Concisão e Modernidade - marcelospalding.com

O Demônio da Perversidade ... O Nome da Rosa (1980) p. 289 “Os amantes da concisão, do modo lacônico, da economia de linguagem, decerto se estarão per...

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Concisão e Modernidade Marcelo Spalding

“A concisão é um preceito da retórica clássica desde Aristóteles, pois na Antiguidade ser capaz de dizer muito em poucas palavras é algo louvado porque o excesso de palavras era visto como puro ornamento, afastamento da verdade, e, no caso da oratória, cansava o ouvinte” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 156), mas na modernidade, “mais do que um simples traço estilístico, ela é um aspecto estrutural, que os modernos preferem chamar de condensação; a condensação não é resumo ou síntese da idéia, é uma espécie de redução fenomenológica” (p. 156). Leyla Perrone-Moisés Altas Literaturas (São Paulo: Companhia das Letras, 1998)

A concisão na teoria Marcelo Spalding

(...) Possui, ainda, [a tragédia] grande evidência representativa, quer na leitura, quer na cena; e também a vantagem que resulta de, adentro de mais breves limites, perfeitamente realizar a imitação (resulta mais grato o condensado que o difuso por largo tempo; imagine-se, por exemplo, o efeito que produziria o Édipo de Sófocles em igual número de versos que a Ilíada). (...)

Aristóteles Poética (325 a.C.)

(...) Os poetas desejam ou ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisas ao mesmo tempo agradáveis e proveitosas para a vida. O que quer que se preceitue, seja breve, para que, numa expressão concisa, o recolham docilmente os espíritos e fielmente o guardem; dum peito já cheio extravasa tudo que é supérfluo. (...)

Horácio Arte Poética (18 a.C.)

(...) A consideração inicial foi a da extensão. Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma assentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se se requerem duas assentadas, os negócios do mundo interferem e tudo o que se pareça com totalidade é imediatamente destruído. (...)

Edgar Allan Poe Filosofia da Composição (1846)

(...) Por conseguinte, deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. É sempre melhor deixar de lado algo bom do que incluir algo insignificante. Aplica-se acertadamente aqui a expressão de Hesíodo a metade é preferível ao todo.

Arthur Schopenhauer Parega und Paralipomena (1851)

Sobretudo, não dizer tudo. Portanto, quando possível, apenas a quintessência, apenas os assuntos principais, nada do que o leitor pensaria sozinho. – Usar muitas palavras para comunicar poucos pensamentos é sempre o sinal inconfundível da mediocridade.” (...) Mas, para tanto, o que se requer é um procedimento muito diferente da redução de palavras, a saber, é necessário que se pense de modo conciso e sintético, no entanto essa atividade não está ao alcance de qualquer um. (...)

Arthur Schopenhauer Parega und Paralipomena (1851)

Angústia da concisão Marcelo Spalding

“Jogado e perdido no meio do anonimato das massas, o poeta já não tem mais nada a dizer, ou já não tem quem o escute. Daí esse fechamento do poema numa economia da fala, que é ao mesmo tempo excesso de reflexão.” (ANDRADE, 2003, p.92) Fluir seria o contrário de ser conciso. (...) Isto posto, temos que Torres Filho não faz o elogio puro e simples da concisão, mas também não a despreza: ele a problematiza.” (p. 97-8) Abrahão Costa Andrade Angústia da concisão (São Paulo: Escrituras, 2003)

A concisão na ficção Marcelo Spalding

(...) Polônio: Foi bem solucionada essa pendência. Meu rei, minha senhora: pretender explicar o que seja a majestade ou o dever, porque o dia é dia e a noite é noite, e o tempo é tempo, vale o mesmo que malgastar o dia, a noite e o tempo. É certo: a concisão é a alma do espírito, como a prolixidade os seus suportes e flores exteriores. Vou ser breve. Vosso filho está louco; sim, é o termo mais acertado; pois em que consiste a loucura, senão em sermos loucos? Que seja. (...)

William Shakespeare Hamlet (1600) Ato II, Cena II

(...) Descrevi tudo isso para que de certo modo pudesse responder à sua questão, para que pudesse explicar-lhe porque estou aqui, para que pudesse transmitir-lhe alguma coisa que tivesse, pelo menos, um leve aspecto de uma causa para que estivesse agora usando estes grilhões e que justificasse o fato de que habito esta cela destinada aos condenados. Se não tivesse sido tão prolixo, talvez você me tivesse entendido completamente errado; ou, como a ralé, poderia achar que sou louco. (...)

Edgar Allan Poe O Demônio da Perversidade (1845) In ‘Histórias Extraordinárias’

(...) Vim... Mas não; não alonguemos este capítulo. Às vezes, esqueço-me a escrever, e a pena vai comendo papel, com grave prejuízo meu, que sou autor. Capítulos compridos quadram melhor a leitores pesadões; e nós não somos um público in-folio, mas in-12, pouco texto, larga margem, tipo elegante, corte dourado e vinhetas... principalmente vinhetas... Não, não alonguemos o capítulo. (...)

Machado de Assis Mem. Póstumas de Brás Cubas (1881) Capítulo 22

(...) “Falo por palavras tortas. Conto minha vida, que não entendi. O senhor é homem muito ladino, de instruída sensatez. Mas não se avexe, não queira chuva em mês de agosto. Já conto, já venho – falar no assunto que o senhor está de mim esperando. E escute.” (...)

Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas (1956) p. 457 (Nova Fronteira, 1984. 16 ed.)

“(...) Que injustiça, Sinchi, nós só queremos que impere o bem e que Deus fique contente. O quê? Tudo bem, já vou falar, desculpe, mas eu tinha que lhe dizer o que disse, em nome da opinião pública. Quer dizer, nós íamos para os quartéis e os milicos nos recebiam como rainhas.(...)”

Mario Vargas Llosa Pantaleón e as Visitadoras (1973) Capítulo 7

“(...) Mas estou divagando novamente, e contando mais coisas do que as que deveria constar. Também porque, no fundo, o resto daquela conversação à mesa não acrescenta muito para a compreensão dos eventos que estou narrando. (...)”

Umberto Eco O Nome da Rosa (1980) p. 289

“Os amantes da concisão, do modo lacônico, da economia de linguagem, decerto se estarão perguntando porque, sendo a idéia assim tão simples, foi preciso todo este arrazoado para chegarmos enfim ao ponto crítico. A resposta também é simples, e vamos dá-la utilizando um termo atual, moderníssimo, com o qual gostaríamos de ver compensados os arcaísmos com que, na provável opinião de alguns, temos salpicando de mofo este relato, Por mor do background.”

José Saramago As Intermitências da Morte (2005) p. 67 (Companhia das Letras, 2005)