Movimentos midiáticos e publicitários na influência do

A sociedade de consumo teve seu marco inicial com a Revolução Industrial, ... trabalham ou cuidam dos afazeres da ... e da publicidade. O que forma...

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Movimentos midiáticos e publicitários na influência do consumo infantil1 Alexandra Fante NISHIYAMA2 Universidade Metodista de São Paulo

Resumo A criança está exposta à mídia, e consequentemente, aos apelos publicitários que a influenciam e educam referente ao modo de consumir. Este artigo pretende discutir o uso da mídia como ferramenta propagadora do conceito publicitário; o comprometimento da mídia referente a educação e a cidadania de crianças; e a incitação na criação de desejos, nas decisões de compra e na formação de valores. Analisamos o uso da publicidade como veículo formador de opinião e como ferramenta de persuasão, estabelecendo uma discussão sobre a exposição das crianças ao estímulo do consumo, as consequências desta formação e a necessidade de uma educação voltada para um olhar crítico perante as mídias. Palavras-chave: Consumo; Publicidade; Mídia; Infância e Educação.

A sociedade de consumo teve seu marco inicial com a Revolução Industrial, primeiramente verificado na Inglaterra, no final do século XVIII. Essa explosão de consumo incluiu novas oportunidades para a compra de móveis, cerâmicas, pratas, espelhos, animais de estimação e tecidos. Este século ficou marcado pelo nascimento da sociedade de consumo. Com esse consumismo acelerado, a competitividade no mercado aumentou e percebeu-se a necessidade na sofisticação dos mecanismos do marketing para convencer o consumidor a comprar mais. Este consumidor era objeto de tentativas cada vez mais e mais sofisticadas de incitar desejos e de dirigir preferências, e estava começando a viver em um clima artificialmente estimulado, que retirava seus gostos e preferências do comando da convenção e da tradição local, 1

Artigo apresentado na VI Conferência Brasileira de Mídia Cidadã, I Conferência Sul-Americana de Mídia Cidadã em Pato Branco-Pr, 2010. 2

Jornalista formada pela Faculdade Maringá, especialista em Comunicação e Educação pela Faculdade Cidade Verde e mestranda em Comunicação Comunitária e Cidadania pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: [email protected]

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transferindo-os de modo crescente para as mãos das emergentes forças do mercado (MACGRACKEN, 2003, p.39).

Com o advento dos meios de comunicação de massa, principalmente no mundo contemporâneo, a mídia está em todos os lugares. Parece ser onipresente. Está em casa, no trabalho, nas ruas, nos computadores, a vemos pelas nossas janelas. Rádio, televisão, Internet, celulares, outdoors, carro de som, enfim, um aparato tecnológico pronto a fazer a comunicação. Ismar de Oliveira Soares (2002, p.265) define a comunicação como

Todo um processo de circulação de mercadorias simbólicas, informação e mensagens, mediado por tecnologias e pelas instituições, grupos e pessoas envolvidas. A comunicação é produzida em diferentes níveis, entre os quais estão o nível grupal, organizacional e de massa.

A Publicidade Tendo a comunicação como aliado propagado a multidões, a indústria cultural se apropriou do meio, e suas ações na publicidade causam sentimentos como a insatisfação do que se já tem, criando novas necessidades e a compulsão pelo novo. Lange (et al, 2009, p.35) define que

A linguagem publicitária, enquanto uma ferramenta de marketing de organizações complexas do capitalismo moderno, é capaz de provocar efeitos de sentido, despertando nos públicos destinatários reações empáticas compatíveis com as intencionalidades dos anunciantes e das agências de circulação do capital.

Sampaio (2000, p.32), afirma que

Nas análises acerca da participação da mídia no processo de construção da realidade, deve-se ultrapassar a reflexão sobre a confiabilidade das informações fornecidas, onde sempre vem à tona a discussão em torno do caráter objetivo da sua produção; e enfrentar a investigação das condições técnicas e organizatórias da mídia, que conferem suas possibilidades concretas de promover a comunicação.

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A sociedade de consumo é movida pela obtenção do lucro, que é o pilar para a construção e o desenvolvimento dela. Nesta sociedade, a criação de novos imperativos revela a necessidade constante da criação de novos produtos para o consumo. Neste modelo, todos são atingidos. Desde os mais velhos, até mesmo os mais novos, já que uma das fases do desenvolvimento humano infantil passa pela mídia. Desde o pós-guerra até as sociedades contemporâneas, a mídia se tornou uma babáeletrônica. Seu uso, nesta perspectiva, é incentivado pelas famílias, a fim de passar o tempo enquanto os pais trabalham ou cuidam dos afazeres da casa. Segundo dados do Ibope (2006), as crianças e jovens brasileiros, até 17 anos, assistem em média a 3,5 horas de televisão por dia; ficando expostos a aproximadamente 40 mil propagandas em um ano. Os meios de comunicação de massa influenciam a educação, a criatividade e os valores das crianças que estão em processo de formação. Quando são expostas à publicidade e às suas propagandas, altamente coloridas, com trilhas e imagens que prendem a atenção delas, as crianças ficam vulneráveis às informações recebidas, e as convertem em desejo de consumo, pois não sabem julgar esses conteúdos de modo adequado. “(...) entre as décadas de 1970 e 1980, a publicidade brasileira assumiu o surgimento deste novo target – o infantil – e, desde então, ações diretas e indiretas buscam seduzir a criança e torná-la consumidora de bens e serviços” (SOUZA JUNIOR, FORTALEZA, MACIEL, 2009, p.22). Para hipnotizá-las, os produtos usam figuras de personagens conhecidos, nos quais a criança identificará seus preferidos. Essas figuras podem ser animações, desenhos ou mesmo pessoas carismáticas e ligadas ao mundo imaginário delas. Essas figuras são usadas como ícones que garantem as vendas.

(...) bombardeadas com mensagens a partir do momento em que se levantam de manhã até o instante em que vão para a cama à noite. Seu envolvimento com a cultura comercial é muito diferente da experiência de marketing e publicidade conhecida por seus pais. Para colocar o assunto em perspectiva, em 1983, as empresas gastavam $100 milhões anualmente com

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o segmento infantil. Agora, elas estão gastando 17 bilhões (LINN Apud SAMPAIO, 2009, p.13).

Os heróis e personagens nos quais as crianças se identificam, se tornaram mitos na vida delas e despertam um processo de projeção, de identificação e até mesmo um modelo a ser seguido. “O tempo em que a criança passa assistindo tv aparece como ferramenta na influência do meio sobre a imaginação” (GIRARDELLO, 2008, p.131). A criança já é considerada um consumidor, porque na hora da compra, deixa evidentes suas preferências. “Antigamente, o mercado não via ‘valor econômico’ na criança; posteriormente, passou a percebê-la como influenciadora do adulto no ato de compra e, hoje, a compreende como um consumidor e cliente” (SOUZA JUNIOR; FORTALEZA; MACIEL, 2009, p.27). Os estereótipos de vida e comportamento são inseridos no cotidiano das crianças por meio da indústria cultural. Mergulhada num mundo de imagens e estimuladas desde muito pequenas, as crianças estão envolvidas com a televisão, os videogames, a Internet, embalagens de produtos, entre outros. Desta forma, desde cedo são inseridas numa sociedade de consumo. Os produtos são associados a personagens, que por sua vez são associados a jogos interativos, ou algo que lhes remeta divertimento. Podemos observar isso em vários sites de produtos como bolachas, leite ou salgadinhos. Essa estratégia de marketing vincula o consumo ao divertimento e garante a algumas marcas, o faturamento. A publicidade pretende estimular e criar novos desejos por meio dos signos e significados que expõe. Também pode comunicar e informar, mas sua principal função é persuadir. Uma das interfaces do marketing é a propaganda persuasiva, que pretende apresentar, afirmar ou lançar um novo produto. Para isso, usa os arquétipos, que revertem grandes efeitos e, muitas vezes usa o humor, a sensualidade e o lúdico para mostrar seu produto. Essa publicidade ostensiva motiva a comprar. Transforma um elemento em um objeto de desejo. Remete a bem-estar, realização, felicidade e satisfação em consumi-lo. 587

Outro apelo são as embalagens, que além de usar personagens, como princesas e heróis, o design é especialmente trabalhado com formas e cores, o que contribui para a escolha do produto, pois chama a atenção e desperta o desejo de compra. A indústria cultural também faz a sua publicidade baseada nas qualidades atribuídas a essas figuras, que são os ícones. Beleza, status, feminilidade, masculinidade, coragem, aventura, saúde, energia e poder são usados como argumentos nas vendas. Na área alimentícia, principalmente, as crianças querem consumir produtos que remetem à idéia de força. “A publicidade é vista, sob esse prisma, na condição de responsável pela implementação de um processo de estandardização dos produtos, através dos quais as pessoas são incorporadas ao mercado e estimuladas a se identificarem com as suas mercadorias” (SAMPAIO, 2000, p.81). Por esta razão podemos observar esses aspectos nos comerciais de produtos alimentícios, de higiene, refrigerantes, entre outros. São xampus, bolachas, chicletes, brinquedos, salgadinhos, roupas, tudo direcionado para o consumo do público infantil.

A criança pode encontrar o Snoopy no seu sabonete, tomar café da manhã com o Mickey ou a Minnie no seu copo e pratinhos, levar a Xuxa na sua mochila ao sair, ter a Angélica nas suas sandalinhas, conviver com inúmeras figuras de desenho no seu material escolar e pode se divertir durante o dia com uma infinidade de heróis e monstros dos seus filmes prediletos, tais como Power Rangers, Batman & Robin, Guerreiras Mágicas, etc. Cansada do seu dia, ela pode finalmente adormecer abraçada com uma Nana Neném da Eliana (SAMPAIO, 2000, p.157).

Todo esse sucesso dos produtos vinculados ao público infantil e seus personagens, prova a importância dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural inseridos no mundo lúdico, expressados nos conteúdos dos filmes, de programas, dos desenhos e da publicidade. O que forma futuros consumidores da sociedade do consumo. Esse modo agressivo com que a mídia explora o consumo infantil acaba influenciando seu desenvolvimento social, como futuro cidadão consciente, crítico e da sua postura enquanto consumidor.

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As histórias infantis que antes eram contadas por nossos pais foram transformadas em ícones que remetem diretamente ao consumo. Seus personagens saíram dos livros e das histórias em quadrinhos para se transformarem em produtos que vão desde alimentos à material escolar. Não é errôneo dizer, que todos os produtos voltados ao público infantil querem suprir o sonho, através do seu design ou do apelo comercial, quando o efetivo conteúdo não é o objeto principal trabalhado pela publicidade. Nos supermercados, quando imaginamos estar longe da indústria da publicidade, não percebemos que até mesmo uma simples gôndola e a disposição dos produtos podem estar lá de propósito, com a intenção de nos convencer a levar aquele determinado artigo. Usemos como exemplo produtos voltados ao público infantil. Perceba que bolachas, salgadinhos e até mesmo produtos de higiene que tenham personagens desenhados em suas embalagens, estão da metade da prateleira para baixo. Ou seja, uma criança poderá facilmente pegar este produto e pôr no carrinho. Desta forma, as marcas ganham espaço na vida cotidiana dos indivíduos e assumem um papel emocional e afetivo, adquirindo dimensões que extrapolam o apenas “vestir”, mas são como extensões do corpo ou mesmo uma identidade. O prazer vai além de usar esses produtos, mas começa pelo poder e a satisfação de comprar.

Com isso a mídia abre imensas possibilidades de manipulação do imaginário. Ainda mais em países como Brasil, onde a sociedade civil é extremamente frágil e exposta às relações não raro promíscuas entre as corporações e o Estado, e onde, em contrapartida, há um elevado índice de analfabetismo funcional e inexistência de uma tradição democrática, como resultado histórico da violência das elites contra as organizações e movimentos populares (MORAES, 2004, p.386).

A indústria cultural cria necessidades e uma produção para o consumo, o inverso do que deveria ser, o consumo para a produção. Como forma de convencimento, a publicidade cria estereótipos que pretendem seduzir, para vender com mais facilidade seus produtos. 589

Como postula Marcondes Filho, “a publicidade trabalha com modelos: de beleza, de sensualidade, de elegância, de cor, de jeito de falar, de andar, de se alimentar, de namorar, enfim, modelos para todas as situações da vida” (Apud SAMPAIO, 2000, p.280). Teoria da Recepção e da Mediação De acordo com Martín-Barbero (1995), a recepção trata-se de um processo no qual o receptor passa a ser agente ativo no processo de comunicação, não estando limitado somente à passividade de receber as mensagens e conteúdos distribuídos pelos meios de comunicação de massa sem reação. Segundo Martin-Barbero, a Teoria da Recepção não restringe o receptor a receber mensagens passivamente como se fossem simplesmente consumidores do produto criado pelo emissor, sem produzir estímulo algum. Ainda segundo Martin-Barbero (1995), o estudo da recepção tem de ser visto além da relação entre emissor, receptor e mensagem, tendo uma abrangência maior, entre os membros da sociedade e outros atores sociais. O autor salienta que podem existir duas visões com relação à recepção. Na primeira o receptor é visto somente como o fim do processo, não podendo nunca fazer parte do seu início, segundo o autor essa é a visão condutista. Em uma outra avaliação, a teoria pode ser vista por uma visão iluminista; nessa perspectiva, o receptor é percebido como um recipiente vazio, que ira receber todo o conhecimento vindo de uma fonte. “O receptor era ‘tábua rasa’, apenas um recipiente vazio para depositar os conhecimentos originados, ou produzidos, em um outro lugar” (Martín-Barbero, 1995, p. 41). O estudioso defende que esses conceitos devem ser abandonados, deixando de ver o receptor como ponto frágil dessa cadeia, e passando a assumir papel de protagonista nesses eventos. Seguindo-se a Teoria da Recepção, surge a necessidade da intervenção, para que esta ocorra, entre o emissor e o receptor. A Teoria da Mediação se apresenta como essa interferência, no processo comunicativo.

As mediações da recepção seriam as interferências que influenciam a comunicação de tal forma que o estudo da comunicação não poderia deixar de considerá-las com especial interesse, porque isso seria apenas

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um estudo fragmentado que não levaria à compreensão da comunicação enquanto processo. (AZEVEDO, 2004, p.48).

A mediação é de fundamental importância para atingir o resultado esperado, proposto por Martín-Barbero como teoria da recepção. Segundo Orozco (1997, p.60), deve haver o “jogo da mediação, entre os meios de comunicação de massa, as instituições educativas e os processos de recepção de mensagens nos quais se envolvem nossos estudantes”. A relação da mediação para o desenvolvimento da capacidade crítica, acarretando na transformação de passivos para ativos no processo da comunicação, é de fundamental importância, já que os meios de comunicação de massa caminham em pleno desenvolvimento, tornando-se cada vez mais atrativos. Segundo Orozco (1997), devemos fazer dos meios de comunicação aliados, e não inimigos. A mediação exige do educador, o conhecimento da mídia. O maior desafio é conhecer e trabalhar os conteúdos midiáticos dentro do ambiente educacional. A estratégia correta para inserção da televisão, rádio ou Internet como ferramentas de ensino provam-se um dos grandes riscos no decorrer desse processo.

A falta de uma estratégia para o uso educativo de novos meios e tecnologias provoca a perda de seu potencial para os fins que se procuram, pois o processo através do qual os educandos e os professores devem apropriar-se adequadamente dos novos meios e tecnologias, não é um processo automático nem imediato (OROZCO, 2002, p. 66).

O desafio da mediação vai além dos locais formais de ensino; a necessidade de orientação do desenvolvimento de valores das crianças e adolescentes pode se dar na relação com qualquer adulto, que possa formar esses jovens, ajudando a entender o que pode, ou não, ser considerado um programa de qualidade na televisão.

O tipo de acompanhamento doméstico efetuado (ou não) por pais e parentes – a restrição do tempo de exposição às mídias, a limitação do acesso a determinados conteúdos e/ou o diálogo sobre cenas e acontecimentos – também é um elemento demarcador (SAMPAIO, 2009, p.12).

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A Intermediação O que irá alterar, entre uma criança e outra, o comportamento de consumidor compulsivo, será a intermediação que ela terá em relação aos meios e suas publicidades. É o ambiente escolar e familiar que definirá as características do futuro cidadão da sociedade do consumo. Um estudo chamado “Kids Power”, da TNS InterSciense, realizado entre junho e agosto de 2007, no Brasil, Chile, México, Argentina e Guatemala, comprovou a influência das crianças nas compras de produtos. Verificou-se ainda nessa pesquisa que 83% das crianças brasileiras são influenciadas pela publicidade, 72% por produtos associados a personagens famosos, 38% por produtos que oferecem brindes e jogos e 35% por embalagens coloridas. Ainda nesta pesquisa, averiguou-se que os anúncios de tv são o que mais influenciam a escolha das crianças, seguido pela associação de personagens a produtos. As crianças são fascinadas pela televisão porque ela lhes conta histórias, mostra imagens de todos os lugares do mundo, coisas que elas não viveriam de outra forma. O papel da tv na vida cotidiana da criança tem influência em menor ou maior grau levando-se em conta o tempo de exposição, a intermediação de um adulto e o conteúdo dessa programação. “Atualmente, mais de 85% dos lares brasileiros possuem pelo menos um aparelho de tv e estima-se que em cada um desses lares haja aproximadamente duas crianças. Mais de 32% da população estão na faixa dos 0 aos 14 anos” (CARMONA, 2002 p.332-333). Os meios de comunicação de massa estimulam o consumo, por meio de suas mensagens. As crianças brasileiras são alvo, principalmente, porque, como já citamos, estão entre as que mais assistem televisão no mundo. E é na infância que ela será educada na maneira de consumir bens e serviços no futuro, quando adulta. Neste processo, onde as tecnologias, a comunicação e a publicidade estão em todos os lugares nos quais estamos, o capitalismo, na sua busca incessante, transforma os indivíduos em consumidores em potencial.

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O tempo de exposição dessas crianças perante à mídia, a repetição de comerciais e merchandising, a falta da intermediação da escola e dos pais faz com que a mídia, tão presente no dia-a-dia delas, passe a fazer parte do processo de educação.

A descoberta de que as crianças e os adolescentes constituem mundialmente um mercado rentável tem ocasionado o desenvolvimento do marketing infantil e a intensificação da publicidade dirigida a este segmento (SAMPAIO, 2009, p.9).

Todo esse espaço disponível para a propagação de promoção de vendas, do merchandising, extrapola o que a mídia deveria expor e abordar e a transforma apenas em um meio propagador da ideologia do capitalismo. A mídia não transmite valores. Ela tem ou deveria ter – o aspecto de serviço, com consciência de uma função social e responsabilidade pelas mensagens que propaga, pois as televisões são concessões públicas. Contudo, esse aspecto é amplamente superado pelos valores impostos, pelos interesses do mercado (VIVARTA, 2004, p.36).

Esses valores impostos pelos interesses da sociedade do consumo moldam o comportamento das crianças e jovens, criando miniaturas de personagens da mídia. Segundo Márcia Marevse, pesquisadora do Lapic (Laboratório de Pesquisas sobre Infância, Imaginário e Comunicação), “Essa potencialização midiática impacta diretamente a experiência de vida dos jovens, reforçando determinados padrões de ser, regidos em grande parte pelos valores do consumo” (VIVARTA, 2004, p.45). Nesse cenário brasileiro, no qual o conteúdo da programação é dominado pela iniciativa privada, servindo direta ou indiretamente aos interesses comerciais, a bandeira de referência é a felicidade em poder consumir tais produtos ou serviços. O sociólogo Gilberto Freyre defende que quando nascemos somos uma tela em branco que vai sendo composta através das experiências da vida e com a ajuda de diferentes instituições (família, escola, amigos, igreja, colegas de trabalho e os meios de comunicação) e que “não apenas na escola ou em outras instituições oficiais, mas

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principalmente nas relações informais da vida cotidiana: os anúncios da publicidade, nas letras das músicas, nas brincadeiras, na sexualidade, na culinária, na moda, nas formas de ficção consumidas” (Apud VIVARTA, 2004, p.149). Um estudo argentino publicado no artigo “The meanings of television for underprivileged children in argentina” divulgado no livro “Children, young people and media globalisation, organizado por Cecília Von Feilitzen e Ulla Carlsson, constatou que para as crianças de renda baixa, a televisão é uma fonte de aprendizado, que se daria em dois níveis: o cognitivo e o social. Neste contexto, a mídia deveria ser um ambiente mais favorável, no qual esse movimento publicitário precisaria ter um espaço adequado. Sabemos da impossibilidade de se excluir todo um trabalho de divulgação de marcas e produtos na mídia, afinal ela é um meio de comunicação que também pretende vender, mas é possível adequar essa publicidade apenas aos breaks comerciais. Esse já seria um bom começo. “Embora a televisão seja essencialmente uma concessão pública e um instrumento vital para a propagação de valores e definição de condutas, ela tem sido transformada em todo o mundo num puro negócio regido pelo lucro” (DUPAS, 2005, p.105). Os meios de comunicação de massa brasileiros se tornaram numa indústria que através do som e das imagens vendem todo tipo de produto a um público de milhões de pessoas, 24 horas por dia.

Ouvindo e assistindo a um encadeamento de sons e imagens que foram cuidadosamente construídos para atender aos objetivos da emissora e de seus anunciantes: elevar os índices de audiência e o faturamento de anúncios e merchandising. No Brasil, onde as novelas são líderes de audiência, a inserção de propaganda dentro do enredo condiciona comportamentos e perfis dos seus personagens principais, transformados em vendedores subliminares de refrigerante e sabonete” (DUPAS, 2005, p.105).

Sem um ambiente que favoreça o desenvolver de uma postura crítica, os meios de comunicação de massa, a sua programação e a publicidade sem responsabilidades, podem influenciar as crianças a atitudes violentas, a uma sexualização precoce, ao desequilíbrio do

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orçamento familiar, desvalorizar a cultura local, diminuir a criatividade e o interesse pelas brincadeiras com amigos, causar obesidade e enfraquecimento de valores como a solidariedade e a vida em comunidade. Na contramão dessa dominação da publicidade na programação, a forma alternativa é que se comece a educar as crianças com um olhar crítico frente aos conteúdos, como músicas, programas e a publicidade. Porque ao contrário do que pregavam os apocalípticos da escola de Frankfurt, os meios de comunicação de massa também podem produzir materiais de qualidade, visando à educação e a cidadania. Essa perspectiva de mídia-educação implica a adoção de uma postura crítica e criadora de capacidades comunicativas, expressivas e relacionais para avaliar ética e esteticamente o que está sendo oferecido pelas mídias, para interagir significativamente com suas produções para produzir mídias e também para educar para a cidadania (FANTIN, 2008, p.153).

Uma mídia cidadã exige de seus produtores a ética na propaganda, onde eles exponham seus produtos, mas de uma forma responsável sem a exploração do lúdico infantil, a erotização e a sensualidade. A comunicação mercadológica não deve impor o conceito de felicidade ao se consumir produtos e serviços, principalmente a uma comunicação voltada a crianças. Isso porque elas ainda não compreendem as mensagens que podem ser benéficas, ou não, a elas devido ao consumo de determinados produtos. A educação para um consumo consciente deve começar na infância. E preservar a criança da superexposição frente à sociedade do consumo é fundamental para que ela se torne um consumidor consciente no futuro. Este artigo alerta para a influência da indústria cultural e da sociedade de consumo nas decisões de compra e na formação de valores das crianças, que devem ser preparadas no futuro, de uma forma consciente para os direitos sociais e a cidadania. O uso da propaganda como veículo formador de opinião, associando status, beleza, saúde, força, felicidade, entre outros, estabelece uma discussão urgente que deve ser feita 595

para mudar essa realidade. Por isso, é necessária uma educação voltada para um olhar crítico perante as mídias. Com o crescimento do volume e a velocidade de informações em circulação, a mídia tem ganhado um espaço cada vez maior na vida do ser humano. A televisão, o rádio, mas principalmente a Internet e o celular, são os difusores de tais conteúdos.

Muitas crianças de hoje nascem num mundo envolto em tecnologia e se relacionam intensamente com ela, seja na figura da TV, do computador, dos celulares, dos videogames ou de tantos outros – e, consequentemente, se relacionam também com a publicidade veiculada nessas mídias, em especial a TV, veículo publicitário mais utilizado para alcançar o público infantil (LANGE et al, 2009, p.36).

Mas, em relação às crianças, deve-se ter uma atenção redobrada, já que estão em processo de formação e o conteúdo dos meios tem uma característica comercial e, almejam atitudes e pensamentos de consumidores em potencial. “Tendo como base o fato de que 93% dos lares brasileiros possuem pelo menos um aparelho de TV, não é difícil deduzir porque o principal investimento da publicidade destinada ao público infantil está na comunicação televisiva” (FRAGOSO, 2009, p.50). A programação dos meios de comunicação deixa a ética de lado e transforma as concessões públicas em canais contendo um discurso genuinamente mercadológico.

Negligenciando o preceito constitucional do artigo 221 – que prevê a preferência às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas nas programações de rádio e TV – e na ausência de regulamentação específica sobre o tema, os programas infantis nas emissoras privadas se transformaram em vitrine de produtos (SAMPAIO, 2009, p.14).

Com uma programação de qualidade, as crianças poderão receber dos meios de comunicação, a educação para a cidadania. Isto seria uma complementação do conteúdo que recebem da escola. Esta, por sua vez, poderia usar mais a mídia em sala de aula, aproveitando seus conteúdos.

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Alguns professores já usam em sala de aula, programas educativos e grandes reportagens que complementam o conteúdo que estão ensinando. Assim, a comunicação pede uma licença e contribui para a educação formal3. Com uma programação de qualidade, as crianças não seriam alvo dessa publicidade voraz que invade as casas e as mentes delas. Enquanto, no Brasil, não existem leis específicas que protejam as crianças da publicidade e da sociedade de consumo, a intermediação defendida pela mídia-educação4 e pela teoria da recepção devem ser usadas para uma educação mais crítica frente aos meios.

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A educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. (Gohn,[s.d],http://www.cesgranrio.org.br/publicacoes/ensaio/ensaio_50.html) 4

Para Rivoltela (Apud FANTIN, 2006, p.51), esse campo de interação, chamado por ele de Mídia-educação é visto “Como prática social e disciplina curricular na formação de crianças, jovens e adultos trabalhando os conteúdos e as linguagens da alfabetização midiática. Capacitando os sujeitos a ‘ler e escrever’ criticamente com as mídias e discutindo temas como igualdade, direitos de acesso, participação e cidadania – temas do campo da mídia-educação”.

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