Por um regime de oposições: A crítica da imagem

O desdobramento destas reflexões é o livro “Realidades & ficções na trama fotográfica”, ... consolidação da teoria das ‘realidades e ficções na...

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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis

Por um regime de oposições: A crítica da imagem fotográfica a partir de Boris Kossoy

Henrique Augusto Nunes Teixeira, Escola de Belas Artes UFMG Dra. Yacy Ara Froner, Escola de Belas Artes UFMG Resumo: Dentro da historiografia da arte brasileira, a fotografia ocupa um lugar secundário em termos de produções teóricas. Devido a relevância notória de Kossoy e suas contribuições críticas para a fotografia no Brasil, é sua produção objeto de estudos desta pesquisa. As reflexões aqui postas foram organizadas em três sessões. A primeira trata da apresentação da obra do autor, em especial sua teoria crítica das realidades e ficções dentro da fotografia e sua metodologia para utilização da fotografia como fonte de pesquisa; a segunda sessão apresenta algumas relações deste com outros autores e escolas de pensamento; e por último tecemos alguns comentários sobre a produção de Kossoy no contexto brasileiro, como esta se organizou e possíveis análises críticas ao conjunto da obra. Palavras Chaves:Fotografia, Historiografia da Arte, Teoria crítica.

Abstract: Photography as a theoretical field has a secondary position amid Brazilian Art historiography. Boris Kossoy, nevertheless has been an exception to this rule for his contributions have been far reaching, setting the basis for a Brazilian photographical thought. Due to the author’s theories relevance Kossoy is the focus of this work. The paper is divided in 3 sections: the first one presents an overall view of the concepts of the author’s critical theory; the second part presents some of the possible links between him and other classical writers on photography; the last section presents some critical aspects of Kossoy theoretical scope and it’s relation with Brazilian context.

Key words: Photography, Art Historiography, Critic Theory Criação demiúrgica [...] a imagem portadora da história e do tempo, carregada de saberes inacessíveis, a imagem que escapa de quem a concebeu e se volta contra o criador, homem apaixonado pela imagem que inventou. Serge Gruzinski

Introdução A onipresença da imagem nas organizações sociais é notória, parte da constituição das culturas humanas ao longo da história das civilizações. Enquanto manifestação de processos cognitivos, já foi teorizada por diversas correntes de pensamentos e assume de maneira renovada um papel fundamental para a cultura ocidental. Este lugar é legitimado pelo uso das imagens dentro da sociedade contemporânea como meio de veiculação de

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idéias que se presta a funções dentro da cultura de massas (por exemplo, a publicidade e propaganda), da alta-cultura (arte) e outros campos de fruição cultural. E entre as maneiras de se configurar as imagens temos um lugar destacado para fotografia, pois esta trouxe, devido as suas características inerentes de reprodutibilidade e semelhança com o visível, um novo paradigma imagético. No Brasil, entretanto, a fotografia ocupa um lugar relegado em termos de produções críticas e teóricas. Poucos se lançam a refletir de maneira sistemática sobre a complexidade do fenômeno fotográfico; em geral a fotografia é apropriada como veiculo para discussões interdisciplinares de forma pontual, desconexa. Apenas recentemente investigações consistentes foram empreendidas, e desde a década de 70, gradualmente pesquisadores e teóricos têm se voltado à fotografia de maneira mais estruturada. Dentre estes podemos sem dúvida destacar a obra de Boris Kossoy devido a sua coerência, continuidade e honestidade. Devido à relevância notória de Kossoy e suas contribuições historiográficas e críticas para a fotografia no Brasil, foi sua produção objeto de estudos deste trabalho. Foi desenvolvido um mapeamento referencial dos sistemas simbólicos e arcabouços conceituais por ele utilizados bem como levantado alguns dos eixos conceituais que influíram em sua produção intelectual, tais como aproximações a outros autores clássicos da bibliografia das ciências humanas e da bibliografia específica em fotografia. Apresentação da Teoria Crítica de Kossoy: Kossoy por ele mesmo

O interesse de Boris Kossoy por fotografia é extenso. Desde fotógrafo profissional, passando por pesquisador em história/iconologia vinculado a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo até curador, crítico e conferencista: de maneira continua publica desde o começo da década de 70 textos sobre fotografia. Sem dúvida a pesquisa histórica, principalmente em seus anos formativos, é a base de onde Kossoy começa a construir sua maneira de pensar fotografia. Este pensamento é inaugurado em seu primeiro trabalho de renome que o lança no cenário internacional como pesquisador: A descoberta paralela da fotografia em solo brasileiro por Hércules Florence, pesquisa publicada sob a forma de livro em 1977. Debruçando um olhar atento

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sobre sua produção acadêmica é possível delinear dois grandes núcleos de interesse dentro da obra do autor que veremos a seguir. A primeira grande linha de pesquisa que o autor se dedica é a questão histórica da fotografia. Matriz de pensamento de sua formação e estabelecimento enquanto pesquisador, Kossoy mantêm um interesse ativo nesta linha desde os trabalhos a respeito de Hercules Florence na década de 70 até textos mais recentes como o “Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910)” publicado em 2002. O segundo grupo de textos que Kossoy publica são relacionados a composição de uma base metodológica e crítica desenvolvida para sustentar as pesquisas históricas empreendidas pelo autor desde seu ingresso no mundo acadêmico. Publicados de forma de dispersa em congressos, jornais e revistas, foram se avolumando desde o final dos 70 e durante década de 80 até culminar na publicação do livro “Fotografia & História” de 1989. Este livro é composto de recopilações de várias outras publicações e se origina de sua tese de doutorado “Elementos para o estudo da fotografia no Brasil no século XIX“ que foi apresentada em 1979 na Escola de Ciências Sociais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Dentro da obra são apresentadas formas de estruturação de uma metodologia de pesquisa que utiliza a foto como fonte e sugestões sobre interpretações para além de uma abordagem iconológica tradicional. O desdobramento destas reflexões é o livro “Realidades & ficções na trama fotográfica”, publicado dez anos depois. Expandindo proposições feitas na publicação de 1989, este último trabalho traz a consolidação da teoria das ‘realidades e ficções na fotografia’, desenvolvida por Kossoy, que será apresentada logo a seguir. Em 2007, enquanto esta pesquisa de iniciação científica já se encontrava em andamento, Kossoy publica o livro “Os tempos da Fotografia” onde o autor revisa sua própria construção teórica e elucida suas matrizes epistemológicas em um exercício de auto-reflexão. A maneira qual este concebe seu discurso é suavizada através de uma abordagem mais poética de suas concepções. Estes três livros, então, conformam o que Kossoy chama sua ‘tríade teórica’. A síntese do pensamento crítico deste corpo conceitual é a questão da construção de realidades através da fotografia. Em toda fotografia, segundo Kossoy, há um recorte espacial e uma interrupção temporal, gerando uma 823

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relação

dual

de

fragmentação-congelamento

manifestada

na

foto.

Desenvolvendo um pouco mais esta questão se chega a uma dualidade ontológica da fotografia onde o índice e ícone presentes na imagem fotográficas não podem ser dissociados do processo de criação do fotógrafo. No trabalho de Kossoy é muito cara a idéia de construção de ‘realidades’ promovida pelo fenômeno fotográfico. Estas realidades podem ser percebidas como duas: A primeira é o instante físico no qual a luz incidente no assunto sensibiliza a câmera e registra na chapa fotográfica sua presença; a segunda seria a realidade do assunto representado no seu plano real ou mental percebido pelo fotógrafo e pelo observador, a posteriori. O assunto uma vez representado na imagem é um novo real: interpretado e idealizado, em outras palavras, ideologizado. É óbvio que estamos diante de uma outra realidade, a da imagem fotográfica, que a muito chamamos de segunda realidade (KOSSOY, 2000, pág. 43).

Preocupações ontológicas com relação à fotografia são, talvez, um dos grandes eixos temáticos de discussões que despertam o interesse dos mais diversos autores que já discutiram a fotografia. Boris Kossoy em sua busca para o estabelecimento da natureza comum inerente a foto sistematiza um conjunto de princípios articulados em três eixos teóricos com a finalidade de conhecer melhor a natureza da fotografia: o sistema de representação visual e o fenômeno fotográfico; a experiência fotográfica: a produção e a recepção de imagens; a trama fotográfica: realidades e ficções. O pano de fundo comum a todas estas perspectivas organizadoras da fala do autor é o fato de que a imagens fotográficas registram apenas a aparências das coisas e objetos. A partir desta representação visual gerada no fenômeno fotográfico, onde um sujeito fotógrafo produz uma imagem para ser observada por um sujeito fruidor, ficções de realidade são erigidas pelo ato de decodificação deste ultimo incitado pelas aparências das coisas ali mostradas: A característica ontológica da fotografia é a de registrar o aparente, elaborar a aparência, cumprindo assim o seu papel de representação: assim se constroem realidades – a partir da aparência (KOSSOY, 2007, p.155).

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O advento da fotografia trouxe possibilidade inegável do registro das aparências de forma precisa. O autor problematiza este aspecto da ‘natureza testemunhal’ da práxis fotográfica - o caráter de verdade que incide na fotografia a torna passível de ser apropriada como instrumento de poder. Ao captar através de meios mecânicos uma aparência do real, a fotografia é conferida uma validade e confiabilidade muito peculiar. Há uma sensação imanente de verdade, um aspecto testemunhal implícito.

Kossoy, então

apresenta o que chama de ‘binômio Indivisível’ – o testemunho do fotógrafo é indissociável de seu ato criativo ao escolher determinada cena e registrá-la fotograficamente. O fotógrafo desta maneira atuaria como um filtro cultural. Se por um lado a imagem fotográfica em sua superfície mostra uma dada cena localizada nas coordenadas espaço/tempo – e desta forma nos informa sobre dado contexto –, por outro em sua constituição carrega traços de seu autor, pois este, ao produzir uma imagem fotográfica, a impregna de valores estéticos que lhe são próprios. Toda foto é uma apresentação de determinada aparência do real através de lentes estetizantes de um ser fotógrafo. Para analisar o processo fotográfico entrecortado destes filtros estéticos e culturais Kossoy se lança a uma possível forma de interpretação do conteúdo da imagem fotográfica. Atento a subjetividade de tal engenho o autor tenta superar as leituras mordazes derivadas da aceitação fácil da ‘evidência testemunhal’ da fotografia (tal como Bazin a coloca) para alcançar ... seus significados mais profundos que, não raro, se encontram além da verdade iconográfica (KOSSOY, 2001, p.22). Isto é: uma aproximação iconológica (que em muito coincide com a que Erwin Panofsky desenvolve) que busca dentro do documento elementos para sua interpretação apoiados em uma análise iconográfica: Se a análise iconográfica situa-se no nível da imagem, a interpretação iconologógica tem aí seu ponto de partida e estende-se além do documento visível, além da chamada evidência documental. Trata-se da recuperação de diferentes camadas

de

significação.

A

interpretação

iconológica

se

desenvolve na esfera das idéias, das mentalidades (KOSSOY, 2007, p.56).

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As ferramentas de interpretação iconológicas e análise iconográfica são utilizadas por Boris Kossoy como uma forma de acessar este processo de (re)criações de realidades que configura a relação entre o observador e a fotografia. O fantástico; O imaginário, Os circuitos culturais de circulação da imagem – todos estes são elementos que no plano mental desta relação homem-fotografia irão fermentar a arquitetura de uma ficção que vem substituir o real de maneira muito convincente, pois se apóia na impressão de real do ‘testemunho fotográfico’ tal como o autor a aborda. Ao olharmos uma foto de algo que foi (este é parte do índice fotográfico – aponta sempre para o que foi) estamos, segundo o autor, expostos a construção de realidades, pois moldados a memória segundo aquilo que nos é no momento apresentado: A imagem fotográfica é o relê que aciona nossa imaginação para dentro de um mundo representado (tangível ou intangível), fixo na sua condição documental, porém moldável de acordo com nossas imagens

mentais,

nossas

fantasias

e

ambições,

nossos

conhecimentos e ansiedades, nossas realidades e ficções. A imagem fotográfica ultrapassa, na mente do receptor, o fato que representa (KOSSOY, 2000, p. 46).

Estas pontuações são uma síntese de alguns aspectos da teoria crítica do autor pertinentes pare estes estudos. Dado o escopo da obra, é necessário um estudo pormenorizado de várias das idéias apresentadas aqui, por vezes, de forma esquemática. Contudo fica claro a partir destas formulações a idéia de que na obra do Kossoy ocorre uma desmontagem do ato fotográfico. O autor está comprometido com um continuo exercício de decifração dos elementos que compõe da fotografia e, a distinção de alguns outros que tentaram similar engenho, este parte do meio da prática fotográfica para compor um campo próprio de conhecimento. Relações epistemológicas: Kossoy e Outros autores

Uma análise totalizante da obra seria superficial dada a dimensão que este trabalho é inserto. Portanto, pontos de opacidade na percepção dos marcos referenciais dentro de Kossoy são esperados e aceitos como pretexto para estudos futuros. Contudo, foram estabelecidas algumas relações com vários autores citados diversas vezes ao longo da obra, destacando-se entre eles:

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Erwin Panofsky, Pierre Francastel, Susan Sontag. No autor foi identificada também a presença de certas escolas de pensamento, apropriadas de forma pontual, tais como: Iconologia que é matriz da metodologia de análise de fontes históricas que Kossoy apresenta; Escola de Frankfurt; Especialmente quando o autor critica a inserção da fotografia em circuitos de poder, Fenomenologia quando este analisa as diferentes camadas sobrepostas da fotografia. Apesar de utilizar a Iconologia como pano de fundo para a articulação das ferramentas de decifração de realidades, Kossoy discorda de Panofsky ao tratar da análise iconográfica, Kossoy coloca que esta se encontra em um nível descritivo da obra e não interpretativo como aquele autor a trata. A distinção de abordagem no trato da iconografia da imagem fotográfica apontada é crucial dentro da teoria crítica de Kossoy. A partir da limitação constatada - “A análise iconográfica, no caso da representação fotográfica, situa-se a meio caminho da busca do significado do conteúdo; ver, descrever e constatar não é suficiente” (KOSSOY, 2001, p. 95)

- o autor introduz sua teoria das realidades da

fotografia: “É este o momento de uma incursão em profundidade na cena representada, que só será possível se o fragmento visual for compreendido em sua interioridade” (KOSSOY, 2001, p. 96). Para atingir estes significados interiores do conteúdo, o autor inicia uma discussão sobre a realidade interna da fotografia: para Kossoy, ainda que seja possível um esforço para as interpretações da realidade inerente a cada fotograma, este nunca chega a termo. Não há uma interpretação última que seja plena de sentido e finalmente chegue ao ponto zero da foto. A imagem fotográfica, nesta acepção do autor é sempre múltipla, extensa e passível de resignificações quando (re)contextualizada. Kossoy defende esta idéia citando Susan Sontag: “É uma visão do mundo que renega a interconexão, a continuidade, mas que confere a cada momento um caráter de mistério. Toda fotografia contém múltiplas significações” (SONTAG apud KOSSOY, 2001, p.115) e as múltiplas significações das imagens devem ser decifradas, segundo o autor por um sistema criterioso que permita evitar o equívoco do verniz de verdade apresentado pelo ‘testemunho fotográfico’. Tal equívoco fundamental, dentro dos textos clássicos sobre a fotografia, é em grande parte sustentado pela chamada ‘natureza objetiva’ como colocado pelo teórico André Bazin.

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Kossoy aponta uma citação de Bazin particularmente importante para entender as distinções entre as visões dos dois autores: Apesar de qualquer objeção que nosso espírito crítico possa oferecer, somos obrigados a aceitar como real a existência dos objetos reproduzidos, efetivamente representados, colocados diante de nós, vale dizer, no tempo e no espaço (BAZIN apud KOSSOY, 2001, p. 103).

Ao problematizar o testemunho daquilo que esteve presente ante a câmera do fotógrafo, Kossoy expande a questão para uma abordagem ampla que o coloca contra correntes ‘positivistas’ de pensamento, pois esta ultima toma apenas aquilo que é visível para configurar um todo, generalizando a realidade a partir de fragmentos. Uma foto não pode servir como configuradora da realidade que esta aparenta mostrar ainda que traga pistas indiciais de sua estruturação. O grande problema de se tomar uma foto como referência do que é real a partir da alegação de sua natureza ‘objetiva’ é a possibilidade da manipulação ideológica promovida por instâncias de poder a partir deste recurso: A evidência é o fundamento positivista sobre o qual se estribam os processos de criação/construção de realidades – e, portanto de ficções – que regem os mecanismos mentais e ideológicos da construção da representação (produção) e da construção da interpretação (recepção). Assim ganham força documental os mitos políticos, os esteriótipos e os preconceitos raciais, religiosos, de classe (KOSSOY, 2007, p.139).

A taxonomia de Kossoy manifesta em seu ordenamento esquemático da abordagem da imagem ao longo da obra Realidades e Ficções na Trama Fotográfica, lembra um pouco as tríades piercianas e seus esquemas de organização. Esta semiótica de origem pierciana, pioneiramente utilizada para abalizar um caráter científico do estudo da imagem e da imagem artística se contrapõe ao modelo francês de semiótica que nunca quis romper com a presença viva na obra de arte e nas imagens (inclusive fotográficas). O uso da imagem fotográfica como um instrumento simbólico de dominação é objeto de preocupação e questionamento em Kossoy. Desta forma este se aproxima do pensamento Walter Benjamin quando este problematiza a imagem técnica dentro do capitalismo industrial. A um só tempo ela personifica e divulga a cultura de massa desta sociedade. Kossoy lembra em seu livro ‘Os 828

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tempos da fotografia’ do uso pioneiro da fotografia na revista LIFE na ocasião da estréia da circulação da imagem fotográfica colorida: Esta é retirada da vida e ao mesmo tempo é a vida. Neste contexto, podemos lembrar das palavras de Sontag que evocam o questionamento dos circuitos de circulação imagético ligados a grupos de poder tais como Kossoy os critica: Fotografar é transformar pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos. Fotografar alguém é um assassinato sublimado, assim como a câmera é a sublimação do revolver. Fotografar é matar comodamente, como convém a uma época triste e amedrontada (SONTAG, 1997, pág. 197).

Existem muitas outras aproximações teóricas em Boris Kossoy que poderiam ser incorporadas neste trabalho como, por exemplo, o pensamento plástico elaborado por Pierre Francastel (1972) em seu livro ‘Realidade Figurativa’ e como este perpassa a construção dos filtros estéticos apresentados no primeiro capítulo. Ou ainda poderíamos falar da questão da memória constantemente evocada por Kossoy no ultimo livro da tríade conceitual, originada de uma reflexão no precedente ‘Realidades e Ficções na câmera Fotográfica’: Fotografia é memória e com ela se confunde. (KOSSOY, 2000, pág. 132) Jaques Le Goff em seus ensaios para a Enciclopédia Einaudi em grande parte forneceram para o pensamento de Kossoy subsídios quanto a conformação da fotografia enquanto suporte da memória: A

fotografia

[...]

revoluciona

a

memória:

multiplica-a

e

democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica (Kossoy apud Le Goff, 2001, p.152).

Não há espaço aqui para elencar todas as referências dentro da obra do autor. Antes de um projeto totalizador, a pesquisa procurou trabalhar com a extensão dos textos: desdobramentos em diversos artigos são esperados a fim de completar estes estudos em etapas futuras. Feitas estas colocações que procuraram esboçar a contextualizar Boris Kossoy e suas matrizes de referência caminhamos para a apresentação de algumas reflexões finais deste texto.

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Mapeamento das teorias sobre a fotografia no contexto Brasileiro: Fotografia a partir de Kossoy

Ao observar o panorama geral da produção de Boris Kossoy, após uma aproximação minuciosa de sua escrita, é possível perceber tendências distintas na orientação de seu eixo de investigação teórica ao longo da vida acadêmica do autor. A produção intelectual está sempre atrelada a condições concretas do meio qual ela se origina. Ensaios sobre uma perspectiva histórica da fotografia foram a porta de entrada de Kossoy no mundo acadêmico. O contexto da ditadura militar, inóspito a teorizações a respeito da natureza da ‘imagem e a impossibilidade de se questionar seu ‘testemunho’ conformaram a escrita do autor nestes anos formativos (Década de 70) voltada para um discurso técnico a respeito das origens da fotografia no Brasil. A pesquisa a respeito de Hércules Florence teve grande repercussão na academia – talvez pelo caráter ufanista de se ter em solo brasileiro a ‘honra’ de se ter descoberto a fotografia paralelamente aos grandes centros de poder. Ora, dentro do contexto ditatorial, tal tipo de investigação científica mais do que passar pelos censores oficiais, tem de certa forma sua chancela. Estas pesquisas apoiadas por diversas instituições, como a Escola Pós-Graduada em Ciências Sociais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e o Instituto de tecnologia de Rochester, lançou Kossoy para o cenário internacional como pesquisador, bem como o inseriu dentro de uma trama institucional onde a liberdade para certas reflexões críticas era limitada. Kossoy assume desde o final da década de 70 e anos posteriores diversos cargos em instituições públicas ligados à fotografia, como a diretoria do Departamento de Fotografia do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (1976-78), presidência da Comissão de Fotografia da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (1979-83), e diretoria do Museu da Imagem e do Som - MIS/SP (1980-83). Boris Kossoy se torna homem público da academia em meio a um regime de exceção,

o

que

eminentemente

impactou

sua

metodológicos

e

produção históricos.

a

direcionando

Contudo,

de

a uma

estudos forma

contraditória – pois parte de princípios ontológicos libertários -, percebemos o surgimento embrionário de uma articulação crítica de idéias no período logo após o regime que culmina em uma reorientação durante o final dos anos 80 e

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décadas posteriores. A seqüencia gradual que constitui os livros da tríade conceitual de Kossoy é entrecortada com pesquisas inclusive criticando a questão da repressão e censura das imagens em regimes de exceção através de textos como por exemplo o livro Imprensa Confiscada pelo Deops - 19241954, em co-autoria com Maria Luiza Tucci Carneiro, pelo Ateliê Editorial (2004). Tal como as palavras, as imagens são controladas e censuradas; prestam-se

como

“provas”

de

subversão,

são

também

instrumentos de poder para aqueles que detêm, num dado momento, o controle da informação.” (KOSSOY, 2007, p.103)

Outro aspecto especialmente relevante quanto à maneira qual se deu a construção do corpo teórico de Kossoy é a articulação profunda de seus diversos textos, constantemente recopilados, revistos e organizados sob a forma de livros. Apesar de ser um autor com enumeras publicações (35 artigos completos publicados em periódicos, 71 livros/capítulos de livros publicados, 26 demais publicações em congressos e outros) a grande maior parte de suas idéias estão agrupadas na tríade conceitual ’Fotografia & História’,’Realidades e ficções na trama fotográfica’ e ‘Os tempos da fotografia’ ou publicações correlatas a pesquisa a respeito do pioneirismo de Hercule Florence ’Hercule Florence, a descoberta isolada da fotografia no Brasil’. A obra de Boris Kossoy é fundamental para a compreensão da fotografia brasileira tanto por seu pioneirismo quanto por seu rigor conceitual. Graças a seus trabalhos e de outros pioneiros como Pedro Karp Vasquez e Arlindo Machado a fotografia tem gradualmente ocupado um novo lugar

no meio

acadêmico como interesse de pesquisa inclusive em arte. Dentro deste universo de poderes instaurados, dentro de um sistema que possui muitas facetas perversas e que utiliza a Imagem de forma eficiente para perpetuar o controle de massa, a capacidade de refletir e sistematizar o conhecimento sobre a fotografia, ainda que não seja libertador é, com certeza, transformador.

Referências 1. AUMONT, Jacques. A Imagem. São Paulo: Ed. Papirus, 1993. (Título Original em francês: L'image. Éditions Nathan, 1990)

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2. BARTHES, Roland. A câmera clara. 11ªed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006. 3. BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70, 1981. 4. BENJAMIM, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, vol. XLVIII, 1975, p:. 5. BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia, in: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p: 91-107. 6. DEBRAY, R. Vida y muerte de la imagen, historia de la mirada en el occidente. Barcelona: Paidós, 1994. 7. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. 8. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: Ensaios para uma filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. 9. GRUZINSKI, Serge. La guerra de las imágenes: de Cristóbal Colón a "Blade Runner" (1492-2019). Mexico City: Fondo de Cultura Económica, 1994. 10. KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. 11. _____. Fotografia e história. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. 12. _____. Fotografia. In: ZANINI, Walter. História geral da arte no Brasil (Org). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, p: 869-913. 13. _____. Hércules Florence, 1983: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades, 1980. 14. _____. Os tempos da fotografia: O Efêmero e o Perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. 15. _____. Realidades e ficções na trama fotográfica. 3ªed. Cotia: Ateliê Editorial, 2002. 16. LE GOFF, Jacques. Memória-História. Enciclopédia Einaudi vol. 1. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997. 17. SAMAIN, Etienne. (org.) O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. 18. SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 19. TRACHTENBERG, Alan. (org.) Classic Essays on Photography. Stony Creek: Leete`s Island Books, 1980.

Henrique Augusto Nunes Teixeira é formado em licenciatura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Desenvolve pesquisa em teoria e crítica da fotografia, focada no autor Boris Kossoy (FAPEMIG)..

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Yacy Ara Froner é doutora em História pela FFLCH-USP; especialista nas áreas de Arte e Cultura Barroca pelo IAC-UFOP e Conservação pelo CECORUFMG. Atualmente, professora da área de Teoria no Curso de Graduação em Artes Visuais e Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA-UFMG.

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