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Marketing e Ciências Sociais: um estudo sobre a influência da cultura na alimentação

Dario de Oliveira Lima Filho (UFMS) Caroline Pauletto Spanhol (UFMS) Ferdinanda Dias de Oliveira (UFMS)

Resumo Esse estudo baseia-se em uma pesquisa qualitativa realizada a partir da análise dos relatórios de dois grupos de discussão sobre alimentação. O objetivo é entender como se dá a relação entre o indivíduo, o alimento e a cultura. Isso se deve a importância que a cultura exerce no comportamento do consumidor. Sendo assim, este estudo busca, também, promover uma discussão entre o Marketing e as Ciências Sociais. Os resultados revelam que o ato alimentar está relacionado aos elementos culturais de um povo, o que acaba por conferir um certo grau de identidade. Palavras chave: marketing, alimento, cultura.

Abstract This study it is based on a carried through qualitative research from the analysis of the reports of two groups of quarrel on feeding. The objective is to understand as if it gives the relation between the person, the food and the culture. This if must the importance that the culture exerts in the behavior of the consumer. Being thus, this study it searchs, also, to promote a quarrel between the Marketing and Social Sciences. The results disclose that the alimentary act is related to the cultural elements of a people, what finishes for conferring a certain degree of identity. Key Words: marketing, food, culture.

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1. Introdução O estudo do comportamento do consumidor de alimentos é destaque na literatura de Marketing, Nutrição, Sociologia, Antropologia e Psicologia. Isso se deve, em parte, à complexidade envolvida na relação entre o indivíduo e o alimento. Essa relação ultrapassa os limites biológicos e assume, também, uma função simbólica. Sendo assim, esse estudo se propõe a suplantar uma análise de cunho positivista, até então, predominante nos estudos sobre o comportamento do consumidor, resguardadas suas contribuições, visando, também, promover uma discussão entre as Ciências Sociais e o Marketing. Na literatura internacional, observa-se que a sociologia/ antropologia da alimentação, tem despertado o interesse de pesquisadores como Levi Strauss, Jean-Pierre Poulain, JeanLuis Lambert, Claude Fischler dentre outros. No Brasil, destacam-se os trabalhos de Luis da Câmara Cascudo com a História da Alimentação do Brasil, Canesqui com Antropologia e Alimentação e Carneiro com comida e sociedade: uma história da alimentação. Como se observa na literatura, a alimentação do indivíduo assume uma dimensão simbólica, e não apenas funcional. Assim, torna-se importante entender a cultura, bem como os valores, as crenças e os mitos que permeiam a relação do indivíduo com a comida. Sendo assim, o objetivo desse trabalho é entender como se dá a relação entre o indivíduo, o alimento e a cultura, a partir de uma pesquisa qualitativa. 2. Metodologia Esse estudo utiliza a pesquisa qualitativa. De acordo com Bunchaft e Gondim (2004), na abordagem qualitativa o enfoque está na compreensão de um contexto particular, respaldado na busca de significado, na subjetividade e na intersubjetividade. Como diz Demo (1994), é ir além do quantitativo, de modo hermenêutico: é saborear as entrelinhas, porque muitas vezes, o que está nas linhas é precisamente o que não se queria dizer. Não se trata, por outro lado, de estabelecer entre qualidade e quantidade uma polarização radical e estanque, como se uma fosse a perversão da outra. Cada termo tem sua razão própria de ser e age na realidade como uma unidade de contrários. Não se pode tratar a qualidade como uma dimensão inferior ou menos nobre da realidade, mas simplesmente uma face desta. De outro lado, à qualidade não pode inevitavelmente significar deleite, êxtase (DEMO, 1994). É certo que não se pode fugir a formalizações, porque se constituem em passo fundamental do tratamento científico. Portanto, diante dos depoimentos é mister sistematizar, catalogar, descobrir relevâncias que se repetem, estabelecer aspectos mais ou menos importantes. Entretanto, como sinaliza Demo (1994), ao se permanecer apenas nisso, não se consegue sair do estruturalismo que relega o conteúdo e trabalha somente as formas. A análise qualitativa não despreza a forma, mas coloca no seu lugar instrumento de expressão de conteúdos. De maneira específica, a metodologia empregada nesta pesquisa fundamenta-se, em um primeiro momento, em uma revisão bibliográfica. No segundo momento, baseia-se na análise de relatórios de pesquisa, com grupo de discussão, sobre hábito alimentar, encomendada pelo Departamento de Economia e Administração (DEA) da UFMS, na cidade de Belo Horizonte/MG em março de 2006. Os participantes dos grupos de discussão eram de ambos os sexos, integrantes de centros de tradições e moradores de Belo Horizonte por um período superior a dez anos. Os grupos foram compostos por 12 pessoas, com idades variando entre 25 e 50 anos.

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Os dados foram analisados através da técnica da análise de conteúdo (BARDIN, 1977), que procura conhecer o que está por trás das palavras. Franco (2005) afirma que a análise de conteúdo baseia-se nos pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica da linguagem, esta entendida como uma construção real de toda a humanidade que, em diferentes momentos históricos, elabora e desenvolve representações sociais que se estabelece entre linguagem, pensamento e ação. 3. Alimentação e Cultura Alimentar-se é um ato vital para a manutenção do ser humano, para nós, um ato muito comum, mas que, também, pode ser objeto de inúmeras reflexões. Sabe-se que o ser humano é culturalmente determinado, sabe-se, também, que uma das determinações refere-se à alimentação. A temática que envolve a alimentação gera inúmeras indagações e reflexões. Sendo assim, o foco deste estudo está em compreender como se dá a relação entre o indivíduo, o alimento e a cultura. De acordo com Lévi-Strauss (1977), os animais limitam-se a comer, e o alimento deles é qualquer coisa que lhes sejam acessível e que seus instintos colocam na categoria de “comestível”, já os seres humanos, uma vez retirados do seio materno que os amamentou, não possui tais instintos, portanto, o alimento assume uma conotação diferente a dos animais. O ser humano, diferentemente dos animais não só adquire seu alimento, mas lava, limpa, combina ingredientes, cozinha, ou seja, transforma para depois consumir seu alimento, isto é culturalmente estabelecido e de acordo com seu grupo social. Assim, as convenções da sociedade decretam o que é alimento, e o que não é alimento, bem como as espécies de alimentos que devem ser comidas e em quais ocasiões (exemplo: quaresma); e como todas as ocasiões são ocasiões sociais, isso é determinado pela cultura. Dessa forma, o ato alimentar implica também valoração simbólica (FISCHLER, 2001, p.20). Por isso, alimentos podem ser considerados comestíveis em determinadas sociedades ou, mais precisamente, em um grupo social – e não em outras. O que se come, com quem, quando, como e onde se come: as opções e proibições alimentares são definidas pela cultura: "O homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence" (GARINE, 1987 apud MACIEL, 2001, p. 4). O que comer em dias comuns? Fins de semana? Dias de festa? Qual a boa comida? Que alimentos são considerados perigosos? Quais os alimentos saudáveis? Homens, mulheres, idosos(as), jovens e crianças: quem come o quê? Cada região possui hábitos alimentares próprios, mas também pratos característicos, que servem como marcadores identitários regionais. Assim, alguns pratos costumam ser mais intimamente associados a suas regiões de origem e a seus habitantes, tais como por exemplo - acarajé e vatapá (baianos), o arroz com pequi (goiano), tutu e pão de queijo (mineiro), tucupi e tacacá (nordestino), o churrasco (gaúcho). Alguns desses pratos, sendo característicos de suas regiões, são, ao mesmo tempo, cotidianos, como é o caso do acarajé, vendido nas ruas da Bahia. Já outros demarcam uma temporalidade fora do dia-a-dia, como o churrasco, no Sul, que - embora consumido em restaurantes especializados, que funcionam diariamente - é o prato preferencial do almoço de domingo em família. Se alguns pratos regionais são famosos em todo o país, outros são quase desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples fato de que os ingredientes necessários são exclusivos do lugar de origem, mas também por razões de ordem cultural, que determinam certos hábitos alimentares. De acordo com Maciel (2001), se o homem come de tudo, mas ele não come tudo. Há uma escolha, uma seleção do que é considerado “comida” e dentro dessa grande classificação,

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quais as permitidas. E dessas permitidas é estabelecido também quais as situações em que elas se aplicam. Logo, o que é “comida” em uma cultura, não o é em outra. O “estranho”, “exótico”, que nos causa repugnância na maioria das vezes, está relacionado ao imaginário. A cultura, distintivo das sociedades humanas, é como um mapa que orienta o comportamento dos indivíduos em sua vida social. Assim, viver em sociedade é viver sobre as determinações dessa lógica e as pessoas se comportam segundo as exigências dela, muitas vezes sem que disso tenham consciência. Na cultura, observa-se a presença de valores, crenças, tradições, formas simbólicas, ritos e mitos que identificam e distinguem os membros de um grupo, tal como a definição proposta por Thompson (1999, p.176) que o autor convencionou chamar de concepção simbólica: [...] cultura é o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças.

Powdermaker (1997) acrescenta que os antropólogos especialistas em cultura devem utilizar de abordagens holísticas para compreender os diferentes elementos que a compõem. Nesse sentido, faz-se necessário discutir como funciona a família, a economia, a classe organizadora, o sistema político, a religião com seus benefícios e os valores que o homem possui em relação aos outros homens. O trabalho de Velho (1977), discutido por Canesqui (1988), aborda o significado da relação natureza/sociedade para explicar os hábitos alimentares. O autor interroga o que é a natureza e sociedade para os indivíduos e qual a experiência destes grupos com o que é natureza e sociedade. Esta colocação permite desvendar distintas atitudes e concepções de cada grupo ou indivíduo diante do trabalho, e, também, para que serve a comida, com implicações sobre a vida social e os hábitos alimentares. Trata-se de compreender os hábitos no conjunto das práticas dos diferentes grupos sociais que não se encontram diante da mesma natureza (CANESQUI, 1988). Ao refletir sobre a alimentação humana, o ser humano não apenas realiza uma prática vital para sua sobrevivência, como também nutre-se de significados, relembra e preserva costumes. No que tange à sociedade, DaMatta (1984) incorpora a comida para explicar suas manifestações. Sendo assim a sociedade manifesta-se por meio de muitos espelhos e idiomas. No caso do Brasil, a comida com seus desdobramentos morais, ajudam a situar a mulher e o feminino em sentido tradicional. Nesse sentido, comidas e mulheres exprimem teoricamente à sociedade, tanto quanto a política, a economia, a família, o espaço e o tempo etc. Com isso, observa-se que o ato alimentar traz consigo representações sociais que expressam a cultura de um povo e situa a mulher como provedora da alimentação em casa. No caso brasileiro, os ditados populares fazem menção a alguns aspectos da comida, como para expressar momentos de felicidade, tristeza ou, ainda, desconfiança como no ditado: “por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. A incorporação da comida no vocabulário popular tem origem em Claude Lèvi-Strauss que chamou a atenção para dois processos naturais: o cru e o cozido. Estas palavras não expressam somente dois estados pelos quais passam os alimentos, mas como modalidades pelas quais se pode falar de transformações sociais importantes (DAMATTA, 1984). DaMatta (1984) mostra que o cru e o cozido, o alimento e a comida, o doce e o salgado ajudam a classificar coisas, pessoas e até ações morais do mundo. Segundo o autor, o 4

cru se relaciona a um estado de selvageria, ao passo que o cozido se relaciona ao universo socialmente elaborado que a sociedade humana define como sendo o de sua cultura, de sua ideologia. A partir da contradição existente entre o cru e o cozido, o autor chama a atenção para a diferença entre alimento e comida. O alimento é alvo universal e geral, é para todos os seres humanos, amigos e inimigos, gente de longe, gente de perto, mas a comida é algo que define um domínio e coloca as coisas em foco (DAMATTA, 1984). Ainda para o autor a combinação de feijão com arroz é expressão da sociedade brasileira, combinando o sólido com o líquido, o negro com o branco, resultando em um prato de síntese, representativo de um estilo brasileiro de comer: uma culinária relacional que, por sua vez, evidencia uma sociedade relacional. No contrário da alimentação está a comida, que se refere a algo costumeiro e sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definido por um grupo, uma classe ou uma pessoa. A comida expressa desde uma operação universal como o ato de se alimentar, quanto define e marca identidades pessoais e grupais, estilos nacionais de ser, fazer, estar e viver (DAMATTA, 1984). As conotações relacionadas à alimentação também pode ser vista na obra de Mennell, (1996 apud COLAÇO, 2004), que aponta para uma distinção fundamental entre o que caracteriza a fome e o apetite, pois no seu entender um estado fisiológico que coordenaria sensações a fim de avisar o organismo de que é preciso repor as energias caracterizaria a fome. Suprimir esse estado envolve um certo auto-controle, que regulará de maneira abrangente o que será consumido, quando, como, com quem, o quê, formalizando o apetite. Ou seja, as práticas de consumo não abordam apenas os alimentos, mas que tipos de alimentos são consumidos, quem come o quê, quando se dá o consumo, as regras de etiqueta, a natureza das ocasiões em que os alimentos são consumidos e o valor simbólico dos alimentos (GOFTON, 1986; SANTOS, 2005). A partir do exposto por Gofton (1986), DaMatta (1984) acrescenta que o jeitinho brasileiro de apreciar a mesa grande, farta, alegre e harmoniosa, congrega a liberdade, o respeito e a satisfação. Sendo assim, nas nobres artes de comer, aprende-se a exercer um gosto que vai acompanhar os indivíduos para o resto da vida. Comer é gostar, e comer também é viver. De fato, o ato alimentar não se resume na ingestão de nutrientes e energia para a manutenção do corpo. Segundo Silva Santos (2006), o ato de comer envolve uma profunda ambigüidade nas fronteiras corporais entre a cultura e a natureza. A autora destaca uma contribuição de Fischler (2001) onde, “Nós nos tornamos o que nós comemos”, tanto no plano material como no imaginário, atravessando a fronteira do eu e do mundo, capazes de modificar o próprio organismo. Já DaMatta (1984, p. 58) encontra uma maneira divertida para relacionar o alimento à cultura do brasileiro: “dize-me o que comes e dirte-ei quem és!” Como se observa, o ato alimentar revela parte da identidade cultural do indivíduo e de uma coletividade. Nesta perspectiva, Poulain (2004) afirma que as práticas alimentares deixam de ser vistas apenas como forma de expressão ou de identidades sociais para se inscrever no processo de construção da própria identidade. Compartilhando do exposto por DaMatta (1984), Powdermaker (1997) mostra o simbolismo existente na sociedade em torno da gordura e da magreza e a sua relação com outros símbolos e valores. Os estudos de Powdermaker afirmam que nas sociedades tribais da África no passado, o acúmulo de alimentos utilizados em ocasiões especiais como casamento, aniversário e puberdade simbolizavam prestígio, ao passo que também representava hospitalidade para com os convidados e a valorização de algumas pessoas da tribo em detrimento de outras. 5

A partir disso, se por um lado a acumulação de alimentos significava prestígio, por outro lado a gordura corporal marcava a beleza e despertava o desejo por uma mulher. Sendo assim, observa-se a importância das formas simbólicas assumidas pelo padrão de beleza, que neste caso está relacionado com a questão da alimentação. O autor chama a atenção para a mudança dos padrões de beleza nas sociedades atuais, sobretudo porque se observou uma elevação da oferta de alimentos, assim, nas sociedades contemporâneas se come muito, devido a maior oferta e variedade de alimentos. A partir disso, observou-se também a redução das atividades físicas, devido à ocupação dos indivíduos e a escassez de tempo para a prática de exercícios. Segundo o autor “caminhar por prazer é muito raro” (POWDERMAKER, 1997, p. 206). Nesse sentido, o padrão de beleza das sociedades atuais é muito diferente das sociedades tribais. Observa-se a preocupação com a beleza, com a jovialidade e um corpo magro, constituindo-se em um estereótipo de classe. Já a obesidade representa um problema, pois está relacionada à imagem de classe baixa, sobretudo para as mulheres (POWDERMAKER, 1997). Sendo assim, o alimento é um símbolo significante de prestígio. O tipo de alimento, a quantidade, a maneira como é servido são importantes critérios que distinguem as classes sociais de baixo poder aquisitivo (POWDERMAKER, 1997). Como se vê, a incorporação da perspectiva antropológica para o entendimento dos hábitos e práticas alimentares se faz pertinente, sobretudo por abordar questões intangíveis ao ser humano, como sua cultura e os elementos que a compõem. Isso se deve ao fato, por vezes já mencionado, que o ato alimentar não é restrito apenas a aspectos biológicos. O alimento é o centro de um complexo sistema de valores e ideologias, onde os benefícios religiosos, rituais, prestígio, etiqueta e organização social, também, interagem (PROENÇA, 2001; OLIVEIRA, THEBÁUD-MONY, 1997; DAMATTA, 1984).

4. Resultados 4.1 Perpetuação das tradições As crenças e os valores, bem como os mitos, cerimônias e rituais são elementos da cultura de um povo, elementos que conferem sua identidade. Diante disso, observa-se nos discursos dos participantes, do primeiro grupo focal, o apego à sua cultura de origem. “Agora virou: uai, chê!” Essa citação ilustra a situação vivida pelos participantes do grupo. Os participantes tentavam relembrar e mesmo manter os hábitos de sua terra natal, ao mesmo tempo em que procuravam se adaptar aos costumes mineiros. Isso pelo fato de morarem em Belo Horizonte/MG por um período superior a dez anos, motivo esse que possibilitou a incorporação de novos elementos em sua cultura de origem. Esses traços culturais estão mais acentuados nos gaúchos, pois foram eles que demonstraram maior apego às suas tradições, independentemente de estarem ou não ligados a grupos organizados. Entre eles, encontram-se os participantes de movimentos regionalistas como o de Farroupilha e os Centros de Tradição Gaúcha (CTG). De acordo com os participantes do grupo CTG, sua associação tem como objetivo “relembrar e divulgar a cultura gaúcha” e inspirar o convívio social entre pessoas que vieram da mesma região e tem costumes semelhantes. “É uma maneira e um momento de “matar as saudades”: comer a comida da terra, ouvir e tocar música, dançar,

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falar sobre acontecimentos, lugares e pessoas em comum – e na mesma língua”.

Os traços culturais e a preocupação com a perpetuação das tradições gaúchas estão presentes nas falas dos participantes como um fator importante e indispensável para a manutenção da própria identidade, bem como uma forma de transmitir essa herança simbólica para as gerações mais jovens. “Olha, nós temos a parte de cultura, a dança, as coisas típicas, os acontecimentos históricos. Na parte de alimentação, trabalhamos as comidas típicas. E na parte de cultura, a gente traz pros nossos jovens, o que aconteceu no nosso passado, transmitindo as tradições, as raízes nossas. E é onde eu já levo filhos, para seguir os nossos passos”.

Fazendo parte ou não dos grupos de tradição gaúcha, os mesmos pareciam preservar alguns de seus hábitos alimentares. O chimarrão e o churrasco de costela bovina continuam fazendo parte do seu dia-a-dia. No entanto, alguns participantes, em geral os mais velhos, afirmaram tentar controlar a alimentação como forma de preservar a saúde, mas o gosto pela gordura e a carne mal passada constituem elementos culturais difíceis de afastar. Embora o churrasco não seja uma prática diária como o chimarrão, os participantes afirmaram consumi-lo ao menos uma vez por semana, e os mais ”controlados” a cada quinze dias, normalmente nos finais de semana, em reuniões com a família, com amigos e demais grupos os quais faziam parte. É importante ressaltar a importância deste prato tipicamente gaúcho, o churrasco, como elemento cultural. Ele assume relativa importância ao ser associado com momentos de alegria, de relacionamento familiar, de amizade e descontração, ou seja, o alimento exercendo, também, uma função psicossocial. Diferentemente dos gaúchos, os nordestinos não faziam parte de um grupo organizado e seu contato com a terra natal se dá, sobretudo, por meio da música, da dança e outros elementos de sua cultura como o forró e a capoeira, mas principalmente, por meio de reuniões familiares. A alimentação parece assumir um papel importante na manutenção das tradições nordestinas, onde assumem um valor sentimental. Segundo os participantes do grupo de discussão, preparar ou consumir uma refeição típica tem caráter simbólico, ou seja, uma forma de relembrar e “matar as saudades da terra”, ou mesmo, da família e amigos. Este contato com a cultura nordestina, mesmo que de forma esporádica, se traduz em momentos de grande emoção para os participantes, ao relembrar os pais, a terra, os gostos e os cheiros. “(...) Quando eu sinto falta de minha família, aí eu vou nos lugares, como um acarejé. Quando eu vejo, às vezes dá até vontade de chorar, porque eu lembro do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos...aí envolve tudo”.

“Eu falo que se torna bem familiar. Eu como alguma coisa lá da minha cidade, eu lembro é da minha família”.

Assim como os nordestinos, os mineiros não fazem parte de um centro de tradições ou outros tipos de grupos regionais. Contudo, eles se reúnem freqüentemente com seus conterrâneos em bares e restaurantes da capital mineira como uma forma de manutenção de sua cultura. 7

Nestes encontros e mesmo nas residências, observa-se, nos seus discursos, a manutenção de certos hábitos alimentares como o consumo de queijo e do frango caipira. “(...) Um queijinho branco. Todo sábado tenho que ir no Mercado Central comprar queijo. Se quiser me ver correndo é jogar um queijo morro abaixo”.

Baseado na análise dos discursos dos participantes dos grupos de discussão observa-se a preocupação com a manutenção das tradições e da cultura centrados no hoje, sobretudo para os nordestinos e mineiros. Sendo assim, não foram identificados registros sobre a manutenção e a perpetuação de sua cultura para as próximas gerações nestes grupos. Já os gaúchos, mostraram de forma clara a preocupação com a perpetuação das tradições e de sua cultura, preocupação esta, que os motivava a continuar com os Centros de Tradição Gaúcha, com suas danças, cerimônias e o consumo de alimentos e bebidas típicas, como o churrasco e o chimarrão, como uma forma de transmitir aos descendentes esta herança simbólica e cultural. “Tradição é passar de pai para filho. Por exemplo, eu cresci vendo a mãe tomando chimarrão. Sem eu pensar: ‘Eu vou tomar um chimarrão porque...’ Não, eu tomei”. 4.2 Significado atribuído ao alimento O primeiro grupo de discussão afirma que uma alimentação regional assume dois significados básicos, sendo o prazer e a “volta às origens”. O prazer é imediato, fornecido pelo paladar, pelo sabor, é a “comida gostosa”, aquela que satisfaz. Com isso, observa-se que a alimentação de cada região é considerada “a mais gostosa” pelo povo daquela região. Segundo os participantes do grupo de discussão, isso acontece pelo fato da alimentação não ser apreciada somente por suas características, mas, sobretudo, pelo costume, uma vez que a pessoa foi criada “aprendendo a gostar” e a se identificar com aquele sabor característico. Segundo os participantes, quando se alimentam com os alimentos regionais estão renovando o aprendizado, afirmando sua cultura e perpetuando os costumes. “Mas, cada vez que se alimenta da comida regional, ele está renovando “o aprendizado”, o gosto...ou seja, o hábito e o prazer andariam juntos, criando um ciclo vicioso”.

Os participantes revelam que uma das motivações para consumir alimentos regionais, é o fato deles proporcionarem uma forma de “se identificar com um povo”, ou seja, uma vez mantidos esses hábitos, também estariam conservando sua própria identidade cultural. Acrescentam que o consumo dessa alimentação vem acompanhado de outros itens da cultura regional, como a música, dança, violão, cachaça, vinho e chimarrão. Nota-se que o consumo de um prato típico, muitas vezes, anda junto com eventos sociais (seja em casa, nos grupos regionais ou ainda em bares/restaurantes). Sendo assim, o alimento cumpre sua função social, ou seja, de reunir a família, de se reencontrar e, ainda, fazer amigos. “Alimentação faz parte do ritual. É fator de reunião, o social, para encontrar pessoas que dividem com você a sua cultura”.

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“Tem famílias que se reúnem com a alimentação, é importante para ela. Tem um ritual, tem tudo”.

Como se pode observar, a alimentação desempenha, não somente a função nutricional, mas principalmente a função social e cultural. Esse fenômeno sócio-nutricional vai ao encontro das afirmações sobre alimentação divulgados por Cascudo (1986), Casotti (1998), Proença (2001), Poulain (2004) e Strong (2004), Lambert et al (2005). Os depoimentos dos participantes do segundo grupo mostram que a escolha dos alimentos no dia a dia é determinada pela preocupação com a saúde, tendo em vista garantir uma boa qualidade de vida. Comer bem, para eles significa o mesmo que consumir alimentos saudáveis. Para este grupo, a saúde na escolha dos alimentos é preponderante, mas a praticidade apresenta papel de destaque nos hábitos alimentares. Nesse sentido, uma alimentação saudável e com qualidade são sinônimos de comer bem. “Olha, a saúde é você ter disposição para estar trabalhando, para estar praticando esporte...Estar de bem com a vida. E o seu organismo estar em perfeito funcionamento, você não estar com nada doente. Então, eu acho que a alimentação você tem que olhar isto tudo. A parte do seu organismo, do funcionamento dele, e do seu bem-estar com o seu psicológico também. Eu acho que tudo é u, conjunto”.

“Eu acho que o nosso corpo precisa de vários nutrientes para ele funcionar perfeitamente. Então, a partir do momento que eu tenho condições de estar, no dia a dia, colocando no meu prato esses alimentos, que vão me dar todos esses nutrientes, então para mim é uma alimentação saudável”.

“Tem que ter sempre variedade. No meu caso, eu sempre faço vários tipos de salada: uma salada de beterraba, uma salada de cenourinha ralada, uma salada de chuchu com ovos, entendeu?”

Como se observa, a alimentação carrega consigo alguns significados e estes significados parecem influenciar as escolhas por alimentos. Uma vez que estão aqui associados à saúde, conveniência, às lembranças da família e, também, pela tradição. 4.3 Motivos explicitados relacionados às crenças e valores A partir dos discursos dos entrevistados, observa-se que o consumo alimentar do diaa-dia é determinado por fatores que extrapolam o ato da alimentação em si, ou seja, ultrapassam as funções nutricionais, assumindo assim, uma função social. Nesse sentido, a vida profissional, a composição e os hábitos familiares parecem influenciar o tipo de alimento consumido e a forma como ele é consumido. Nota-se, também, que não existe um padrão definido quanto à forma de se alimentar. O comportamento no horário das refeições varia. Alguns se alimentam sozinhos, em silêncio, se concentrando na comida, já outros, assistindo televisão, “teclando no computador” ou no próprio local onde se desenvolvem suas atividades profissionais. Poucos afirmam que a família mantém o hábito de fazer as refeições em conjunto. 9

“Lá em casa, no almoço, a gente ainda cultua o hábito de almoçar com a família, e conversando, sem dar valor pra televisão ou pro rádio”.

O hábito de se alimentar, reunidos em família, tem sido relevante apenas para uma minoria dos participantes do grupo de discussão. Será que essa reunião familiar durante as refeições tem sido esquecida frente à agitação da vida moderna? Os discursos não evidenciam uma preocupação aparente com esta questão. “Se a família está reunida, claro que eu vou estar na mesa. Mas se for para comer sozinha, eu pôr meu prato e ficar na mesa, não! Aí eu faço outra coisa, como e vejo outra coisa. Eu como e aproveito o tempo também”.

As análises dos discursos permitem dizer que quando se menciona sobre os pratos típicos de sua região, observa-se que os participantes afirmam que não somente o prazer de comer bem está associado ao seu consumo, mas a “ausência de culpa” ao escolher estes alimentos. No que tange aos pratos típicos, observa-se que nem sempre, eles são colocados como alimentos integrantes de uma refeição saudável e balanceada. “Comer bem é sentir prazer de comer. Pode ser um arroz com feijão e um ovo frito, mas tu está gostando de comer aquilo ali”.

“Eu acho que eu não vou me preocupar, porque o meu avô, que vai fazer 88 anos, ele come banha, ele come toucinho, carne gorda: e diz que é desde pequeno”.

“Eu acho que alimentação saudável varia de pessoas pra pessoa. Ele falou que não agüenta comer churrasco três até três vezes por semana. Já, em casa, a gente não come sem carne. Desde que eu me entendo por gente é arroz feijão e um pedaço de costela assada todo dia!”

Nota-se que essa “ausência de culpa” na escolha por alimentos regionais é predominante nas gerações mais velhas, contudo, não é um hábito que se deseja transmitir aos filhos como referência, ou até mesmo, como valor de uma boa refeição. “Eu acho que a fruta não é uma coisa que está no dia a dia da gente. Eu acho que quem come fruta, come por que gosta mesmo, não está ligando com o valor da nossa alimentação (...) Eu passo pro meu filho as necessidades diárias de uma dieta legal. Mas para mim, eu como porque eu gosto”. “Porque o pai e a mãe têm um cuidado: ‘-Ah, não vou comer isso por causa do meu colesterol. Não vou comer isso porque não vai fazer bem pra mim’. Então já entra o que ela falou ali, o cuidado da alimentação”.

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“Você tem que começar desde cedo a alimentar bem (=saudável) para não ter que parar de comer bem (=prazer) quando estiver mais velho”.

O valor atribuído a uma alimentação saudável, está relacionado, sobretudo, na preocupação com a saúde para os mais velhos e com a aparência e a forma física para os mais jovens. Acrescenta-se a isso, a preocupação de transmitir aos mais jovens os valores e o significado de uma alimentação saudável. “É fácil tu comer o que tu gosta, mas não comer com exagero. Quando tu gosta de uma carne gorda, não vai comer dez pedaços de costela porque você gosta! Pô, vou comer um pedacinho só, colocar uma saladinha do lado...Tu está comendo bem e está regulando também na saúde, não é?”

“Eu pratico isso no dia a dia; eu faço uma alimentação balanceada. Eu acho que alimentar não é só pelo prazer. Você tem que ver a necessidade do corpo, e ver o que vai trazer para você de benefício. Então, alimentar bem, eu acho que é você estar bem com o alimento e não só com o teu prazer”.

“Mas eu tento controlar, porque a glicose já começa a se alterar, o colesterol. Então o que eu tenho que fazer? Diminuir o doce, diminuir o sal, a gordura. Então, isso aí, a gente não tem prazer de comer, (...) porque a gente gosta muito de um bife com uma gordurinha, não é?”

Os participantes do segundo grupo de discussão, do consumidor orientado para a saúde, consideram os hábitos alimentares da casa de seus pais poucos saudáveis. Segundo eles, a fartura era um aspecto muito valorizado e as comidas eram pesadas, gordurosas e calóricas. Ademais, consideram essa influência nociva, do ponto de vista da saúde, tendo sido necessário passar por um processo de reeducação para se adaptarem a uma alimentação de qualidade. Sobre isso, observa-se nos discursos dos participantes do segundo grupo, que apenas uma minoria, entre jovens de classe mais alta, declara estar mantendo hábitos alimentares saudáveis apreendidos com a família. Esse fato compreende uma repetição dos padrões, valores e comportamentos apreendidos com os pais, que se convencionou chamar de continuidade. Essa continuidade se deve à transmissão intergeracional de valores, comportamentos e padrões de uma alimentação saudável. “No meu caso, eu acho que veio mesmo desde que eu nasci, a minha família sempre se preocupou com isso, a comida super simples e saudável. Eu não fui criada comendo lasanha, e não sou fã de lasanha; pizza eu como de seis em seis meses. Então, eu acho que tem essa questão também de família. No meu caso, eu acho que foi isso. Muito verde, sabe?”

Se por um lado há a repetição dos padrões alimentares dos pais, por outro, que neste caso, aparece como predominante, apresenta uma ruptura com as tradições e os valores familiares atribuídos à alimentação, ou seja, parece haver uma mudança de valores 11

associados a ela. A esse fato se convencionou chamar de descontinuidade. Essa descontinuidade pode ser produto de mudanças no contexto histórico-social, da economia, das mudanças de paradigmas, de avanços na medicina e da nutrição. Sendo assim, a fartura, a gordura, o açúcar muito valorizados pelos familiares na alimentação, sede lugar à uma alimentação mais saudável e balanceada. “Mas aí é uma questão de cultura. Teve uma época que a alimentação saudável era comer muita comida pesada, gordurosas, em grandes quantidades. (...) Mas se você tivesse já o costume, ou aquela disciplina para poder se educar daquela forma, que isso vai te trazer um benefício futuro, eu acho que seria mais fácil. Porque a gente está acostumado desde o começo com o açúcar, com a gordura. Se eu fosse seguir isso direto da minha família, eu estava no tempo da feijoada, da rabada, da carne sangrando”.

“Quando eu morava com a minha família, eu almoçava, jantava, eu comia toda hora. Tanto que eu era mais gorda a uns seis anos atrás. Porque meu pai sempre foi de fazer muita coisa, fartura, nunca se preocupava em fazer com menos gordura. Era sempre assim, com muita fartura e muita gordura”.

“Eu fui criada com carne de porco, tudo coisa gorda. Porque meu pai gosta muito, e ele tem 93 anos, está vivo até hoje, graças a Deus. Não é coisa light não, nunca foram muito de verduras. Agora eu passei a fazer isso por informações.”

4.4 Mudanças nos hábitos alimentares Uma maneira de manter as tradições de um povo é por meio da preservação e transmissão das receitas regionais (POULAIN, 2004). A partir da repetição das receitas culinárias torna-se possível, identificar se ocorreram mudanças nos hábitos alimentares ao longo do tempo. Uma pequena parcela dos participantes afirma que os alimentos regionais são elaborados, hoje, da mesma forma que no passado, ou seja, não tendo sofrido mudanças ao longo do tempo. Importante ressaltar que uma receita que tenha sofrido alguma “adaptação” não é considerada um “prato típico”, uma vez que este é entendido com uma receita “pura”, original, aquela transmitida dos pais para filhos. “A receita da tataravó é a mesma até hoje”.

Se por um lado, há preservação das receitas tradicionais, por outro, observa-se que mudanças vêm ocorrendo no consumo de alimentos. Isso deve, em parte, pela maior preocupação com a saúde, a entrada de alimentos industrializados no mercado, a própria globalização, que possibilitou o contato com outras culturas, novas formas e elementos da alimentação e a agitação da vida moderna. “O Peter é novo, pode comer de tudo, tudo bem. Na hora que chegar aos 30 anos, começa a pensar um pouquinho. Conforme vai avançando a tua idade, tu vai mudando os

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teus hábitos alimentares. Você vai titrando coisas que prejudicam, coisas que não são boas, vai acrescentando coisas boas...Eu acho que isso muda”.

“Eu gosto muito de salada. Apesar de que na Bahia não se usa tanta salada, mas aqui, eu estando aqui há trinta anos, eu já acostumei. É salada de tudo, é muita couve, muita alface, muito almeirão”.

Também, para os participantes do segundo grupo de discussão houve mudanças nos seus hábitos alimentares nos últimos anos. A justificativa mais comum é a de que, com o avanço da idade, começam as preocupações e o desejo de uma velhice mais saudável; e porque o próprio organismo passa a repelir os “excessos” da juventude. Os principais fatores citados, na tentativa de explicar as mudanças nos hábitos alimentares foram: a vaidade, ou seja, a preocupação com a aparência, e o acesso as informações. Um aspecto que chama a atenção é o de como o jantar tradicional transformou-se em um dos “vilões” da alimentação, sendo responsabilizado por problemas de má digestão, distúrbios no sono e ganho de peso. Ele foi praticamente abolido, nas classes mais altas, sendo substituídos por lanches. Uma minoria mantém o hábito; alguns porque consideram mais saudável. Outros, ainda se sentem culpados por não conseguir evitar o jantar. “Quando chega uma certa idade, assim, você vai passando dos trinta, principalmente falando de mulher que é vaidosa, você já começa a dosar. Eu gosto muito de massa, mas aí, o dia que eu como massa, eu já não entro com arroz e feijão”.

“Você vai chegando a uma certa idade que você tem que mudar seus hábitos mesmo! Porque nem o seu próprio corpo agüenta fazer o que você fazia a algum tempo atrás. Sua alimentação tem que ser uma coisa mais balanceada”.

“Por essas informações, e também por a gente pegar uma idadezinha, então a gente fica com medo de aparecer uma diabete, um colesterol, umas coisas assim. Então eu passei a mudar meus hábitos alimentares. Como muita fruta, muita verdura, mas eu não deixo de comer umas coisinhas de vez em quando não”.

“Eu não tinha esta preocupação até que meu filho começou a engordar demais. Então eu passei a olhar esta questão da alimentação de outra maneira. É preciso ter alimentação saudável, não é a questão de sair comendo tudo, tem que horário”. “Agora depois dos quarenta anos ou antes um pouco, eu passei a não jantar, coisas que as vezes eu fazia, eu não faço mais (...) Porque não me sinto bem, se eu jantar eu não consigo dormir bem. O metabolismo muda”.

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Outro fator que se destaca como motivador das mudanças nos hábitos alimentares dos indivíduos está, também, calcado na ruptura com a herança simbólica recebida. A partir disso, observa-se que os hábitos alimentares dos pais ou dos avós, como já mencionado, não são repetidos por seus descendentes. Sendo assim, dá-se inicio a um novo comportamento, uma nova postura, novos valores que moldam seus hábitos alimentares. “Minha avó adora quiabinho com angu, eu já gosto de uma salada bem colorida, um arroz branco, um bifinho de peito de frango... Não tem coisa melhor para mim”.

5. Considerações Finais Este estudo teve como objetivo entender como se dá a relação entre o indivíduo, o alimento e a cultura, por meio de uma pesquisa qualitativa. Como referencial teórico utilizouse trabalhos realizados na área da Antropologia Social, bem como a análise dos relatórios dos grupos de discussão, para melhor entender como se dá essa imbricada relação. O alimento é considerado não somente fonte de nutrientes e energia, mas é visto como elemento importante da cultura de um povo. O alimento apresenta-se também como uma forma de perpetuar as tradições regionais e principalmente as familiares, sobretudo, para os participantes de origem sulina, onde se observa a transmissão de conhecimentos e receitas entre as gerações. Isso posto, nota-se que há uma continuidade nas práticas alimentares, transmitida entre as gerações para uma minoria dos participantes, onde se destacam os participantes de origem sulina, os quais demonstram grande apego a cultura local e a preocupação com sua perpetuação para as próximas gerações. Este apego à cultura parece ser o elemento que mais contribui com a manutenção da continuidade das práticas e hábitos alimentares. Observa-se nos discursos a importância cultural que o alimento adquire, sobretudo, no tocante aos símbolos, as lembranças da infância, da família, bem como de ocasiões cotidianas e especiais. Sendo assim, o alimento é fonte inesgotável de significados, de valores e sentimentos; elementos esses que variam de uma cultura para outra. Onde, o ato alimentar implica, também, em valoração simbólica (FISCHLER, 2001, p.20). Por isso, alimentos podem ser considerados comestíveis em determinadas sociedades ou, mais precisamente, em um grupo social – e não em outras. O que se come, com quem, quando, como e onde se come: as opções e proibições alimentares são definidas pela cultura. Assim, de acordo com Garine (1987, apud Maciel, 2001, p.4), "O homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence". Isso posto, observa-se que estudar a cultura de uma sociedade é muito mais, do que simplesmente compartilhar da dança, da comida e da bebida, é entender suas raízes, seus comportamentos, suas ideologias e fazer, também, parte dela. A breve reflexão, a que este estudo se propõe, não foi suficiente para compreender como se dá essa importante relação entre o indivíduo, o alimento cultura, mas avança no sentido de estabelecer um link entre o Marketing e as Ciências Sociais, isso por entender que os modelos existentes na área do comportamento do consumidor, que utilizam sobremaneira, de métodos quantitativos de análise, resguardadas suas contribuições, não são suficientes para entender as particularidades existentes nesta imbricada relação. Sendo a cultura o resultado de um conjunto de elementos como valores, crenças, mitos, simbologias, sua mensuração torna-se muito complexa. Sendo assim, as pesquisa qualitativas podem auxiliar na busca profunda das motivações que guiam o comportamento do consumidor de alimentos, a começar pela influência da cultura. Sendo assim, esse estudo contribui com a academia, no sentido de promover um diálogo entre o Marketing e as Ciências Sociais, sobretudo, no que tange ao estudo do 14

comportamento do consumidor, bem como vem incorporar uma nova forma de ver o fenômeno da alimentação. Para as políticas públicas, esse estudo chama a atenção para a questão da alimentação. Observou-se que a reprodução dos hábitos alimentares dos ascendentes está presente em uma pequena parcela dos indivíduos que mantém os mesmos hábitos, como o consumo excessivo de gorduras e açúcares. Sendo assim, devem-se encontrar estratégias que proporcionem o equilíbrio entre a manutenção das tradições culturais por meio da culinária e a manutenção da saúde por meio da mesma. Evitando assim, problemas de saúde pública como hipertensão, obesidade e diabetes. Como contribuição empresarial, este estudo traz a importância que a cultura exerce na escolha dos alimentos a serem consumidos pelos indivíduos. Sendo assim, uma atenção especial à família, a cultura local e aos grupos de referência deve ser dada pelos profissionais de marketing. A partir disso, poderão ser reveladas novas oportunidades de negócio, sobretudo, para as agroindústrias. Como recomendação para estudos futuros, sugere-se que novos fatores que interferem no comportamento do consumidor sejam incorporados na discussão. Assim, Powdermaker (1997) afirma que os estudiosos devem utilizar de abordagens holísticas para compreender os diferentes elementos que compõem a cultura. Nesse sentido, faz-se necessário discutir como funciona a família, a economia, a classe organizadora, o sistema político, a religião com seus benefícios e os valores que o homem possui em relação aos outros homens. Somente dessa maneira será obtido um panorama geral de como se dá a influência da cultura no comportamento do consumidor de alimentos. 6. Referências BUNCHAFT, A. F.; GONDIN, S.M.G. Grupos focais na investigação qualitativa da identidade organizacional: exemplo de aplicação. Rev. Estudos de Psicologia, PUC Campinas, v. 21, n. 2, p. 63-77, 2004. BARDIN, L. Análise de conteúdo, Lisboa , Edições 70, 1977. CASCUDO, C. L. Da. História da alimentação no Brasil, 2 ed. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1983. CASOTTI, L. ET AL. Consumo de Alimentos e Nutrição: dificuldades práticas e teóricas. Revista Cadernos de Debate, uma publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, n. 6, p. 26-39, 1998. CARNEIRO, H. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campus, 2003. CANESQUI, A.M. Antropologia e Alimentação. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 22, n.3, p. 207- 216, 1988. COLAÇO, J. Novidade, variedade e quantidade: os encontros e desencontros nas representações do comer em praças de alimentação em shopping-centers. Mneme. Revista Virtual de Humanidades, n. 9, v. 3, jan./mar., 2004. Disponível em: http://www.seol.com.br/mneme/ed9/052.pdf Acesso em: 28 Fev. 2007. DAMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984. DEMO, P. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994. FRANCO, A.L.P.B. Análise de Conteúdo, 2 ed. Líber Livro: Brasília, 2005. 15

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