Caderno Discente do Instituto de Ciências Jurídicas – Ano 1, n. 1 – Aparecida de Goiânia – 2011
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 96 p. (Coleção Primeiros Passos, 124) Marisa Rocha Prudêncio*
Everardo Rocha divide este livro em cinco capítulos, nos quais mostra o esforço empenhado para a superação do etnocentrismo através do desenvolvimento da ideia de relativização cultural, tendo como centro da discussão diferentes visões do conceito de cultura. No primeiro capítulo, Pensando em partir, o autor conceitua o termo "etnocentrismo", aborda o choque que envolve a descoberta do "outro" e discorre sobre a relativização. De acordo com o autor, o etnocentrismo é a avaliação ou julgamento que um indivíduo ou grupo faz de um outro, a partir de seus próprios valores e costumes, sendo o resultado da dificuldade de se lidar com a diferença. Em contraposição a esse tipo de visão deturpada, Rocha apresenta a relativização, que é justamente o esforço para compreender o “outro” em sua própria realidade, ao entender que não há hierarquia nas diferenças, pois a visão de mundo muda de acordo com os olhos de quem o vê e que nossos valores não são absolutos, portanto, não aplicáveis a todos os outros seres humanos. O segundo capítulo, Primeiros movimentos, aborda o caminho percorrido pela Antropologia para superar a forma etnocêntrica de conceber o "outro". Para entender essa trajetória, o autor retorna ao séc. XVI e à sensação de perplexidade ocasionada pela descoberta da existência de novos povos. Esse primeiro estranhamento aos poucos, intelectualmente, vai cedendo espaço para novas concepções sobre o "outro". Dentro da Antropologia surge o Evolucionismo Social. Ligado ao Evolucionismo biológico, afirma que o homem está em processo contínuo de desenvolvimento e que, a cada etapa, ele se torna superior ao que era anteriormente. O "outro" é diferente porque se encontra em um estágio inferior de civilização. Nessa concepção há uma única história da humanidade e todos caminham de maneira linear rumo ao progresso. Assim, de acordo com a teoria, há a coexistência de diferentes graus de evolução cujo medidor seria a cultura, dividida em vários itens compartimentados. Mas, mesmo arraigado de visões etnocêntricas ao tentar enquadrar a sociedade do “outro” na concepção da sociedade do "eu", essa teoria foi importante por
* Acadêmica da turma DNA2, do curso de Direito, do Instituto de Ciências Jurídicas da Faculdade Alfredo Nasser, sob orientação da Professora Ms. Cristiane Roque de Almeida, no semestre letivo 2010/2.
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considerar que tanto as sociedades "primitivas" quanto as "civilizadas" possuem a mesma "natureza". O "outro" é retirado da categoria animal e recebe o status de "humano". No terceiro capítulo, O passaporte, o autor fala sobre o surgimento de teorias que agregam à Antropologia novas concepções e problematizações. Um teórico importante nesse processo é Franz Boas, que foi o primeiro a defender o estudo dos povos de acordo com suas particularidades: cada sociedade tem sua própria dinâmica e se desenvolve de acordo com sua própria lógica. Mesmo tendo reduzido o estudo da cultura a apenas alguns de seus aspectos (cultura e linguagem, cultura e personalidade, cultura e ambiente), o Difusionismo foi importante no começo do século XX, por ser uma teoria alternativa da compreensão da diversidade cultural, abrindo as portas para outras formas de se pensar o “outro”. Em Voando Alto, quarto capítulo, mostra como a Antropologia foi, aos poucos, adquirindo identidade própria e discorre sobre a importância de teóricos como RadcliffeBrown, Émile
Durkheim e Malinowski nesse processo. Rocha mostra que tanto o
Evolucionismo quanto o Difusionismo concebiam o “outro” com base na história, fosse ela universal ou particular. Com Durkheim, a sociedade passa a ser vista como algo mais que a soma dos indivíduos, ela é praticamente um novo ser que influencia, através dos fatos sociais, o comportamento do indivíduo, portanto matéria a ser estudada. Radcliffe-Brown realiza um corte teórico ao desvincular o estudo antropológico da história: o presente dos povos não necessitava ser explicado por seu passado (diacronia), era seu presente que deveria ser analisado (sincronia), até porque a própria concepção de tempo e história é diferente para cada sociedade. Era a realidade concreta o objeto de estudo, os processos que ocorrem no interior da estrutura social, os papéis realizados por cada componente dessa estrutura. Assim, para conhecer o "outro" era necessário ir a seu encontro. Aqui surge Malinowski e, com ele, o "trabalho de campo" é realizado pela primeira vez. A Antropologia, em seu contato com o "outro", adquire novos instrumentos e é influenciada pelos povos que passa a conhecer. Em seu último capítulo, A volta por cima, Rocha faz um retrospecto dos assuntos tratados e mostra como a Antropologia se via no final do século XX e como a cultura no decorrer de todo esse processo passou a ser entendida. Cita que a Antropologia é uma ciência interpretativa que busca conhecer a cultura das sociedades, tanto a do "eu" quanto a do "outro". Uma de suas finalidades seria a de se tornar uma espécie de "arquivo universal" das várias alternativas que os homens encontraram em sua existência. Cultura enfim, seria a 66
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alternativa que as sociedades escolheram para se organizar, um sistema de comunicação que dá sentido às nossas vidas. O trabalho do antropólogo é exatamente captar essa lógica para conhecer a realidade, a forma como cada sociedade escolheu viver. Indo de encontro ao outro, o antropólogo busca se libertar das concepções da sociedade do “eu”. Diante de uma globalização cada vez mais feroz e impositiva, em que a ideia é transformar o mundo em uma única "aldeia", em um mundo onde decisões internacionais tentam cercear a independência e identidade dos povos, em uma realidade em que a violência e o desrespeito ao "outro" ainda é vista por muitos como algo normal e o preconceito tem feito uso de novas ferramentas como a camuflagem, essa discussão sobre relativização e etnocentrismo é cada vez mais necessária e complexa.
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