Projecto Investigação «O papel das organizações da sociedade civil na educação e formação: o caso de Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe», promovido pelo Centro de Estudos Africanos do ISCTE, com o apoio da Fundação Ciência e Tecnologia. [2010-2012] Referência do projecto PTDC/AFR/103240/2008 Estudo de caso Angola: Alfabetização, orientada pela FEC Estudo de caso Guiné-Bissau: Associações [Catarina Lopes –
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1| Contexto político-social do estudo em Angola Passados oito anos da assinatura do Memorando de Paz, Angola tem centrado toda a sua acção programática na «consolidação da paz e da unidade nacional para a promoção do desenvolvimento social» (ECP 2005). Apesar de alguns progressos alcançados, nomeadamente a nível político com a realização das eleições legislativas1 e a nível económico,2 cerca de 96% dos angolanos vivem numa situação de pobreza extrema (28%) ou relativa (68%). Este contexto é marcado e, nalguns casos, agravado com o regresso dos deslocados internos e dos refugiados provenientes da Zâmbia, do Congo, República Democrática do Congo e da Namíbia. O contexto demográfico e social tem sofrido alterações com mais de 30% da população angolana fora da sua área tradicional de residência (estimativa de 2002), contribuindo para novas facetas da pobreza no país. Face a um território de 1.246.700km2 e uma população estimada em 16.900.000 habitantes (dados 2007), o Governo angolano definiu um conjunto de programas e projectos que visam alcançar com celeridade todo o território, dos quais se destaca o «Plano Estratégico de Desconcentração e Descentralização Administrativas» (2000). Na implementação deste plano e de medidas de descentralização, Angola identifica como duas das principais causas do país «a debilidade do quadro institucional, explicado pela baixa qualificação média dos quadros e técnicas pela reduzida produtividade» e «a desqualificação e desvalorização do capital humano» (ECP 2005:17). A desqualificação do capital humano surge referida em diversos programas estatais, nomeadamente no Documento de Estratégia de Redução da Pobreza [Governo de Unidade e Reconciliação Nacional de Angola3: 2005]. Neste, o Governo angolano define como uma das prioridades na luta contra a pobreza no programa de educação duas grandes áreas de impacto: i) educação básica; ii) alfabetização de adultos. O relevo destas áreas pode contribuir para a «redistribuição do rendimento e na promoção da equidade social e correcção das assimetrias regionais e dos desequilíbrios estruturais» [Governo 2005: 63]. A preocupação é tanto maior quanto se verifica existirem cerca de 70% da população analfabeta no país, agravada por um regresso de cerca de 45% dos 2.827.279 cidadãos alfabetizados entre 1976 e 2001 para uma situação de analfabetismo. Em consequência da instabilidade político-militar, o país assistiu a movimentos migratórios acentuados, tendo a recessão económica um impacto no número de professores disponíveis e de pessoas que pudessem frequentar regular e tranquilamente a escola [MEC 2001].
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Setembro 2008, após dezasseis anos sem escrutínio Angola está posicionado em 143º lugar na lista de 182 países, no ranking dos países com um Desenvolvimento Humano Médio (PNUD 2009), em grande parte devido aos indicadores económicos. 3 Para facilitar a leitura, resumir-se-á no corpo do relatório as referências bibliográficas a documentos do Governo de Angola como «Governo» com respectiva data de edição. 2
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Perante este cenário, o Governo angolano elaborou uma nova Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação para o período de 2001-2015,4 consciente que para combater dois dos principais problemas da educação (acesso e qualidade), terá de recorrer a parcerias com a sociedade civil e outras organizações internacionais, já que não tem condições humanas e financeiras suficientes para assumir integralmente o objectivo de erradicar o analfabetismo em Angola. Em 2007, é aprovada a Estratégia de Relançamento da Alfabetização e Aceleração Escolar em conformidade com o estabelecido na Lei de Bases do Sistema de Educação, Lei 13/01, no Programa Integrado para a Melhoria do Sistema de Educação (aprovada a 28/02/2001) e no Plano de Acção Nacional de Educação Para Todos, reforçados no Programa Nacional de Alfabetização e Recuperação do Atraso Escolar (despacho n. 36/08, de 24 de Janeiro). Diversas são as entidades envolvidas em programas de alfabetização em Angola. Duma primeira recolha, é possível verificar que o Estado através das Direcções Provinciais de Educação em cada uma das 18 províncias promove cursos de alfabetização, partilhando esta responsabilidade com Organizações Não Governamentais, congregações de diversas crenças religiosas, com destaque para congregações e movimentos cristãos. Numa primeira resenha documental, apurou-se existirem alguns métodos de alfabetização usados no país, dos quais se indicam o Método tradicional, o Método cubano «Sim, eu posso», o Método Dom Bosco e o Método Express. 2| Bibliografia Angola Agência das Nações Unidas em Angola, Objectivos do Milénio, Relatório de Progresso MDG/NEPAD, Luanda, 2003. World Bank (2001), World Development Report 2000-2001 on Poverty Development – Voices of the Poor. (http://www.worldbank.org/poverty/voices/reports.htm) Ministério da Assistência e Reinserção Social, Avaliação Preliminar do Programa de Regresso e Reassentamento das populações afectadas directamente pelo conflito armado, Luanda, 2003. http://www.botschaftangola.de/news/archiv/download/Apresentacao_do_MinisterioIII.pdf Ministério da Educação de Angola, Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar, Luanda, 2008. Ministério da Educação de Angola, Estratégia de Alfabetização e Recuperação do Atraso Escolar 2006 – 2015, Luanda, 2005. Ministério da Educação de Angola, Estratégia de Alfabetização e Recuperação do Atraso Escolar 2006 – 2015, “Angola alfabetizada, Angola desenvolvida”, Todos pela Alfabetização, Alfabetização para Todos, Luanda, 2005. Ministério da Educação de Angola, Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação 2001 – 2015, Luanda, 2001. Ministério da Educação de Angola, Lei de Bases do Sistema de Educação, 2001. Ministério da Educação de Angola, Plano Quadro Nacional de Reconstrução do Sistema Educativo (19952005), projecto, Luanda, 1995. Ministério do Planeamento, Estratégia de Combate à Pobreza. Reinserção Social, Reabilitação e Reconstrução e Estabilização Económica, Luanda, 2005.
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Aprovada em Conselho de Ministros em 2001 2/3
3| Contexto político-social do estudo na Guiné-Bissau Os 36.125 Km2 da Guiné-Bissau são delimitados pelo Senegal a norte e pela Guiné-Conakry a leste. O território está dividido em nove regiões administrativas: Bafatá, Biombo, Bissau, Bolama/Bijagós, Cacheu, Gabú, Oio, Quínara e Tombali. A Guiné-Bissau integra desde 1997 a zona franca da Comunidade Financeira da África Ocidental, sendo o oitavo membro da União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA), que reúne o Benin, Burkina-Faso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal e Togo. As primeiras eleições multipartidárias, deram-se na Guiné-Bissau em 1994. Desde a proclamação unilateral de independência, a 24 de Setembro de 1973, o país é marcado por diversos conflitos militares e políticos, sendo o mais significativo o que se liga aos onze meses de conflito em 1998. As alterações sucessivas ao elenco governativo guineense colocam este país anualmente no final da lista do Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em termos de Índice de Desenvolvimento Humano1. A distribuição do emprego centra-se substancialmente na agricultura (87%), serviços (11%) e indústria (2%)2. Apesar de ser um País de Língua Oficial Portuguesa, a Guiné-Bissau regista taxas muito baixas de utilização desse idioma [11%, em 1979, e 10,4% em 1992]3, partilhando com o crioulo, língua franca globalmente dominada pela maior parte da população, e com outras línguas locais como sejam o balanta, o fula, o mandinga, o papel, o manjaco, entre outras. No sector da educação, as principais carências para implementar o Plano Nacional de Acção/ Educação Para Todos, apontadas pelo Ministério da Educação da Guiné-Bissau, prendiam-se a: • Insuficiente rede escolar • Turmas com número elevado de alunos • Escassez de material didáctico-pedagógico • Insuficiente número de docentes • Fraca qualidade académica dos professores • Elevada taxa de analfabetismo, abandono, reprovação • Desproporção de género no sistema escolar Na arquitectura do sistema educativo, a Guiné-Bissau tem assistido a um surto de estabelecimentos escolares privados e, sobretudo, de participação comunitária. A sociedade civil nas suas diversas modalidades de expressão tem desempenhado um papel fundamental, nomeadamente no aumento de acesso a educação através de modelos de gestão participativa em escolas públicas e modelos de gestão comunitária. O Estado guineense apresenta dificuldades em gerir o território na sequência do compromisso assumido em Dakar, em 2000, de uma Educação Para Todos. Com o aumento assinalável de procura por parte das comunidades, evidenciam-se os constrangimentos nacionais, dos quais se destacam: i) infraestruturas escassas ou deterioradas (algumas do período colonial ou com materiais locais que não sobrevivem as intempéries da época da chuva); ii) número de professores escassos para o número crescente de alunos a entrar no sistema; iii) dificuldades no recrutamento de professores estatais para escolas fora das cidades capitais; iv) salários em atraso com consequências na estabilidade das escolas com interrupções sucessivas das aulas. Reconhecendo a importância que a escola possa ter no desenvolvimento das aldeias, as populações têm-se reagrupado para apoiar o sector da educação. A participação comunitária não tem sido homogénea, surgindo respostas e modelos diferentes, em função da localização 3/3
geográfica, do grupo étnico dominante e sua história na aldeia, e dos actores envolvidos. Estes modelos existem geograficamente mais concentrados em determinadas regiões, com particular destaque em espaços rurais. Nos bairros urbanos de Bissau, desenvolve-se o modelo de escolas populares; na região de Oio, predomina o modelo de escolas de autogestão; nas regiões de Bafatá e Gabú, surgem com expressividade as escolas comunitárias; na região de Cacheu, destacam-se as escolas públicas com intervenção de associações de manjacos. Na região de Cacheu, a participação da sociedade civil no sector da educação envolve diversos actores, uns pertencentes à tabanca, outros residentes fora, inclusive no estrangeiro. No quadro da diáspora, as associações manjacas com mais impacto financeiro são por ordem decrescente: Espanha, Portugal e França. O apoio financeiro dos associados na Guiné-Bissau (na tabanca e noutras regiões do país) e no Senegal tem sido residual. Para a sustentabilidade da escola, outros actores têm um contributo, em particular o Estado guineense a nível descentralizado como seja o caso da Direcção Regional de Educação de Cacheu. Dado o relevo e crescimento de associações, foi criada a Confederação das Organizações não Governamentais e Associações Intervenientes ao Sul do Rio Cacheu – a CONGAI, em 2005,5 com o objectivo de coordenar as iniciativas das diversas associações e constituir-se como plataforma entre associações e potenciais financiadores. Segundo a CONGAI, as associações com mais capacidade financeira são aquelas que investem significativamente no sector da educação. As restantes procuram desenvolver actividades mais no sector agrícola. A intervenção na educação faz-se essencialmente através de: i) (re) construção da escola ou de salas de aula; ii) equipamento da escola (carteiras e cadeiras); iii) apoios diversos ao professor (construção de residência, na aquisição de bicicleta, na alimentação); iv) pagamento de um incentivo mensal de modo a que o professor possa suportar os sucessivos atrasos salariais do Estado. As potencialidades das associações no desenvolvimento da educação são notórias. Porém não deixam de se evidenciar ao longo dos anos a necessidade de reavaliar a estratégia definida inicialmente das associações, de modo a contrariar alguns factores que tendem a fragilizar estas instituições. 4| Bibliografia Guiné-Bissau Bicari, Lino (2004), Relatório sobre Escolas Comunitárias, Ministério da Educação Nacional, Direcção geral do Ensino Básico na Guiné-Bissau, Bissau. Bicari, Lino (2004), «Reorganização das comunidades rurais – Base e ponto de partida para o desenvolvimento moderno da Guiné-Bissau» in Soronda, Revista de Estudos Guineenses, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Nova Série nº 8, Bissau, pp.133-135. Cabral, Amilcar (s/d), Guiné-Bissau – Nação africana forjada na luta, Publicações Nova Aurora, Lisboa. CIDAC-C (1976), Guiné-Bissau – 3 anos de independência, Lisboa. Dâmaso, Fernanda (1997), Educação e Formação de Quadros na Guiné-Bissau, Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Social e Económico em África: Análise e Gestão», Lisboa, ISCTE.
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Certidão de Escritura de Constituição da Confederação das Organizações Não Governamentais, lavrada em 20 de Junho de 2005, Notariado da Guiné-Bissau, sector de Bissau.
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Ferreira, Eduardo (1974), O Fim de uma era – O colonialismo português em África, Lisboa, Sá da Costa. Galli, Rosemary & Jones, Jocelyn (1986), A educação na República da Guiné-Bissau – Análise Sectorial, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Lepri, Jean-Pierre (1988), «Formação de professores, locais, materiais escolares e insucesso escolar na Guiné-Bissau» in Soronda – Revista de Estudos Guineenses, Bissau, nº4, Julho, pp.15-37. Lopes, Catarina (2007), Participação das populações locais no desenvolvimento da Educação. Caso de estudo: escolas comunitárias da região de Bafatá. Guiné-Bissau 2004 -2006, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia (2000), Declaração da Política Educativa, Bissau, Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia Ministério da Educação Nacional (2003), Plano Nacional de Acção – Educação Para Todos, Bissau, Ministério da Educação Nacional. Monteiro, João José (2005), A Educação na Guiné-Bissau: bases para uma estratégia sectorial renovada, PAEB/FIRKIDJA, Bissau. Pereira, Aristides (2002), Uma luta, um partido, dois países. Guiné-Bissau e Cabo Verde, Editorial Notícias, Lisboa. Spínola, António (1970), Por uma Guiné Melhor, Agência Geral do Ultramar, Lisboa. Silá, Abdulai (1995), A última tragédia, Bissau, Ku Si Mon Editora
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