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Assim esta possibilidade de intervenção de terceiro no que à reversão de bens diz respeito, constitui, uma, de entre várias soluções positivas do regi...

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O Código das Expropriações Direito de reversão… Carla Silva Sequeira Advogada Estagiária – 1.° Curso de 1999 (Auditora do C.E.J.)

O instituto da expropriação por utilidade pública tem assumido nos últimos tempos a maior relevância e merecido a atenção cuidada do legislador, da jurisprudência e da doutrina. Por um lado, tem-se verificado um constante incremento do volume de obras e empreendimentos públicos que, consequentemente, vem implicando a necessidade de expropriar cada vez maior número de bens imóveis e direitos a eles inerentes. Por outro lado, a construção de um verdadeiro Estado de Direito assenta angularmente na defesa do direito de propriedade e no pagamento de justas indemnizações aos expropriados. No plano legislativo, têm-se procurado densificar os princípios e normas constitucionais, tornando mais operacional o instituto, consagrando algumas garantias dos particulares face à expropriação, entre as quais se destaca o direito de reversão, que tem sido, entre nós, regulado distintamente pelos diversos diplomas legais desde 1850, data em que foi consagrado pela primeira vez, na Lei de 23 de Julho. De facto, o direito de reversão é, cronologicamente, a última garantia do expropriado, permitindo-lhe que, em determinadas situações, possa chamar novamente a si a titularidade do direito que tinha sido objecto de extinção no processo expropriatório. Este direito, também designado “retrocessão eventual”, “remissão da expropriação”, “re-expropriação” ou “retroversão” pode ser definido como o direito conferido ao expropriado de readquirir o bem objecto da expropriação, em regra, mediante a restituição ao beneficiário da expropriação ou à entidade expropriante da indemnização que lhe foi atribuída ou outro valor, quando não utilize o bem expropriado no prazo de dois anos a contar da adjudicação ou quando a aplicação ao fim previsto na declaração de utilidade tiver cessado (artigo 5.° do Código das Expropriações). Com a consagração inequívoca do exercício do direito de reversão reintroduz-se, no direito das expropriações, um factor de moralização da Admnistração na efectiva aplicação do bem expropriado ao fim de utilidade pública incrustado na respectiva declaração, possibilitando aos particulares expropriados a recuperação dos bens que não tenham sido objecto de utilização ou transformação, na prossecução do fim que determinou a expropriação. Apesar de linear quanto ao seu objectivo, o direito de reversão tem, no espaço de tempo que medeia entre a sua génese e a actualidade, cultivado acesa controvérsia na determinação da sua natureza. Na verdade, ele aparece configurado quer como um mero direito de preferência na reaquisição do bem expropriado, quer como um direito de reaquisição do bem expropriado, quer ainda como uma condição resolutiva tácita da expropriação. Contudo, não obstante a controvérsia existente, a tradição legislativa, doutrinal e jurisprudencial tende a considerar o direito de reversão como uma consequência da verificação de uma condição resolutiva tácita. O mesmo será dizer que, tendo o acto expropriativo a sua justificação no facto de os bens serem necessários para a realização de uma finalidade pública específica – estando a expropriação condicionada pela efectiva subsistência da sua causa – se ela desaparecer, o expropriado passará a ter o direito de reaver o bem. Esta circunstância, mostra que a consistência da transferência da propriedade dos bens, decorrente da

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eJ expropriação para a entidade beneficiária da mesma, está sujeita à condição resolutiva de esta dar ao bem expropriado o destino específico de utilidade pública. Quanto ao seu fundamento, considera-se que o mesmo entronca na garantia constitucional da propriedade privada (artigo 62.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa), em termos de o expropriado poder exigir a recuperação do bem directamente com base nela, mesmo “na ausência de lei ou até contra a lei”, sendo por isso, inconstitucionais as normas que neguem ou afectem o seu conteúdo essencial. Relativamente ao respectivo regime, o Código das Expropriações(doravante designado de C.E.), enumera os factos constitutivos, impeditivos e extintivos e estabelece as condições do seu exercício. De salientar, que tal como acontece no procedimento expropriativo, também o procedimento de reversão se decompõe num sub-procedimento administrativo e num sub-procedimento judicial. No que concerne ao primeiro, o mesmo decorre perante a entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação ou que haja sucedido na respectiva competência (v. artigo 74.° do C.E.). Segue-se (nos termos do artigo 75.°), a audiência da entidade beneficiária da expropriação e de outros interessados (titulares de direitos reais sobre o prédio a reverter ou sobre os prédios dele desanexados cujos endereços sejam conhecidos). De seguida, a entidade competente emana a decisão de autorização da reversão ou da sua recusa, sendo certo que, a falta de resposta no prazo de 90 dias a contar da data do requerimento, confere a faculdade ao interessado de fazer valer o direito de reversão no prazo de um ano, mediante acção administrativa comum a propor no tribunal administrativo de circulo da situação do prédio ou da sua maior extensão. A autorização da reversão é notificada ao requerente, ao beneficiário da expropriação e aos interessados cujo endereço seja conhecido, sendo ainda, publicada por extracto na II Série do Diário da República (artigo 76.°). Segue-se a fase judicial, com o pedido de adjudicação ao tribunal administrativo de círculo da situação do prédio ou da sua maior extensão, dentro de 90 dias a contar da notificação da autorização (artigo 77.°), sendo o beneficiário da expropriação citado para deduzir oposição quanto aos montantes da indemnização satisfeita e quanto ao valor das benfeitorias ou deteriorações que eventualmente hajam ocorrido no prédio a reverter (artigo 78.°). Efectuados os depósitos ou restituições a que haja lugar, o juiz adjudica o prédio ao interessado ou interessados com os ónus ou encargos existentes á data da declaração de utilidade pública e que não hajam caducado definitivamente (artigo 79.°).

Na eventualidade de o bem expropriado ter sido entretanto transmitido a terceiro, tal circunstância impedirá o exercicio do direito de reversão por parte do expropriado?

Extrai-se do disposto no artigo 5.° do C.E., que o proprietário do bem expropriado poderá requerer a sua reversão, quando o mesmo não tenha sido aplicado na realização do fim que esteve na base da expropriação ou de ter cessado tal aplicação a esse mesmo fim. Assim, face a um acto que transmite o bem a um terceiro, com desrespeito da realização da concreta finalidade pública que presidiu à sua expropriação, não tem sentido impugná-lo contenciosamente quando se trate de acto de autoridade praticado por órgão administrativo, isto porque, o direito de reversão para poder ser exercido depende de requerimento do interessado dirigido à entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação (artigo74.° n.° 1 do C.E.). Ao realizar-se uma transmissão do bem terceiro nas referidas circunstâncias, não se está, pois, a ofender quaisquer direitos ou interesse do anterior proprietário do bem expropriado. Está apenas a “facultar-se-lhe” o exercício do direito de reversão, por acto seu. Para além disso, o Código de Expropriações em matéria de reversão de bens expropriados prevê a intervenção do terceiro que tenha adquirido posteriormente a propriedade do bem expropriado, em dois momentos: em primeiro lugar, é citado para deduzir oposição quanto ao montante da indemnização ou outras restituições a fazer (artigo 78.°, n.°1 do C. E.); em segundo lugar, no levantamento ou atribuição de indemnização que ao caso couber (artigo79.°, n.° 2 do C.E.).

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eJ Assim esta possibilidade de intervenção de terceiro no que à reversão de bens diz respeito, constitui, uma, de entre várias soluções positivas do regime legal que, por si, implicam necessariamente que esse terceiro, a quem a propriedade do bem expropriado tiver sido transmitida, terá de abrir mão do mesmo em virtude do direito de reversão exercido triunfantemente pelo proprietário expropriado, regressando o mesmo ao património deste último. A não se entender desta forma, estaria encontrado um expediente fácil para que o expropriante pudesse fazer precludir o exercício, pelo expropriado, do seu direito de reversão: bastaria que o mesmo transmitisse o bem expropriado a terceiro. Salienta-se, também, o facto de, encontrando-se o exercício do direito de reversão sujeito a prazos de caducidade de vinte anos, em qualquer hipótese desde a data da adjudicação do bem expropriado (artigo 5.°, n.° 4, alínea a) do C.E.) e de três anos desde a data do facto que originou o exercício de tal direito (artigo5.°, n.° 5 C.E.), idêntico regime é susceptível de conferir uma determinada protecção ao terceiro a quem o bem expropriado foi transmitido pelo expropriante, evitando, desta forma, que o mesmo, em qualquer momento, possa ter de abrir mão, no futuro, do bem que lhe foi transmitido. Poderá ser esta a única tese compatível com a concepção do direito de reversão como decorrente da garantia constitucional, de que a expropriação só se justifica por uma causa de utilidade pública concreta, determinada por acto administrativo.

O direito de reversão poderá ser exercido nas situações em que o particular, nos termos do artigo 11.° ce, tenha cedido o bem pela via do direito privado? Não obstante, o direito de reversão estar pensado para as situações em que tenha havido declaração de utilidade pública e adjudicação do bem expropriado e entendendo-se que a aquisição do bem pela via do direito não faz ainda parte do procedimento expropriativo propriamente dito, a reversão deve também poder exercer-se naquelas hipóteses em que o particular (nos termos do artigo11.°), tenha cedido o bem pela via do direito privado. A tentativa de aquisição do bem pela via do direito privado não é uma qualquer tentativa de aquisição privada do bem, mas uma tentativa de aquisição do bem que antecede necessariamente um procedimento expropriativo, pelo que o particular sabe que não chegando nesta fase a acordo como potencial beneficiário da expropriação, este lançará mão do processo expropriativo. Parece pois, que não deve poder ser recusado ao particular o exercício do direito de reversão quando uma determinada entidade lhe adquirir o bem, pela via do direito privado, para uma determinada finalidade, identificada na resolução de requerer a declaração de utilidade pública e vier, posteriormente, a utilizá-lo para um fim diferente. “Se tal direito não decorrer de qualquer cláusula do contrato, quanto mais não seja, por cumprimento do princípio da boa fé e da confiança contratual”. Do exposto, sobressai que a discricionariedade da administração na determinação do fim de utilidade pública deve acabar no momento da sua declaração, ficando administração vinculada a essa decisão, não devendo, em momento posterior, vir a alterar o destino de utilidade pública a dar ao bem.. Porque a expropriação é um instrumento para a realização de bem comum, não constituindo um fim em si mesma, uma vez que só se justifica a privação do direito de propriedade privada para a afectação do bem a um qualquer fim que sirva esse interesse, este fim de utilidade pública – a causa expropriandi – enquadra-se no fenómeno expropriativo de uma forma constante e não apenas no momento da declaração de utilidade pública. O beneficiário da expropriação fica, assim, vinculado à realização do fim de utilidade pública que justificou a expropriação. Se pretender afectar o bem a outro fim de utilidade pública porque este lhe pareça mais importante, ou, simplesmente, porque se mostrou desnecessária a prossecução daquele fim concreto de utilidade pública que justificou a expropriação, em princípio, não o poderá fazer, pois ao expropriado é facultado o direito de reversão sobre os bens objecto da expropriação.