O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA EFETIVAÇÃO DOS

Em seguida, será abordada a teoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição, tecendo um debate acerca da necessidade de implementação dos c...

12 downloads 308 Views 175KB Size
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS À LUZ DA SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO DE PETER HÄBERLE FEVERSANI, Francini; SANTOS, Noemi de Freitas Trabalho de Pesquisa do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Profª do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected]; [email protected]

RESUMO Este trabalho analisa o papel da jurisdição constitucional na efetivação dos direitos sociais, através da teoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição. O artigo tece um debate entre o procedimentalismo de Habermas e o substancialismo de Peter Häberle na atual conjuntura do Estado Democrático de Direito. Para isso, foi utilizado o método de abordagem indutivo que parte da análise da jurisdição constitucional, como forma de efetivação dos direitos e garantias constitucionais, para uma visão geral da sociedade aberta dos intérpretes da constituição. Palavras-chave: Estado Democrático; Jurisdição Constitucional; Procedimentalismo; Sociedade Aberta; Substancialismo. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa a demonstrar a efetividade dos direitos através da jurisdição constitucional e sua relação com o Estado Democrático de Direito, trazendo à baila a teoria de Peter Häberle da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição. Tal teoria relacionase com a associação da Constituição à realidade integrando ao processo interpretativo, todos os que fazem parte da realidade da Constituição. Dessa

maneira,

objetiva-se

fazer

um

debate

entre

os

discursos

do

procedimentalismo de Habermas e do substancialismo de Peter Häberle no atual constitucionalismo contemporâneo e analisar a Constituição através de uma sociedade pluralista, carente de respostas eficazes para os anseios sociais. Num primeiro momento, faz-se necessário ressaltar a ideia de jurisdição constitucional como forma de efetivação dos direitos e garantias constitucionais, através da aplicação da lei a um caso concreto. Após, será analisado o procedimentalismo em contraposição ao substancialismo, analisando as duas correntes filosóficas distintas. 1

Em seguida, será abordada a teoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição, tecendo um debate acerca da necessidade de implementação dos conceitos de Peter Häberle no constitucionalismo contemporâneo. Delinear os principais aspectos da nova teoria da interpretação constitucional de maneira objetiva é o escopo do presente estudo. 2 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS No limiar do constitucionalismo do pós-guerra, muitos países, influenciados pelas Constituições Mexicanas, de 1917, e de Weimar, de 1919 e pelo modelo de Estado de BemEstar, o denominado Walfare State, trouxeram no bojo de suas constituições uma carga de valores compatíveis com o atendimento ao princípio da dignidade humana, que passou a nortear todo o núcleo político das constituições contemporâneas (DIMOULIS; MARTINS, 2006, p. 32-34). Não foi diferente no Brasil, em que a Constituição Brasileira de 1988 trouxe como princípio basilar a dignidade da pessoa humana com mecanismos para implantação das políticas do Walfare State, como por exemplo, o mandado de injunção; que garante o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, sempre que esse tornar-se inviável pela falta de norma regulamentadora. Por hora, faz-se necessário trazer o conceito de Constituição que, segundo José Adércio Leite Sampaio (2002, p. 9), possui várias concepções “a palavra ‘Constituição’ apresenta uma variedade de significados, afirmando-se hoje que há um conceito de Constituição em meio a várias concepções ou, em sentido diverso, uma apresentação tipológica mais que conceitual”. Os diversos conceitos de Constituição foram formulados a partir das mudanças que permeiam a sociedade atual, através da introdução de novos mecanismos no cenário internacional,

como

a

globalização,

que

permite

uma

visão

global

do

novo

constitucionalismo de efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Importante referir o conceito exposto por Ferrajoli apud Streck (2002, p. 98) como “um sistema de regras, substanciais e formais, que têm como destinatários os mesmos titulares do poder”. Ora, se o titular do poder é o povo e a destinação final é a população, nada mais justo que se faça cumprir as normas compromissórias presentes nas constituições. Para a garantia dessa efetivação é necessário, por vezes, deslocar o foco de poder do Legislativo e Executivo para o plano da jurisdição constitucional que no entender de Canotilho (1998, p. 905) consiste em: 2

[...] decidir vinculativamente, num processo jurisdicional, o que é o direito, tomando como parâmetro material a constituição ou o bloco de legalidade reforçada, consoante se trate de fiscalização da constitucionalidade ou de fiscalização da legalidade.

O constitucionalismo do pós-guerra, num primeiro momento, operou como limitação e controle do poder em face às atrocidades cometidas pelos Estados Absolutistas. Atualmente, surge como um constitucionalismo do por vir, que segundo André Ramos Tavares (2002, p. 14) deve revelar valores fundamentais, em que o texto normativo traga uma identidade entre o que está escrito e o que é efetivado na prática. Ainda, a solidariedade constituindo uma nova concepção de igualdade com fundamentos basilares na dignidade da pessoa humana. E, por fim, o valor universalidade deve povoar os textos normativos das constituições contemporâneas com a finalidade precípua de proteger os supra direitos fundamentais de uma sociedade pluralista. A garantia da jurisdição constitucional se dá através da supremacia da Constituição como norma superior que não poderá ser contrariada pelas normas infraconstitucionais. Para isso, a jurisdição constitucional emergiu primeiramente para resguardar a Lei Maior que operacionalizada pelo judiciário exerce o controle difuso e concentrado de constitucionalidade das leis. Hodiernamente, faz-se necessário não apenas aferir a validade normativa das leis infraconstitucionais e sim, buscar a efetivação das ideias e valores presentes na Carta Maior, pois de nada adiantaria entrar em vigor uma constituição se essa não é cumprida, concretizada e efetivada pelos operadores jurídicos, verdadeiros guardiões da norma suprema. O Judiciário brasileiro está passando por uma revolução, ainda que silenciosa, na qual ecoa através de decisões proferidas por juízes federais; que tentam tornar a justiça mais humana e fugir do ditado “dura lex sed lex” significado em latim, a lei é dura, mas é a lei. Como exemplo desta revolução, pela qual emerge a Justiça Federal é relevante trazer à baila a decisão proferida por um Juiz de Direito ao revogar a prisão de Neusa; uma empregada doméstica que furtou uma quantia insignificante para poder retornar a sua cidade natal, após tentativa frustrada de uma vida melhor na capital. Segundo Herkenhoff (2001, p. 6-8) é o que segue: Considerando o pequeno valor do furto; considerando o minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo não tivesse passado inutilmente por esta Terra, em vez de procurar a Polícia por causa de Cr$ 150,00, teria 3

facilitado a ida da acusada para Governador Valadares, ainda mais que a acusada havia revelado sua inadaptação a esta cidade, certamente inadaptação maior ao próprio lar, por causa do padrasto; considerando que a acusada é quase uma menor, pois mal transpôs o limite cronológico da irresponsabilidade penal; considerando que o Estado processa uma empregada doméstica que lesa seu patrão em Cr$150,00, mas não processa os patrões que lesam seus empregados, que lhes negam salário, que lhes furtam os mais sagrados direitos; considerando que o cárcere é fator criminogênio e que não se pode tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarcerados para, nessa universidade do crime, adquirir, aí sim, intensa periculosidade social; RELAXO a prisão de Neuza F., determinando que saia deste Palácio da Justiça em liberdade.

O caso em tela demonstra a preocupação do juiz em proporcionar a Neusa mais que o prazer da liberdade, pois era preciso que ela sentisse do afeto do ser humano e o calor da solidariedade e, ainda a decisão deveria servir para encorajá-la a continuar a busca por uma vida digna e pautada na humanidade. Assim, demonstradas as considerações acerca da jurisdição constitucional e da sua importância para a efetivação do texto normativo constitucional é necessária uma abordagem acerca de duas correntes filosóficas, que norteiam os discursos do constitucionalismo contemporâneo. 3 METODOLOGIA O trabalho tem por escopo delinear os principais aspectos da nova teoria da interpretação constitucional à luz da teoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição de Peter Häberle, tecendo um debate entre o procedimentalismo e o substancialismo. Para isso, foi utilizado o método de abordagem indutivo que parte da análise da jurisdição constitucional, como forma de efetivação dos direitos e garantias constitucionais, para uma visão geral da sociedade aberta dos intérpretes da constituição. 4 PROCEDIMENTALISMO VERSUS SUBSTANCIALISMO A extensão da jurisdição constitucional pode ser marcada por duas correntes filosóficas distintas: procedimentalismo ou substancialismo. A primeira separa os discursos de fundamentação dos de aplicação, ou seja, os critérios usados para afirmar a validez de uma norma não coincidem com os utilizados na prática, e a segunda serve para indicar a adequação de uma norma válida a uma determinada situação concreta. Assim, o raciocínio prático apresenta duas modalidades: a fundamentação da validez de uma norma geral e a justificação da pertinência da aplicação de uma norma geral a um caso particular. 4

O modelo procedimental afirma que uma norma somente pode ser aplicada legitimamente, em uma situação concreta, se antes forem levadas em consideração todas as características relevantes desta situação, assegurando assim uma interpretação coerente de todas as normas aplicáveis. Portanto, uma norma jurídica particular somente é correta quando se apoia em normas válidas para sua aplicação ser adequada. Com isso, o procedimentalismo nega que a legitimidade da jurisdição constitucional esteja na tutela do conteúdo material dos direitos fundamentais. Caberia à jurisdição apenas corrigir eventuais desvios no processo de representação popular, a fim de assegurar a efetiva participação do povo no poder e a participação política das minorias. Segundo Habermas (1997, p. 185): O paradigma procedimental do direito orienta o olhar do legislador para as condições de mobilização do direito. Quando a diferenciação social é grande e há ruptura entre o nível de conhecimento e a consciência de grupos virtualmente ameaçados, impõem-se medidas que podem “capacitar os indivíduos a formar interesses, a tematizá-los na comunidade e a introduzi-los no processo de decisão do Estado.

O procedimentalismo também critica o que se denomina de gigantismo ou politização do poder judiciário. A invasão da sociedade pelo judiciário, ou a não-resistência à tentação de interpretar o direito mediante a introdução de juízos morais, comprometeria a sua imparcialidade, além de debilitar a democracia representativa. Logo, a jurisdição constitucional deveria se limitar à tarefa de compreensão procedimental da Constituição (CAMBI, 2009, p. 282). A Constituição deveria apenas determinar procedimentos políticos para que os cidadãos, ao assumirem seu direito de autodeterminação, possam perseguir o projeto de produzir condições justas de vida. Para esta corrente, a Constituição não deve conter nenhum dever ou proibição substancial que restrinja a competência do legislador, pois o legislativo não está vinculado a nenhuma limitação quanto ao conteúdo das leis infraconstitucionais. Em razão disto, o modelo puramente procedimental é incompatível com a vinculação jurídica aos direitos fundamentais. Por outro lado, a corrente substancialista da jurisdição entende que o poder judiciário é o intérprete da vontade geral, ou dos valores substanciais implícitos no direito positivo. Acredita que o judiciário deve concretizar o conteúdo democrático da Constituição, enquanto explicitação do contrato social. Para Lenio Streck (2004, p. 179) “[...] o judiciário não pode assumir uma postura passiva diante da sociedade.”

5

Assim, quer-se resgatar o caráter transformador da Constituição, para que se possa assegurar a devida força normativa aos princípios e regras constitucionais, capazes de realizar o núcleo axiológico das promessas emancipatórias não cumpridas, fazendo portanto, que a Constituição realize o contrato social. Segundo Streck (2004, p. 182) os direitos fundamentais são princípios que garantem a realização da dimensão material da democracia substancial, pois um Estado que cumpre apenas a parte formal estaria incompleto e não representaria o Estado Democrático de Direito. Entretanto, não se deve rechaçar o modelo puramente procedimentalista da Constituição, passando-se para o extremo oposto e adotando-se um modelo puramente material, pois ao afirmar que o judiciário deve tutelar direitos fundamentais é diferente de sustentar a ideia de que a Constituição seja um genoma jurídico do qual tudo deriva. A Constituição deve vincular o legislador aos direitos fundamentais, impedindo que se crie uma discricionariedade substancialmente ilimitada, como descreveu Eduardo Cambi. Porém, isto não significa que toda e qualquer liberdade legislativa esteja eliminada do arcabouço jurídico constitucional. O modelo de Constituição deve ser adequado à realização dos direitos fundamentais, servindo ora como uma ordem-fundamento, impedindo que determinadas questões, por serem fundamentais à comunidade, sejam decididas; ora como uma moldura, prevendo discricionariedades estrutural e epistêmica ou cognitiva. Dentro desse contexto, que assegura a vinculação da jurisdição constitucional aos direitos fundamentais faz-se necessário analisar a teoria de Peter Häberle de uma sociedade pluralista como a hodierna. 5 RESULTADO: A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS ATRAVÉS DA SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO O constitucionalista alemão Peter Häberle é Professor Titular de Direito Público e de Filosofia do Direito da Universidade da Augsburg-RFA. O mesmo concentra seus esforços acadêmicos ao estudo dos problemas relacionados aos direitos fundamentais e de direito constitucional, com diferenciado enfoque nos diversos aspectos do direito constitucional comparado. Em 1997 ganhou tradução para o português, elaborada pelo professor Gilmar Ferreira Mendes, a obra "Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes

6

da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição", que veio a lume através da editora Sérgio Antonio Fabris Editor. Desde a sua primeira apresentação e, com maior intensidade após a edição da referida tradução para o português, as ideias do concretista alemão repercutiram no Brasil, influenciando a jurisprudência e doutrina pátria. Neste contexto, a construção teórica de Häberle parece desdobrar-se através de três pontos principais: o primeiro, o alargamento do círculo de intérpretes da Constituição: o segundo, o conceito de interpretação como um processo aberto e público; e, finalmente, o terceiro, ou seja, a referência desse conceito à Constituição mesma, como realidade constituída e publicização. Sustenta Häberle que uma teoria da interpretação constitucional deve encarar seriamente o tema Constituição e a realidade constitucional. Por esta razão, preconiza que mister se faz a construção de uma hermenêutica constitucional adequada a uma sociedade pluralista, a uma - por ele assim denominada – "sociedade aberta". No tocante à realização de um método de interpretação constitucional, que preveja a compreensão de todas as potências públicas, grupos sociais e cidadãos envolvidos ou que, de forma direta ou indireta, influenciem no labor interpretativo dos agentes formalmente legitimados para produzir a norma em abstrato ou em concreto é o objetivo da obra de Peter Häberle. A tensão existente entre a realidade constitucional e a própria Constituição é base da teoria de Häberle e, é com o propósito de desvendar essa teoria que se propõe a leitura dos itens seguintes. A Sociedade Aberta definida por Häberle - cumpre ressaltar que a primeira definição de Sociedade Aberta, segundo os moldes adotados por Peter Häberle, encontra-se na obra de Karl Popper, e constituía-se na sociedade baseada na razão crítica humana - cumpre papel dúplice no novo método de interpretação constitucional. Ela tanto é objetivo, como é criadora desta interpretação, pois, ao mesmo tempo em que o método constitucional procura atender às expectativas dos grupos sociais (potências públicas) – e, por isso, é objetivo também sofre influência destes no processo criativo em que se constitui a interpretação constitucional, ou seja, segundo Häberle (1997, p. 13): A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade. (...) Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade.

7

Constitui-se, portanto, em uma sociedade aberta aquela que compreende a participação, direta ou indireta, dos agentes sociais no processo hermenêutico, cabendo aos mesmos tanto a função de intérprete como a de destinatário sendo definido por Peter Häberle (1997, p. 23) como: Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não os detém o monopólio da interpretação da constituição.

Rompe-se, dessa forma, com o monopólio estatal da interpretação constitucional, admitindo a participação, não só dos tradicionais intérpretes da norma jurídica (juízes e políticos), mas também daqueles que atuam como co-intérpretes (experts, grupos singulares, organizações religiosas, imprensa, etc.), influenciando no processo criativo. A Teoria de Peter Häberle baseia-se no fato de que os dispositivos constitucionais não se constituem em obras prontas e acabadas, mas sim, para que elas sejam concretizadas, necessitam de uma interpretação ampla, abarcando todos aqueles que vivem a realidade da norma. O momento histórico acaba influenciando nas decisões dos juízes constitucionais, o que se coaduna com a Teoria de Häberle. É possível concluir que a norma constitucional será aberta sempre que permitir uma reinterpretação constante de si mesma, realizada num dado momento histórico. Peter Häberle (1997, p. 79) reconhece o pluralismo como suporte da cultura, isso significa dizer que a compreensão adotada por ele a respeito da diversidade cultural deve ser respeitada acima de qualquer outro aspecto porque não há possibilidade de existir uma moral universal a todos os seres do planeta, uma vez que está se tratando de indivíduos que possuem diferentes convicções morais, religiosas, dentre outras. E, nesse aspecto, ressaltase, que somente por meio da abertura da Constituição a esses novos aspectos plurais que se conseguirá sua efetiva concretização. Deve ser aberto ao mundo da vida, tendo em vista a necessidade de adequação da Constituição à realidade constitucional contemporânea para o contínuo ajuste da Constituição formal. A Constituição, na sua visão, necessita de uma perspectiva eminentemente cultural, eis que Häberle a considera como um elemento vivo que é resultado das interações acontecidas entre o texto normativo e o entorno cultural que o envolve. Essa noção de Constituição que interage com o mundo da vida e que assim se torna peculiar é que recebe

8

a designação denominada por Häberle como aberta e que deu origem a um de seus mais brilhantes trabalhos. A Constituição precisa de um processo permanente de integração entre a norma posta constitucionalmente e a realidade das pessoas que a cercam, e por isso a argumentação de que ela é um produto eminentemente cultural. Isto se evidencia no elemento norteador de sua teoria, quer seja na ampliação ou no aprimoramento dos instrumentos de comunicação entre os juízes e a comunidade. Esta afirmativa está fundamentada no fato de que todos aqueles que vivem sob a égide da Constituição devem ser considerados, como Peter Häberle chamou, de forças produtivas de interpretação e que podem ser considerados como intérpretes da Constituição. Assim, a abertura da Constituição pode ser considerada uma virtude decorrente de sua própria natureza de norma fundamental, como sistema normativo aberto de princípios e regras que é. Para Häberle, quanto mais pluralista for a sociedade, maiores deverão ser os critérios de interpretação tornando, consequentemente, as decisões com maior legitimidade. Com isso, o método de interpretação deve buscar realizar o interesse público e o bem-estar geral. Vislumbra, enfim, a atividade interpretativa como um processo complexo, composto por diversos elementos e atores, como algo não estanque, pronto e acabado que não tem uma última e definitiva palavra. Conseqüentemente, através da sociedade aberta dos intérpretes, concilia o Direito com a Sociedade e as mutações que lhes são inerentes, o que torna a sua tese uma leitura obrigatória para todos os que interpretam e aplicam a Carta Magna. Destarte, não resta dúvida de que suas idéias uma vez corretamente aplicadas – sem olvidar o sistema jurídico normativo posto – contribuirão, gradativamente, para a tão almejada efetividade (real e integral) dos dispositivos constitucionais, pelo que os serve como valioso e indispensável instrumento para a denominada - e necessária - concretização da Constituição. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A constituição somente será efetivada a partir do rompimento com os dogmas préestabelecidos do passado, de um modelo pronto e acabado de democracia proposto por Habermas, e nos pautarmos na realidade social presente numa sociedade pluralista, com tradições peculiares e inerentes a cultura diversificada de cada população. Portanto, a teoria

9

de Peter Häberle contribui decisivamente para uma interpretação aberta da Constituição que abarque os mais diversos atores da cena constitucional. A garantia dos direitos fundamentais proposta pelo judiciário, em especial pelos juízes federais, visa concretizar valores fundamentais como igualdade, liberdade e dignidade e evidencia que a norma para ser efetivada necessita ser aplicada através da experiência cotidiana do caso concreto, pois caso contrário, seria uma legislação meramente simbólica. De nada adiantaria ter uma constituição em que a base é a dignidade da pessoa humana, se esta não passa do papel para a realidade hodierna e, esta complexa tarefa depende da hermenêutica, principalmente, da jurisdição constitucional, para deixar de ser apenas uma Carta Política repleta de enunciados vazios. REFERÊNCIAS CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Protagonismo Judiciário. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 191 e 282. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 3ª ed., 1998, p. 905. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 32-34. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia, entre faticticidade e validade. Vol. 2. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 185. HERKENHOFF, João Baptista. Uma porta para o homem no direito criminal. Rio de Janeiro, Forense, 4ª ed., 2001, p. 6, 7 e 8. SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 9. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 98, 182 e 179. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 14.

10