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A força vinculante das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (NRs do MTE) e o Anexo II da NR-17 José Affonso Dallegrave Neto1 A CLT contém disposições expressas no sentido de que o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) detém competência para estabelecer normas pertinentes à prevenção de doenças e acidentes do trabalho. São elas: Art. 155. Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho: I - estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200 Art. 200. Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: I- medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos; [...]

Não se ignore que tais dispositivos mantêm fina sintonia com o artigo 7º, XXII, da Constituição Federal, in verbis: Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; [...]

Nessa esteira axiológica, não resta dúvidas de que a Carta Constitucional de 1988 recepcionou a Portaria nº 3.214/78 do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e suas inúmeras Normas Regulamentares (NRs). Ao julgador cabe efetivar estas regras de prevenção, seja com vista a contribuir para a redução dos altos índices de acidentes e doenças do trabalho, seja para prestigiar a interpretação sistêmica, conforme a Constituição Federal. Não se duvide da força normativa dessas NRs pelo simples fato de elas serem Portarias do MTE e, portanto, meros atos regulamentares do Poder Executivo. De uma adequada interpretação do sistema jurídico, verifica-se que tanto a lei (art. 200 da CLT) quanto a 1. Advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); professor da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Ematra IX), da Pontificia Universidade Católica (PUCPR) e do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba); e membro da Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho (Jutra) e da Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região

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Constituição Federal (art. 7º, XXII) inspiram, referendam e impulsionam as aludidas NRs, conferindo-lhes indubitável e autêntica normatividade. Exemplo de sua plena aplicabilidade ocorre nos enquadramentos dos pedidos de insalubridade e de periculosidade nos termos da NR-15 e NR-16, respectivamente. Ora, durante décadas a Justiça do Trabalho vem aplicando com acerto as Normas Regulamentadoras e nunca ninguém obteve êxito na alegação de “ilegalidade” ou “ausência de força normativa”. O próprio STF já pacificou este entendimento ao editar a Súmula nº 194: “é competente o MTE para especificações das atividades insalubres”. Nesse mesmo diapasão, o tema ganha destaque na caracterização da chamada “culpa acidentária”, a qual resta configurada cada vez que o empregador descumpre uma das disposições da infortunística, incluindo-se as Normas Regulamentares do MTE: Indenização por dano acidentário. Culpa. Configuração. A Constituição assegura aos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII). As Normas Regulamentares traçam as medidas mínimas de proteção individuais e coletivas que devem ser observadas pelo empregador para, quando menos, atenuar os riscos aos quais se expõem para que se atinjam os fins colimados pela empresa. Sendo assim, se as normas são descumpridas, revela-se a culpa em potencial que se qualifica quando o dano físico é revelado, como no caso presente. De tal modo, por força da regra do artigo 159 do Código Civil, deve o empregador reparar o dano sofrido pelo empregado, ao qual culposamente deu causa. (TRT - 2ª Reg. - 20010153017/01 - 8ª T. - Ac. 20020279960 - Rev. Maria Luíza Freitas DJSP 14/05/02).

O art. 154 da CLT preceitua que a observância das disposições sobre medicina e segurança do trabalho, previstas na Consolidação, “não desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições” relativas à matéria. Como se vê, a sua abrangência é ampla e atinge qualquer tipo de norma cujo conteúdo verse sobre segurança e saúde. Logo, cabe ao empregador obedecer toda e qualquer norma a respeito, seja ela prevista em lei, tratados internacionais, instrumento normativo da categoria ou portarias ministeriais. Em alguns casos, a Norma Regulamentadora constitui fundamento legal até mesmo para deferir pedido de horas extras e intervalos especiais, conforme se infere da aplicação da NR-17, que ao tratar da ergonomia instituiu importante obrigação ao empregador quanto à redução dos riscos ocupacionais, como aqueles inerentes ao processamento eletrônico de dados (digitação), disposta na alínea “c” de seu item “17.6.4.”. 17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte: [...] c) O tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que no período de tempo restante da jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades, observado o disposto no art. 468 da Consolidação das Leis doTrabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual.

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A regulamentação prevista no Anexo II da NR-17 para os teleatendimentos Através da Portaria Ministerial SIT/DSST, de 30/3/2007, do Ministério do Trabalho e Emprego, foi editado o Anexo II da NR-17 que regulamenta o serviço em teleatendimento e telemarketing. Oportuna é a transcrição de seus itens 5.3. e 5.4. acerca da concessão de jornada reduzida e intervalos especiais intrajornadas: Item 5.3. O tempo de trabalho em efetiva atividade de teleatendimento/ telemarketing é de, no máximo, 06 (seis) horas diárias, nele incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração. Item 5.4. Para prevenir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombros, dorso e membros superiores, as empresas devem permitir a fruição de pausas de descanso e intervalos para repouso e alimentação aos trabalhadores. 5.4.1. As pausas deverão ser concedidas: a) fora do posto de trabalho; b) em 02 (dois) períodos de 10 (dez) minutos contínuos; c ) após os primeiros e antes dos últimos 60 (sessenta) minutos de trabalho em atividade de teleatendimento/telemarketing.

Não há dúvida acerca da força normativa desta e de qualquer outra NR do MTE que venham tratar de prevenção de acidente ou doenças ocupacionais, as quais se encontram em perfeita harmonia com a ordem jurídica. Trata-se da chamada “competência normativa secundária” ou “delegação normativa”, traduzida nas palavras de Marçal Justen Filho como o poder atribuído constitucionalmente ao Legislativo “de transferir ao Executivo a competência para editar normas complementares àquelas derivadas da fonte legislativa”2. Nesse contexto, impende lembrar ser da competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF). Com efeito, considerando que delegação normativa para estabelecer disposição complementar às normas de prevenção em acidentes encontra-se expressamente prevista em norma federal (art. 200, I, da CLT), tem-se que as NRs encontramse revestidas de perfeita normatividade, máxime porque prestigiam o Princípio da Unidade da Constituição. Em igual sentido é a Orientação Jurisprudencial nº 345, editada pela SBDI-I do TST, em situação análoga: A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois aregulamentação ministerial (Portarias do Ministério do Trabalho nºs 3.393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003), ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, “caput”, e inciso VI, da CLT. No período de

2. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 169. Em igual sentido OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 171. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região

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12.12.2002 a 06.04.2003, enquanto vigeu a Portaria nº 496 do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional de insalubridade.

Por fim, registre-se que o STF já examinou este tema quando da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.347-5, interposta pela Confederação Nacional de Transportes – CNT, incidente sobre os Atos que reformularam a NR-7 (PCMSO) e a NR-9 (PPRA), previstas na Portaria 3.214/78. Além de não conhecer da aludida ADI-MC nº 1.347-5, o excelso STF, em sua composição plena, fez questão de registrar que “a preservação da saúde da classe trabalhadora constitui um dos graves encargos de que as empresas privadas são depositárias”, nos termos do art. 1º, IV, da Constituição Federal. Especificamente em relação à força normativa e vinculante do referido Anexo II da NR17, na parte que estabeleceu jornada reduzida e intervalos especiais intrajornadas, registre-se as seguintes ementas de diversos pretórios trabalhistas: TELEOPERADORES. INTERVALO. HORA EXTRA. A NR-17, em seu Anexo II, estabelece parâmetros mínimos para o trabalho em atividades de teleatendimento, independentemente de norma coletiva, prevendo duas pausas de 10 minutos e uma de 20 minutos para os teleoperadores sujeitos à jornada de 6 horas, igualmente remuneradas e incluídas nesta jornada. A não observância da integração desses intervalos na jornada diária implicará em extrapolação da jornada legal, com direito a remuneração decorrente. (TRT 18ª Região, RO 0123500-62.2009.5.18.0002, Rel. Des. Mário Sérgio Botazzo, DJEGO 06/05/2010). TELEOPERADOR: OBSERVÂNCIA DO ANEXO II DA NR-17. A regulamentação da jornada de teleoperador/telemarketing pelo Anexo II da NR 17 (Portaria Ministerial SIT/DSST de 30.02.2007) deve ser observada pelos empregadores a partir de sua entrada em vigência, 01.08.2007, concedendo a esses profissionais inseridos na jornada diária de 6 horas, o intervalo de 20 minutos para descanso e alimentação e dois outros intervalos de 10 minutos cada, perfazendo o total de 40 minutos diários. Recurso obreiro conhecido e em parte provido. (TRT 10ª Região, ROPS 00272-2009-802-10-00.0, 2ª Turma, Rel. Des. Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira, DEJT 05/06/2009, pág. 62). ATIVIDADE EM TELEATENDIMENTO/TELEMARKETING. INTERVALO INTRAJORNADA. O anexo II da NR-17, aprovado pela Portaria nº 09, de 30 de março de 2007 (DOU de 02/04/07), que estabeleceu a fruição de intervalo intrajornada de 20 minutos aos trabalhadores em atividade de teleatendimento/telemarketing, entrou em vigência em 1º-08-2007, impondo-se a sua observância pelos empregadores a partir dessa data. No período anterior, contudo, diante da inexistência de disposição legal acerca do intervalo intrajornada específico a esses trabalhadores, a regra aplicável é aquela prevista no § 1º do art. 71 da CLT. (TRT 12ª Região, RO 07930-2008-034-12-00-1, 4ª Câmara, Relª Juíza Mari Eleda Migliorini, DOESC 09/03/2010).

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OPERADORA DE “TELEMARKETING”. INTERVALOS ESPECIAIS. HORAS EXTRAS. Se a prova nos autos demonstra que a obreira, operadora de “telemarketing” não usufruía dos intervalos de dez minutos a cada noventa trabalhados, faz ela jus, portanto, ao recebimento, como extras, desses períodos legalmente disciplinados como de descanso, nos moldes do artigo 72 Consolidado e da NR-17, Anexo II, item 5.3.da Portaria 3214/78, norma essa que veio regular especificamente o labor em tele-atendimento. (TRT 3ª Região, RO 00233-2007-044-03-00-5, 4ª Turma, Rel. Juiz Emerson José Alves Lage, DJMG 30/06/2007).

Observa-se que os aludidos parâmetros normativos estabelecidos no Anexo II da NR17 também são decisivos para a caracterização de culpa patronal ou nexo causal nos casos de pedido indenizatório em doença ocupacional: TELEOPERADOR. DISFONIA. NEXO CAUSAL. Embora a voz seja a principal ferramenta de trabalho de um teleatendente, a mera presença de distúrbio vocal não basta para o reconhecimento de ato ilícito patronal. É imprescindível demonstrar que a moléstia decorre de desrespeito aos parâmetros mínimos fixados no Anexo II da NR-17, em especial, a jornada, os intervalos, a temperatura ambiente e a umidade relativa do ar. Não se pode olvidar que a natureza do teleatendimento requer voz constante em tom agradável, sem sobressaltos, de modo que, uma vez atendidas as exigências da NR, é pouco crível que eventual disfonia decorra dessas condições de trabalho. Nexo afastado. (TRT 18ª Região, RO 00212-2008-009-18-00-1, 1ª Turma, Relª Desª Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque, DJEGO 30/11/2009).

Conclusão As Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego (MET) que dispõem sobre medidas complementares no campo da prevenção de doenças e acidentes do trabalho cumprem expressa delegação normativa estampada em lei federal (art. 200, I, da CLT), além de efetivarem direito fundamental previsto no art. 7º, XXII, da Constituição Federal. Logo, as NRs contêm densidade legal e vinculante para todas “as empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos de administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos poderes legislativo e judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho CLT” (NR 01.1). Em sede de ação trabalhista, cabe ao julgador aplicar com a máxima efetividade as disposições das NRs, inclusive como fundamento para deferir horas extras decorrentes da inobservância dos limites de jornada e intervalos nelas previstos ou para caracterizar a culpa patronal em ações de indenização por acidente do trabalho. Os serviços de teleatendimento e telemarketing estão regulamentados pelo Anexo II da NR-17, o qual detém força normativa, inclusive na parte que determina a observância de jornada reduzida de 6 (seis) horas diárias e de dois intervalos intrajornadas de 10 (dez) minutos a serem concedidos fora do posto de trabalho.

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