1 introdução - PUCRS

Redação publicitária: sedução pela palavra. São Paulo: Pioneira. Thomson, 2005. GANCHO, Candida Vilares. Como analisar narrativas. 5. ed. São Paulo: A...

35 downloads 306 Views 144KB Size
105 LITERATURA INFANTIL NA PUBLICIDADE Viviane da Silva Moraes1

1 Introdução A publicidade utiliza-se, muitas vezes, de informações previamente conhecidas pelo público, como por exemplo, piadas, poemas e frases feitas. Um desses elementos são certos aspectos específicos da cultura, como histórias, citações que podem se tornar aliados do profissional da publicidade, quando bem empregados, tornando-se algo que valoriza o texto na publicidade, despertando a atenção do leitor por meio de algo já conhecido, que estimula a memória, reservando ao leitor a satisfação de um conhecimento partilhado, de algo que se torna comum entre o autor e o leitor (CARVALHO, 2003). Tomando histórias como uma forma de estimular a memória e conquistar a atenção do potencial consumidor, é interessante pensarmos a respeito de literatura. A função geral da literatura, mais especificamente a infantil, é procurar despertar na criança emoção e prazer pelo interesse daquilo que é narrado, seja oral ou escrito. Dentro da literatura infantil, podemos destacar os contos de fada, que por serem contados de geração para geração, foram se transformando, atingindo crianças e adultos. Neste contexto, observamos na publicidade diversos exemplos de aplicação desse recurso de utilização de elementos conhecidos, dentre os quais podemos destacar os clássicos infantis. Exemplo disso é uma das campanhas do Boticário, que remete às histórias da Branca de Neve, Cinderela e Rapunzel para divulgar seus produtos em diversos meios de comunicação. Dessa forma, torna-se importante entender as características da literatura infantil e de que maneira é utilizada na publicidade de forma que o público receptor identifique qual é a história escolhida para o anunciante oferecer determinado produto ou serviço.

1

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.

106 Com isso, a compreensão de contos de fadas e outros clássicos infantis por parte das crianças e adultos traz a possibilidade de sua aplicação na publicidade, já que tais histórias são elementos que fazem parte do conhecimento adquirido em alguma fase da vida, provavelmente na infância, como diz Carvalho. Encontramos histórias infantis não apenas em anúncios de produtos voltados para as crianças, mas também em propagandas de produtos dirigidos para públicos-alvo de faixa etária totalmente diferente, como perfumes e carros. Entretanto, para que possamos entender o processo da aplicação das histórias infantis na publicidade, precisamos primeiramente compreender a narrativa proposta no conto, isto é, o que a história original transmite para, assim, poder aplicar da forma mais adequada ao produto ou serviço que pretende vender. Na transformação da narrativa e da moral da história infantil para o texto e imagens publicitárias, pode haver certos desvios no objetivo da narrativa, a fim de tornar o anúncio mais sedutor para o público ao qual se destina, e não com o propósito de passar a moral original dos contos. O discurso publicitário exige dos profissionais da área criatividade para destacar-se dos anunciantes concorrentes. Embora a chamada intuição, algumas vezes, traga resultados àquele que a utiliza, estudarmos as possibilidades que a linguagem proporciona como estratégia na comunicação é primordial. A busca de novas alternativas pra transmitir as idéias desejadas e que suas interpretações por parte do receptor sejam adequadas àquelas almejadas pelo publicitário é um desafio nesta profissão. Dessa forma, para estimular a imaginação do potencial consumidor para que ele compreenda a interpretação desejada pelo anunciante faz com que seja necessário conhecimento de ferramentas que possibilitem uma interação eficaz entre autor e leitor. Através do estudo da narrativa na literatura infantil, mais especificamente nos contos de fadas, tanto estudantes quanto profissionais da área de comunicação, poderão encontrar formas de aplicar a história dos contos para a publicidade, construindo um novo conceito para adequar ao produto ou serviço a ser ofertado. A partir da análise de peças

107 publicitárias, pretendemos caracterizar as diferentes interpretações que os contos podem gerar. 2 Literatura e teoria da narrativa Definir literatura permanece, para os estudiosos, um constante desafio. Segundo Lajolo (2001), há aqueles que consideram literatura apenas os clássicos, como Shakespeare, e rejeitam textos ─ romances, contos, por exemplo ─ produzidos contemporaneamente. Levando em consideração que a literatura não apresenta apenas uma definição, torna-se interessante conhecer alguns dos diversos significados que o termo tem recebido. Em Silva, podemos encontrar algumas acepções para o termo ‘literatura’, as quais vêm sendo utilizadas desde o século XIX. A primeira delas se refere à literatura como um “conjunto da produção literária de uma época”; as seguintes tratam o termo como o “conjunto de obras que particularizam e ganham feição especial quer pela sua origem, quer pela sua temática ou pela sua intenção: literatura feminina, literatura de terror, literatura revolucionária, literatura de evasão, etc.”; “bibliografia existente acerca de um determinado assunto”; e “retórica, expressão artificial”. Além disso, literatura ainda pode significar conhecimento sistematizado, científico, do fenômeno literário (1992, p.7). Com isso, tomaremos como literatura infantil a definição proposta por Góes (1991, p.15), “literatura infantil é linguagem carregada de significados até o máximo grau possível e dirigida ou não às crianças, mas que responda às exigências que lhes são próprias”. No entanto, não basta apenas definir, é necessário entender qual a função e características dessa literatura. A literatura infantil tem como função auxiliar no desenvolvimento mental da criança, instruindo-a e, ao mesmo tempo, divertindo-a. A presença de castelos encantados, golpes de carinhas mágicas, vozes misteriosas, fadas, é o que desperta a atenção do público infantil, assim como as novelas de ficção despertam o interesse dos adultos, mesmo que em algumas vezes não tragam situações totalmente verdadeiras, isto é, que coincidem com a nossa realidade (JESUALDO, 1978). A partir do momento em que as histórias da literatura têm o objetivo de educar e divertir através do imaginário, especialmente porque tais histórias chamam a atenção do seu

108 público por apresentam uma série de fatos, envolvendo conflitos, expectativa e a tensão do que há por vir durante a leitura, é importante pensarmos sobre o que significa a narração. O ato de narrar acompanha o indivíduo desde o surgimento do homem. Contar histórias faz parte da vida de todas as pessoas. Ao contarmos o que aconteceu numa festa durante o fim-de-semana, podemos considerar esta história como uma narração. Gravações em pedra nos tempos da caverna, mitos transmitidos pelos povos através das gerações, a Bíblia, um conto, um romance, uma novela, uma crônica, todos eles são exemplos de narrativa (GANCHO, 1998). Dessa forma, o gênero ─ texto literário definido pela estrutura, estilo e recepção junto ao receptor ─ narrativo é aquele que se estrutura sobre uma história. Os tipos de narrativas mais comuns são o romance, a novela, o conto e a crônica. Segundo Gancho (1998), o conto ─ o qual tomamos como ponto de partida para verificar a mudança da moral nas peças publicitárias ─ é uma narrativa curta, com condensação do conflito, tempo, espaço e redução do número de personagens. Este é um tipo tradicional de narrativa, adotado por muitos autores nos séculos XVI e XVII, como Cervantes e Voltaire. Dentre as características que compõem um texto narrativo, cinco elementos são cruciais para que ocorra a narração: o enredo, personagens, tempo, espaço/ambiente e narrador (GANCHO, 2001). O enredo é o conjunto dos fatos de uma história e para que seja verdadeiro, é necessária a verossimilhança, isto é, a lógica interna, a essência do texto de ficção. Enquanto isso, o personagem, na história, é um ser fictício responsável pelo desempenho do enredo; em outras palavras, é quem faz a ação (GANCHO 2001). Ele pertence à história e só existe se participa efetivamente do enredo, isto é, se age ou fala. Bichos, homens ou coisas, os personagens se definem no enredo pelo que fazem ou dizem, e pelo julgamento que fazem dele o narrador e os outros personagens. Já o tempo corresponde à passagem, ou seja, a volta ao passado ou a projeção para o futuro, porque o presente, segundo Junkes (1979, p.97) “é de todo fugaz”. O tempo tem como função unir os fatos de um enredo em vários níveis. Tais níveis se constituem na época em que se passa a história ─ o pano de fundo da história, por exemplo, pode se passar no século XIX; a duração da história ─ um dia, um mês, muitos anos ─ e o tempo

109 cronológico ─ aquele que transcorre na ordem natural dos fatos no enredo, do começo para o final. Há também o tempo psicológico, aquele que transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do narrador ou dos personagens, isto é, altera a ordem natural dos acontecimentos, como ocorre no filme Amnésia (2000), em que a narrativa dos fatos não é linear. O espaço, outro elemento da narrativa, é o lugar onde se passa a ação numa narrativa. Tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma intenção, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo eventuais transformações provocadas pelos personagens. Além disso, na medida em que a descrição do espaço revela a relação da personagem com seu meio ambiente, pode contribuir para o realismo da narrativa, como, por exemplo, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que retrata a dificuldade de sobreviver no sertão brasileiro. Por fim, o narrador é o elemento estruturador da história. Para definir sua função, os termos mais utilizados na análise literária são o foco narrativo e o ponto de vista, do narrador ou da narração. Há dois tipos de narrador: aquele em terceira pessoa ─ o narrador se apresenta fora dos fatos narrados, tendendo a ser imparcial e o em primeira pessoa ─ participa diretamente do enredo como qualquer personagem, tendo seu campo de visão limitado. (GANCHO, 2001). Dessa forma, a narrativa se mostra um gênero literário capaz de transmitir uma história envolvente, repleta de tensões e conflitos que mantém o interesse do leitor, podendo ser contada através de diferentes perspectivas de acordo com a visão do narrador. 2.1 Literatura Infantil A narrativa tem sua origem na idade oral do mito, já que os homens, na Antigüidade, não sabiam escrever e conservavam suas lembranças na tradição oral. No entanto, a memória não tinha condições de guardar todas as histórias, o que fazia com que a imaginação suprisse essa falha, povoando a mente dos homens de seres imaginários e caracterizando esta etapa da humanidade como infantil (GÓÉS, 1991).

110 Góes (1991) propõe que da palavra viva surgiu o mito, e deste nasceu o conto. A evolução dos homens fez com que a vivência diária do ser humano, sua luta pela alimentação, sobrevivência através da natureza até o problema do dinheiro, da supremacia do poder, como o do trabalho, está na base de todos os contos. A história desses contos parte de fatos reais que foram guardados por servirem como lições significativas, e não são apenas frutos da imaginação. Por isso, encontramos diversas interpretações sobre um mesmo conto, já que a leitura feita irá depender das experiências de quem o interpretou. Podemos definir conto, a partir da palavra “contar”, que em latim significa computare, cuja abreviatura comptare origina o vocábulo francês compter. Dessa forma, entendemos que contar é cômputo, ou conto de fatos, isto é, a narração de fatos completamente ideais ou quiméricos ou ainda fantasiados por um povo. O conto é uma tradução de fatos baseados na imaginação de seu criador, nas experiências pessoais e na História (JESUALDO, 1978). Embora existam diversos tipos de histórias, trabalharemos com os contos de fadas e os contos maravilhosos. Segundo Coelho (1991), o conto de fadas e o conto maravilhoso são duas formas de narrativas bem distintas que dão expressam a problemáticas bem diferentes, mas que geralmente são identificadas como iguais. Ambas as denominações são utilizadas para rotular as diversas narrativas da literatura infantil clássica, que engloba histórias como Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, O Pequeno Polegar, etc. As narrativas dos contos de fadas ─ com ou sem fadas ─ apresenta argumentos que se desenvolvem da magia feérica, isto é, a presença na história de reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, gênios, bruxas, gigantes, anões, objetos mágicos, metamorfoses, tempo e espaço fora da realidade conhecida, etc; tendo como problemática a realização do herói/heroína, que geralmente está ligada à união homem-mulher. Do outro lado, as narrativas dos contos maravilhosos não apresentam fadas e se desenvolvem no cotidiano mágico, trazendo como personagens animais falantes, tempo e espaço conhecidos como familiares, objetos mágicos, gênios, duendes etc. Outro ponto marcante desses contos ─ fadas ou maravilhosos ─ são os personagens. Em geral são poucos e apresentam características que os distinguem e o modo como atuam costuma ser extremamente exagerado. Além disso, os personagens ou são muito pobres ou

111 muito ricos; excessivamente bons, ou medrosos; belos, ou tragicamente feios; perversos e covardes; ou valentes e nobres; ou são anãozinhos, ou gigantes; bruxas ou princesas, reis disfarçados de mendigos ou mendigos convertidos em reis e cavaleiros. O ambiente também é outro elemento importante nos contos de fadas e maravilhosos. O meio em que se desenvolvem as ações desses contos é dificilmente detalhado amplamente. Outra das características estudadas como elemento importante desses contos são os acontecimentos que neles se sucedem, os quais procuram excitar a imaginação, enquanto a motivação das ações das personagens é lógica e moderada. Através da leitura destas obras, a criança é levada a distinguir, segundo Jesualdo (1978, p.29), “o que vale do que não tem valor e faze-la apreciar o primeiro, isto é, educar o sentido apreciativo da beleza contida numa palavra, ou numa imagem, determinada em função do seu conceito”; e assim, passa a ter conhecimento da realidade do mundo. Com isso percebemos que a literatura infantil é muito mais do que um conjunto de obras escritas para as crianças. Este tipo de literatura é composta por histórias que estimulam a imaginação, não somente das crianças, mas também dos adultos. 3 Linguagem publicitária Para que possamos compreender as características da pós-modernidade e, conseqüentemente, suas influências na publicidade, é importante traçarmos um paralelo entre o que é moderno e pós-moderno. Harvey (1992) aponta alguns aspectos relativos ao modernismo, tais como, o romantismo, a hierarquia, criação, profundidade, interpretação, narrativa, determinação. Em contraponto, o autor traz os elementos opostos dos citados anteriormente como sendo presentes na pós-modernidade. Dessa forma, ele apresenta o dadaísmo, a anarquia, a desconstrução, a ausência de interpretação, a antinarrativa e a indeterminação. Neste contexto, percebemos que a evolução do modernismo para o pós-moderno representa para a condição de fragmentação, efemeridade e descontinuidade. Segundo Kellner (2001), a cultura contemporânea tem se mostrado fragmentada e com uma multiplicidade de imagens. Isso porque vivemos numa época em que tudo é muito rápido e

112 a comunicação precisa ser mais veloz e eficiente o possível. Podemos perceber isso de forma clara na publicidade. No lugar de longos textos, temos imagens capazes de gerar significados e transmitir a mensagem desejada tanto quanto um texto escrito. Essa variedade de imagens faz parte do mundo contemporâneo pós-moderno. O autor descreve como ‘pós-moderno’ ─ a partir da análise de alguns anúncios publicitários ─ a coexistência de estilos, a mistura de formas culturais tradicionais com o moderno, a necessidade de utilização de diversas imagens e constante inovação. De acordo com Williamson (apud KELLNER, 2001, p.322), “a propaganda ‘interpela’ os indivíduos e convida-os a identificarem-se com produtos, imagens e comportamentos”. Dessa forma, tais indivíduos acabam por ter uma identificação com valores e modelos comportamentais através dos anúncios publicitários, que trazem imagens, fragmentos e narrativas carregados de ideologias e significados polissêmicos (KELLNER, 2001). Assim, na publicidade da pós-modernidade, há a necessidade de recriar valores e imagens para desestabilizar essas identidades e contribuir para produzir outras mais instáveis, isto é, que possam ser constantemente elaboradas, fazendo com os consumidores procurem os produtos/serviços que vão surgindo. A publicidade, como se sabe, tem como um de seus principais objetivos influenciar os consumidores para a aquisição de um produto ou serviço. De acordo com CARVALHO (2003), a mensagem publicitária cria e exibe um mundo perfeito e ideal, ao contrário do panorama caótico do mundo apresentado nos jornais. O que cabe à mensagem publicitária, para a autora, é tornar familiar o produto que está vendendo, valorizando-o através de algo que o diferencie do comum. Além disso, a publicidade, de acordo com Randazzo (1996, p.59), “é um tipo de comunicação em forma de história, uma ficção narrativa que, além de transmitir informações acerca do produto, procura refletir valores, o estilo de vida, e a sensibilidade do consumidor-alvo e/ou da cultura”.

Dessa forma, o autor considera que a publicidade trata de assuntos da alma, assuntos estes que mitificam ou “enfeitam a realidade” (RANDAZZO, 2005, p.57) e que fazem com

113 que o leitor se identifique com determinado produto ou serviço. É importante lembrar que tais assuntos também estão presentes nas histórias infantis, trazendo uma moral a partir de valores e princípios da sociedade. Com isso, podemos entender os valores, o estilo de vida e a cultura do público-alvo, refletidos nas peças publicitárias, são elementos que funcionam como instintos que guiam e moldam o nosso comportamento, ou seja, os arquétipos do inconsciente coletivo de Jung2. Para entender melhor o que é um arquétipo, Randazzo (2005, p.67) traz o que seria “o arquétipo básico de um Guerreiro, por exemplo, que representa o instinto de guerra e de agressão, pode revelar-se em numerosas expressões, tais como, centurião romano, cavaleiro, fuzileiro naval, e assim por diante”. Neste contexto, a criatividade do publicitário deve conquistar o leitor para que preste atenção no seu texto, naquilo que tem a dizer, transmitindo o mundo do consumidor para a criação do anúncio. A palavra tem o poder de criar e destruir, prometer e negar, dessa forma a publicidade a utiliza como seu principal recurso. A palavra deixa ser simplesmente informativa para ter um caráter persuasivo. A função persuasiva na linguagem publicitária consiste em tentar mudar a atitude do receptor. Dessa forma, mais do que nunca, para que um anúncio publicitário tenha o poder de seduzir o potencial consumidor, é importante que sejam utilizados elementos que atraiam a atenção do leitor, e, segundo Carvalho, a familiaridade é um deles. Observamos na publicidade diversos recursos estilísticos como, por exemplo, a paródia e a paráfrase, que podem deixar um anúncio com mais humor, trazendo uma história, uma música, um poema, anteriormente conhecidos para serem aplicados em um novo contexto. De acordo com Sant’Anna (1999), modernamente, paródia se define através de um jogo intertextual, isto é, a intertextualidade ─ quando um autor utiliza textos de outros ─, que também ocorre na paráfrase. Entretanto, a paráfrase consiste na prática do comentário, da explicação e interpretação de textos. Parafrasear um texto é enunciá-lo de outra forma, com outras palavras, mantendo o sentido do texto original (EMEDIATO, 2004). 2

Jung descreve o inconsciente coletivo assim: “...há um segundo sistema psíquico, de natureza coletiva, universal e impessoal que é idêntico para todos os indivíduos. Este inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, é herdado. Consiste em formas preexistentes, os arquétipos, que só em alguns casos chegam ao nível de consciência, e que dão forma definida a certos conteúdos psíquicos” (JUNG apud RANDAZZO, 2005, p. 66).

114 Para Sant’Anna (1999), podemos dizer que ao falar de paródia, estamos tratando da intertextualidade das diferenças; enquanto ao falarmos de paráfrase, tratamos da intertextualidade das semelhanças. Dessa forma, torna-se necessário falar do que se trata, de fato, a intertextualidade. Comentamos anteriormente que a intertextualidade ocorre quando um autor utiliza textos de outros no seu próprio. Elias e Koch (2006, p.86) definem intertextualidade como um “elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos”.

A manipulação de textos alheios é um grande instrumento de provocação de interesse do potencial consumidor para a leitura do anúncio. Carvalho (2003, p.85) comenta que a pressa e a rapidez que caracterizam a linguagem publicitária, faz com que a utilização de elementos que já fazem parte do conhecimento do leitor ─ frases feitas, citações, refrões, slogans, respostas convencionais, títulos de livros e filmes, lugares-comuns e até ditos populares ─, contribuam para gerar um apelo à memória individual e coletiva. De acordo com Maingueneau e Gresillon (apud CARVALHO, 2003, p.85), a desmontagem de fórmulas fixas, isto é, a desmontagem de algo previamente conhecido ─ desde clichês até as histórias infantis ─ pode ter uma finalidade lúdica, representando um jogo de palavras, ou uma finalidade prática, conferindo autoridade a um novo enunciado ou negando-a a um antigo, desmoralizando-o. Essa dupla possibilidade pode ser sistematizada na divisão entre estratégia de captação, potencializando ao máximo a estrutura semântica da fórmula fixa, no caso, as histórias infantis, e a estratégia de subversão, evidenciando a contradição presente na fórmula fixa. Aqui é importante retomarmos a questão da pós-modernidade se faz bastante presente

no

que

tange

à

intertextualidade.

Na

visão

pós-modernista,

o

“desconstrucionismo” surge como um modo de pensar a linguagem e a comunicação. Segundo Harvey (1992, p.53), “os escritores que criam textos ou usam palavras o fazem com base em todos os outros textos e palavras com que depararam, e os leitores lidam com

115 eles com eles do mesmo jeito”. Dessa forma, o impulso desconstrucionista consiste em buscar, dentro de um texto por outro, dissolver um texto em outro ou embutir um texto em outro. Neste contexto, Derrida (apud HARVEY, 1992) considera essa colagem e montagem de textos a modalidade primária do discurso pós-moderno. A heterogeneidade inerente ao descontrucionismo estimula os leitores a produzir significações e sentidos aos textos e imagens. Por fim, a utilização da intertextualidade se torna um grande aliado na construção de mensagens que atraiam a atenção de público, já que trabalha com elementos previamente conhecidos pelos receptores e estimulando a memória do leitor do potencial consumidor. 3.1 Linguagem Verbal e Não-Verbal A união da imagem ao texto é freqüente na publicidade. Entretanto, nos últimos tempos, é fácil encontrarmos anúncios que trazem apenas a linguagem visual como forma de transmitir uma mensagem. Os diversos elementos visuais que encontramos nas peças publicitárias são capazes de trazer inúmeros significados, os quais são definidos pelo leitor de acordo com o contexto proposto pelo anúncio. A propaganda faz uso de signos ─ elementos carregados de significado ─ e códigos que já estão em circulação, e convida o leitor a reconhecê-los. “Os signos visuais são uma composição que pode ser decomposta numa multiplicidade de outras unidades visuais” (PERUZZOLO, 2004, p.106). Por exemplo, analisando a imagem de um touro, podemos desmembrá-lo em diversos traços, como os chifres, o rabo, o olho, a orelha. Enfim, podemos reunir todos estes elementos, utilizando aqueles que nos interessam para decifrar a imagem do touro. Dessa forma, as histórias infantis nos anúncios são apresentadas através dos elementos que farão com que o leitor consiga reunir as informações necessárias para compreender de qual clássico infantil se trata e qual a nova mensagem inserida na peça publicitária.

116 Outro aspecto importante quando falamos de imagens é o fato de apresentarem diferentes significados, diferentemente da linguagem verbal. Isto porque o texto, conforme já apontado por Barthes, tira a ambigüidade da imagem ancorando-a, como ele mesmo denominou tal fenômeno; justificando seu uso de texto que serve como suporte para contribuir para o sentido completo da mensagem, principalmente na publicidade, em que precisamos definir claramente o que o leitor receberá. Para garantir que a mensagem publicitária seja recebida de forma clara e eficiente, é importante observar quais os possíveis sentidos que determinada imagem pode gerar. Dessa forma, podemos compreender os significados de signo visual através de dois níveis, o denotativo e o conotativo e a inter-relação de tais significados com o conhecimento que o receptor tem suposto pelo emissor. O significado denotativo é caracterizado pelo sentido próprio, aquilo que o receptor compreende num primeiro momento. Já o significado conotativo é construído a partir do repertório do leitor, ou seja, do conhecimento de mundo anteriormente adquirido. Nunca é demais ressaltar que as leituras denotativa e conotativa aplicam-se tanto à linguagem verbal quanto à não-verbal. Na linguagem não-verbal, identificamos a denotação pelo que determinada imagem representa sem o recurso da palavra como ancoragem. Dessa forma, o nível denotativo da leitura de uma mensagem se dá através da identificação dos constituintes, isto é, dos elementos visuais apresentados, permitindo ao leitor estabelecer o significado primário. A nomeação do significado denotativo fica sendo uma descrição fria, uma narração (PERUZZOLO, 2004). Já quanto ao nível conotativo, há exigência de vivência anterior do indivíduo para que ele entenda o significado da imagem. Barthes (apud PERUZZOLO, 2004, p. 120) denomina “signo conotativo aquele que põe em evidencia significados segundos que vêm agregar-se ao primeiro naquela mesma relação signo/objeto”. Tal vivência permite que o indivíduo acumule uma grande quantidade de informações das mais diferentes naturezas oriundas da relação entre o indivíduo com o mundo através dos sentidos, principais fontes de recepção e acúmulo de informações. Os significados conotativos são fruto da impressão subjetiva resultados da relação do leitor com o texto.

117 Assim como as imagens, as palavras, além de ancorarem o sentido das imagens, também são responsáveis por seduzir o público. A linguagem verbal pode se apoiar no sentido denotativo e conotativo, como falamos anteriormente das imagens. No primeiro caso, a mensagem publicitária irá se concentrar no referente, ou seja, à informação que está sendo dada. No nível conotativo, a mensagem se sustentará dando ênfase ao caráter, isto é, ao modo como é transmitida (CARVALHO, 2003). No entanto, não basta compreendermos como a linguagem verbal e não-verbal se manifestam sem falarmos em cor, especialmente quando o texto publicitário é o objeto de estudo em questão. A cor também contribui para o sentido da mensagem transmitida, já que carrega diversos significados consigo. Guimarães (2000, p.4) comenta que “a apreensão, a transmissão e o armazenamento da informação ‘cor’ (como texto cultural) são regidos por códigos culturais que interferem e sofrem interferência dos outros dois tipos de códigos da comunicação humana (os de linguagem e os biofísicos)”.

Dessa forma, vemos que a interpretação do significado de uma cor varia de uma sociedade para outra, sofrendo interferência de acordo com a situação em que está sendo aplicada. O vermelho, por exemplo, pode representar paixão ou até violência. Assim, observamos a presença e a importância da linguagem não-verbal nos anúncios publicitários, salientando igualmente o papel crucial da, a linguagem verbal, pois ela contribui fortemente para a exclusão de interpretações indesejáveis, que as imagens sozinhas podem provocar, direcionando o sentido pretendido pelo emissor. 4 Semiologia do discurso A comunicação é um processo complexo, maior do que apenas a transmissão de mensagem de um emissor para um receptor. Para tanto, utilizaremos a proposta de Peruzzolo (2004), resultado de estudo dos trabalhos realizados por Saussure e, posteriormente, por Barthes, que se trata da teoria intitulada ‘Semiologia do Discurso’. Através dela é possível identificar como se dá a construção da situação comunicativa, tendo em vista os elementos que a constituem e como eles se inter-relacionam para que os signos

118 possam estar organizados de tal forma a permitirem/facilitarem a leitura/interpretação pretendida pelo emissor. Mostra também como tal interpretação depende de um papel ativo do receptor, especialmente quando entra em jogo o conhecimento que este tem sobre o mundo e as coisas. A partir do momento em que analisamos anúncios publicitários que contenham histórias infantis como forma de transmitir a mensagem desejada sobre um produto ou serviço, é essencial discutirmos de que forma o discurso acontece. O discurso é caracterizado por enunciar, isto é, ele transmite um sentido ao receptor que interpreta o que está lendo segundo condições sociais e históricas que permitem ao leitor compreender aquilo que o emissor deseja (PERUZZOLO, 2004, p.134). Como diz Carvalho (2003), através de informações pré-adquiridas é que o receptor ativará sua memória para conseguir interagir com o texto proposto e, assim, a mensagem publicitária terá cumprido seu papel de comunicar o desejado. Dessa forma, o leitor deixa de ter um papel passivo diante da mensagem. Esse fenômeno ocorre, pois “o enunciador procura construir o seu leitor, sendo que esse interlocutor (...) vai encontrar-se presente tanto na enunciação quanto na recepção” (PERUZZOLO, 2004, p. 136). Esses sentidos gerados pelos anúncios podem ser compreendidos através da identificação dos manifestantes do discurso, ou seja, o arquilocutor, o enunciador, o enunciatário, o enunciado e a enunciação. Utilizando a expressão de Mouillaud (apud PERUZZOLO, 2004, p. 141), podemos tomar o nome dos veículos ─ os lugares onde os anúncios foram publicados ─ como arquilocutores, pois são eles o “grande sujeito da enunciação, o dispositivo enunciante”. Podemos entender as manifestações do discurso, segundo Peruzzolo (2004), através do seguinte esquema: o arquilocutor é a primeira manifestação diante do leitor. Ele é o primeiro contato do leitor antes que chegue aos anúncios de fato; é o veículo em que se anuncia. Em seguida, encontramos o enunciador, ou seja, as marcas anunciantes dos diversos produtos/serviços. Esse elemento constrói o discurso de forma a levar o leitor a seguir pistas e marcar certas propostas de modo que seja possível identificar os itens que caracterizam os contos infantis nas peças publicitárias.

119 Os elementos selecionados pelo enunciador são responsáveis pela produção do discurso sobre o novo conceito proposto pelo anúncio de modo que a narrativa original das histórias infantis seja reconhecida e, principalmente, que esse novo conceito tenha relação com as características do produto/serviço oferecido. Junto à figura do enunciador, temos o enunciatário, isto é o destinatário, aquele que recebe a mensagem, o leitor. Ele se faz sujeito pela sua ação de inserção na fala. “O leitor deve ler o texto segundo o enunciador determina que seja tomado. Deve descobrir as pistas e estudar os procedimentos empregados pelo enunciador para dotar o discurso com marcas de veridicção” (PERUZZOLO, 2004, p. 177). Já o conteúdo da mensagem transmitida pelos anúncios é o enunciado, caracterizado pela presença de um sujeito que é seu enunciador, denuncia sua autoria. É da ordem do que é dito, isto é, a informação que quer ser transmitida sobre determinado artigo de beleza ou reportagem, através de signos escolhidos pelo enunciador. Enquanto isso, a enunciação ─ o modo como o enunciado é articulado ─ constitui a manifestação do discurso sob a forma de relações de signos, incluindo o texto e imagens, informando alguma coisa. É da ordem das modalidades do dizer, isto é, faz uso de recursos estratégicos nos modos de dizer para afirmar seu dito, tendo em vista os efeitos de sentido que deseja produzir. A compreensão das manifestações do discurso se faz importante dado que, de acordo com Verón (apud PERUZZOLO, 2004, p. 135), “um discurso é sempre uma mensagem situada, produzida por alguém e endereçada a alguém”. Assim, com o intuito de persuadir o enunciatário de valores que o estimularão a adquirir/usufruir daquilo que é oferecido, o enunciador utiliza estratégias que permite ao enunciatário realizar a construção dos sentidos da mensagem. 5 Considerações finais Este trabalho, tendo em vista a necessidade da publicidade em utilizar elementos que despertam a atenção do receptor de forma rápida e eficiente, buscou identificar como ocorre e qual a finalidade do emprego das histórias infantis na construção no texto

120 publicitário. Isso porque, através do estímulo da memória, o enunciatário tem a satisfação de um conhecimento partilhado, como se tivesse algo em comum com o enunciador. O uso de informações já conhecidas, ou seja, que estão no repertório do leitor, funcionam como excelente recurso para o anunciante se comunicar com seu público-alvo. Dessa forma, os contos infantis se mostram excelentes para transmitir uma mensagem, não apenas para as crianças, mas também para produtos e serviços voltados para os públicos adolescente e adulto. Esses contos fazem parte do conhecimento de mundo destes públicos, o que garante a interpretação e compreensão dos novos conceitos encontrados nos anúncios publicitários. Assim, ao concluir este trabalho, percebemos que a aplicação dos contos infantis na publicidade mostra-se uma solução interessantíssima para atrair o interesse do enunciatário para os anúncios. Os dois principais motivos dessa atração por parte do receptor se referem ao estranhamento entre o que o enunciatário sabe sobre os contos e o estranhamento entre essa distorção e sua relação com o produto/serviço oferecido. Daí surge a necessidade da construção de uma nova significação, afinal, no caso de uma situação comunicativa, tal como a publicitária, é pressuposto fundamental o fato de que deve haver uma intenção por parte do emissor em querer comunicar-se mesmo que, em um primeiro momento, seja feita de uma forma tão estranha. Crendo nisso, o receptor parte em busca da construção de tal significado ─ que culmina na satisfação de tal ato comunicacional ─ ou seja: na compreensão por parte do receptor daquilo que o emissor quer dizer através daquela configuração de signos e sua transformação em um ato discursivo. Referências BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003.

121 COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. 2. ed. São Paulo: Atica, 1991. COELHO, Teixeira. Moderno pós-moderno: modos e versões. 5. ed. São Paulo: Iluminuras, 2005. KOCH , Ingedore Villaça. ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender. Contexto, 2006. EMEDIATO, Wander. A fórmula do texto: redação, argumentação e leitura. São Paulo: Geração, 2004. FARINA, Modesto. Psicodinâmica das cores em comunicação. 4. ed. Sao Paulo: Edgard Blücher, 1994. FIGUEIREDO, Celso. Redação publicitária: sedução pela palavra. São Paulo: Pioneira Thomson, 2005. GANCHO, Candida Vilares. Como analisar narrativas. 5. ed. São Paulo: Atica, 1998. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. Atlas, 1999. GOES, Lucia Pimentel. Introdução a literatura infantil e juvenil. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1991. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança mundial. São Paulo: Loyola, 1992. JESUALDO, Sosa. A literatura infantil: ensaio sobre a ética, a estética e a psicopedagogia da literatura infantil. São Paulo: Cultrix, 1978. JUNKES, Lauro. A narrativa cinematográfica: introdução à linguagem e à estética do cinema. Florianópolis, 1979. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: identidade e política entre o moderno e o pósmoderno. Bauru: EDUSC, 2001. LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001. LIMA, Manolita. Monografia: a engenharia da produção. São Paulo: Saraiva, 2003. LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

122 PENN, Gema. Análise semiótica de imagens paradas. In:__BAUER, Martin & GASKELL, George (ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis:Vozes, 2002. PERUZZOLO, Adair Caetano. Elementos de semiótica da comunicação: quando aprender é fazer. Bauru: EDUSC, 2004. RANDAZZO, Sal. A criação de mitos na publicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. RICHARDSON. Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. SANT'ANNA, Affonso Romano. Paródia, paráfrase e cia. São Paulo: Atica, 1999. SCHOLES, Robert. Elements of fiction. New York: Oxford University Press, 1968. SCHRODER, Kim. VESTERGAARD, Torben. A linguagem da propaganda. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SILVA, Vitor Manuel Aguiar e. Teoria da literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 1992.