma prática em sua sala não significa necessariamente que as outras o farão automaticamente. Essas referências são significativas, mas o que vai indicando os caminhos para a tomada de decisões é o fluxo peculiar a cada grupo. Sendo então consideradas sujeito, as crianças são instigadas a perceberemse como autoras, expressando-se em diferentes linguagens. Com isso criam-se possibilidades para que seus conhecimentos de mundo e de si sejam ampliados. A professora de sala de leitura relatou um episódio curioso na roda de contação de histórias. Enquanto lia o livro Tocaram a campainha2, abria oportunidades de comentários das crianças. Os personagens Lena e Beto ganharam 12 biscoitos para o lanche e posteriormente chegaram mais dois amigos. Os biscoitos teriam que ser redistribuídos. Uma criança disse espontaneamente: “Agora vai dar três biscoitos pra cada uma”. Em situações como esta se dá o afinamento da interação professor-aluno, o que possibilita a expressão oral, encorajando-a a lançar hipóteses, a tirar conclusões, a verbalizar seu pensamento. Ela demonstrou conhecimentos matemáticos e domínio da linguagem ao explicitálos. A escola compreende que a partir das vivências de seu cotidiano, as crianças devem ser chamadas a pensar, brincar, agir, movimentar-se a partir de outros contextos culturais, potencializando-as para a autoria, a expressão de subjetividades, a auto-organização, a auto-estima, a criatividade, a formação de identidade. Entendemos que estes são aspectos que podem contribuir para o desenvolvimento integral da criança, na expansão das suas múltiplas dimensões:

1 2

Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa. Autoria de Pat Hutchins e tradução de Ana Maria Machado.

2

emocional, sensorial, motora, cognitiva e sócio-afetiva. Nesse sentido, um dos eixos de nosso trabalho é pautado em procedimentos metalingüísticos que possibilitem, na roda de apreciação3, à criança olhar , explicar o que fez, buscando julgamento e análise do processo de construção. Destacamos a atividade desenho mimeografado. Permitiu a expressão de satisfação da aluna Laura4, ao ver, na sala de aula, seu desenho e seu texto impresso para outras crianças tal qual uma obra de arte, a ser lida, apreciada esteticamente e colorida pelos colegas, firmando um processo de interação que fortalece os aspectos já explicitados. Assim, a compreensão de como ocorrem os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança é um aspecto fundamental para que o professor defina e redefina suas práticas. Vygotsky nos mostra o quanto a apropriação destes conceitos podem fornecer pistas para que o professor, faça as intervenções que irão favorecer o aprendizado e o desenvolvimento das crianças: A zona de desenvolvimento proximal provê psicólogos e educadores de um instrumento através do qual se pode entender o curso interno do desenvolvimento. Usando esse método podemos dar conta não somente dos ciclos e processos de maturação que já foram completados, como também daqueles processos que estão em estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se desenvolver. Assim, a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação. (Vygotsky, 1991, p.98-98)

Um outro saber necessário para a prática docente é a compreensão do que postula Vygotsky acerca da linguagem como organizadora do pensamento, um dos fundamentos epistemológicos que norteiam nossas ações com as crianças na escola. Com base nestes pressupostos, pensamos num trabalho que promova a internalização das funções psicológicas superiores, mediante problematizações que impulsionem ação-reflexão-ação. Uma das experiências que retrata bem esta questão se deu a partir do filme assistido pelas crianças sobre os mamíferos marinhos e posteriormente durante a visita à exposição à Escola Municipal Altivo César (3° e 4°ciclos) sobre esses animais. Este convite foi uma instigação que provocou perguntas como “Por que o golfinho tem um bico tão grande?“ ,”Por que o golfinho bota água pra fora que nem eu vi no desenho?” Instaurado o momento propício à pesquisa, assumiram uma postura típica. Usaram pranchetas para fazer registros sobre o que viram na exposição e depois, na roda de conversa, teceram comentários sobre o que identificaram como significativo. Fizeram também a produção de texto coletivo no

3

Momento de apresentação e análise dos trabalhos produzidos pelas crianças. Este nome é fictício. Fez seis anos em 31 de maio de 2007. Todos os nomes de alunos e professores apresentados aqui são fictícios. 4

3

gênero científico. Desta forma acreditamos que, se a criança é instigada a expressar-se oralmente, ela tem mais possibilidades de ampliar seu pensamento. Vygotsky nos convida a pensar na dinâmica de estarmos criando situações de aprendizagem que possibilitem as crianças a passarem do plano da ação (manipulação, exploração de objetos, observações diretas) para o plano das representações (expressão da linguagem em diferentes dimensões). ”Tomar consciência de alguma operação significa transferi-la do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na imaginação para que seja possível exprimi-la em palavras” (Corsino, 2006 ) Nesse sentido, entendemos que a escola deve criar oportunidades para deslocar os conceitos do plano da ação para o plano do pensamento: Propor atividades que favoreçam as ações da criança sobre o mundo natural e social. Sem possibilidades de agir a criança não tem elementos para construir os conceitos espontâneos e conseqüentemente chegar à tomada de consciência e aos conceitos científicos (...) Neste processo a criança vai tendo oportunidade de experimentar, analisar, inferir, levantar hipóteses. (Corsino, 2006, p. 3).

Esta proposta de trabalho nos remete também à necessidade de redimensionar o conceito de cultura. Valorizamos a idéia de que há culturas diferentes, igualmente significativas, e não de que haja uma cultura privilegiada em detrimento de outra cultura, dita popular, conotando desprestígio. Assim, a festa do folclore vai ganhando um novo formato na medida em que vamos construindo uma consciência crítica acerca do trabalho com a cultura e com a arte na escola. Em 2006, Ariano Suassuna se tornou tema do projeto de cultura. Fizemos com as crianças um estudo da sua biografia. Consideramos que a história de vida de alguém é uma ponte para se trabalhar as subjetividades das crianças, abrindo caminhos para que se reconheçam e construam referências para sua própria vida. Lemos alguns dos seus cordéis e livros, que impulsionaram um desejo de trazer a leitura literária para o dia a dia das crianças. Assim surgiu o bornal de leituras: uma sacola com um livro escolhido por elas e um caderno para registrar as suas impressões sobre a leitura junto com a família. Em 2007, demos prosseguimento a este trabalho, convidando os responsáveis para participarem de uma oficina de leitura com o intuito de sensibilizálos a esse tipo de interação com seus filhos, respeitando e instigando suas curiosidades. Buscamos também mostrar o quanto a leitura e contação de histórias contribui para a formação do leitor. A estruturação de turmas por multiidade5 é uma experiência que a UMEI está vivendo há dois anos. O trabalho com diferentes idades surge como uma proposta de favorecer as aprendizagens que se dão não apenas através de agrupamentos cronológicos, mas também através de outras formações com a intenção de enriquecer as diferentes expressões das crianças e oportunizar amplo aprendizado por observação, interação e tutoria. Contrapondo-se à noção moderna de homogeneidade no ensino e na aprendizagem perpetuadas nas sociedades 5

Formação de turmas por diferentes idades: quatro crianças de três anos, oito de quatro anos e 8 de cinco anos.

4

escolarizadas. (...) novas concepções e práticas emergem dos coletivos docentes e pedagógicos, em um processo formador que redefine não apenas normas e critérios de enturmação, mas também concepções, significados e culturas escolares, docentes, familiares e sociais. Redefine o que nos é mais caro: novas formas de pensar a infância, a aprendizagem e o ensino. (Valiati, 2005/2006, p. 41)

As menores são estimuladas entre si e também pelas maiores ao mesmo tempo que estas também são impulsionadas por aquelas. Vivem, dentro da escola, desafios e condições favoráveis para superá-los. A colaboração, a negociação, a convivência, a solidariedade, a parceria, o respeito são alguns dos aspectos que vão tomando visibilidade nesse processo de interações. A partir da observação do processo que estamos vivendo, constatamos que, na pluraridade, as singularidades emergem: É na singularidade e não na padronização de comportamentos e ações que cada sujeito nas interações com o mundo sócio-cultural e natural vai tecendo seus conhecimentos. (Corsino, 2006, p.1)

Com base no exposto, tentamos realizar um trabalho pedagógico em que a criança seja o nosso foco, apostamos na valorização das diferenças, levando em consideração as suas potencialidades e interesses. A UMEI ao incentivar modos mais diversificados e fecundos de relacionamento e aprendizagem, é contrária a estereótipos e padronização de comportamentos. Acreditamos ser essencial o respeito às singularidades, o que oportuniza aos alunos exercitarem a tolerância na convivência e a aceitação do diferente. Considerando então a UMEIRAC uma escola inclusiva, atendemos dez alunos com necessidades educacionais especiais. Esses convivem em turmas regulares com no máximo 18 crianças. Contam também, com um professor de apoio que os auxilia no processo pedagógico. André, quatro anos é um cadeirante, possui amiotrofia espinhal o que impossibilita de se locomover e se movimentar sozinho. Ele parece não ter consciência das suas limitações. Às vezes se sente desencorajado de realizar certas atividades. Com incentivo ele se ocupa do que possa realizar. Percebemos que a UMEI é um espaço rico de aprendizagem onde ele tem a possibilidade de interagir com outras crianças que não o deixam no isolamento. No início do ano, muitas crianças perguntavam por que ele não andava. Após seis meses de convivência, elas estão acostumadas a vê-lo. É como se a cadeira de rodas fosse mais um brinquedo, não sendo mais motivo de questionamentos. Nesse contexto, a avaliação contínua do processo se estabelece, na medida que as professoras identificam a importância da reflexão-ação-reflexão coletiva sobre situações cotidianas decorrentes dessa redefinição estrutural. O grupo de estudo é uma das estratégias, de iniciativa das próprias professoras, que viabiliza e fortalece a práxis. Entendemos que a teoria e a prática articuladas favorecem o delineamento não só de novos caminhos, mas também de sustentação das posições firmadas, possibilitando um processo de refinamento da prática e invenção da escola, nesse contexto de rupturas. A esta nova reestruturação da escola soma-se a reimplementação do

5

sistema de ciclos na rede municipal. Num processo que busca ser de construção coletiva, a FME6 vem impulsionando diálogos, orientando a formação de grupos de referência iniciais por idade e a realização de reagrupamentos em diferentes tempos, espaços e definição clara de objetivos, tal qual vem sendo orientado para o ensino fundamental. Assim, além de considerarmos a idade como um fator relevante, ainda que não seja determinante, avaliamos também que a construção de novos espaços-tempos de formação, que favoreçam uma maior igualdade na escola através de uma pedagogia diferenciada, se torna imperativo. Uma pedagogia diferenciada requer uma avaliação diferenciada a fim de propor situações, que de fato, sejam desafiadoras para todos os alunos. (Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Educação,2007, p.44)

Consideramos este um momento político importante para Niterói, em um contexto nacional de mudanças significativas para educação infantil. Com a decisão do Governo Federal de inserir as crianças de seis anos no ensino fundamental é fortalecida a oportunidade para o estreitamento de relações com as escolas vizinhas que atendem às crianças de seis a dez anos. É importante ressaltar que para Niterói essa inserção não é uma novidade. Apesar disso, consideramos que, neste momento, fica mais nítida para algumas instituições a necessidade dessa aproximação com vias à formulação de um currículo que se afine não só com o Projeto político-pedagógico das escolas em consonância à Proposta da rede, mas também com um projeto de sociedade que se vê marcado por muitas lutas em busca de valorização da educação infantil na sociedade, bem como em busca da desfragmentação do ensino básico, o que se justifica na reformulação dos ciclos na rede municipal de Niterói. Além do estabelecimento do diálogo como ponto de partida para o planejamento pedagógico que atenda às necessidades das crianças, é preciso entender que a infância não é apenas uma etapa a ser considerada na modalidade Educação Infantil. Ela se estende ao Ensino Fundamental até os 10 anos de idade, e isto implica em entender, também, que nessa faixa etária todos são crianças, não só estudantes. A fragmentação existente entre esses dois segmentos propicia a falta de articulação das experiências com a cultura. Além disso, são indissociáveis visto que ambos envolvem conhecimentos, afetos, saberes e valores, cuidados e atenção.(Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Educação,2007 p.44)

Aproveitando então essa oportunidade de diálogo, buscamos contato com as duas escolas vizinhas: Escola Municipal Mestra Fininha (1º. e 2º. ciclos) e Escola Municipal Altivo César(3º. e 4º. ciclos). Em três encontros já realizados este ano, em meio às tensões típicas de quem se vê exposto ao olhar crítico do outro, identificamos alguns aspectos significativos. As diferenças (dimensão física e organização do espaço-tempo) entre as duas escolas provavelmente gera estranhamentos. Na UMEIRAC as crianças têm em média duas horas de atividades fora da sala de aula, tendo em vista o sistema

6

Fundação Municipal de Educação.

6

de rodízio e o currículo na educação para pequena infância. Já no ensino fundamental este tempo regularmente se restringe a vinte minutos entre o recreio e a merenda. Além disso, a extensão da sala e a quantidade de alunos para cada uma são muito diferentes. Em suma, o rito de passagem parece se mostrar mais impactante com tantas diferenças entre as escolas. O ato de brincar no ensino fundamental não parece ter a mesma relevância que há para a educação infantil. Entendemos que, na emergência do ensino da leitura e da escrita, na educação formal, a brincadeira, enquanto tempo-espaço necessário à constituição dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem (Borba, 2006, p.34), acabam por provocar um corte no fluxo das interações na escola. Borba nos pergunta se nossas práticas têm conseguido incorporar o brincar como dimensão cultural do processo de constituição do conhecimento e da formação humana. (2006, p.34) Compreendemos que a UMEIRAC se propõe ao trabalho pedagógico nessa perspectiva, uma vez que os passeios culturais, as atividades no parque, na casinha, no pátio são observados como experiências reveladoras de como as crianças estabelecem relações, internalizam regras, solucionam problemas, vivem construções simbólicas que propiciam a reinvenção da realidade. (Santos, 2006, p. 52) Nossa abordagem no trabalho de leitura e escrita pressupõe aproximações em diferentes linguagens, diferentes gêneros textuais em contextos significativos para a criança, reconhecendo-as como práticas sociais. A UMEI não tem como objetivo a sistematização do ensino da leitura e da escrita no seu sentido tradicional. Assim é que as crianças são orientadas a escrever bilhetes para os pais, textos coletivos, entre outras coisas que considerem necessárias num determinado contexto. Normalmente a professora é a “escrivã” do texto produzido individual ou coletivamente que será posteriormente copiado pelos alunos. Outras vezes as crianças chegam ao desenvolvimento de uma escrita espontânea, o que acontece geralmente porque sentem necessidade de fazê-lo diante de algum acontecimento. (Melro apud Silva, 2005, p. 45).

Em geral, a avaliação no ensino fundamental é vista como exame. (Esteban, 2007) 7. Neste enfoque, acredita-se que a aprendizagem possa ser medida através de provas, em que os conceitos de erro e acerto são considerados antagônicos, devendo aquele ser substituído por este, que é associado ao saber, e se revela quando a resposta do(a) aluno(a) coincide com o conhecimento veiculado pela escola, este sim, “verdadeiro”, valorizado e aceito, portanto positivamente classificado. Saber e não-saber, acerto e erro, positivo e negativo, semelhança e diferença são entendidos como opostos e como excludentes, instituindo fronteiras que rompem laços, delimitam espaços, isolam territórios, impedem o diálogo, enfim, demarcam nossa interpretação do contexto e tornam opacas as lentes de 7

“A relação linear entre o exame ─ instrumento de controle, coerção e exclusão ─ e a aprendizagem reduz a aprendizagem a desempenho e avaliação a controle. Esta relação (...) apesar de amplamente criticada tem primazia nas práticas escolares e nas políticas públicas, embora não venha conseguindo oferecer contribuições significativas para a ampliação da face democrática da escola.” Do texto Provinha Brasil-reeditando a velha confusão entre avaliação e exame (texto divulgado no GRUPALFA-UFF,2007)

7

que dispomos para realizar leituras do real. (Esteban,1999,p.15)

Além de professora da UMEIRAC, Juliana é mãe de Raphael Augusto, exaluno da mesma e atual aluno da escola Mestra Fininha. Recentemente viveu uma situação que, para ela, representa um conflito entre o que eu estudo, aquilo no que acredito e o que o sistema de ensino fundamental oferece. Recentemente ela foi chamada pela escola para responder sobre algumas atitudes de resistência, “inadequadas” de seu filho. Tratava-se de um dia de prova. Recusou-se a fazê-la, batendo na mesa, depois de ter sido negada a ajuda que solicitou. A professora, em momento de prova, entendia que não devia dar qualquer orientação. Do ponto de vista da mãe-professora, ele, tendo vivido, nos primeiros anos de vida, perdas importantes, apresentou e ainda apresenta certa dificuldade para lidar com algumas situações. Requer, em alguns momentos, uma intervenção mais específica, mais atenta da professora, para que enfrente com mais facilidade situações de conflito. A escola tem conhecimento da história pessoal de Raphael Augusto, através de relatos que a mãe-professora procurou fazer. O conflito de que fala a mãe-professora parece revelar a síntese das questões que envolvem o problema da avaliação na escola. Podemos inferir que a dificuldade apresentada, no momento da prova, talvez não fosse exatamente do conteúdo selecionado pela escola. O problema se instaura na relação, em como a professora encarou o questionamento do aluno. O que definiu sua atitude foi sua concepção de avaliação. Poderia ter sido a pergunta do aluno uma instigação para saber mais? Se a intenção da professora era medir os conhecimentos do aluno, a indagação não demonstraria seu processo de reflexão sobre o solicitado, e, portanto, seu desejo de saber uma condição para aprender? Não será a prova também um momento de aprendizagem? São os conteúdos formalizados pela escola as principais referências para avaliar o processo de aprendizagem da criança ou do adolescente? A avaliação na educação infantil, em especial na UMEIRAC se dá através do registro das impressões do professor, no diário de campo, acerca do processo vivido com as crianças. Este é um dos instrumentos que permite a revisão dos procedimentos pedagógicos e a elaboração de novas estratégias. Nesse processo de observação, o foco é a formação integral da criança, que envolve mais do que o interesse pela acumulação de conteúdos sobre diferentes assuntos, ou mesmo a formação de hábitos e atitudes aconselháveis, do ponto de vista adultocêntrico. Trata-se de uma prática dialógica em que os caminhos para definição dos temas a serem abordados partem também dos processos de reflexão vivenciados na roda com as crianças e nos demais espaços-tempos, conforme já explicitado neste trabalho. Muitas são as questões que se apresentam na articulação entre os saberes necessários à educação para a infância de 0 a 10 anos. Destacamos algumas, neste trabalho, com o intuito de socializar um movimento de reflexão que nós da UMEIRAC entendemos emergenciais para o aperfeiçoamento de nossas práticas enquanto educadores da escola básica.

8

Valorizar o rito de passagem para o ensino fundamental, favorecendo o diálogo entre escolas que darão continuidade à educação de nossos alunos permite que se estabeleçam acordos para tornar menos impactante a mudança, quase sempre radical entre dois mundos, conflitantes para a criança. Marcando a alfabetização como um tema pertinente a todas escolas, propusemos o seguinte encaminhamento para nossos encontros: 1. organização de calendário para encontros entre as Equipes de Articulação Pedagógica das três instituições, a saber: UMEI Rosalina de Araújo Costa,E.M. Mestra Fininha, E.M. Altivo César; 2. encontros que objetivem debates sobre alfabetização e temas decorrentes; 3.deliberações que favoreçam a articulação também entre os demais profissionais da educação das três instituições; 4.estabelecimento de metas a curto, médio e longo prazo que considerem possíveis mudanças, se necessárias, nas práticas em sala de aula; 5.encontros de formação incluindo as três instituições; 6.identificação de demandas de uma escola em relação às outras no que diz respeito ao perfil dos alunos; 7.visibilidade, para todos, dos projetos políticos-pedagógicos em curso; 8.inclusão, no projeto políticopedagógico, essa prática de articulação entre as escolas, além de seus objetivos; 9. realização de visitas pedagógicas às três instituições, seguindo critérios a serem acordados coletivamente; tratamento de cada um desses encaminhamentos no tempo possível, procurando fortalecer os laços entre os envolvidos, a fim de que as ações sejam pertinentes, seguras e conseqüentes. (Silva, 2007, p. 2) 8

Tomando como referência os diálogos já estabelecidos entre nós da UMEIRAC e a E. M. Mestra Fininha, dois objetivos foram priorizados para o segundo semestre: o rito de passagem e as trocas de práticas pedagógicas realizadas em ambas as escolas. Compreender as diferentes concepções de ensino e aprendizagem que sustentam as práticas pedagógicas seja um passo importante para redimensionar coletivamente um projeto político-pedagógico que integre essas realidades. Reconhecer a brincadeira como expressão de cultura e fundamento para o aprendizado e desenvolvimento é um saber necessário à ruptura do engessamento que a escola básica vive ainda hoje, sustentado pela idéia equivocada de que a seriedade da escola se fragiliza ao valorizar a brincadeira. Compreender que a infância é uma construção social e não um conceito já dado, o que faz diferença para a construção de um currículo engajado em um projeto de sociedade que valoriza o sujeito em todas as etapas de seu desenvolvimento, é mais uma meta a ser atingida. Transformar as práticas avaliativas, no sentido de favorecer a formação integral, a consciência crítica, a emancipação é uma demanda explicita na educação do país. Buscar essas mudanças em parceria com aqueles que lidam com os mesmos alunos em idade diferentes nos parece uma rica oportunidade de pesquisa

8

Pré-projeto de integração, intitulado Educação para infância de 0 a 12: Alfabetizar – um compromisso da escola básica. A referência às crianças até doze anos e não dez como indicado no trabalho se deve ao fato de o ensino fundamental atender crianças até 12 anos.

9

sobre os entraves e as possíveis alternativas nesse contexto. Este pressuposto traz um grande desafio para o professor ─ tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental─,o de observar o que e como cada criança está significando neste processo de interação. Seu olhar sensível para as produções infantis vai permitir conhecer os interesses das crianças os conhecimentos que estão sendo apropriados por elas e também os elementos culturais do grupo social em que estão imersas (Corsino, 2006, p.1).

Redimensionar a relação professor-aluno é uma decorrência da reflexão sobre avaliação, currículo e infância, demonstrando a inter-relação de todos os aspectos aqui apresentados. Igualmente, a relação com a família constitui uma importante parceria para lidar com o universo cultural da criança e para nos indicar caminhos de intervenção bem como para o acolhimento de todos os envolvidos no processo pedagógico. Investir na formação contínua em serviço e na construção coletiva é uma condição necessária à reformulação dos processos pedagógicos da escola. Abraçando a perspectiva freiriana de que ninguém educa ninguém; ninguém se educa a si mesmo; os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo, acreditamos que as diferentes experiências e concepções enriquecerão as relações e favorecerão as mudanças necessárias. Reiteramos a conclusão de que os atos de escrita coletiva deste trabalho contribuíram significativamente para: a formação em serviço da equipe de professores; o seu fortalecimento enquanto coletivo; a revisão de alguns objetivos já estabelecidos para o trabalho na escola; potencialização das interações com as escolas vizinhas; o reconhecimento de que, embora seja este um desafio que nos obriga a descortinar crenças nem sempre explicitadas, vale a pena investir na autoavaliação, no estudo, no diálogo que nos transforma, nos reúne, nos esclarece e nos faz escolas asas, escolas que fazem voar9. Referências Bibliográficas ALVES, Rubem. Gaiolas e Asas.http://www.rubemalves.com.br/gaiolaseasas.htm. Acesso em 9 de julho,2007. ARROYO, Miguel Gonzalez. O significado da Infância. Brasília: MEC/ SEF, 1994. p. 88-92. BORBA,Ângela Meyer. “O brincar como um modo de ser e estar no mundo”.In:BRASIL. Ministério da educação. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para inclusão da criança de seis anos de idade/ organização do documento: Jeanete Beauchamps, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do

9

Referência à epígrafe.

10

nascimento. Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2006. CORSINO, Patrícia. “As crianças de seis anos e as áreas de conhecimento.” In:BRASIL. Ministério da educação. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para inclusão da criança de seis anos de idade/ organização do documento: Jeanete Beauchamps, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do nascimento. Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2006. ESTEBAN,Maria Teresa(org). A avaliação no cotidiano escolar. In Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro:DP&A,1999. __________ Provinha Brasil-reeditando a velha confusão entre avaliação e exame. Texto produzido para debate no GRUPALFA,UFF.Niterói,2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. HUTCHINS,Pat. Tocaram a Campainha.( Trad. Ana Maria Machado). São Paulo:Moderna, 2006. MELRO, Renata dos Santos. Construindo caminhos para elaboração de uma proposta pedagógica para educação infantil: a trajetória percorrida pela Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa. Rio de Janeiro: Monografia. UNESA, 2007. NITERÓI, Fundação Municipal de Educação. Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Educação de Niterói, 2007. SANTOS, Dilaina Paula dos. Psicopedagogia dos fantoches: jogo de imaginar, construir e narrar – 1ª. edição – São Paulo. Vetor, 2006. SILVA, Márcia Maria e. Educação para infância de 0 a 12: Alfabetizar – um compromisso da escola básica. Pré-projeto de integração, 2007. VALIATI, Márcia Eliza. In: Revista Pátio Educação Infantil. Ano III, nº. 9, nov. 2005/ fev. 2006. VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes.

11