1 o texto hebraico dos profetas posteriores - PUCPR

Outra finalidade desta comunicação é expor e debater os diversos tipos de dificuldades textuais inerentes ao texto bíblico hebraico de tradição massor...

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Anais do V Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade” ISSN:2175-9685

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O TEXTO HEBRAICO DOS PROFETAS POSTERIORES: APONTAMENTOS GERAIS SOBRE DIFICULDADES TEXTUAIS Edson de Faria Francisco. Pós-doutor em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP). Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). [email protected]/[email protected]. ST 16 - TRADUÇÃO DA BÍBLIA NO BRASIL.

Resumo: A presente comunicação é dedicada a apresentar e discutir algumas situações de dificuldades textuais no texto bíblico hebraico que foram encontradas durante a atual produção do Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português, vol. 3: Profetas Posteriores (ATI) (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, futura publicação), a atual plublicação acadêmica deste autor. Além da tradução interlinear e literal, o ATI possui um capítulo intitulado “Dificuldades Textuais”, no qual são selecionadas e explicadas várias ocorrências de problemática gramatical, textual, redacional e lexicográfica no texto dos Profetas Posteriores. Nesta comunicação serão apresentados alguns exemplos de palavras e expressões que são de difícil tradução e que tem requerido pesquisa em vários dicionários e léxicos dedicados ao hebraico bíblico, além de obras destinadas, especificamente, à crítica textual da Bíblia Hebraica. Esta breve exposição apresentará, mesmo que em forma resumida, os casos selecionados que constarão no capítulo “Dificuldades Textuais” do futuro terceiro volume do ATI, seguindo a sequência dos livros do bloco dos Profetas Posteriores da Bíblia Hebraica. As várias ocorrências, aqui selecionadas e explanadas, revelam diversos tipos de dificuldades textuais: palavras e expressões de significado desconhecido, vocábulos de significação duvidosa, trechos que mostram problemas gramaticais, segmentos que possuem sintaxe complexa e palavras e expressões que revelam problemas redacionais. A comunicação almeja apresentar para os pares acadêmicos as várias ocorrências de problemas textuais encontrados no terceiro volume do ATI e as soluções que foram tomadas, pelo menos por hora, na referida obra. Espera-se que tais apontamentos possam ser úteis, de alguma maneira, para todos aqueles que trabalham com tradução da Bíblia no Brasil. Outra finalidade desta comunicação é expor e debater os diversos tipos de dificuldades textuais inerentes ao texto bíblico hebraico de tradição massorética e as soluções baseadas em fontes bibliográficas que se mostraram plausíveis. Palavras-chave: Bíblia Hebraica, hebraico, tradução, crítica textual, Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português (ATI).

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Nesse texto são apresentadas e comentadas, de maneira muito breve, algumas situações que são registradas no capítulo “Dificuldades Textuais”, do futuro terceiro volume do Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português, vol. 3: Profetas Posteriores (ATI). Em Isaías 3.16 é registrada a seguinte expressão:  (hebr. e com os pés deles). Essa locução possui sufixo pronominal masculino plural (─). Porém, pelo contexto do versículo, a mencionada locução deveria ter sufixo pronominal feminino plural (─), devendo ter, teoricamente, a redação  (hebr. e com os pés delas), pois se refere ao trecho  (hebr. as filhas de Sião). Confirmando tal hipótese, o manuscrito 1QIsa registra a seguinte redação:  (hebr. e com os pés delas) (cf. Ulrich, 2010, p. 336). Esta variante textual possui a forma alongada do sufixo pronominal feminino plural (─). Nesse caso, há uso inusitado de um sufixo pronominal masculino plural no texto bíblico hebraico de tradição massorética em palavra que se refere a um vocábulo pertencente ao gênero feminino (, hebr. filhas de). No ATI é levada em consideração a redação que é registrada no Texto Massorético, apesar da questão gramatical inesperada, que é comentada no capítulo “Dificuldades Textuais”. Em Jeremias 7.18 é encontrada a locução    (hebr. à rainha dos céus). A problemática textual é em relação ao vocábulo  (hebr. rainha) que é de complexa tradução. Em dicionários de hebraico bíblico, tal unidade lexical seria referente a determinadas divindades femininas, como Istar (babilônica), Astarte (cananita) ou Isis (egípcia). Alguns hebraístas apresentam duas possibilidades principais de interpretação: 1. a lexia seria distorção da palavra  (hebr. rainha de) e 2. a lexia deveria ser entendida como  (hebr. obra de, culto de) (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 573; Koehler e Baumgartner, 2001, p. 593; Clines, 2009, p. 224; Alonso Schökel, 2004, p. 380; Holladay, 2010, p. 281; Kirst et alii, 2014, p. 129). Na Septuaginta a palavra é vertida como  (gr. exército, tropa), nas versões gregas de Áquila, Símaco e Teodocião é traduzida como  (gr. rainha), na Vulgata é vertida como regina (lat. rainha) e no Targum de Jônatas ben Uziel é traduzida como  (aram. o planeta Vênus). Nesse caso, não há concenso entre os hebraístas e nem entre as versões bíblicas clássicas sobre a definitiva tradução/interpretação da unidade lexical  que se encontra em Jeremias 7.18. Geralmente, a acepção como rainha é encontrada na maioria dos dicionários de hebraico bíblico, apesar da dúvida da sua real significação. No ATI é acatada a acepção que se encontra na maioria das obras lexicográficas dedicadas ao hebraico bíblico. Todavia, a questão dos possíveis significados da palavra agora em destaque é abordada no capítulo “Dificuldades Textuais”. Na passagem de Ezequiel 37.8, é registrada a locução verbal   (hebr. e esticou). De acordo com a vocalização do Texto Massorético, a expressão verbal pertence à raiz verbal , na conjugação qal, estando no aspecto verbal wayyiqtol. Alguns hebraístas cogitam que a mencionada locução verbal deveria ser vocalizada como  (hebr. e foi esticada), na conjugação nifal, estando também no aspecto verbal wayyiqtol (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 901; Koehler e Baumgartner, 2001, p. 1144; Holladay, 2010, p. 462). Então, o trecho deveria ter, hipoteticamente, a seguinte redação:   (hebr. e foi esticada sobre eles pele). Nesse caso, há dúvidas entre os hebraístas em relação à locução verbal em Ezequiel 37.8 que deveria ser lida como voz simples, ação ativa (qal) ou como voz simples, mas ação passiva (nifal). No ATI a vocalização do Texto Massorético é considerada e as conjecturas dos hebraístas são apresentadas e comentadas no capítulo “Dificuldades Textuais”.

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Em Oseias 3.2 é encontrada a locução (hebr. e léteque de). A unidade lexicográfica  (hebr. leteque) denota uma medida de capacidade de significado incerto, além de ser um hapax legomenon. Alguns hebraístas sugerem que seria uma medida de capacidade de secos que abrangeria, supostamente, 115 litros, outros cogitam que abarcaria 225 litros. Os hebraístas divergem entre si em relação à definição exata do citado item lexical, fornecendo as seguintes acepções, mas sempre com algum grau de insegurança: medida de capacidade; medida de capacidade correspondente a 115 litros; medida de secos com cerca de 200 litros e medida de cevada correspondente a meio coro e a meio hômer (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 547; Koehler e Baumgartner, 2001, p. 537; Alonso Schökel, 2004, p. 349; Holladay, 2010, p. 253; Kirst et alii, 2008, p. 112). Outros hebraístas, percebendo a dificuldade de fornecerem alguma definição, mesmo que hipotética, apenas fornecem transliteração para o item lexical em destaque, o transliterando como leteque (cf. Clines, 2009, p. 198; Jastrow, 2005, p. 720). Por causa do grau de incerteza em se obter tradução exata ou pelo menos aproximada, no ATI optou-se por adotar transliteração para a unidade lexical em relevo, tendo como respaldo Clines e Jastrow. Em Oseias 7.11 e 8.9 constam as expressões  (hebr. a Assíria andam) e  (hebr. subiram a Assíria), porém, tais locuções apresentam problemas de ordem textual. Pelo contexto de Oseias 7.11, o topônimo deveria ter o sufixo he locale e a locução deveria ser redigida como  (hebr. para a Assíria andam) e pelo contexto de Oseias 8.9, o mesmo topônimo também deveria ter o citado sufixo gramatical e a expressão deveria ser redigida como  (hebr. subiram para a Assíria). A mesma situação acontece com o topônimo    (hebr. Egito) em Oseias 8.13, 9.3 e 9.6 em que, pelo contexto de tais versículos, o referido topônimo deveria ter o sufixo he locale, sendo redigido como   (para o Egito). No ATI, as leituras registradas no texto bíblico hebraico de tradição massorética são traduzidas literalmente e a complexidade textual das mesmas é comentada no capítulo “Dificuldades Textuais”. Na passagem de Oseias 10.5 há problemática de ordem textual e todo o versículo apresenta redação muito complexa. A dificuldade maior é em relação à primeira expressão do verso:   (hebr. por causa das bezerras de Bete-Avén). A palavra   (hebr. bezerras de) está em estado construto plural e de gênero feminino. Entretanto, no restante do versículo constam vocábulos e preposições com sufixo masculino singular (dele) em referência ao vocábulo  (hebr. bezerras de):  (hebr. por causa dele),  (hebr. e os sacerdotes de ídolos dele),  (hebr. por causa da glória dele) e  (hebr. dele). Pelo contexto de todo o versículo, a palavra deveria ser  (hebr. bezerro de), palavra em estado construto singular e de gênero masculino. Na Septuaginta, o vocábulo  (hebr. bezerras de), que inicia o versículo, é traduzido como  (gr. ao bezerro), item lexical de gênero masculino e estando no singular e as palavras e os pronomes ao longo do verso concordam com ele:  (gr. dele),  (gr. sobre ele),  (gr. o [ele]),  (gr. sobre a glória dele) e  (gr. dele). No ATI, a redação registrada no Texto Massorético é traduzida literalmente e a complexidade textual é comentada no capítulo “Dificuldades Textuais”. Em Joel 1.4 e em 2.25 constam as seguintes quatro palavras:  (hebr. locusta larva),    (hebr. locusta migratória),  (hebr. locusta serpeante) e  (hebr. locusta devoradora). Esses itens lexicográficos não são de significação totalmente clara. De acordo com alguns hebraístas, tais unidades lexicográficas indicariam fases do desenvolvimento biológico da locusta (gafanhoto) durante a sua existência e tais vocábulos denotam inseto que pertence à família dos acridídeos. Determinados doutos cogitam que seriam espécies diferentes de locusta. Outros eruditos

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supõem que tais unidades lexicais seriam possíveis formas dialetais hebraicas que designariam o mesmo tipo de inseto. Nos dicionários de hebraico bíblico, as seguintes quatro definições, quase sempre genéricas, são propostas pelos hebraístas: gafanhoto, lagarta; gafanhoto; gafanhoto e gafanhoto (também barata?); gafanhoto (gafanhoto migratório ou do deserto); gafanhoto (melhor lagarta?); gafanhoto e gafanhoto ou barata?; gafanhoto; gafanhoto, agridiano; gafanhoto ou acrídeo e acrídeo; locusta; um tipo de locusta; um tipo de locusta e um tipo de locusta; locusta, preferivelmente lagarta; locusta migratória; locusta (uma locusta serpeante, mas sem asas) e locusta ou barata e locusta, isto é, larva, lagarta; locusta; locusta e locusta (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 160, 340, 410 e 916; Koehler e Baumgartner, 2001, p. 83, 187, 337 e 413; Clines, 2009, p. 31, 65, 126 e 154; Alonso Schökel, 2004, p. 74, 137, 236 e 279; Holladay, 2010, p. 35, 80, 158 e 192; Kirst et alii, 2014, p. 17, 40, 73 e 89). No ATI, foi aceita a conjectura de que as quatro unidades lexicais indicariam fases do desenvolvimento biológico da locusta, optando-se por traduzi-las como locusta larva, locusta migratória, locusta serpeante e locusta devoradora, tendo como base, mas parcialmente, Koehler e Baumgartner e Clines (cf. Koehler e Baumgartner, 2001, p. 83, 187, 337 e 413; Clines, 2009, p. 31, 65, 126 e 154). Em Amós 6.12, o Texto Massorético registra a leitura  (hebr. com os bois?). A expressão apresentaria problemas textuais, segundo determinados eruditos. De acordo com Tov, a locução deveria ter a seguinte redação:     (hebr. com boi [o] mar?) (cf. Tov, 2012, p. 331). Tal asserção indica que a referida leitura é para ser combinada com o seguimento precedente que diz  (hebr. acaso correm no rochedo cavalos?). Würthwein argumenta que o texto bíblico de tradição massorética teria efetuado junção errônea de duas palavras em uma única apenas, transformando     (hebr. com boi [o] mar?) em    (hebr. com os bois?) (cf. Würthwein, 1995, p. 110). Porém, outros eruditos questionam tal suposição. Gelston comenta que as leituras registradas nas antigas versões bíblicas não evidenciam a hipotética separação da locução  (hebr. com os bois?) em duas palavras separadas e argumenta, ainda, que a conjectura     (hebr. com boi [o] mar?), que é amplamente aceita por estudiosos, deve ser examinada com cautela (cf. Gelston, 2010, p. 85*). No ATI, a mencionada locução é vertida literalmente, de acordo com o Texto Massorético, e a mencionada conjectura, que é proposta por determinados hebraístas, é explicada no capítulo “Dificuldades Textuais”. No trecho de Miqueias 4.8 encontra-se a frase  (hebr. o reino de da filha de Jerusalém). A expressão apresenta redação gramaticalmente inesperada. Em termos gramaticais, o primeiro componente está em estado construto singular e não seria necessário a presença da preposição inseparável no segundo componente da locução (─  ). Teoricamente, a redação da locução poderia ter duas maneiras possíveis: 1.  (hebr. reino da filha de Jerusalém) ou 2.  (hebr. o reino de a filha de Jerusalém). No ATI a tradução reflete o que está realmente no texto bíblico hebraico de tradição massorética e a problemática gramatical é comentada no capítulo “Dificuldades Textuais”. Na passagem de Miqueias 7.19 consta a locução verbal  (hebr. e lançarás) e que revela um problema de ordem textual. Tal forma verbal é a segunda pessoa masculina singular, no tempo imperfeito, na conjugação hifil, da raiz verbal  (lançar, jogar fora, arremessar, rejeitar [hifil]). Teoricamente, a forma verbal em destaque deveria ser da terceira pessoa masculina singular, no tempo perfeito, com a conjunção waw, sendo redigida como  (hebr. e lançará). Tal forma verbal coincidiria com todos os itens verbais do versículo que se referem à terceira pessoa masculina singular:  (hebr. retornará) e  (hebr. subjugará). No ATI a redação que

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se encontra no Texto Massorético é levada em consideração e as conjecturas dos hebraístas são apresentadas e comentadas no capítulo “Dificuldades Textuais”. Em Naum 3.6 e em Zacarias 9.7 consta as locuções   (hebr. objetos sacros repugnantes, cf. Na 3.6) e    (hebr. e os alimentos sacros repugnantes dele, cf. Zc 9.7). O vocábulo   é de difícil tradução no contexto das duas passagens bíblicas e as seguintes acepções possíveis são encontradas nos diversos dicionários de hebraico bíblico: algo abominável (relacionado com culto pagão); objeto abominável depreciativo atribuído aos ídolos; coisa detestável, podendo ser algum alimento impuro relacionado com ídolos; algum objeto imundo ou algum alimento impuro para ser abominado (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 1055; Koehler e Baumgartner, 2001, p. 1640; Alonso Schökel, 2004, p. 690-691; Holladay, 2010, p. 543; Kirst et alii, 2014, p. 260). Clines conjectura que possa ser alimento impuro, para o trecho de Zacarias 9.7, e imundícia para a passagem de Naum 3.6 (cf. Clines, 2009, p. 478). No contexto de Naum 3.6 a unidade lexical deve denotar algum objeto repugnante não identificável relacionado com a religião e na passagem de Zacarias 9.7 deve significar algum alimento considerado repugnante não identificável, sendo também relacionado com a religião. Em outros contextos, como o de Deuteronômio 29.16, a unidade terminológica em destaque significa ídolo repugnante. Por causa do grau de incerteza em se obter tradução exata ou pelo menos aproximada do vocábulo , no ATI optouse por adotar acepção de objeto sacro repugnante, para Naum 3.6, e alimento sacro repugnante para Zacarias 9.7, tendo como respaldo a maioria das obras dicionarísticas dedicadas ao hebraico bíblico mencionadas neste tópico. Tal problemática de ordem lexicográfica é comentada no capítulo “Dificuldades Textuais”. No trecho de Habacuque 3.1 é encontrada a unidade lexical  (hebr. shiguionote) que é de significado desconhecido. Tal item lexicográfico é um termo técnico que denota determinado tipo específico de cântico litúrgico, constando apenas duas vezes no texto bíblico hebraico (cf. Hb 3.1 e Sl 7.1) (cf. Even-Shoshan, 1997, p. 1114). As seguintes informações são encontradas em alguns dicionários de hebraico bíblico: intercessão por inadvertências; sobrecrito obscuro; lamento?; nênia? (cf. Alonso Schökel, 2004, p. p. 658; Holladay, 2010, p. 513; Kirst et alii, 2014, p. 244). Clines fornece três possibilidades: canção de êxtase, canção de lamentação e canção de excitamento (cf. Clines, 2009, p. 449). Brown, Driver e Briggs, não fornecendo nenhuma alternativa para tradução, comentam que a palavra é duvidosa, mas que denota determinada canção apaixonada com rápidas mudanças de rítmo (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 993). Koehler e Baumgartner, também não fornecendo nenhuma opção possível para tradução, informam que a lexia é de etimologia e de significado incertos, sendo um termo técnico para um tipo de canção cúltica (cf. Koehler e Baumgartner, 2001, p. 1414). Por causa do grau de incerteza em se obter tradução exata ou pelo menos aproximada, no ATI optou-se por adotar transcrição em letras latinas para o item lexicográfico em relevo. Na referida obra, optou-se pela transliteração simplificada da unidade lexical como shiguionote, seguindo a norma da língua portuguesa para aquelas palavras e nomes de procedência hebraica, tais como Isaque, Baruque, Mesaque, Elate, Talmude etc. No trecho de Sofonias 1.5 é registrada a locução  (hebr. pelo rei deles), que revela problemática de ordem textual. A questão aqui é de vocalização do texto bíblico hebraico de tradição massorética. Alguns hebraístas sugerem que a expressão é para ser lida como por Milcom, a deidade dos amonitas e não como pelo rei deles. O mesmo problema textual é encontrado, igualmente, em 2Samuel 12.30, em Jeremias 49.1,3 e em 1Crônicas 20.2. O texto bíblico hebraico de tradição massorética fez a leitura da locução  como  (hebr. pelo rei deles) e não

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como  (hebr. por Milcom). Na passagem de Sofonias 1.5, a Septuaginta, concordando com a redação que se encontra no Texto Massorético, verte a expressão  (hebr. pelo rei deles) como  (gr. pelo rei deles). A Vulgata, ao contrário, traduz a locução como in Melchom (lat. em Milcom). Gelston informa que a leitura  (hebr. por Milcom) é atestada pelas versões gregas de Áquila, Símaco e Teodocião, sendo mais apropriada do que a leitura  (hebr. pelo rei deles) do Texto Massorético (cf. Gelston, 2010, p. 126*-127*). A situação da redação  (hebr. o rei deles) que deveria ser lida como  (hebr. Milcom) é citada também por Brown, Driver e Briggs, por Koehler e Baumgartner e por Alonso Schökel (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 575-576; Koehler e Baumgartner, 2001, p. 593; Alonso Schökel, 2004, p. 760). No ATI encontra-se tradução literal, obedecendo a vocalização massorética e a problemática textual é exposta e explanada no capítulo “Dificuldades Textuais”. Em Malaquias 2.12 é registrada a expressão  (hebr. protetor e o que responde), sendo que a lexia  apresenta dificuldades lexicográficas e textuais. Brown, Driver e Briggs, Alonso Schökel, Holladay e Kirst et alli a vinculam à raiz verbal  (I, II ou III, de acordo com cada obra) (hebr. despertar [qal]), como particípio ativo masculino singular, podendo ser traduzido como o que desperta (cf. Brown, Driver e Briggs, 1996, p. 734; Alonso Schökel, 2004, p. 485; Holladay, 2010, p. 380; Kirst et alli, 2014, p. 176). Even-Shoshan também a relaciona à raiz verbal  (hebr. despertar [qal]) em sua concordância (cf. Even-Shoshan, 1997, p. 844). Jastrow, igualmente, registra tal lexia no hebraico rabínico, a ligando à raiz verbal  (hebr. despertar [qal]) (cf. Jastrow, 2005, p. 1057). Apenas Koehler e Baumgartner e Clines fazem o registro do referido vocábulo como item lexicográfico independente. Koehler e Baumgartner definem a palavra como protetor, a conectando à raiz verbal  (hebr. proteger [qal]). Clines conceitua a citada unidade lexical como 1. protetor e 2. nômade, vagabundo, sendo que a primeira acepção é relacionada à raiz verbal I  (hebr. proteger [qal]) (cf. Koehler e Baumgartner, 2001, p. 876; Clines, 2009, p. 342). Todavia, tal raiz verbal não é registrada no texto bíblico hebraico. O manuscrito 4QXIIa registra a palavra como  (hebr. testemunha) (cf. Ulrich, 2010, p. 623). A conjectura para que a palavra seja lida como  (hebr. testemunha) em lugar de (hebr. protetor) aparece nos aparatos críticos da BHK e da BHS. Gelston argumenta que as dificuldades em relação à locução em Malaquias 2.12 são mais exegéticas do que textuais, entretanto, não fornece maiores explicações sobre tal assunto (cf. Gelston, 2010, p. 150*). No ATI, adotou-se a opção como protetor, tendo como base Koehler e Baumgartner e Clines, apesar de que tal alternativa não seja totalmente livre de incerteza. As explicações adicionais sobre tal problemática de ordem lexicográfica e textual são desenvolvidas com mais informações no capítulo “Dificuldades Textuais”. Concluindo este breve estudo sobre determinadas situações de complexidade textual do texto bíblico hebraico dos Profetas Posteriores, pode-se argumentar que o tradutor terá de ter consciência de que nem sempre toda a problemática de ordem textual, gramatical, redacional e lexicográfica da Bíblia Hebraica será resolvida de maneira plena ou definitiva e que haverá sempre algum grau de incerteza nas opções de tradução que forem adotadas. Tal situação pode ser verificada, igualmente, nas traduções clássicas da Bíblia, como a Septuaginta, a Vulgata, o Targum, a Peshitta, a Vetus Latina, entre outras, pois na época em que estas foram produzidas, os tradutores não dispunham dos modernos recursos bibliográficos para se fazer tradução. Espera-se que esta concisa comunicação possa ser útil, de alguma maneira, para todos aqueles que se dedicam ao complexo, mas desafiador processo de tradução do texto bíblico hebraico de tradição massorética para a língua portuguesa.

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