MATERIAL DE APOIO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
2013.2 Apostila 02 Direito das Obrigações Teoria do Pagamento PROF.: PABLO STOLZE GAGLIANO
1. Teoria do Pagamento O pagamento traduz o adimplemento voluntário da obrigação. Dar, fazer e não fazer são manifestações do pagamento. Compõe-se o pagamento de três elementos fundamentais:
a) o vínculo obrigacional: trata-se da causa (fundamento) do pagamento; não havendo vínculo, não há que se pensar em pagamento, sob pena de caracterização de pagamento indevido; b) o sujeito ativo do pagamento: o devedor, que é o sujeito passivo da obrigação; c) o sujeito passivo do pagamento: o credor, que é o sujeito ativo da obrigação.
Para ser eficaz, o pagamento deverá observar determinadas condições: Condições Subjetivas do Pagamento (Quem Deve Pagar, A Quem se Deve Pagar). Temos, ainda, as Condições Objetivas do Pagamento (Objeto do Pagamento e Sua Prova, Lugar do Pagamento, Tempo do Pagamento).
Veremos, em sala de aula, detalhadamente, esses requisitos.
Além do pagamento natural, cujas condições indicamos acima, temos ainda as formas especiais de pagamento1:
a)
consignação em pagamento;
b)
pagamento com sub-rogação;
c)
imputação do pagamento;
d)
dação em pagamento;
e)
novação;
f)
compensação;
g)
transação;
h)
compromisso (arbitragem);
i)
confusão;
j)
remissão.
Devem ser analisadas, no decorrer do nosso curso, as principais formas especiais2 (ressalvando as que integram outras grades do LFG), com investigação da posição jurisprudencial relevante para concurso, que será objeto da nossa próxima apostila.
2. Teoria do Adimplemento Substancial (“substantial performance”)
A doutrina do adimplemento substancial sustenta que não se deve considerar resolvida a obrigação quando a atividade do devedor, posto não haja sido perfeita ou atingido plenamente o fim proposto, aproxima-se consideravelmente do seu resultado final. Para que haja o adimplemento substancial, lembra-nos Daniela Minholi, devem-se observar os seguintes requisitos: “a proximidade entre o efetivamente realizado e o que estava previsto no
1
Serão vistas, aqui, no Intensivo I, dentre estas, as principais formas. A Consignação em Pagamento (estudada principalmente como “procedimento especial” do CPC), a transação (tratada como forma contratual no CC) e a Arbitragem não integram a nossa grade. 2 Aula a ser ministrada neste semestre pelo amigo Prof. André Barros.
contrato; que a prestação imperfeita satisfaça os interesses do credor e o esforço e a diligência do devedor e adimplir integralmente“.3 Trata-se, de fato, em nosso sentir, de uma aplicação do princípio da boa-fé objetiva, com especial incidência nos contratos de seguro, conforme observa JOSÉ VIANNA: “Nesse contexto, se ínfimo, insignificante ou irrisório o ‘descumprimento’ diante do todo obrigacional não há de se decretar a resolução do contrato, de maneira mecânica e autômata, sobretudo se isso conduzir à iniqüidade ou contrariar os ideais de Justiça. O adimplemento substancial atua, portanto, como instrumento de eqüidade diante da situação fático-jurídica subjacente, permitindo soluções razoáveis e sensatas, conforme as peculiaridades do caso. A ‘Teoria do Adimplemento Substancial’ tem sido aplicada, com freqüência, em contratos de seguro. Suponha-se um contrato desta natureza, firmado pelo prazo de um ano, em que se convencionou o pagamento do prêmio em 12 (doze) parcelas mensais. Assim, se o sinistro ocorreu no 11º mês, ocasião em que o segurado se encontrava em atraso quanto à prestação correspondente, não é razoável a negativa da indenização pela seguradora, mesmo que se invoque o art. 763, do CC/02, que contém a seguinte redação: "Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação." Em casos tais, antes de se recorrer à interpretação literal de dispositivos legais ou contratuais, é preciso aquilatar o contrato em toda sua extensão; o comportamento das partes no decurso do vínculo; os efetivos e reais prejuízos, de parte a parte; a natureza e a finalidade do negócio; o número das prestações pagas etc. Somente desta forma, poder-se-á avaliar se, de fato, houve descumprimento real, e não meramente formal, do contrato. A não ser assim, corre-se o risco de se chancelar, por via oblíqua, interpretações que ofendam ao bom senso e conduzam ao absurdo, o que colide com preceitos de hermenêutica. Atenta a isso, a jurisprudência, sensível à temática, e não se deixando seduzir por regras que possam conduzir à iniqüidade, tem adotado uma postura mais flexível. Observe-se: Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. 3
MINHOLI, Daniela Collesi. A doutrina do adimplemento substancial e sua recepção pelo Direito brasileiro. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 19 mar. 2008. Acessado em 02 de abril de 2010.
Recurso não conhecido. (STJ – REsp 272739 / MG – Min. Ruy Rosado de Aguiar – 4ª Turma – DJ 02.04.2001 p. 299)”. Fonte: VIANNA, José Ricardo Alvarez. Adimplemento substancial . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1897, 10 set. 2008. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2008.
Nessa mesma linha:
Civil. Art. 1450 do Código Civil. Inadimplemento de contrato de seguro. Falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio. Indenização indevida pelo sinistro ocorrido durante o prazo de suspensão do contrato, motivada pela inadimplência do segurado. - A falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio é justificativa suficiente para a não oneração da companhia seguradora que pode, legitimamente, invocar em sua defesa a exceção de suspensão do contrato pela inadimplência do segurado. - Apenas a falta de pagamento da última prestação do contrato de seguro pode, eventualmente, ser considerada adimplemento substancial da obrigação contratual, na linha de precedentes do STJ, sob pena de comprometer as atividades empresariais da companhia seguradora. (REsp 415.971/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/05/2002, DJ 24/06/2002 p. 302)
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Deferimento liminar. Adimplemento substancial. Não viola a lei a decisão que indefere o pedido liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora. Recurso não conhecido. (REsp 469.577/SC, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 05/05/2003 p. 310) E ainda no STJ:
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO (LEASING). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEIS PARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. AÇÃO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITO REMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título. 5. Recurso especial não conhecido. (REsp 1051270/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2011, DJe 05/09/2011)
DIREITO CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE PECÚLIO POR MORTE. NATUREZA DO CONTRATO. SEGURO DE VIDA. SEMELHANÇA. MORA DO CONTRATANTE. CANCELAMENTO AUTOMÁTICO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO. JURISPRUDÊNCIA FIRME DA SEGUNDA SEÇÃO. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. APLICABILIDADE. TENTATIVA DE PURGAÇÃO DA MORA ANTES DO FATO GERADOR (SINISTRO). RECUSA DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA. CONDUTA DO CONSUMIDOR PAUTADA NA BOA-FÉ. RELEVÂNCIA. PAGAMENTO DEVIDO. 1. O contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte se assemelha ao seguro de vida, podendo também as normas aplicáveis às sociedades seguradoras estender-se, no que couber, às entidades abertas de previdência privada (art. 73, LC n. 109/2001).
2. Portanto, à pretensão de recebimento de pecúlio devido por morte, aplica-se a jurisprudência da Segunda Seção relativa a contratos de seguro, segundo a qual "o mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação" (REsp 316.552/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, julgado em 9/10/2002, DJ 12/4/2004, p. 184). 3. Ademais, incide a teoria do adimplemento substancial, que visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 4. No caso, embora houvesse mora de 90 (noventa) dias no pagamento da mensalidade do plano, antes da ocorrência do fato gerador (morte do contratante) tentou-se a purgação, ocasião em que os valores em atraso foram pagos pelo de cujus, mas a ele devolvidos pela entidade de previdência privada, com fundamento no cancelamento administrativo do contrato ocorrido 6 (seis) dias antes. 5. Com efeito, depreende-se que o inadimplemento do contrato - a par de ser desimportante em face do substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior - não pode ser imputado exclusivamente ao consumidor. Na verdade, o evitável inadimplemento decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida - entidade de previdência e seguros - em não receber as parcelas em atraso, antes mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação recíproca que são essenciais à harmonização das relações civis. 6. A entidade de previdência obstou a purgação da mora por motivo injustificado, antes mesmo da ocorrência do fato gerador, somando-se a isso a inequívoca conduta pautada na boa-fé do consumidor, por isso incabível a negativa de pagamento do pecúlio depois de verificada morte do contratante. Incidência do art. 21, § 3º, da Lei n. 6.435/77. 7. Recurso especial provido. (REsp 877.965/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 01/02/2012)
Recentemente, noticiário do STJ cuidou de analisar a teoria do adimplemento substancial, passando em revista posições da Corte: 09/09/2012 - 08h00 ESPECIAL Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor
Como regra geral, se houver descumprimento de obrigação contratual, “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”, conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil (CC). Entretanto, a doutrina e a jurisprudência têm admitido o reconhecimento do adimplemento substancial, com o fim de preservar o vínculo contratual. Segundo a teoria do adimplemento substancial, o credor fica impedido de rescindir o contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo devedor; porém, não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo ajuizar ação de cobrança para tanto. Origem A substancial performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”. Embora não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa. De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial. Boa-fé O princípio da boa-fé, que exige das partes comportamento ético, baseado na confiança e na lealdade, deve nortear qualquer relação jurídica. De acordo com o artigo 422 do CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Segundo Paulo de Tarso Sanseverino, “no plano do direito das obrigações, a boa-fé objetiva apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se exige de todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”. No julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.202.514, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, afirmou que uma das funções do princípio é limitar o exercício de direitos subjetivos. E a essa função aplica-se
a teoria do adimplemento substancial das obrigações, “como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais”. No caso objeto do recurso, Indústrias Micheletto e Danilevicz Advogados Associados firmaram contrato de serviços jurídicos, que previa o pagamento de prestações mensais, reajustáveis a cada 12 meses. Durante os seis anos de vigência contratual, não houve nenhuma correção no valor das parcelas. A contratada optou por renunciar ao reajuste, visando assegurar a manutenção do contrato. Entretanto, no momento da rescisão, exigiu o pagamento retroativo da verba. Nancy Andrighi explicou que nada impede que o beneficiado abra mão do reajuste mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Nessa hipótese, haverá redução da obrigação pela inércia de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito, “criando para a outra a sensação válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”, disse. Por isso, o princípio da boa-fé tornou inviável a pretensão da firma de advocacia de exigir valores a título de correção monetária, pois frustraria uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual, explicou Andrighi. Função social Para o ministro Luis Felipe Salomão, o contrato deixou de servir somente para circulação de riquezas: “Além disso – e principalmente –, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade.” “Diante da crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares”, disse o ministro, no julgamento do REsp 1.051.270. BBV Leasing Brasil ajuizou ação de reintegração de posse contra um cliente, em razão da falta de pagamento de cinco das 36 parcelas devidas em contrato para aquisição de automóvel. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, a empresa recorreu ao STJ. Salomão entendeu que a teoria do adimplemento substancial deveria ser aplicada ao caso, visto que o cliente
teria pagado 86% da obrigação total, além de R$10.500 de valor residual garantido (VRG). De acordo com o relator, a parcela da dívida não paga não desaparecerá, “o que seria um convite a toda sorte de fraudes”, porém o meio de realização do crédito escolhido pela instituição financeira deverá ser adequado e proporcional à extensão do inadimplemento – “como, por exemplo, a execução do título”, sugeriu. Ele explicou que a faculdade que o credor tem de rescindir o contrato, diante do inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, principalmente quando houver desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no recurso julgado. Carretas Caso semelhante foi analisado também pela Terceira Turma, em junho deste ano. Inconformada com o débito de seis parcelas, do total de 36, correspondentes a contrato cujo objeto eram 135 carretas, a empresa Equatorial Transportes da Amazônia ajuizou ação de reintegração de posse contra Costeira Transportes e Serviços. No REsp 1.200.105, a Equatorial pediu a extinção do contrato, sustentando que o fato de faltar apenas um quinto do valor a ser quitado não servia de justificativa para o inadimplemento da outra contratante. O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à Costeira e aplicou a teoria do adimplemento substancial. “Tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, limita-se esse direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma iniquidade”, disse. Ele afirmou que, atualmente, o fundamento para aplicação da teoria é o artigo 187 do CC. De acordo com o dispositivo, o titular de um direito que o exerce de forma a exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, comete ato ilícito. Na hipótese, Sanseverino explicou que o credor poderá exigir seu crédito e até indenização, mas não a extinção do contrato. Imóvel rural Em agosto deste ano, a Terceira Turma reconheceu o adimplemento substancial de um contrato de compra e venda, cujo objeto era um imóvel rural. Do valor da dívida, R$ 268.261, o comprador deixou de pagar, à época do vencimento, apenas três parcelas anuais, que totalizavam R$ 26.640. Esse valor foi quitado
posteriormente. “Se o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”, afirmou o ministro Massami Uyeda (AREsp 155.885). Enriquecimento ilícito Quando o comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. Esse foi o entendimento da Quarta Turma, ao julgar o REsp 761.944. Planec Planejamento Educacional firmou contrato de compra e venda com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) para aquisição de um imóvel, localizado em Águas Claras (DF). A cláusula relativa ao pagamento previa que 30% do valor do imóvel deveriam ser pagos a título de sinal. O tribunal estadual considerou que o comprador, por ter dado causa à rescisão contratual, não tinha direito ao ressarcimento de parte substancial do valor pago ao vendedor. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso especial, entendeu que o acórdão deveria ser reformado. Para o ministro, o pagamento inicial do valor devido deixa de ser caracterizado como sinal quando representa adimplemento de parte substancial da dívida. “Assim sendo, é incabível a retenção de tais valores no desfazimento do negócio, sob pena de enriquecimento ilícito do vendedor”, disse. Ele citou precedente, segundo o qual, “o promissário comprador que se torna inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato” (REsp 476.775). Exceção do contrato não cumprido No julgamento do REsp 883.990, a Quarta Turma analisou um caso em que a teoria do adimplemento substancial foi afastada. Um casal ajuizou ação ordinária, visando a reintegração de posse de um imóvel, situado na Barra da Tijuca (RJ), e a consequente rescisão do contrato milionário. O casal de compradores havia deixado de pagar mais da metade do valor do imóvel, aproximadamente R$ 1
milhão, em razão de os vendedores não terem quitado parcela do IPTU, de R$ 37 mil. Para suspender o pagamento das prestações devidas, o casal invocou a norma disposta no artigo 470 do CC – exceção do contrato não cumprido –, argumentando que a responsabilidade pela quitação dos débitos fiscais incidentes sobre o bem era dos vendedores. De acordo com o relator do recurso especial, ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado), há uma flagrante desproporcionalidade entre o descumprimento parcial dos vendedores com a quitação dos débitos fiscais e a retenção das parcelas devidas pela compra do imóvel. Ele entendeu que a falta de pagamento do IPTU não acarretou diminuição patrimonial para os compradores, o que serviria de justificativa para que estes deixassem de cumprir sua obrigação. Mencionou que o valor das prestações supera em muito o quantitativo referente ao imposto, que, inclusive, poderia ser abatido do valor devido. Para o ministro, a exceção do contrato não cumprido favoreceu os vendedores. “Há flagrante mora dos recorridos [compradores], porque, por uma escassa importância, suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 1 milhão, já na posse do imóvel até hoje mantida”, concluiu. Contrato de previdência “Para a resolução do contrato, inclusive pela via judicial, há de se considerar não só a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a normalidade contratual”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 877.965 Após a morte do cônjuge, uma beneficiária de contrato de previdência privada, firmado com o Bradesco Vida e Previdência, foi informada de que o acordo havia sido cancelado administrativamente, devido à inadimplência de três parcelas. Conforme acordado, a beneficiária deveria receber pecúlio em razão de morte, no valor de R$ 42 mil. Entretanto, seis dias após o cancelamento pela instituição financeira, antes de ter ocorrido a morte do cônjuge, as três mensalidades devidas foram pagas. Em razão do cancelamento, a empresa devolveu o valor pago em atraso. Diante disso, a beneficiária ajuizou ação de cobrança. No recurso especial, ela alegou nulidade da cláusula contratual que autorizou o cancelamento do contrato de seguro devido ao inadimplemento de parcelas, sem que tenha ocorrido a interpelação judicial ou extrajudicial para alertar o devedor a respeito do cancelamento ou rescisão do contrato.
Para o ministro Salomão, a conduta da beneficiária “está inequivocamente revestida de boa-fé, a mora – que não foi causada exclusivamente pelo consumidor – é de pequena importância, e a resolução do contrato não era absolutamente necessária, mostrando-se também interessante a ambas as partes a manutenção do pacto”. Segundo o ministro, o inadimplemento é “relativamente desimportante em face do substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior”, além disso, “decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida – entidade de previdência e seguros – em não receber as parcelas em atraso, antes mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação recíproca, essenciais à harmonização das relações civis”. Fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106897 acessado em 09 de setembro de 2012.
3. Textos Complementares TEXTO 01 - Direito das Obrigações: caráter de permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das gerações Texto extraído do excelente site Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4094 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka procuradora federal em São Paulo (SP), doutora em Direito pela USP, professora doutora de Direito Civil da USP, diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam)
Sumário: 1. Primeiras considerações – 2. Estabilidade no tempo e uniformidade no espaço do direito das obrigações – 3. O Código Civil de 2002 e seus reflexos no sistema obrigacional brasileiro – 4. Perspectivas do direito das obrigações e as gerações futuras enquanto destinatárias das obrigações.
1. Primeiras considerações O mundo jurídico e suas relações privadas apresentam uma vertente tendencialmente dinâmica e outra tendencialmente estática, como bem lembrava já Gustav Radbruch, apesar de este jusfilósofo
não ter utilizado a tendência para justificar o seu discurso, nem seu pensamento. O dinamismo das relações jurídicas privadas estaria representado pelas relações de crédito, pelas relações obrigacionais, ao passo que os direitos reais, exatamente por tenderem à garantia de situações que implicam uso, fruição e eventual disposição ou aquisição das coisas, teriam de se apresentar de forma mais estática, duradoura e – por que não? – segura. Se esta visão é mesmo verdadeira, como tem sido proclamada e repetida, é porque ela enxerga o fenômeno do ponto de vista do objeto das relações jurídicas e da função que estas últimas desempenham no mundo do ser. Assim, porque a função primordial das relações obrigacionais é ajudar a desenvolver o fenômeno da colaboração econômica entre os homens, como já ressaltara Orlando Gomes (p. 3), traça o legislador as regras supletivas destas relações, pelo que as pessoas, quando contratam em seu dia a dia, não se lembram de pactuar expressamente: vendo-te este café, em contraprestação deve-me 1 real; Aqui está um real, dá cá o café... Nós não precisamos agir assim primeiro porque nosso Direito, salvo raras e expressas exceções, não é um direito formalista, como era o Direito Germânico, e depois nossa despreocupação é intuitivamente tranqüila porque sabemos que o legislador preocupou-se, por nós, desenhando nossos direitos e nossos deveres, com os quais, normalmente, concordamos; principalmente para essas coisas mais comuns... Por isso dispõe o legislador acerca dos traços característicos das relações, vale dizer, aqueles traços que normalmente estão presentes em cada contrato. E agindo como o matemático que põe em evidência os fatores comuns da expressão e encerra entre parênteses aquilo a que o comum se refere, na feliz imagem de Antunes Varela (p. 45), ressalta as regras comuns a todas as relações creditórias e também aos negócios jurídicos em geral. Por isso tem-se não só uma parte geral das obrigações, como uma parte geral ao próprio Direito Civil como um todo. Mas isto não impede que eu modifique um destes traços, pactuando com a outra parte de uma forma um tanto quanto diversa, desde que isso não seja expressamente proibido. E é por isso que, quando eu sou cliente habitual daquela padaria e não tenho dinheiro trocado, o vendedor me vende o café a prazo, apesar de ser da essência daquele negócio, o pagamento à vista. Nós pactuamos diferir o pagamento no tempo. A vida é dinâmica e cada vez mais exigente, rápida e nós somos, por definição, consumidores daquilo que não produzimos, uma vez que não somos auto-suficientes. Essa a dinâmica a que se referia Radbruch, conjugada, por fim, com o caráter transitório destas relações, uma vez que, como lembra Álvaro Villaça Azevedo (p. 31), se fosse perpétua, importaria servidão humana, escravidão, o que não mais se admite nos regimes civilizados. Mas será que o direito obrigacional é mesmo tão dinâmico? Do ponto de vista da função que desempenha, quer dizer, da troca dos objetos economicamente apreciáveis, não me resta dúvida que sim, e então me alinho a Radbruch. Aquilo que me impede de usar o dinâmico sem o tendencialmente é uma outra faceta desse ramo do Direito Civil, faceta esta que é, justamente, o objeto desta exposição: Por que é que as regras do direito creditório não são assim tão dinâmicas? Por que é que mudaram tão pouco ao longo dos tempos? E por que é que são tão semelhantes de Estado para Estado? Por que é que ao cruzar a fronteira de qualquer país, em geral, eu compro ou vendo de forma tão semelhante ao modo de comprar e vender em meu próprio país?
Sempre se ouve dizer ser o Direito das Obrigações o ramo do Direito Privado que menos se sujeita a alterações, pois a relação jurídica que ele envolve se mantém, temporal e espacialmente, quase imutável. No entanto, e por outro lado, não se deve desconsiderar que o direito positivo que lhe dá a especificidade normativa pode sofrer, e sofre, determinadas e bem importantes mudanças que interferem, de modo bem profundo, nas relações jurídicas das quais se originam os direitos patrimoniais obrigacionais. Isso porque as exigências da contemporaneidade requerem uma evolução cada vez mais dinâmica, em toda a estrutura jurídica e relacional humana, o que não deixa de alcançar, também, a ambiência da relação jurídica obrigacional, sem dúvida. A transformação da vida e das relações humanas é tão intensa que não pôde mesmo, mais, permanecer despercebida; a crise instalou-se. Na esfera do direito – e do direito privado, como um todo – impôs-se prontamente uma nova consciência moral, a ditar urgência de revisão de conceitos, de institutos, de estruturas e de valores, a favor de uma mentalidade ética bem distinta daquela para quem a arquitetura jurídica do passado houvera sido desenhada, e por força da qual o traço da solidariedade social e o traço da dignidade individual passaram a realizar sadio percurso paralelo. Nesse contexto, então, o Direito das Obrigações – que é um direito pessoal (jus ad rem), uma vez que essa relação jurídica que ele abriga vincula apenas as pessoas diretamente envolvidas – muda também, conhece e exige a concreção de paradigmas novos, mesmo para um contexto tão mais específico, como o dele, que o desenha como um direito relativo, já que respeita exclusivamente às pessoas envolvidas na relação jurídica, em caso. Ele muda também, mas muda menos. Por quê? É o que vou tentar explicar, começando com a...
2. Estabilidade no tempo e uniformidade no espaço do direito das obrigações O título desta parte foi tomado de empréstimo ao título dado a um dos itens da Introdução ao livro do professor Antunes Varela (p. 25 e ss.), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, livro este que está dedicado de forma muito amável à memória de um dos grandes professores de Direito Civil brasileiro e dos grandes estudiosos de Direito das Obrigações de que se tem notícia em nosso país, Prof. Orlando Gomes. Em seu livro, Antunes Varela ressalta que o génio dialéctico dos latinos, temperado por um forte sentido das realidades práticas, permitiu, de facto, que o Direito romano previsse e regulasse em fórmulas muito concisas e equilibradas grande parte das situações típicas que vieram a constituir-se ou continuaram a verificar-se nos séculos posteriores (p. 26). Assim é que a autonomia privada continua a reger as relações obrigacionais, ditando-se a vontade das partes mais ou menos pelos mesmos interesses e pelas mesmas conveniências. A isto, unem-se outros argumentos: 1) O primeiro e principal é aquele segundo o qual não é possível dizer que este ou aquele ramo do Direito mudou mais ou menos que os outros, se não se lançar mão da comparação. É isto, com efeito, aquilo que se faz quando se diz que o Direito das Obrigações mudou pouco! Compara-se este ramo com o Direito de Família, com os Direitos Reais e com o Direito das Sucessões e com as alterações que estes ramos sofreram, ao longo dos anos, em decorrência das mudanças da sociedade, das ciências
sociais e de suas interpenetrações (fatores políticos, morais, sociais e religiosos). E esta comparação é, sem sombra de dúvida, desigual, principalmente porque, como lembra Álvaro Villaça Azevedo, o Direito das Obrigações não sofre muitas influências das injunções locais, pelo que é universal, quase imutável, pois as situações dele decorrentes são, praticamente, as mesmas em todo o mundo (p. 25). Já o Direito de Família teve de acompanhar a evolução dos costumes e suas especificidades espaciais; teve de se abrir para a possibilidade de dissolução dos vínculos matrimoniais; teve de reconhecer a união estável; teve de garantir a igualdade dos filhos, corrigindo séculos e mesmo milênios de injustiças que confundiam as relações mantidas pelos genitores com as relações existentes entre pais e filhos, irradiando efeitos daquelas relações sobre estas. Os Direitos Reais também mudaram muito. A religião, os paradigmas das ciências humanas e das ciências sociais passaram a emprestar aos institutos primordiais do Direito das Coisas uma função que não tinham, antes, e que fez com que a organização da propriedade se alterasse significativamente. Daí a extirpação da enfiteuse do novo Código, por exemplo. Daí a previsão de desempenhar a propriedade uma função social, cuja inobservância autoriza a desapropriação. O mesmo se passou com o Direito das Sucessões, mas aqui mais por reflexos das modificações anteriormente referidas, na medida em que cuida esse ramo da ciência civilista de regular a transferência da propriedade dos bens do de cujus preferencialmente, se bem que não exclusivamente, a seus familiares. Por isso, cito a inclusão do cônjuge ou companheiro supérstite entre os herdeiros necessários e em concorrência direta com os descendentes e ascendentes do morto, apenas como exemplo. 2) Outro argumento é o que se refere à crescente necessidade de internacionalização do comércio jurídico, internacionalização esta que se serve das estruturas básicas do direito das obrigações, beneficiando-se de sua estabilidade e homogeneidade, o que impede, ou pelo menos atravanca, qualquer alteração unilateral dessas regras por um sistema jurídico, o que poderia dificultar o comércio de bens e serviços transfronteiriços, alijando aquele Estado dos benefícios do mercado global. Conseqüência deste argumento e, em certa medida, também do primeiro, é a verificação empírica da unificação planejada do Direito obrigacional, quer num mesmo país, pela previsão de regras comuns para as obrigações civis e comerciais, como fizeram a Suíça, a Polônia, a Itália, a Turquia e agora o Brasil, se bem que a idéia tenha nascido aqui, em nosso país, pela pena de Teixeira de Freitas (cf. Villaça Azevedo, p. 25 e 26) quer, ainda, em vários Estados, chegando-se mesmo a falar num Código Universal de Obrigações, decorrência do Projeto Franco-italiano de Código Unificado das Obrigações. Se a universalidade parece exagerada e de difícil consecução, dê-se aqui a notícia, que possivelmente já é do conhecimento de muitos, de que, no seio da União Européia, há já um projeto relatado por Giuseppe Gandolfi que prevê a adoção de um Código Europeu dos contratos (Cf. Antunes Varela, p. 30). Orlando Gomes (p. 7 e 8) criticava, em sua obra, a mutilação do Código Civil com a elaboração de um Código das Obrigações. Seu argumento ia no sentido de que era preferível a concentração das obrigações civis e comerciais no Código Civil porque, se mutilação devesse haver, devia ela ser sofrida pelo Código Comercial, por ser, em seu entender, direito especial. Aduzia ainda o surgimento do Direito das empresas e sua possível incorporação ao direito econômico, então acabado de surgir como disciplina autônoma, e com tendência para absorver o direito comercial. 3) Para além destes dois argumentos que relatei, verifica-se, ainda, uma tendência de intervenção
estatal pontual, limitando ou delimitando a autonomia contratual (cf. Silvio de Salvo Venosa, p. 30 e 31), sempre que a sociedade enxerga na relação creditória um desequilíbrio ou uma desproporção entre as forças contrapostas, porém complementares. Tal intervenção pontual se faz, por vezes, em decorrência de uma contingência histórica passageira, determinada por razões o mais das vezes de cunho econômico, como é o caso das sucessivas leis que buscaram disciplinar as relações de locação de imóveis, conforme a escassez maior ou menor dos bens disponíveis para este fim. Mas pode também se dar não apenas por uma contingência histórica, mas por uma realidade histórica duradoura ou permanente. Por isso é que os contratos de locação de serviços e o de empreitada deixaram de se reger pelas normas relativas às obrigações privadas, "publicizando-se" e autonomizando-se de forma a constituir uma nova disciplina jurídica, o Direito do Trabalho, se bem que uma nova conformação da realidade histórica possa estar a se avizinhar, autorizando o pensamento de alguns no sentido do retorno ao Direito Privado. Também a consciência, por parte do Estado, de que a autonomia da vontade pode ser constantemente prejudicial a uma das partes, posta na relação material creditória em uma situação de hipossuficiência, pode autorizar tal intervenção, como ocorreu nos contratos de seguro, nos contratos bancários, nas relações de consumo. Mas estas mudanças pontuais, ditadas pela necessidade prática, e que, em última análise, têm mesmo a finalidade de proteger a função do direito das obrigações que é garantir o comércio jurídico, acabam por não modificar substancialmente a estrutura da relação obrigacional. A teoria geral das obrigações permanece estática, inerte, quase imutável, apesar do aumento do comércio jurídico (crescente pulverização das relações obrigacionais, segundo Venosa – p. 29 – e intensificação da atividade econômica, na expressão de Maria Helena Diniz – p. 4), dos impulsos de consumo estimulados pela propaganda e pela publicidade, e apesar, ainda, das novas tecnologias, como a internet, que cria formas novas de obrigação, mas que continuam a se reger pelas regras de antanho. Por quê? Certamente o espírito prático dos juristas romanos contribuiu, em grande parte, para esta ‘ imutabilidade’ posterior. Uma imutabilidade que não se impôs pela força, nem pela hierarquia, ou seja, uma imutabilidade que não teve de ser defendida pelo uso do poder, nem pela previsibilidade de rigidez do ordenamento jurídico obrigacional. Já salientei, e volto a fazê-lo, agora na companhia de Silvio de Salvo Venosa (p. 30), que esta imutabilidade é relativa e que ocorreram modificações – e não poucas, mas algumas – até mesmo relevantes, como aquela verificada ainda no Direito Romano relativa à economicidade da obrigação, retirando-se a possibilidade de execução pessoal, garantindo-se o cumprimento do pactuado com o patrimônio, presente e futuro, do devedor (Lex Poetelia Papiria). O mais interessante de notar é a homogeneidade com que as modificações se foram operando no direito obrigacional posterior, nos diversos países e nas diversas regiões, bem como a simultaneidade mais ou menos rigorosa com que foram se verificando. Tudo devido às necessidades econômicas que iam se produzindo. Também hoje, ainda, se verifica o mesmo fenômeno, tudo se passa dessa forma, neste contemporâneo tempo em que as comunicações se aceleraram e as distâncias entre os povos tendem à virtualidade, construindo um crescente reclamo de conforto pelo indivíduo, na expressão
sempre refinada de Silvio Rodrigues (p. 3)... É Rodolfo Sacco (p. 37 e ss.) quem chama a atenção para uma característica muito peculiar da origem remota da obrigação enquanto liame jurídico: para este professor da Universidade de Turim a obrigação nasce, ainda no período neolítico, por uma questão de necessidade econômica, de impossibilidade pessoal para a obtenção de todas as necessidades individuais. É, assim, o coletivo que se ‘obriga’ a facilitar a consecução das necessidades de um de seus membros o qual, posteriormente, se sente na obrigação de retribuir. A fonte da obrigação é, então, a necessidade de grupo. Essa mesma necessidade de grupo permanece presente, ainda que latente, quando se atenta para o seguinte: uma necessidade de repudiar e corrigir um desequilíbrio, um enriquecimento desproporcionado. Por isso, quem experimenta uma vantagem, fica obrigado a proporcioná-la, de forma justa e equivalente, àquele que lha proporcionou. Aqui, a prestação é anterior à obrigação, tal como ocorre, segundo lembra o mesmo autor, nos contratos de fato, nos quase-contratos. Mas é da natureza, ou da fraqueza humana como preferirão alguns, transformar rapidamente as necessidades econômicas em ambições. Acumular capital, aumentar o patrimônio. Não é difícil imaginar os engenhos arquitetados pela alma humana no sentido de se safar do cumprimento de uma obrigação, depois de ter já auferido a prestação. Bem por isso, as regras relativas ao incumprimento foram sendo talhadas. As prescrições para os casos de perda do objeto por culpa de quem o detivesse, de impossibilidade da observância do dever, foram, a pouco e pouco, se desenvolvendo. Mas também não é difícil perceber o interesse quotidiano de todos no bom cumprimento das obrigações; as sensações de justiça que desperta. E aqui está a explicação para o enorme desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial da matéria até nossos dias. Desenvolvimento este que não foi só grande. Foi também e principalmente sólido. Aqui a razão de certa imutabilidade nos conceitos e nas normas, a que não ficou imune o Código Civil aprovado em janeiro deste ano.
3. O Código Civil de 2002 e seus reflexos no sistema obrigacional brasileiro Com efeito, o Livro I da Parte Especial do Código Civil é aquele que apresenta o menor número de alterações substanciais. Modificações no sentido da reordenação de suas normas foram, no entanto, operadas, a começar pela colocação deste livro logo na abertura da Parte Especial do Código, como de resto já vinha sendo feito nas Faculdades de Direito de nosso país, na esteira da colocação das matérias operada pelo Código Civil alemão. Composto por dez Títulos, trata o Código, nos quatro primeiros Títulos, das regras gerais atinentes às obrigações. Nos dois Títulos subseqüentes versa a respeito dos contratos, separando as disposições comuns a todos, daquelas atinentes a cada contrato em especial. O sétimo Título ocupa-se dos atos unilaterais que obrigam aquele que tenha agido por si. Cumprindo o intuito de unificar as obrigações civis e comerciais, passa o Código Civil a ocupar-se dos títulos de crédito no Título oitavo. O penúltimo Título traça as prescrições atinentes à responsabilidade civil, quer quanto à obrigação de indenizar, quer ainda no que respeita à indenização em si. Por fim, no último Título, versa acerca das
preferências e privilégios creditórios. Vou me restringir, nesta exposição, aos quatro primeiros Títulos deste Livro, uma vez que é sobre isto que falei até aqui e também porque o tempo me obriga a ser sintética nesta fase de nossa conversa. O primeiro Título do Livro I da Parte Especial cuida das modalidades das obrigações, ou seja, desenha o perfil das obrigações tal qual elas podem se expressar no mundo do ser. O primeiro perfil é, então, aquele pelo qual uma ou mais pessoas se obrigam diante de outra ou outras a entregar uma coisa. Nesse caso, então, a prestação se verifica em um objeto que é dado, em virtude do acordo de vontades. Este objeto que é dado pode ser uma coisa certa ou incerta, como se sabe. Mas a coisa incerta deve ser indicada ao menos pelo gênero (espécie, segundo o projeto de lei do Dep. Fiúza) e pela quantidade, cabendo a uma das partes, normalmente o devedor, proceder à escolha, à individuação do objeto segundo as regras do direito positivo. A única modificação substancial que este modelo de obrigação sofreu no novo Código está assente no art. 245, segundo o qual, quando se trate de obrigação de entrega de coisa incerta, passam a vigorar as regras atinentes à obrigação de dar coisa certa, com a conseqüente distribuição da culpa pelo perecimento eventual do objeto, assim como as regras a respeito dos frutos e melhoramentos, não mais a partir do momento em que a escolha é efetivada, mas sim do momento em que esta escolha foi levada ao conhecimento da outra parte. Apesar do artigo mencionado só se referir à cientificação do credor (tendo em conta, portanto, o comum das situações que é a escolha pelo devedor), deve este artigo ser lido segundo a mesma ratio, em sendo a escolha facultada ao credor, pelo pactuado, quando então estará este obrigado a dar a conhecer sua decisão ao devedor, até mesmo para que este proceda à entrega da coisa... Mas é importante notar que esta pequena modificação não infirma aquilo que foi dito até aqui. As regras não mudaram. Mudou apenas um pormenor. Importante, é verdade, porque dá maior certeza e estabilidade à distribuição dos ônus relativos aos danos, mas estas regras, que dizem respeito à substância da obrigação de dar, não se alteraram. O segundo grande modelo traçado pelo legislador e que diz respeito também ao objeto da prestação é aquele relativo quer à facção, quer à não facção de uma certa tarefa. Refiro-me às obrigações de fazer e não fazer. Nestes modelos o legislador incluiu uma regra nova, repetida quer no art. 249, quer no art. 251, regra esta que permite ao credor, verificada a urgência que requeira a medida, e independentemente de autorização judicial para tanto, mandar executar o fato, às suas expensas, ressarcindo-se do prejuízo ao depois, ou desfazer aquilo a que o devedor era obrigado a não fazer, cabível também o posterior ressarcimento, sempre pelo devedor. É óbvio que no curso da ação de ressarcimento deverá o credor demonstrar que a situação era de urgência extrema que lhe impedia até a tentativa de buscar autorização judicial para tanto. Esta modificação operada pelo legislador, também importante e tendente à manutenção do bem jurídico envolvido, modificação que joga a favor da segurança jurídica, refere-se também mais a uma questão procedimental que material. Vale dizer: o credor já poderia ser ressarcido segundo a letra dos arts. 881 e 883 do CC/1916. Apenas não estava expressa esta quase auto-tutela. Disse quase autotutela porque, como já salientei e faço questão de reafirmar, poderá o juiz entender que a urgência não era tamanha que autorizasse a facção ou o desfazimento do fato, devendo o credor ter agido com maior prudência e cautela, constatando que a ação poderia ter sido praticada a melhor preço, por exemplo, pelo que poderá o juiz determinar, nesse caso e ausente a urgência, que o ressarcimento se
faça pelo preço menor, por ter sido precipitado o credor. Ou seja, a auto-tutela não existe porque o juiz mantém a tutela estatal em seu poder, ainda que por verificação a posteriori. As obrigações alternativas, por sua vez, modificaram-se também de forma supletiva, na medida em que o acréscimo de dois parágrafos ao art. 252, parágrafos estes sem paralelo na vetusta legislação, torna claro a quem cabe a escolha no caso de multiplicidade de optantes, os quais não chegam a bom acordo no prazo determinado pela autoridade judicial, bem como no caso de caber a escolha a um terceiro que não possa ou que se recuse a optar. Nestes casos, será o juiz quem escolherá a prestação para a hipótese sob litígio. Também aqui, portanto, o aperfeiçoamento do Código Civil de 2002 é pertinente a regra secundária, que supre a "deficiência" (se é que e tratava mesmo de uma deficiência...) do sistema anterior, mas não modifica tal sistema. Quanto às obrigações divisíveis ou indivisíveis a única modificação do legislador foi no sentido de incluir um novo artigo neste Capítulo, artigo este que define as hipóteses de indivisibilidade da obrigação, na esteira, aliás, do pensamento doutrinário a respeito. No que respeita às obrigações solidárias, acresce o legislador regras à solidariedade ativa que são relacionadas mais à defesa do devedor e às conseqüências do julgamento do que à substância da solidariedade mesma, confirmando, ainda uma vez mais, as teses defendidas no início desta exposição... até porque quanto à solidariedade passiva nenhuma modificação de monta se pode verificar. O segundo Título deste mesmo Livro trata da transmissão das obrigações e se reporta substancialmente, em dois Capítulos, à cessão de crédito, que no Código anterior tinha o status de Título, e à assunção de dívida, figura não tratada no Código Civil de 1916. Relativamente à cessão de crédito uma importante modificação foi procedida, do ponto de vista positivo. Trata-se da previsão, agora expressa, de que o cessionário de boa-fé não poderá ser confrontado com uma eventual cláusula que proibisse a cessão do crédito, se tal cláusula não estiver aposta no instrumento da obrigação. Mas a esta conclusão já se chegava no sistema anterior pelo raciocínio lógico. Como lembra Silvio de Salvo Venosa (p. 330), o terceiro poderá ter tomado conhecimento da proibição de outra forma, o que lhe suprime a boa-fé, o que deverá ser examinado no caso concreto. Outra alteração no quadro geral positivo da cessão de crédito é a previsão, no art. 293 do CC, de que o cessionário poderá, ainda que desconhecida a cessão pelo devedor, ou seja, ainda o devedor não tenha sido notificado da modificação subjetiva operada no pólo ativo da relação creditória, exercer os atos conservatórios do direito cedido. A notificação sempre foi tida como algo necessário para que a cessão passasse a produzir efeitos relativamente ao devedor, inclusive para que este a impugnasse, fosse este o caso. Mas a doutrina já aceitava (cf. Silvio de Salvo Venosa, p. 337) que o cessionário conservasse os direitos cedidos anteriormente à notificação até porque, como já ressaltara Orlando Gomes (p. 209), a notificação não é elemento essencial à validade da cessão, mas tão-só elemento essencial para que ela seja eficaz relativamente ao devedor. Esta lição do saudoso mestre foi, aliás, acolhida pelo legislador quando este substitui no art. 290 a expressão não vale do art. 1.069 por não tem eficácia. Quanto à assunção de dívida, também chamada, mesmo depois da aprovação do Código, de cessão do débito por parte da doutrina, como Silvio Rodrigues e Maria Helena Diniz, por exemplo, cabe
a verificação da conformidade das regras instituídas pelo Código com aquelas anteriormente preconizadas pela doutrina, como forma de se verificar a estabilidade ou não de suas regras. Ater-meei, ainda, ao Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Ricardo Fiúza ao Parlamento no sentido de alterar uma série de disposições do Código Civil ainda não em vigor, projeto este que altera algumas das regras atinentes à assunção de dívida. Segundo Orlando Gomes (p. 215), para quem não existe uma melhor denominação para o instituto em nosso vernáculo, assunção de dívida é a tradução literal do título que o instituto recebe no Direito alemão, um dos primeiros sistemas jurídicos, ao lado do Suíço, a prevê-lo. Trata-se da substituição do sujeito passivo da relação creditória, sem que isto implique modificação da obrigação, quando então, estar-se-ia diante de uma novação subjetiva passiva. A obrigação, assim, permanece a mesma, com mera substituição do devedor. Mas como a substituição do devedor pode implicar o não cumprimento da obrigação, por ser o novo devedor insolvente, por exemplo, exige a lei a concordância expressa do credor, se a assunção tiver sido pactuada pelo devedor primitivo com o terceiro. Mas ela pode também se configurar pelo acordo de vontades diretamente levada a efeito entre o credor e o terceiro, vendo-se assim o devedor primitivo liberado do vínculo. A vantagem da assunção de dívida sobre a novação subjetiva passiva reside, segundo o mesmo autor, na circunstância de que não extingue os direitos acessórios nem as garantias da dívida (p. 225). Com efeito, se o acessório segue o destino do principal, extinta a obrigação anterior, pela novação, extintas estarão as obrigações secundárias, a menos que previstas no novo negócio. Assim também as garantias dadas relativamente àquela dívida: extinta, não subsistem. Já se configurada a assunção da dívida, subsiste a obrigação primitiva, in totum, salvo as garantias especiais originariamente dadas pelo devedor ao credor, a menos que aquele concorde com uma eventual manutenção contratada (CC, art. 300). O Projeto de Lei referido modifica a redação deste art. 300 para restringir a não subsistência destas garantias especiais apenas às hipóteses em que estas mesmas garantias sejam inseparáveis da pessoa do devedor primitivo. O projeto acrescenta, ainda, um parágrafo único a este artigo segundo o qual as garantias do crédito que tiverem sido prestadas por terceiro só subsistirão com o assentimento deste. Não parece uma boa previsão legal, posto que desfigura o caráter da assunção de dívida que é justamente a sua continuidade no tempo. Exigir a concordância do garante dá a idéia de que se trata de uma nova obrigação, o que é falso. Por isso, parece que a melhor solução é a não aprovação deste parágrafo único projetado ou seu veto pelo Presidente da República. O Projeto modifica ainda o art. 299, tornando-o verdadeiramente extenso, ajuntando à lei os caracteres doutrinários do instituto, sem, no entanto, modificar-lhes. Avançando, o Título III trata do adimplemento das obrigações, seja pelo pagamento, seja por outras formas a este assemelhadas, acarretando, em conseqüência, a extinção das obrigações. Relativamente ao pagamento, subjetivamente considerado, ou seja, relativamente às pessoas que devem efetuar o pagamento e àquelas que têm o interesse, o direito ou mesmo o dever de receber a prestação, a única modificação de pequena monta refere-se ao pagamento efetuado por terceiro que não tinha interesse na relação e que tenha efetivado o pagamento por sua própria conta. Neste caso, fá-lo por sua conta E risco, na medida que o art. 306 determina que o devedor só reembolsará o terceiro se não dispusesse de meios de se exonerar do cumprimento da obrigação por estar esta prescrita, por exemplo. Concorda-se com Silvio de Salvo Venosa (p. 183 e 184), quando este afirma que
o dispositivo encontra-se redigido de forma pouco clara, merecendo mais cuidada redação. O dispositivo encontra-se redigido com elegância, é verdade, e não difere de seu ancestral, o art. 932 do CC/1916, em substância, mas poderia mesmo ser juridicamente mais claro. Daí que o Projeto de Lei a que já me referi acrescente uma parte final ao artigo para aclarar a lei no sentido que aqui expus. Já quanto ao objeto do pagamento e sua prova, sofreu a seção alguma modificação formal, pelo reordenar dos artigos deste livro, vindo para cá ter, regras que até então encontravam-se dispersas pelos outros capítulos ou títulos, mas que ficam melhor ordenadas neste local. Além disso, previram-se nesta mesma seção as regras relativas ao pagamento das obrigações que se devam operar em dinheiro, prevendo-se como regra geral o pagamento em moeda corrente nacional, parâmetro este que deve ser seguido ainda para a fixação do valor da prestação, nulificandose os pactos que tenham o ouro ou uma moeda estrangeira como parâmetro de aferição de valor ou reposição do poder de compra da moeda nacional, em escala mundial, salvo os casos previstos na legislação especial. Prevê-se, ainda, a possibilidade de que o juiz reajuste o valor das prestações, sempre que, a pedido de uma das partes, verifique-se a desproporção manifesta entre o valor da prestação e aquele que a mesma assumia no momento da pactuação, mas apenas quando esta desproporção configurar-se imprevisível ao tempo do ajuste das partes. Previsões deste tipo são assumidas em decorrência das sucessivas crises financeiras que assolaram o país, bem como a tão sonhada estabilidade da moeda nacional... No que concerne à quitação, passou-se a prever expressamente a possibilidade de esta ser dada por instrumento particular, o que já se admitia, bem como tornou-se claro que a falta de um de seus requisitos não a invalida, se resultar de seus elementos a conclusão de que a dívida foi efetivamente paga (CC, art. 320). Espaço-temporalmente, as previsões acerca do pagamento também não se alteraram de forma significativa. No entanto, foram somados dois artigos a este tema, mais especificamente no que tange ao lugar do pagamento. Um deles deixa claro que na hipótese de se verificar um motivo grave que impeça, dificulte ou torne inviável o pagamento no local pactuado, será lícito ao devedor aperfeiçoá-lo em outro local, sem que isto cause prejuízo para o credor (CC, art. 329). A outra "inovação" refere-se à presunção de que o pagamento reiteradamente efetuado em local diverso do determinado na obrigação, sem que o credor a isto se tenha oposto, faz presumir que este último renunciou ao seu direito de receber a prestação no local contratado. Relativamente às outras formas de extinção das obrigações que não o pagamento, também tratadas neste Título III sob análise, há que se fazer referência à transferência de dois Capítulos tratados neste local pelo Código Civil de 1916 para o Título V deste Livro, relativo às várias espécies de contrato. Trata-se da transação e do compromisso, sendo certo que este último capítulo, no CC/1916, estava expressamente revogado pela Lei 9.307/1996, relativa a arbitragem, tendo agora retornado ao Código Civil de 2002, sem necessidade nenhuma, posto que melhor sistematizado e pormenorizado na referida lei. Mas no que se refere às formas de extinção da obrigação que permaneceram neste Título, convém deixar claro que a maioria delas não sofreu qualquer modificação nos dispositivos que as regulamenta. Assim: o pagamento em consignação, salvo a expressa menção de sua modalidade
bancária, entretanto já prevista no ordenamento jurídico nacional; a imputação do pagamento; a novação e a compensação não sofreram alterações, salvo aquelas ligadas à redação e à gramática... Apenas nos Capítulos relativos à dação em pagamento e à remissão de dívidas, é que se ressalvou, agora expressamente, os direitos atinentes a terceiros, quer quanto aos credores evictos da coisa dada em pagamento (CC, art. 356), quer quanto aos prejudicados pela remissão aceita pelo devedor (CC, art. 385), como sejam os credores do remitente. Em ambas as hipóteses a conseqüência é o restabelecimento da obrigação primitiva. Ademais, ressalte-se que a aceitação da remissão da dívida pelo devedor, agora legalmente prevista, era já exigida pela doutrina e pelo direito comparado (Cf. Venosa, p. 327). Por fim, o Título IV do Livro Primeiro trata do inadimplemento das obrigações, daquelas obrigações que não são levadas a bom termo ou que lá chegam de forma defeituosa, incompleta. Nestes casos, o patrimônio do devedor é que responde pelo seu inadimplemento, ou seja, o credor irá buscar a satisfação de seu crédito no conjunto de bens pertencentes ao devedor, podendo para tanto requerer a penhora e a venda em hasta pública de tantos quantos sejam necessários para a satisfação do crédito. Esta regra à qual já me referi advém da Lex Poetelia Papiria, a partir da qual o devedor deixou de ver seu corpo ou sua liberdade respondendo por suas dívidas (salvo ainda no caso de obrigações alimentares e, para alguns, do devedor fiduciário), mas só agora entrou para o Código Civil brasileiro. Nem por isso pessoas eram reduzidas a escravas ou mortas por seus credores, tendo seu corpo dividido no mesmo número daqueles. Está bem, a regra constava do Código de Processo Civil. O que eu quis ressaltar foi tão-só a estabilidade das regras obrigacionais. Desde à Lex Poetelia Papiria isso é assim... Outra modificação mais palpável e mais economicista, mas nem por isso menos necessária, foi a previsão de o devedor inadimplente responde por perdas e danos, como sempre o fez, mas agora é o próprio Código quem prevê a penalização por juros, o reajuste destes valores pelos índices oficiais regularmente estabelecidos e o pagamento dos honorários de advogado. Relativamente à mora, prevê-se agora a sua constituição por interpelação judicial ou extrajudicial, em lugar da interpelação, da notificação ou do protesto, o que vem a dar no mesmo... O art. 401 não traz, por sua vez, a previsão da purgação da mora por ambas as partes, uma vez que, no caso, não havia mesmo como purgar a mora, como lembravam já os doutrinadores, falando Silvio de Salvo Venosa (p. 247), com mais propriedade, em uma anulação da mora, na medida em que, sendo ambas as partes devedoras, uma nada poderia imputar à outra. Relativamente às perdas e danos, traz o Código Civil aprovado em janeiro deste ano uma importante previsão que não constava do Código anterior e que atende aos reclamos de justiça, função primordial do Direito. Segundo o parágrafo único do art. 404, o juiz poderá conceder ao credor prejudicado uma indenização suplementar, sempre que restar comprovado que os juros da mora não cobriram suficientemente o prejuízo experimentado e sempre que, cumulativamente, não estivesse prevista na obrigação inadimplida uma pena convencional, a chamada cláusula penal. Os juros legais, aplicáveis na hipótese de omissão na convenção estabelecida pelas partes, anteriormente fixados de forma estanque pelo legislador civil na base dos 6% (seis por cento) ao ano, encontram-se agora pendentes da verificação da taxa praticada pela Fazenda Nacional para a mora no caso de não pagamento de impostos federais. Apesar de ser silente a norma acabada de explicar,
incidirá a taxa vigente no dia da citação inicial do inadimplente, segundo dispõem os arts. 406 e 405, combinados. No que concerne à cláusula penal, duas alterações mostram-se significativas: A primeira diz respeito à possibilidade de o magistrado reduzir o seu valor não apenas na hipótese de cumprimento parcial da obrigação pactuada, como também se verificar que o montante da penalidade, apesar de não ultrapassar o valor da obrigação principal, mostra-se manifestamente excessivo em comparação com a natureza e a finalidade do negócio. A segunda reporta-se ao parágrafo único do art. 416, segundo o qual as partes poderão convencionar que, na hipótese de o prejuízo experimentado pela parte em razão do inadimplemento da outra ser superior ao valor previsto em cláusula penal, será possível a imposição de indenização suplementar pelo juiz, valendo a cláusula penal como mínimo da indenização, cabendo ao credor a prova do prejuízo excedente. Mas isso só será possível se existir expressa previsão no instrumento da obrigação. Caso contrário, prevista cláusula penal, impossível a dupla penalização. Bem por isso, não assiste razão ao pensamento de Maria Helena Diniz, já na primeira edição de sua obra publicada após a aprovação do Código Civil de 2002 quando esta afirma, às páginas 389, que é impossível acumular a multa com as perdas e danos, salvo em caso de dolo do devedor, desfalcando, p.ex., a coisa a ser devolvida, hipótese em que a indenização cobrirá o ato lesivo em toda a sua extensão. Não atentou a ilustre Professora da PUC de São Paulo para a permissão legislativa para convenção em contrário. Por fim, no Capítulo referente às arras ou ao sinal, o tratamento dado pelo novo Código foi mais moderno e adequado à jurisprudência mais recente, como ressalta Silvio de Salvo Venosa (p. 538), suprimindo-se inclusive dois dispositivos que se mostravam desnecessários segundo o magistério de Silvio Rodrigues (p. 284) autor que, entre nós, mais se dedicou ao estudo das arras, em uma monografia específica. Chegando ao fim deste percurso que pode ter sido maçante e desagradável para a maioria dos que tiverem a paciência de me ouvir, só me cabe pedir as devidas desculpas e comprovar aquilo que me dispus fazer: as parcas alterações sofridas pelo Código Civil no que concerne à Parte Geral do Direito das Obrigações mostram-se alterações lógicas a que se chegava pela aplicação dos princípios gerais do direito e da matéria em apreço; outras são transcrições do gênio dos autores que escreveram sobra a matéria, idéias agora positivadas. E se atentarmos, juntos, eu e vocês, às principais alterações, aquelas mais interessantes e revolucionárias que se encontram neste último Título relativo ao inadimplemento das obrigações são regras de responsabilidade civil e não de teoria geral das obrigações...
4. Perspectivas do direito das obrigações e as gerações futuras enquanto destinatárias das obrigações Mas não quero me ir embora daqui sem deixar-lhes um algo para pensar. Sem que possamos, mais uma vez juntos, olhar para o futuro. Um futuro no qual não mais estaremos aqui. Um futuro que diz respeito às gerações futuras, tema este que tem preocupado muitos juristas, principalmente nos Estados Unidos da América do Norte e da Europa e que começa a preocupar também a nós, brasileiros. Segundo um esquema tradicional, dizemos que está numa situação de obrigação quem renunciou
a um privilégio anterior, representado pela abstenção de uma obrigação, para conferir a alguém um direito, fundando-se assim no consentimento, vale dizer, na adesão de uma parte à proposta feita pela outra. A esta troca de consentimentos dá-se o nome de acordo de vontades. Todo este esquema lógico a que chegou o Prof. Jean-Yves Goffi (p 234 a 237), baseando-se no esquema de relações jurídicas traçado pelo jurista estadunidense do começo do século XX, Wesley Newcomb Hohfeld, permite pôr em cheque o esquema das relações obrigacionais sempre que verificarmos a tutela das gerações futuras, um termo que tem ganho os mais diversos significados no ramo da bioética e da sociologia, mas que pode ser sumariamente definido aqui, como premissa, por aquelas gerações com as quais nem eu nem vocês vamos conviver, com absoluta certeza. Não se trata portanto da prole eventual de alguns de vocês, nem da prole eventual de meus filhos, nem dos filhos dos demais. É muito possível que eu possa conviver com os meus netos e, quem sabe, também com os meus bisnetos. Estas não são as gerações futuras. As gerações futuras são os netos dos meus netos, dos meus bisnetos. Fácil perceber que estas pessoas, que não dispõem de personalidade (nem mesmo o nascituro a detém!), não podem ter vontade, não podem, portanto, renunciar ao privilégio de não estar obrigado, porque nem privilégios eles têm... A tendência dos juristas é proteger esta classe de seres indeterminados, garantir que eles tenham a possibilidade de estar aqui neste planeta daqui a algumas décadas ou séculos. Daí porque o Conselho da Europa tenha declarado, em 1979, a fauna e a flora um patrimônio que importa preservar e transmitir às gerações futuras; daí porque o Congresso Americano tenha imposto, em 1969, o dever de proteger o meio ambiente para o bem das gerações futuras (Cf. em Goffi, p. 233). A grande pergunta que se faz, então, é a seguinte: estas pessoas tem mesmo o interesse de viver neste mundo que vivemos? É-nos lícito condicioná-los desta forma, se nós não fomos condicionados a viver nem na Idade Antiga, nem na Idade Média? Mas o que é que tudo isso tem a ver com o Direito das Obrigações? Em interessante artigo publicado nos Arquivos de Filosofia do Direito (Archives de philosophie du droit), o professor de Filosofia do Direito Jean-Yves Goffi abordou esta temática, confrontando o esquema das relações de crédito até hoje pensado com base no acordo de vontades, no consentimento, ofertando um novo esquema para estas relações de crédito e débito baseadas não mais no consentimento, mas, sim, no interesse protegido. Desta forma, pensa o Professor Goffi, poderse-á garantir às gerações futuras a tutela de sua possível existência. É bem verdade que o estudo do Professor Goffi tenha sido desenvolvido propositadamente para um colóquio acerca do Direito das Obrigações, daí ter ele centrado sua análise, de uma forma até um pouco forçada, na possibilidade de serem as gerações futuras sujeitos de obrigações civis. Mas como se tratava de discutir com vocês, aqui nesta bela cidade, neste Belo Horizonte, a tendencial imutabilidade do Direito das Obrigações, achei por bem fomentar o debate, dando notícia desta interessante questão que mais me suscita dúvidas que certezas. Espero que possa acontecer o mesmo com vocês, porque é isto que o mundo moderno nos vais exigir.
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: teoria geral das obrigações, 5ª ed. São Paulo: Ed. RT, 1994. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. FRISON-ROCHE, Marie-Anne. "Volonté et obligation". Archives de philosophie du droit, tomo 44, p. 129-151. Paris: Dalloz, 2000. GOFFI, Jean-Yves. "Le destinataire de l’obligation: le cas des générations futures". Archives de philosophie du droit, tomo 44, p. 233-240. Paris: Dalloz, 2000. GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. Cabral de Moncada, 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado/Coimbra Editora, 1997. RESCIGNO, Pietro. Enciclopedia del Diritto. Verbete "Obbligazioni (diritto privato)", vol. XXIX, Milano: Giuffrè Editore, 1979. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002 SACCO, Rodolfo. "À la recherche de l’origine de l’obligation". Archives de philosophie du droit, tomo 44, p. 33-41. Paris: Dalloz, 2000. SÈVE, René. "L’obligation et la philosophie du droit moderne". Archives de philosophie du droit, tomo 44, p. 87-91. Paris: Dalloz, 2000. VARELA, J. Antunes. Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed. Coimbra: Almedina, 2000. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
Agradeço a colaboração do Bel. Gustavo Ferraz de Campos Mônaco que me auxiliou na organização dessas notas, tantas delas constantes dos originais de meu livro Direito das Obrigações, no prelo.
Sobre a autora
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka page: www.usp.br/fd/departamentos/civil/docentes/giselda.html
Sobre o texto: Palestra proferida no Seminário Nacional sobre o novo Código Civil, promovido pela Escola Superior de Advocacia de Minas Gerais, em Belo Horizonte, 29 de agosto de 2002. Texto inserido no Jus Navigandi nº65 (05.2003) Elaborado em 08.2002. Informações bibliográficas: Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Obrigações: caráter de permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das gerações . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2008. TEXTO 02 - Obrigação alimentar e o descabimento de sua atualização pelo IGP-M – Profa. MARIA BERENICE DIAS Disponível no excelente site: www.ibdfam.com.br (acessado em 04.04.2009)
27.11.2006 Recentes decisões das 7ª e 8ª Câmaras Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferidas em ações revisionais de alimentos alteraram, de ofício, o índice de correção da obrigação alimentar. Fixados os alimentos em salários mínimos, e independentemente de solicitação de qualquer das partes, o valor dos alimentos passou a ser estipulado em importância certa em dinheiro e determinada sua atualização anual pelos índices do IGP-M. A mudança é levada a efeito mesmo sem a comprovação da forma de correção dos ganhos do devedor. Independente da profissão do alimentante e da origem de sua renda, não é sequer questionada a ocorrência de descompasso de seus rendimentos com a valoração do salário mínimo. A intenção é garantir a equalização do valor dos alimentos para o futuro e, com isso, evitar novas demandas. Seja qual for o fundamento da ação, como, por exemplo, o nascimento de outro filho, vem desencadeando a automática mudança do índice de correção. Talvez o mais inusitado seja o fato de que tal alteração ocorre até quando é o credor quem recorre ao Tribunal. Ou seja, manejado recurso pelo alimentado pleiteando a majoração dos alimentos, o índice de atualização do encargo é alterado, adotando-se outro que lhe é desfavorável. De modo claro trata-se de uma reformatio in pejus, o que é vedado pelo sistema jurídico pátrio. Um dos fundamentos de tais julgados é que o reajuste do salário mínimo supera os índices da inflação. Porém, não se pode olvidar que durante décadas o salário mínimo perdeu seu poder de compra e sempre foi reajustado bem abaixo da inflação. Somente nos últimos anos a atual política governamental vem buscando assegurar sua valorização. Os dois últimos Presidentes da República, com forte comprometimento de ordem social, procuraram recuperar o seu valor. Ainda assim, não atende à sua finalidade constitucional, de ser
capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. (C. F., art. 7º, IV). Para superar o hipotético descompasso entre o valor dos alimentos fixados em salários mínimos e os rendimentos do alimentante foi eleito como índice de atualização o IGP-M. No entanto, se a intenção é corrigir o encargo pelo índice de inflação, dito indexador é o menos indicado, porquanto não mede a evolução do poder de compra dos itens que compõem a pensão. O IGP-M é calculado com base em índices que levam em consideração elementos alheios às despesas que custeiam os alimentos. São eles: - 60% do IPA (Índice de Preços do Atacado), que mede o preço de 431 produtos do atacado, sem relação imediata com o consumidor final. - 30% do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), que consiste na pesquisa de preços de 388 produtos no eixo Rio-São Paulo e apura a inflação diretamente das famílias que ganham de 1 a 33 salários mínimos. - 10% do INCC (Índice Nacional da Construção Civil), que mensura a variação de preços de materiais de construção e de mão-de-obra, destinando-se primordialmente à atualização dos contratos de construção civil. Não se pode descartar outro fato. O ajuste de valores por indicador econômico depende de cálculos matemáticos de certa complexidade. Assim, se o alimentante foi condenado, em julho de 2005, a pagar alimentos de R$ 1.000,00, com correção anual pelo IGP-M, para calcular o valor da pensão, deverá ou consultar um contador ou encontrar jornais onde constem os índices de até um ano atrás. Pode ainda acessar a Internet, que o leva ao Manual da FGV, o qual explica – em treze páginas – como efetuar a atualização.[1] Assim, após identificar o índice anual, que foi de 1,20%, precisará fazer o seguinte cálculo: 1.000,00 x (1 + ( 1,20) = 1.012,00 100 Isso tudo para descobrir que o novo valor dos alimentos: R$ 1.012,00. Mas não é tudo. Caso os alimentos sejam ajustados conforme índice do IGP-M, dependendo do mês, há o risco de que ocorra decréscimo no valor da pensão alimentícia, pois em muitos períodos esse índice é negativo. Assim, na hipótese de se pretender utilizar um índice de atualização dos alimentos, parece que o mais adequado não seria o IGP-M mas o IPCA, que é o termômetro para medição das metas inflacionárias, pois verifica as variações dos custos com os gastos das pessoas que ganham de um a quarenta salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Goiânia e Distrito Federal. De qualquer modo nenhum indexador empresta segurança para medir os custos dos produtos de primeira necessidade. Sequer o IPCA serve como indicador para o ajuste do valor da obrigação alimentar, que, de um modo geral, é a única fonte de subsistência de crianças e adolescentes. Finalmente, não se pode olvidar que inúmeros indexadores econômicos já foram extintos e ensejaram enxurradas de demandas judiciais. A esta ciranda não se podem sujeitar os credores de alimentos. Ainda que a Constituição Federal (art. 7°, inc. IV) vede a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, e o Código Civil determine a atualização da das prestações alimentícias segundo índice oficial (art. 1.710) não se revela inconstitucional a indexação das prestações alimentícias pelo salário mínimo. Há longa data o Supremo Tribunal Federal, de forma pacífica, permite a sua utilização como base de cálculo de pensões alimentícias (RE 170203 – Ministro Relator Ilmar Galvão, julgado em 30/11/1993). Esta posição mantém-se até os dias de hoje (RE 274897 – Ministra Relatora Ellen Gracie – julgado em 20/9/2005). A legitimidade de tal indexação está cristalizada na Súmula 490: A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores. Ademais, a utilização do salário mínimo como base de cálculo dos alimentos foi recentemente confirmada pelo legislador, por meio da Lei 11.232/05, que, incluindo no Código de Processo Civil o art. 475–Q, § 4°, determinou a aplicação do salário mínimo para fixação dos alimentos oriundos de indenização por ato ilícito. Esta explicitação foi bem aceita pela doutrina.[2] Na opinião de Glauco Gumerato Ramos:[3] a fixação do valor
da pensão em salários mínimos viabiliza uma maior segurança em relação aos valores devidos a este título, independentemente das discussões no plano nacional acerca do poder aquisitivo do valor nominal do salário mínimo. O mais importante, já que se trata de obrigação alimentar, é o firmamento de critérios seguros quanto aos limites da prestação imposta, o que sem dúvida é importante tanto sob a ótica do credor quanto do devedor. Ora, se por força de lei os alimentos devidos em razão de ato ilícito, que sequer são fixados atentando às necessidades do credor, devem ser fixados com base no salário mínimo, maior razão há para que as pensões alimentícias do âmbito do Direito de Família também o sejam. Nada justifica deixar de fazer uso do mesmo critério atualizador na dívida alimentar decorrente de obrigação que visa a garantir a subsistência do alimentando. Eleito pela lei o salário mínimo como parâmetro, descabida sua substituição por qualquer índice de atualização monetária na fixação dos alimentos. Não há como simplesmente alterar a base de cálculo sem que alguma das partes tenha buscado reverter o critério de atualização. Nada justifica que passe a Justiça, de ofício, a fixar pensões alimentícias de acordo com indexador sujeito a flutuações que não guardam consonância com a variação dos itens que integram o encargo. Aliás, sequer está havendo a preocupação de saber se a receita do alimentante está sujeita a qualquer defasagem, qual a forma de atualização de sua renda ou qual o índice de crescimento de seus lucros. Nem sempre os profissionais liberais ou os empresários deixam de ter ganhos compatíveis com o aumento do salário mínimo. Ao menos seria necessária a comprovação de que os rendimentos do devedor não acompanham o reajuste do salário mínimo. Assim, sem a prova de que os rendimentos do alimentante não alcançam os seus índices, é inadmissível a modificação, de ofício, do fator atualizador dos alimentos. Às claras que este proceder, sem que seja buscada tal alteração em juízo, se evidencia flagrantemente prejudicial ao alimentando, não se revelando apto à preservação do princípio da proporcionalidade. Não bastasse tudo isso, é inadequado o índice escolhido. O IGP-M leva em consideração elementos alheios às despesas a serem custeadas pela prestação alimentícia. Além da insegurança em face da possibilidade da sua extinção, também há o risco da ocorrência de deflação, o que poderia levar a eventual redução do valor dos alimentos. Finalmente, há o inconveniente da mensuração de tais valores, inacessível à maioria da população por exigir cálculos com significativo grau de complexidade. O salário mínimo como indexador possui a vantagem da simplicidade. Todos sabem, com antecedência, qual será o valor dos alimentos, e conseguem determinar, com facilidade, o que deve ser pago e o montante a ser recebido. Portanto, de todo desarrazoado deixar de aplicá-lo, em prol da utilização de um índice difícil de calcular e que sequer possui relação com as despesas que devem ser custeadas com a prestação alimentícia. O compromisso da Justiça é resguardar o critério da proporcionalidade, não podendo, por mera expectativa de que futuramente possa haver eventual desequilíbrio, alterar o fator de atualização, sujeitando o credor dos alimentos à insegurança das alterações do índice escolhido. Ainda que este motivo não deva nunca ser invocado, não há como deixar de atentar à avalanche de demandas que já estão sendo ajuizadas com a finalidade de alterar o índice de correção, uma vez que a quase integralidade das pensões alimentícias são fixadas segundo o salário mínimo. De forma aleatória, e partindo da hipotética premissa de que eventualmente venha a ocorrer desequilíbrio futuro no binômio alimentar, não pode a Justiça colocar em risco a vida e a sobrevivência de crianças e adolescentes a quem o Estado assegura, com prioridade absoluta, especial proteção. [1] Informação Econômica On Line. Busca por assunto. Rio de Janeiro. [2] CARNEIRO, Athos Gusmão. Revista Dialética de Direito Processual n. 38. Do "Cumprimento da Sentença", conforme a Lei n. 11.232. Parcial Retorno ao Medievalismo? Por que não? p. 38. OLIVEIRA, C. A. Alvaro. A Nova Execução: Comentários à Lei nº 11.232, de 22 de dez. de 2005. Editora Companhia Forense, 2006. p. 229 e 230. THEODORO JUNIOR, Humberto. Revista Dialética de Direito Processual n. 43. Títulos Executivos Judiciais: o Cumprimento da Sentença segunda a Reforma do CPC Operada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. p. 70.
[3] RAMOS, Glauco Gumerato. LIMA, Rodrigo da Cunha. MAZZEI, Rodrigo Reis. NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves. Reforma do CPC. Cumprimento da Sentença e Obrigação Alimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 288. Maria Berenice Dias é desembargadora do TJRS e vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
Portal IBDFAM - http://www.ibdfam.org.br/
4. Bibliografia Básica do Curso Fonte: Novo Curso de Direito Civil – vol. II – Obrigações. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Ed. Saraiva) www.saraivajur.com.br
5. Fique por Dentro Texto publicado segunda, dia 24 de agosto de 2009 NOTÍCIAS Juiz impede apreensão de carro quase todo quitado POR GLÁUCIA MILÍCIO O juiz Paulo de Toledo Ribeiro Junior, da 4ª Vara Especializada de Direito Bancário de Cuiabá (MT), se valeu da doutrina sobre o instituto do adimplemento substancial para impedir o banco Toyota de apreender um carro alienado pela instituição com seis parcelas em atraso. Ainda cabe recurso da decisão. No Direito Civil, o termo adimplemento significa o pagamento efetuado pelo devedor de uma obrigação, pelo qual se satisfaz a dívida com o credor. O juiz explica que a teoria do adimplemento substancial surgiu na Inglaterra, no Século XVIII, como reparação das injustiças praticadas nos julgamentos dos tribunais. Segundo ele, os tribunais defendiam de forma absoluta o direito do credor de extinguir o contrato quando constatado a falta de pagamento mesmo se o devedor já havia cumprido a maior parte de sua obrigação. Atento ao instituto, o juiz derrubou liminar concedida ao banco, com pedido de busca e apreensão, para livrar o autor de perder o seu bem com mais de 90% dos valores pagos. O carro, que foi alienado pela instituição financeira, foi financiado em 36 parcelas e restavam apenas as últimas seis para ser quitado. Como o cliente atrasou o pagamento, o banco recorreu à Justiça para ter o carro de volta.
O autor, por sua vez, também buscou auxílio do Judiciário. No pedido, ele alegou que o bem estava quase todo quitado e pediu para afastar a liminar que concedeu a busca e apreensão do veículo. Ao analisar o pedido, o juiz destacou que, seguindo os rigores do diploma legal, a medida a ser tomada deveria ser manter a liminar concedida ao banco “e consolidar a posse e a propriedade nas mãos do bem, haja vista que a lei é clara nesse sentido”, mas acrescentou que isso não é fazer Justiça. “Nem sempre devem ser seguidos os rigores da lei, sob pena de ferir princípios constitucionalmente tutelados, que como magistrado, devo observar no sentido de prioridade máximo como um juiz ativo”, destacou. Paulo de Toledo registrou que o contrato foi adimplido substancialmente, não podendo o autor simplesmente perder as parcelas pagas e ter o bem retirado do seu patrimônio. Motivo: já pagou 30 das 36 parcelas. Ele acrescenta que, no adimplemento substancial, é necessário avaliar se a relação obrigacional concreta foi atingida, isto é, se o contrato atingiu seus objetivos. “A relação obrigacional complexa exige a satisfação dos interesses do credor, porém tem que se levar em consideração, também, os interesses do devedor, de acordo com a boa-fé”, fundamentou. Ainda segundo o juiz, o banco deveria ajuizar outros tipos de ação para satisfazer seus interesses como execução de contrato, perdas e danos ou até mesmo ação de cobrança. “Assim, não merece outro desfecho senão assegurar ao autor, em respeito ao princípio da boa-fé objetiva e a vedação do enriquecimento ilícito do credor, a manutenção do bem em sua posse”, registrou o juiz ao suspender a liminar de busca e apreensão. O juiz também declarou extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil e condenou o banco a pagar as custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2 mil. Clique aqui para ler a decisão.
GLÁUCIA MILÍCIO é repórter da revista Consultor Jurídico Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-ago-24/banco-nao-apreender-bem-alineado-foi-todoquitado?imprimir=1 acessado em 02 de abril de 2010.
6. Mensagem “Quando a noite esconde a luz, Deus acende as estrelas” (Pe. Fábio de Melo - http://www.frasesnaweb.com.br/tags/estrelas/) Um abraço! Fiquem com Deus! O amigo, Pablo www.facebook.com/pablostolze
Revisado.2013.2.ok
C.D.S.