95 André Wagner Melgaço Reis* PSICOPATIA: UM BREVE

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André Wagner Melgaço Reis* PSICOPATIA: UM BREVE ESTUDO PSYCHOPATHY: A BRIEF STUDY PSICOPATÍA: UN BREVE ESTUDIO

Resumo: O presente artigo pretende fazer considerações gerais a respeito da psicopatia. O tema é introduzido por meio de um caso fictício, o qual revela a personalidade anormal do protagonista. Este, ainda que seja um psicopata, não é um doente mental. Logo, por ser imputável, deve, a priori, responder criminalmente como qualquer outra pessoa. Em seguida, discorre a respeito da origem da psicopatia, sendo preponderante a corrente que sustenta que ela é inata, isto é, o sujeito nasce psicopata, muito embora fatores externos – em especial, aqueles relacionados à educação, à família e ao meio social onde se vive -, possam potencializar tal transtorno de personalidade. São mencionados casos reais para ilustrar e contextualizar o poder das circunstâncias e a psicopatia adquirida. O trabalho discorre, também, sobre as características típicas do psicopata, bem como sobre a questão da ineficácia dos tratamentos tradicionais. Abstract: This article aims to make general considerations about psychopathy. The theme is introduced by means of a fictitious case which reveals abnormal personality of the protagonist. Although he is a psychopath, he is not mentally ill. Therefore, by being attributable he must, a priori, respond criminally as anyone else. Then it discusses about the origin of psychopathy, in which the leading current of thought is the one that underpins it as innate, this is, the subject is born psychopath, although external factors - in particular those related to education, family and social environment where one lives -, may leverage this personality

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Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba-PR. Promotor de Justiça do MP-GO.

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disorder. Real cases are mentioned to illustrate and contextualize the power of circumstances and acquired psychopathy. The work expatiates also on the typical characteristics of the psychopath, as well as on the issue of ineffectiveness of traditional treatments. Resumen: El presente artículo tiene como objectivo hacer consideraciones generales sobre la psicopatía. El tema se introduce por medio de un caso ficticio que revela la personalidad anormal del protagonista. Este, sin embargo sea un psicópata, no es, todavía, un enfermo mental. Por lo tanto, al ser imputable él debe responder, a priori, criminalmente como cualquier otra persona. A continuación, se discute sobre el origen de la psicopatía, donde la principal corriente de pensamiento es la que susténtala como innata, es decir, la persona nace psicópata, aunque los factores externos - en particular los relacionados con la educación, la familia y el entorno social donde se vive -, pueden potencializar este trastorno de personalidad. Se mencionan, también, casos reales para ilustrar y contextualizar el poder de las circunstancias y la psicopatía adquirida. El trabajo contempla, también, las características típicas del psicópata, así como la cuestión de la falta de efectividad de los tratamientos tradicionales. Palavras-chave: Psicopata, transtorno de personalidade, ausência de doença mental, imputabilidade. Keywords: Psychopath, personality disorder, mental illness absence, imputability. Palabras clave: Psicopatía, trastorno de personalidad, ausencia de enfermedad mental, imputabilidad.

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INTRODUÇÃO AO TEMA POR MEIO DE UM CASO NARRADO POR MAX AUB Max Aub (2015, p. 46-47), em seu livro “Crimes exemplares”, conta o seguinte caso: Fazia um frio dos diabos. Ele marcou às sete e quinze na esquina da Venustiano Carranza com a San Juan de Letrán. Não sou desses homens absurdos que adoram o relógio e o reverenciam como uma divindade inalterável. Entendo que o tempo é elástico e que, quando se marca às sete e quinze, pode valer como sete e meia. Tenho um critério flexível para tudo. Sempre fui um homem muito tolerante: um liberal da boa escola. Mas certas coisas são inaceitáveis, por mais liberal que a pessoa seja. O fato de eu ser pontual não obriga os outros a fazer o mesmo, até certo ponto; mas vocês hão de concordar comigo que esse ponto existe. Já disse que estava um frio terrível. E aquela maldita esquina estava aberta a todos os ventos. Sete e meia, vinte para as oito, dez para as oito. Oito horas. Naturalmente vocês me perguntarão por que eu não fui embora. Simples: sou um homem respeitador da palavra dada, um pouco antiquado, vocês dirão, mas, quando eu digo uma coisa, eu cumpro. Héctor tinha marcado às sete e quinze, e nunca me passaria pela cabeça faltar a um encontro. Oito e quinze, oito e vinte, oito e vinte e cinco, oito e meia, e nada de Héctor aparecer. Eu estava absolutamente gelado: sentia dor nos pés, nas mãos, no peito, no cabelo. Na verdade, se tivesse ido com meu casaco marrom, é bem provável que nada tivesse acontecido. Mas são coisas do destino, e garanto que às três da tarde, hora em que saí de casa, ninguém podia prever aquela ventania. Vinte e cinco para as nove, vinte para as nove, quinze para as nove. Transido, roxo. Chegou às dez para as nove: sossegado, sorridente e satisfeito. Com seu grosso casaco cinza e suas luvas forradas. – Salve, irmão! Assim, como se nada. Não pude evitar: eu o empurrei na frente do trem que justamente ia passando. Triste coincidência.

O crime acima narrado, evidentemente, choca e causa impacto às pessoas ditas “normais”, que são aquelas que se enquadram no conceito de homo medius (ou “arquétipo social”, para usar a terminologia de Luis Jiménez de Asúa. O protagonista da referida estória certamente padece de algum transtorno de personalidade (p. ex., psicopatia), que predispõe o indivíduo a formas de comportamento incompatíveis com as conveniências ou exigências sociais e com os padrões da normalidade. 97

Nesse contexto é que se inserem as pessoas com “personalidades psicopáticas”1, que, na famosa e conhecida fórmula de Kurt Schneider (apud MOLINA, 2014, p. 657), destacado psiquiatra alemão, são “aquelas que sofrem por sua anormalidade ou fazem sofrer a sociedade por culpa de sua inadaptação”. Dessa definição, extrai-se que os psicopatas são “personalidades anormais”. Todavia, como bem ressaltado por Albrecht Langelüddeke (1972, p. 508), professor de psiquiatria forense e criminologia na Universidade de Marburgo/Alemanha, a expressão “anormal” não tem a conotação de “patológico”. Significa, apenas, que alguém, em algum aspecto de sua mentalidade, desvia-se de um termo médio imaginário de comportamento. Cita, como exemplo, um caso de uma pessoa com cabelos negros que vive num povoado onde as pessoas têm cabelos ruivos. Aquela pessoa desvia do termo médio dessa pequena sociedade e, nesse sentido, é considerada verdadeiramente anormal. No entanto, de modo algum se pode dizer que tal pessoa, de cabelos negros, seja enferma. Esse, portanto, é o primeiro ponto que deve ficar claro a respeito do psicopata. Ele não é um doente mental, mas sim sofre de um “transtorno de personalidade” (conforme, inclusive, o Manual da Sociedade Americana de Psquiatria – DSM-IV). Essa constatação tem especial relevância, pois interfere diretamente na sua responsabilidade criminal. Vale dizer, como o psicopata não é um alienado, conservando, portanto, sua plena capacidade de discernimento, podendo perfeitamente distinguir o certo do errado, o bem do mal e de compreender as consequências de suas ações, enfim, por não ser doente mental, é ele imputável, isto é, deve ser julgado e condenado como qualquer outra pessoa2. Nesse sentido é o entendimento de Robert D. Hare (2013, p. 150-151; 2009), destacado psicólogo canadense, uma das maiores

A expressão “personalidade psicopática” foi utilizada pela primeira vez por E. KRAEPELIN, em 1896. Assim, por todos, GARCIA, J. Alves. Psicopatologia Forense. 2. ed., Rio de Janeiro: Irmãos Poguetti Editores, 1958, p. 177. 2 Todavia, cabe registrar que há quem defenda que, diante das peculiaridades do caso concreto, onde se evidencie efetivamente uma grande dificuldade em se conterem os impulsos instintivos primários e, também, caso se revele uma extrema vulnerabilidade aos abalos emocionais, poderá o psicopata, excepcionalmente, ter sua pena atenuada, nos termos do art. 26, parágrafo único, do Código Penal. 1

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autoridades sobre o tema e mundialmente famoso por ter criado a Hare’s Psychopath Checklist, principal instrumento utilizado para o diagnóstico dos portadores de psicopatia, com aceitação internacional e utilizado por diversos países. ORIGEM DA PSICOPATIA Outro ponto bastante debatido e que oferece grande complexidade refere-se à causa da psicopatia. Qual é sua origem? Ela é inata, orgânica, fruto de herança genética ou decorre de causas sociais e ambientais? Genival Veloso de França (2015, p. 516), professor titular de Medicina Legal da Universidade Federal da Paraíba, menciona três tendências para explicar a origem dos transtornos de personalidade, onde se insere a psicopatia. A primeira, de caráter constitucionalista, afirma que ela se origina de forma intrínseca e orgânica (biológica), por determinação genética, e como tal pouco ou nada pode se fazer (psicopatia como fator da natureza). A segunda teoria sustenta que a causa é social, de modo que a sociedade cria seus próprios psicopatas, a partir de seu estilo econômico, social e educativo (psicopatia como fator de criação e social). A terceira corrente tem seus fundamentos na psicanálise, que a vê por meio das perversões cujas raízes estão na sexualidade (psicopatia como fator da sexualidade). A teoria que prepondera é a de natureza constitucionalista, vale dizer, a pessoa nasce psicopata, trazendo em sua carga genética, portanto, esse transtorno de personalidade. Todavia, sobre esse terreno da predisposição orgânica e biológica, atuam concausas que potencializam a psicopatia que, repitase, é inata. Dentre elas, pode-se mencionar, primordialmente, fatores ambientais diversos, em especial, aqueles relacionados à educação, à família e ao meio social onde se vive. Nesse sentido, por todos, é o magistério de Garrido Genovés, professor titular da Universidade de Valência/Espanha, na cadeira de Psicologia Criminal, e uma das maiores autoridades em criminologia violenta, ao afirmar que a psicopatia remete a um 99

transtorno de origem biológica, influenciada e potencializada por fatores culturais e sociais. Esse autor, portanto, sustenta um modelo biossocial explicativo da psicopatia, que contempla, conjuntamente, a vulnerabilidade biológica individual de certos sujeitos e o singular processo de aprendizagem e socialização (apud MOLINA, 2014, p. 664-665)3. Considerando, portanto, a grande influência de fatores externos sociais na potencialização da psicopatia, o meio social, a educação e o bom convívio familiar assumem destacada relevância, ao menos para reduzir os efeitos desse transtorno de personalidade. No âmbito familiar, devem os pais ter em mente que seus filhos, ainda mais quando crianças, são movidos pelo “instinto da imitação”. Consoante Hans von Hentig (1972, p. 158-159), professor de Criminologia na Universidade de Bonn/Alemanha, é por meio da imitação que a criança se torna semelhante a seus pais. Dito de outro modo, os modelos de conduta de qualquer pessoa estão constituídos, em primeiro lugar, pelo comportamento dos próprios pais. Ademais, o meio social e as circunstâncias de um determinado contexto também influenciam no comportamento de qualquer pessoa, em especial de um psicopata, que já padece de um transtorno de personalidade, como se verá no próximo tópico.

EXPERIMENTO DA PRISÃO REALIZADO NA UNIVERSIDADE DE STANFORD/EUA Em 1971, o renomado psicólogo Philip Zimbardo idealizou o famoso e polêmico experimento da prisão, realizado na Universidade de Stanford/EUA (ZIMBARDO, 2015)4. 3 Em sentido semelhante: TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 188 e BONFIM, Edílson Mougenot. O julgamento de um serial killer: o caso do maníaco do parque. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 84-85. Este último autor- Promotor de Justiça que atuou no caso do Maníaco do Parque - afirma que a psicopatia já se evidencia desde cedo (é “um mal que se anuncia na infância”) e somente pode incrementar-se no contato com o meio em que vive, integrando fatores exógenos com eventuais fatores endógenos já preexistentes. 4 Vide também, o filme “O experimento de aprisionamento em Stanford”, Diretor Kyle Patrick Alvarez, Universal, 2015.

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Na experiência, um grupo de estudantes universitários voluntários foi dividido aleatoriamente em guardas e prisioneiros, num ambiente de prisão simulada, que se tornou demasiado real. Quando vestem os respectivos uniformes, recebem a instrução de que dali em diante devem se esquecer de que se trata de um experimento, devendo viver na plenitude cada um dos papéis. A experiência deveria ter durado duas semanas. Ocorre que, após seis dias, foi interrompida em razão da grande despersonalização e desumanização dos prisioneiros, de um lado, e do outro, pelo alto nível de abuso verbal e psicológico infligido pelos guardas, que se tornaram violentos e sádicos. Ao final da experiência, Zimbardo concluiu que as forças das circunstâncias são mais poderosas em modelar nosso comportamento do que se pode imaginar, podendo, assim, dominar a vontade de resistir de um indivíduo. É o triunfo do poder das circunstâncias sobre o poder individual. A esse fenômeno, notadamente no contexto em que pessoas boas ou comuns fazem coisas nocivas ou más, o referido psicólogo americano denominou de “efeito Lúcifer”, em evidente alusão à metamorfose de Lúcifer em Satã5. No âmbito da filosofia, José Ortega y Gasset já havia formulado, em 1914, a tese de que “o homem é ele e suas circunstâncias”.

PSICOPATIA ADQUIRIDA: O CASO DO ACIDENTE OCORRIDO COM PHINEAS CAGE NOS EUA Por outro lado, além dos fatores biológicos (genéticos) e sociais (estes como potencializadores), é possível, como bem ressalta Hermann Mannheim (1984, p. 390), que em alguns casos, em virtude de traumatismos crânio-encefálicos ou encefalite epidérmica, surjam sequelas neurológicas capazes de gerar o quadro psicopático (ZACHARIAS; ZACHARIAS,

Lúcifer - que significa o “portador da luz” - era o anjo predileto de Deus, até que, por desafiá-lo, foi expulso do Paraíso e exilado no Inferno, juntamente com um grupo de “anjos caídos”.

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1991, p. 392). É o que se chama de “psicopatia adquirida”, conforme expressão de Mezger (1950, p. 61). Nesse ponto, para ilustrar, mostra-se interessante o caso do acidente ocorrido com Phineas Cage nos Estados Unidos, exemplo este mencionado por Jorge Trindade (2014, p. 184-186). O fato ocorreu em 1848 na Nova Inglaterra/EUA. Cage trabalhava para uma estrada de ferro e sua função era bastante perigosa. Além de coordenar uma equipe com vários funcionários, Cage era responsável por preparar as detonações das rochas para abrir caminho para uma estrada de ferro. Num determinado dia, por acidente de trabalho, houve uma grande explosão que fez com que uma barra de ferro entrasse em sua face esquerda e atravessasse seu crânio, saindo no topo da cabeça, caindo a mais de trinta metros de distância. Para surpresa e espanto de todos, Cage, embora muito ferido, manteve-se consciente, conseguindo andar e falar até a chegada do atendimento médico. A recuperação física de Cage impressionou a todos, tendo voltado a andar e a se movimentar como antes. A linguagem e a fala também não apresentaram alterações. Todavia, pouco tempo após, houve uma surpreendente mudança na personalidade de Cage. Antes descrito como responsável, eficiente e educado, passou a se comportar de forma irreverente, impaciente e grosseira. Em razão de seu novo comportamento, acabou sendo dispensado do trabalho e, como não conseguiu se estabelecer em nenhum outro emprego, foi trabalhar no circo. Morreu aos 38 anos, vítima de ataques epilépticos (TRINDADE, 2014, p. 184-186). Diversas foram as consequências do caso de Cage. A dramática mudança de comportamento, ocorrida após o acidente, chamou a atenção para a relação entre as lesões da região frontal do cérebro e o comportamento disfuncional, apresentado posteriormente (TRINDADE, 2014, p. 184-186), o que evidencia a possibilidade do surgimento da psicopatia em casos como este, onde houve um grave traumatismo crânio-encefálico (“psicopatia adquirida”).

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CARACTERÍSTICAS MAIS COMUNS DE UM PSICOPATA Hervey Cleckley (apud TRINDADE, 2014, p. 184; MIRA Y LÓPEZ, 1956, p. 342), que estudou detidamente a vida e a conduta de inúmeros psicopatas, lista as seguintes características: 1. Charme superficial e boa inteligência; 2. Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; 3. Ausência de manifestações psiconeuróticas; 4. Falta de confiabilidade; 5. Insinceridade; 6. Falta de remorso ou vergonha; 7. Comportamento antissocial e inadequadamente motivado; 8. Julgamento pobre e dificuldade para aprender com a experiência; 9. Egocentricidade patológica e incapacidade para amar; 10. Pobreza geral nas relações afetivas; 11. Específica falta de insight; 12. Falta de responsividade na interpretação geral das relações interpessoais; 13. Comportamento fantástico com o uso de bebidas; 14. Raramente suscetível ao suicídio; 15. Interpessoal, trivial e pobre integração da vida sexual; e 16. Incapacidade de seguir um plano de vida.

Trindade (2014, p. 189-190), por sua vez, afirma que as principais características da psicopatia giram em torno de três eixos da personalidade, quais sejam: a.) Relacionamento com os outros (interpessoal): são arrogantes, presunçosos, egoístas, dominantes, insensíveis, superficiais e manipuladores; b.) No âmbito da afetividade: são incapazes de estabelecer vínculos afetivos profundos e duradouros com os outros, não possuem empatia, remorso ou sentimento de culpa; e c.) Comportamento: são agressivos, impulsivos, irresponsáveis e violadores das convenções e das leis, agindo com desrespeito pelos direitos dos outros.

É interessante mencionar, também, a Psychopathy Checklist de Hare (2013, p. 48-83), ferramenta clínica destinada a diagnosticar um psicopata, com base em traços e comportamentos-chave, e que foi desenvolvida a partir das evidências entre crime e psicopatia. Atualmente, em edição revisada (Hare´s Psycopathy Checklist-Revised, PCL-R), constam da Escala Hare os seguintes sintomas-chave da psicopatia:

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1. Loquacidade e charme superficial; 2. Superestima; 3. Mentira patológica; 4. Vigarice/manipulação; 5. Ausência de remorso ou culpa; 6. Insensibilidade afetivo-emocional; 7. Indiferença de empatia; 8. Incapacidade de aceitar responsabilidade dos próprios atos; 9. Promiscuidade sexual; 10. Necessidade de estimulação/tendência ao tédio; 11. Estilo de vida parasitário; 12. Descontroles comportamentais; 13. Transtornos de conduta na infância; 14. Ausência de metas realistas e de longo prazo; 15. Impulsividade; 16. Irresponsabilidade; 17. Delinquência juvenil; 18. Revogação da liberdade condicional; 19. Muitas relações sexuais de curta duração; e, 20. Versatilidade criminal (TRINDADE, 2014, p. 192-193).

Cada item da escala é pontuado da seguinte forma: 0 para “não”, 1 para “talvez/em alguns aspectos” e 2 para “sim”. O ponto de corte para identificar a psicopatia é tradicionalmente 30 pontos, isto é, um resultado igual ou acima a 30 pontos traduziria um psicopata típico. Índices menores - entre 15 e 29 - indicam traços sugestivos de personalidade psicopática (TRINDADE, 2014, p. 192-193). Todavia, o próprio Hare (2013, p. 49) alerta que pessoas que não são psicopatas podem apresentar alguns dos sintomas descritos na referida checklist. No mesmo sentido é a advertência de Myra y López (1956, p. 342), ao afirmar que tão difícil é encontrar uma pessoa que não apresente nenhum traço psicopático como encontrar um corpo ou uma face de proporções perfeitas do ponto de vista estético.

Por isso, conclui o ex-professor de Psiquiatria da Universidade de Barcelona/Espanha que não se incorre em exagero ao dizer que a imensa maioria dos indivíduos normais pode apresentar algumas das característica típicas, mas apenas uma minoria é que atingirá uma precisa superposição com eles. EXISTE TRATAMENTO PARA O PSICOPATA? Em relação ao tratamento da psicopatia, pode-se dizer, em linhas gerais, que, lamentalvemente, os tratamentos tradicionais não têm dado o resultado esperado, até porque os psicopatas são praticamente imunes às terapias cognitivas, 104

tendo em vista que são grandes manipuladores incapazes de desenvolver a intimidade emocional e de fazer as buscas profundas ao “eu” que a maioria das terapias se empenha em estimular (HARE, 2013, p. 49; 2009). Aliás, por incrível que pareça, a terapia pode, inclusive, piorar a personalidade psicopática. Isso pode parecer “bizarro”, como diz Hare. No entanto, esclarece o psicólogo canadense que infelizmente programas desse tipo sugerem ao psicopata melhores formas para manipular, enganar e usar as pessoas. Como disse um psicopata: ‘esses programas são como o último ano da escola. Ensinam como pressionar as pessoas (HARE, 2013, p. 204).

No mesmo sentido é o entendimento de Ana Beatriz Barbosa Silva, ao afirmar que, com “raras exceções, as terapias biológicas (medicamentos) e as psicoterapias em geral se mostram, até o presente momento, ineficazes para a psicopatia. (...) É lamentável dizer que, por enquanto, tratar um deles costuma ser uma luta inglória” (SILVA, 2014, p. 186)6.

É de se ressaltar que há quem recomende um tratamento farmacológico – à base de substâncias capazes de inibir o comportamento impulsivo e agressivo – associado, sempre que possível, a alguma forma de psicoterapia. Nesse sentido: TRINDADE. Jorge. Manual de Psicologia Jurídica. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 196.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do que foi dito, extraem-se as seguintes conclusões: a) O psicopata não é um doente mental, mas sim sofre de um “transtorno de personalidade”. Essa constatação é relevante, pois interfere diretamente na sua responsabilidade criminal. Vale dizer, como o psicopata conserva sua plena capacidade de discernimento, é ele imputável, isto é, deve ser julgado e condenado como qualquer outra pessoa; b) A respeito da origem da psicopatia, a teoria que prepondera é a de natureza constitucionalista, vale dizer, a pessoa nasce psicopata, trazendo em sua carga genética esse transtorno de personalidade. Todavia, sobre esse terreno da predisposição orgânica e biológica, atuam concausas que potencializam a psicopatia. Dentre elas, pode-se mencionar, primordialmente, fatores ambientais diversos, em especial, aqueles relacionados à educação, à família e ao meio social onde se vive; c) Além dos fatores biológicos (genéticos) e sociais (estes como potencializadores), é possível que em alguns casos, em virtude de traumatismos crânio-encefálicos ou encefalite epidérmica, surjam sequelas neurológicas capazes de gerar o quadro psicopático (“psicopatia adquirida”); d) as principais características da psicopatia giram em torno de três eixos da personalidade, a saber: no relacionamento com os outros (são arrogantes, presunçosos, egoístas, dominantes, insensíveis, superficiais e manipuladores), no âmbito da afetividade (são incapazes de estabelecer vínculos afetivos profundos e duradouros com os outros, não possuem empatia, remorso ou sentimento de culpa) e no comportamento (são agressivos, impulsivos, irresponsáveis e violadores das convenções e das leis, agindo com desrespeito pelos direitos dos outros) (TRINDADE, 2014, p. 189-190); e) os tratamentos tradicionais (medicamentos e terapias cognitivas) têm se mostrado ineficazes para a psicopatia.

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REFERÊNCIAS AUB, Max. Crimes exemplares. São Paulo: Livros da Raposa Vermelha, 2015. BONFIM, Edílson Mougenot. O julgamento de um serial killer: o caso do maníaco do parque. São Paulo: Malheiros, 2004. FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. GARCIA, J. Alves. Psicopatologia Forense. 2. ed. Rio de Janeiro: Irmãos Poguetti Editores, 1958. MOLINA, Antônio García-Pablos de. Tratado de criminologia. 5. ed. Valência: Tirant lo Blanch, 2014. HARE, Robert D. Sem consciência. Porto Alegre: Artmed, 2013. ______. Entrevista Psicopatas no divã, páginas amarelas da Revista VEJA, edição 2106, ano 42, n. 13, 1º de abril de 2009. HENTIG, Hans Von. El Delito - componentes disposicionales en el engranaje del delito. v. III. Madrid: Espasa-Calpe, 1972. LANGELÜDDEKE, Albrecht. Psquiatría Forense. Madrid: Espasa-Calpe AS, 1972. MANNHEIM, Hermann. Criminologia comparada. v. I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. MEZGER, Edmund. Criminologia. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1950. MIRA Y LÓPEZ, Emilio. Manual de Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro: Agir, 1956.

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SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. 2. ed., São Paulo: Globo, 2014. TRINDADE. Jorge. Manual de Psicologia Jurídica. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. ZACHARIAS, Manif; ZACHARIAS, Elias. Dicionário de medicina legal. 2. ed. São Paulo: IBRASA, 1991. ZIMBARDO, Philip. O efeito Lúcifer - como pessoas boas se tornam más. Rio de Janeiro: Record, 2015.

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