PERDA E SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. Atualizado em 31/03/2008
Otávio Piva Nos termos do art. 15, a Constituição da República veda a cassação de direitos políticos, expondo em seus incisos as formas de perda e suspensão. Nada obstante, o constituinte silenciou conceitualmente sobre as espécies e, ainda, quais seriam as situações de perda e quais seriam as de suspensão. A seguir, apresentam-se as principais questões a serem estudadas sobre a matéria.
1. Qual a diferença entre e perda e suspensão?
A doutrina consultada, de maneira unânime, estabelece que a diferença entre PERDA e SUSPENSÃO estaria no fato de que a primeira acarretaria a privação definitiva1 dos direitos políticos, enquanto a última, obviamente, traduziria a idéia de temporariedade. Ousa-se, contudo, discordar. Ora, veja-se, por exemplo, o clássico caso de perda de direitos políticos por cancelamento de naturalização transitado em julgado (CF, art. 15, I). Neste caso, segundo a doutrina2, é inequívoca a possibilidade de reaquisição da nacionalidade, desde que por meio de ação rescisória. Outro caso de perda seria a hipótese de aquisição de outra nacionalidade por naturalização voluntária (CF, art. 12, § 4º, II). Mesmo aqui, a aludida
definitividade não se apresenta face ao disposto no art. 36 da Lei 818/49, que permite a reaquisição da nacionalidade por pedido administrativo do interessado. Por fim, mesmo que se possa discutir ser caso de perda ou de suspensão, o que adiante se verificará, há a situação do art. 15, IV, qual seja, a recusa de cumprir obrigação legal a todos imposta. O exemplo clássico citado pela doutrina é a negativa de cumprimento do serviço militar obrigatório. Aqui também (Lei 8.239/91) há plena possibilidade de regularização, desde que ocorra o adimplemento das obrigações descumpridas.
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Segundo o dicionário Houaiss: “que não volta atrás; categórico, inapelável”. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 214.
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Assim, como se procurou demonstrar,
mesmo no caso de PERDA,
admite-se o restabelecimento dos Direitos Políticos:
“A recuperação dos direitos políticos ocorre tanto nos casos de suspensão como nos de perda, pela cessação dos motivos que as determinaram.” (CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria Geral do Estado e da Constituição, Direito Constitucional Positivo. 13 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 726).
Propõe-se, então, ainda que não estejam resolvidas todas as dúvidas, que distinção entre as espécies de privação não estaria propriamente na definitividade ou na temporariedade, mas tão-somente porque na PERDA não há prazo certo e o seu restabelecimento depende do exercício de vontade por parte do individuo privado dos direitos políticos.
Por sua vez, na hipótese de SUSPENSÃO,
o termo ou evento final
é conhecido e independe da vontade do indivíduo.
2. Quais as modalidades de perda e de suspensão previstas na Constituição?
Primando pela objetividade, apresentar-se-á quadro sistemático com a opinião dos autores pesquisados sobre a matéria:
AUTOR
HIPÓTESES DE PERDA
CF, art. 15, I e IV Uadi Lâmmegos Bulos
CF, art. 12, § 4º, II Vício de consentimento no ato jurídico
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HIPÓTESE DE SUSPENSÃO
CF, art. 15, II CF, art. 15, III CF, art. 15, V
Kildare Gonçalves
CF, art. 15, I
Carvalho
CF, art. 15, IV
Alexandre de Moraes
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
CF, art. 15, IV
CF, art. 15, III
CF, art. 12, § 4º, II
CF, art. 15, V
CF, art. 15, I
CF, art. 15, II
CF, art. 15, IV
CF, art. 15, III CF, art. 15, V
CF, art. 15, IV CF, art. 12, § 4º, II
CF, art. 15, I
Celso Ribeiro Bastos
CF, art. 15, V CF, art. 15, II
CF, art. 15, I
Gilmar Ferreira Mendes
CF, art. 15, III
CF, art. 15, I
Júnior
Pedro Lenza
CF, art. 15, II
CF, art. 15, IV CF, art. 12, § 4º, II
CF, art. 15, II CF, art. 15, III CF, art. 15, V
CF, art. 15, II CF, art. 15, III CF, art. 15, V
CF, art. 15, I
CF, art. 15, II
CF, art. 15, IV
CF, art. 15, III CF, art. 15, V
Vicente Paulo
CF, art. 15, I
CF, art. 15, II
CF, art. 15, IV
CF, art. 15, III CF, art. 15, V
3. O rol do art. 15 da Constituição Federal seria exaustivo?
Efetivamente, o caput do art. 15 enunciou que “É vedada a cassação de
direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:”. Mesmo que a redação constitucional aduza claramente que “só se dará” nos casos do art. 15, a doutrina e o TSE admitem outras situações de perda e suspensão:
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a) Art. 12, § 4º, II da CF/88 - No caso de o brasileiro nato ou naturalizado adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária, após procedimento administrativo no Ministério da Justiça, será expedido o Decreto Presidencial de cancelamento da nacionalidade. Conseqüentemente, haverá a perda dos direitos políticos no Brasil;
b) Vício de consentimento no ato jurídico por erro, dolo, fraude ou simulação - Adverte Uadi Lâmmego Bulos que “sendo anulado judicialmente o procedimento de naturalização, por erro, dolo, coação, fraude ou simulação, o indivíduo volta a ser considerado estrangeiro, perdendo os direitos políticos ativos e passivos;
c) Incorporação às forças armadas na condição de conscrito - Como prescrito na Constituição (art. 14, § 2º), o conscrito, ou seja, aquele que se encontra em serviço militar obrigatório, é inalistável eleitoralmente e, conseqüentemente, inelegível;
Nada obstante, criou-se inusitada situação ao se permitir o alistamento eleitoral aos dezesseis anos de idade, enquanto o tradicional Serviço Militar Obrigatório somente ocorre ao completar dezoito anos. - Qual então é a situação daquele que é incorporado às forças armadas como conscrito aos dezenove anos e que, voluntariamente, já votada desde os dezesseis? O Tribunal Superior Eleitoral decidiu a respeito:
“No entanto, permitido o alistamento a partir dos 16 anos de idade, o matriculado aos 19 anos, certamente já ostenta a condição de eleitor. Como a Constituição afasta a capacidade eleitoral ativa àquele que está no serviço militar obrigatório, e entre eles, o aluno de órgão de formação da Reserva, logo estará afastado do exercício do voto, ainda que eleitor, alistando antes da matrícula no órgão de formação.” (TSE, Consulta 10.471/DF. Resolução 15.850, de 3 de novembro de 1989. Plenário).
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d) Decisão que impõe medida de segurança -
O TSE (Resolução
22.193/06), mesmo considerando que a imposição de medida de segurança a Réu não esteja contemplada expressamente na Constituição Federal, utilizando uma “interpreteção compreensiva” do art. 15, II e III, entendeu deva ser aplicada a suspensão de direitos políticos:
Não obstante tratar-se de sentença absolutória imprópria, a decisão que impõe medida de segurança ostenta natureza condenatória, atribuindo sanção penal, razão por que enseja suspensão de direitos políticos nos termos do art. 15, III, da Constituição Federal.
e) Exercício assegurado pela Cláusula de reciprociddade (art. 12, § 1º) -
Em sua última edição, Pedro Lenza (Direito Constitucional Esquematizado, a
12 ed., Saraiva: São Paulo, 2008, p. 692), aponta o caso dos brasileiros que, em Portugal, invocarem o direito de reciprocidade previsto no Estatuto de Igualdade (Decreto 70.436/72). Nos termos do Acordo Internacional, aqueles brasileiros que requererem o gozo de direitos políticos em Portugal, deverão, aqui, tê-los suspensos.
4. Quais as conseqüências da perda ou da suspensão dos direitos políticos? Segundo Kildare Gonçalves Carvalho3, “a privação dos direitos políticos, seja por suspensão ou por perda, além de acarretar a inalistabilidade e a inelegibilidade, faz com que o indivíduo não possa participar de eleições sindicais, nem dirigir ou ser redator-chefe de jornal ou periódico, nem tampouco ser investido de cargo público ou participar de atividade partidária, inclusive comícios e atos de propaganda em recinto fechado ou aberto.” Contudo, advirta-se que o autor não indica qual o fundamento constitucional ou legal para as aduzidas restrições, especialmente quando algumas delas envolvem a pétrea liberdade de expressão.
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Ob. cit, p. 723.
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Independentemente, frise-se que a suspensão ou a perda de direitos políticos impedirão o exercício de quaisquer atos em exijam o status político de cidadão, tais como a propositura de ação popular (art. 5º, LXXIII), a apresentação de projeto de lei de iniciativa popular (art. 61, § 2º) e, ainda, a apresentação de denúncia por crime de responsabilidade.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Luiz Alberto David et al. Curso de Direito Constitucional. 10ed. São Paulo: Saraiva, 2006. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria Geral do Estado e da Constituição, Direito Constitucional Positivo. 13ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. 1vol. São Paulo: Saraiva, 1989. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 7ed. São Paulo: Método, 2004. MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ed. São Paulo: Atlas, 2007. PAULO, Vicente. Aulas de Direito Constitucional. 8ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2006.
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