POR DENTRO DAS BRUMAS: UMA ANÁLISE DO FILME AS BRUMAS DE

ilha de Avalon, mas devemos ... Avalon Viviane consagra Arthur como novo rei da Bretanha e o presenteia com a espada sagrada de Excalibur...

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POR DENTRO DAS BRUMAS: UMA ANÁLISE DO FILME AS BRUMAS DE AVALON E A RELAÇÃO ENTRE AS VELHAS CRENÇAS CELTAS E O CRISTIANISMO. Rodrigo Rodrigues de Freitas Brandão [email protected]

Resumo Rei Arthur mito ou realidade? Essa é uma pergunta que tange a História por milhares de anos. O rei Bretão que foi capaz de barrar a invasão dos Saxãos na futura Inglaterra, fazendo alianças com as tribos célticas. O filme trata do começo dessa história, contando primeiramente quem é a família de Arthur, sua mãe e pai – o Grande-Rei da Bretanha. Narra também à história de mulheres fortes – Igraine, Morgause e Viviane – todas elas tem um papel fundamental na história desse grande líder que até hoje é modelo de liderança. Aparece também à fada Morgana, meia-irmã do futuro rei, é através dela que nasce de um ato incestuoso Mordred que virá enfrentar seu pai do lado dos invasores e assim selar o destino do rei bretão. As Brumas de Avalon é acima de tudo um filme épico que apresenta um mixe das lendas existentes de Arthur e uma forma de redimir a fada e a cultura celta que por muito tempo foi considerada maligna pela religião Cristã. Palavras-chave: Rei Arthur, Avalon, Mito celta Abstract King Arthur myth or reality? This is a question that comes to history for thousands of years. The Breton king who was able to block the invasion of Saxon England in the future, making alliances with the Celtic tribes. The film deals with the beginning of this story, including who is the first family of Arthur, his mother and father - the future King of Great-Britain. Also tells the story of strong women Igraine, Viviane and Morgause - they all have a role in the history of this great leader who is still model of leadership. Also appears to fairy Morgana, half-sister of the future king, is through it that is born of an incestuous act Mordred who will face his father's side of the invaders and thus seal the fate of the king Breton. The mists of Avalon is above all an epic film that presents a mixe of existing legends of Arthur and a way to redeem the fairy and Celtic culture that for long was considered malignant by the Christian religion. Keywords: King Arthur, Avalon, Celtic Myth

Introdução

As Brumas de Avalon, do best-seller de Marion Zimmer Bradley, relata a lenda do rei Arthur do ponto de vista das mulheres que moldaram os eventos com seus poderes sobrenaturais. Mas que mulheres são essas? Seria realmente possível a existência de Artur? E o filme é fiel às lendas existentes do Rei Arthur? Essas são perguntas que tentarei responder no decorrer deste trabalho, apenas arranhando a superfície de um dos maiores mistérios da História humana, a Lenda do Rei Bretão protetor do Santo Graal – Arthur. As Brumas da História

A história se passa no século VI d. C. em um momento conturbado da história, pois a menos de cem anos o Império Romano havia caído silenciosamente pelas mãos dos germanos (LOT,1968:182-195) e a Bretanha há muito já não fazia parte deste “velho moribundo” e tentava desesperadamente não cair nas mãos dos seus invasores – os escotos, pictos e saxões. Os bretões, povos de origem céltica, viviam em tribos rivais entre si, sendo liderados por um chefe ou rei (ZIERER, 2002:46). Isto é mostrado muito bem no filme ,quando o velho rei Ambrósio, prestes a morrer, convoca um conselho entre seus Dux - título herdado dos romanos significando comandante militar, para escolher seu sucessor, já que ele não tem herdeiros, ao escolher o Capitão Uther Pendragon, o Duque Gorlois da Cornualha se sente traído. Segundo Zierer foi devido à “falta de unidade política, a população celta sofreu conquistas sucessivas” (ZIERER, 2002:46), primeiro com os romanos no século I d.C. e após a queda do Império no século V d.C. sofreu com os povos vindos da Escócia (pictos), Irlanda (escotos) e da Gália (saxões). Após a escolha de Pendragon como Grande-Rei, Gorlois começa uma trama para assassinálo e cabe a Igraine, esposa de Gorlois, escolher quem deve viver e quem deve morrer, pois segundo uma profecia da Dama do Lago, Viviane, Igraine iria gerar o próximo Grande-Rei que iria finalmente pacificar a Bretanha, mas esse filho seria do homem com a tatuagem de dragão e seguidor da Velha-Crença. Para os celtas existia uma Deusa-Mãe criadora do mundo e geradora da vida, era ela quem fazia germinar as sementes e produzir uma boa colheita – coisa importante para uma sociedade

basicamente agrícola. E sua representante na Terra era a Dama do Lago, uma grã-sacerdotisa que vivia na ilha sagrada de Avalon. Para Godofredo de Monmouth, autor da História Regum Britanniae e da Vide Merline, Avalon é um paraíso cercado por um lago habitado por nove damas, uma das quais a irmã de Arthur, a fada Morgana. Por muitas vezes foi associada ao mosteiro de Glastonbury, fundado no século V, a seu lado havia um pequeno templo, muito antigo de paredes de taipa, que se dizia ser o primeiro santuário cristão, construído na Bretanha, e, assim, associado a José de Arimatéia, que teria trazido o Santo Graal. O Interessante é que no final do século XII o túmulo de Arthur foi encontrado e Glastonbury recebeu inúmeros peregrinos. Godofredo diz em seus relatos que Arthur foi levado mortalmente ferido para Avalon, e se seu corpo foi encontrado em Glastonbury significava que aquela abadia cristã era na verdade a lendária ilha de Avalon, mas devemos ressaltar que após esse fato o mosteiro recebeu inúmeros peregrinos que faziam doações para a conservação daquele sitio histórico. Após a morte de Gorlois por Uther, a duquesa Igraine se casou com o Grande-Rei e foi morar com ele em Camelot, seu castelo, onde deu à luz a Arthur e onde viveram felizes até a visita de Viviane ao reduto real. A Dama do Logo foi ao encontro de sua irmã buscar as duas crianças que salvaria a Bretanha e Avalon: Arthur e Morgana, filha de Igraine e Gorlois, para treina-las. Viviane seguiu com Morgana para Avalon e Arthur foi entregue a Merlin. Merlin aparece no filme como a contraparte de Viviane, pois ele é o Grão- Sacerdote de Avalon, o representante masculino da Deusa na Terra. Segundo GÜNZEL o mago Merlin era “filho de uma devota virgem com o Demônio, para quem a criança um dia deveria recuperar o universo perdido e exterminar o mundo filho de Deus, [...], o anteprojeto luciferiano fracassa: Merlin acaba por fundar a Távola redonda [...]” (GÜNZEL apud SOUZA, 2002:40). O druida se torna figura importante na trama já que é pelos seus feitiços que Igraine se apaixona por Uther e tem um filho com ele e é pelas mãos do Mago que Arthur é treinado – segundo as velhas crenças. Morgana passa a ser instruída pessoalmente por Viviane, na crença da Deusa, para se tornar a próxima Dama do Lago, mas para isso ela deve dominar os quatro elementos passar pela maior prova de todas, separar as brumas que separam os dois mundos. Anos se passam e ela é sagrada sacerdotisa de Avalon e é escolhida para participar dos festivais de Beltame como a Donzela – Caçadora.

Os povos celtas cultuavam a natureza e suas estações e para cada uma dela existia uma festividade; eram oito festividades, para ser mais exato. E Beltame era comemorado na primavera, período de fertilidade, quando a Deusa – Donzela-Caçadora – se une com o Deus Gamo – caçador vitorioso – para assim fazer florescer a fertilidade no mundo (FEU, 2005: 107). Morgana se faz passar pela Deusa e Arthur pelo Deus e concretizam a festividade. Inesperadamente o treinamento de Arthur termina e Merlin o manda para ajudar seu pai que está sofrendo ataques dos saxões. Uther Pendragon morre nessa batalha, jurando fidelidade a Avalon Viviane consagra Arthur como novo rei da Bretanha e o presenteia com a espada sagrada de Excalibur. Os irmãos se encontram novamente na coroação de Arthur, onde Morgana descobre que era ele o caçador nos ritos de Beltame e renega Avalon e Viviane, pois descobre que está grávida de seu irmão caçula. Arthur é coroado pelas mãos de um bispo cristão, mas é apoiado pelos sacerdotes da sagrada ilha; jurando fidelidade à nova e à velha crença decretando, assim, a liberdade religiosa. É nesse momento que aparece os interesses de Morgause, irmã de Viviane e Igraine, pois querendo que seu filho se torne o próximo rei da Bretanha ela usa a magia para amaldiçoar Guinevere, esposa de Arthur, para ela não ter filhos. Mas ao descobrir que Morgana estava grávida do rei ela a acolhe no seu castelo na Escócia. Esse é um ponto interessante do filme, pois os pictos não se apresentam como rivais dos bretões, mas seus aliados na luta contra os saxões, porém, aparecem como idealizadores de um plano de dominação e usurpação do trono bretão. Morgana vai viver com a tia Morgause em Orkney, Irlanda, e da à luz a Mordred, o qual passa a ser criado pela tia, pois ele é o primogênito de Arthur e sucessor do trono, por isso Morgause o cria para influenciá-lo. Os anos se passam e Morgana se casa com o rei de Gales do Norte e seu filho Mordred é enviado a Camelot, por Viviane, para tentar amenizar a influencia do Cristianismo na corte, já que Guinevere se apóia na religião cristã para tentar engravidar, pois apesar dos encantamentos de Morgana e de se deitar com Lancelot e Arthur ao mesmo tempo ela tem o útero amaldiçoado e por isso não pode ter o herdeiro do trono bretão. Em uma tentativa desesperada de salvar Avalon que está desaparecendo desde a morte de Merlin, Viviane consagra Mordret e revela que ele á filho de Arthur com Morgana, porém ela não

esperava o fato de que Morgause já ter influenciado o filho de Arthur e lançado sobre ele sua maldade e revolta pela irmã sacerdotisa. Mordret consegue adentrar no reino e se tornar confidente do rei, pois é ele quem revela à Távola a paixão entre Lancelot e Guinevere, obrigando a Arthur a concedê-lo o poder necessário para perseguir o casal; porém, ele usa esse poder para controlar a corte de Camelot e lançá-la em um período de trevas e intolerância religiosa contra os cristãos. Mas, é nesse exato momento que os saxões fazem sua maior e mais devastadora invasão à ilha britânica e cabe a Morgana e Viviane informar ao rei o que está acontecendo nas costas da ilha. Mas o que elas encontrão é um ambiente devastador e Mordret e Morgause no poder. A Dama do Lago acaba por assassinar a irmã por acidente e é brutalmente executada por Mordred, que foge da repressão da população, a qual sai em socorro da Grã-Sacerdotisa de Avalon. Arthur reúne a Távola para sua ultima batalha contra os saxões, agora, liderados por Mordret. Em um confronto épico Arthur enfrenta seu filho, naquele momento, uma luta entre o bem e o mal, presa e predador, e cabe à Deusa-Mãe – Morgana – evitar a completa destruição. Mordred morre e Morgana leva seu irmão para a Ilha de Avalon. É neste ponto que o filme se aproxima da obra de Monmouth, quando o clérigo diz que após a batalha com Mordred, que era seu sobrinho e não filho, Arthur fora levado à Ilha sagrada para curar seus ferimentos, porém nunca retornara de lá (ZIERER, 2002:50). Aos irmãos, porém, ilha é renegada, pois um dia a renegaram, e mesmo com a oferenda de Arthur – a espada Excalibur – as brumas se afastam apenas para o rei vislumbrar a grandiosidade da sagrada ilha de Avalon e assim morre nos braços de sua amada irmã. O filme As Brumas de Avalon deixa um dúvida sobre o destino do corpo de Arthur, ele mostra somente que Morgana vai morar no mosteiro de Glastonbury, com sua mãe, onde faz uma descoberta: Morgana acreditava que a velha crença e sua adoração à Deusa-Mãe morreu, quando Avalon desapareceu para os humanos; mas, no mosteiro ela percebe que há uma estátua onde os fieis vão rezar e ao vislumbrá-la descobre se tratar da mesma estátua da Deusa, diante da qual ela se ajoelhou em Avalon, com um manto azul – era a imagem da Virgem Maria. O filme termina com a seguinte mensagem “percebo que a Deusa não morreu apenas se transformou e quem sabe um dia, as gerações futuras resgatem a imagem da Deusa.”

Conclusão O filme faz uma junção das lendas existentes sobre o Rei Arthur, porém essas lendas constroem um rei perfeito e sobretudo cristão. Como bem coloca o clérigo Godofredo de Monmouth, autor da História Regum Britanniae, Arthur é um rei cristão que busca o Santo Graal, porém essa história foi criada, segundo Zierer, para legitimar os reis Normandos que foram colocados como descendentes de Arthur. Nennius, historiador galês, escreve a Historia Brittonum, segundo a qual, Arthur não era rei, mas um dux bellorum ou chefe guerreiro. Como se pode notar não há um consenso sobre a verdadeira história desse famoso rei, e nem se ele realmente existiu, pois se não há consenso sobre sua origem como poderia haver sobre sua existência? O fato é que dentre essas histórias existe figuras de grande importância como, por exemplo, o mago Merlin e a fada Morgana, apesar de muitos dizerem que são figuras de índole má e/ou servos do Demônio (cristão), aparecem na maioria das histórias como remanescentes de uma cultura há muito tempo perdida e pouco estudada, os Celtas. O filme nos mostra uma outra realidade, vista pelo olhar das mulheres, que apesar de sempre estarem nas lendas nunca foi alvo sistematizado de estudos ou de formação de lendas, só o que restou foi especulações e informações soltas no ar. Se existiram ou não essas mulheres poderosas, não sabemos, o fato é que existiram sim sacerdotisas que concentravam em si a religião baseada na Mãe em vários povos pelo mundo, mas como os Celtas não deixaram registros escritos não saberemos se elas também fizeram parte dessa cultura. Outro fato que é relatado nas lendas, mas não no filme é a relação de Arthur e a Távola Redonda, com o Santo Graal. O cálice sagrado que Jesus usou na última ceia e onde José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo na cruz, inspirou varias lendas – inclusive as do líder da Távola Redonda e seus feitos para achar e proteger essa relíquia sagrada. Devemos nos ater, porem, no significado de cálice para os celtas: para esse povo o cálice remonta a um caldeirão ou o útero da Deusa-Mãe, daí as teorias de que o Graal seria na verdade a linhagem secreta de Jesus. Essa é outra discussão que não é o tema deste artigo. Concluímos que apesar das semelhanças com as lendas existentes, o filme As Brumas de Avalon, do best-seller de Marion Zimmer Bradley, não contempla todas, mas é um ótimo resumo

delas, e que pode ser usado como base para muitas discussões pois abre um leque gigantesco de teorias e lendas que rodeiam esse rei mitológico e seu povo esquecido nas areias do tempo.

Referencias Bibliográficas Fonte: Título Original: The Mists of Avalon/As Brumas de Avalon Gênero: Aventura Tempo de Duração: 180 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2001 Estúdio: Warner Bros. / TNT / Stillking Films / Constantin Film Production GmbH / Wolper Organization Direção: Uli Edel Bibliografia consultada: BACCEGA, Marcus. “Entre Celtas e Germânicos: a odisséia de Artur no imaginário medieval”. Brathair 7 (2), 2007: 03-27. (http://www.brathair.com) CAMPOS, Luciana de. Resenha: “Sacerdotes e divindades Celtas”. Brathair 4 (1), 2004: 96-97. (http://www.brathair.com) FEU, Eddie Van. Wicca, já não se fazem bruxas como antigamente!. Rio de Janeiro: Editora Linhas Tortas, 2005. FURTADO, Antonio L. “As Aventuras Arturianas Francesas nos Séculos XII e XIII”. In: Cultura Vozes, v. 97, n. 01, p. 23-28, 1997. LOBATO, Maria de Nazareth Accioli. Resenha: “Arthur et la Table ronde”. Brathair 2 (2), 2002: 45-46. (http://www.brathair.com) LOT, Ferdinand. O fim do mundo antigo e o principio da idade média. Rio de Janeiro: Edições 70, 1968. LUPI, João. “Os Druidas”. Brathair 4 (1), 2004: 70-79. (http://www.brathair.com) NENNIUS. “Historia dos Bretões”. Trad., apresentação e notas de Adriana Zierer. In: COSTA, Ricardo (Org.) Testemunhos da História. Documentos de História Antiga e Medieval. Vitória: EDUFES, 2003, p. 209-253. (http:// www.ricardocosta.com/nennius.htm) POWELL, T.G.E. Os Celtas. Lisboa: Editorial Verbo, 1971. SOUZA, Gallindo Gonçalves e. “O Mito de Merlin na Idade Média e no Romantismo Alemão”. Brathair 2 (1), 2002: 36-44. (http://www.brathair.com)

ZIERER, Adriana. “Artur: de Guerreiro a Rei Cristão nas Fontes Medievais Latinas e Célticas”. Brathair 2 (1), 2002: 45-61. (http://www.brathair.com) ZIERER, Adriana M. S. “O Mito Arturiano e sua Cristianização nos Séculos XII e XIII”. In: Ciências Humanas em Revista. São Luiz, v. 3, n. 1, p. 141-155, 2005.