a variação linguística em livros didáticos de língua portuguesa

14 mar. 2013 ... voltando-se o olhar ao tratamento dessa natureza da língua nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs. (BRASIL, 2000). ... desvios ...

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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 3 • Número 9 • março 2013 Edição Especial • Homenageada

PROFESSORA DOUTORA MARIA LUIZA BRAGA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Franciele Marques da Silva* [email protected] Marilda Alves Adão Carvalho (UEG-Quirinópolis) [email protected]

RESUMO: Este artigo que se fundamenta nos constructos teóricos da Sociolinguística, especialmente da Sociolinguística Variacionista, numa interface com a teoria Sociointeracionista, traz à luz uma investigação focada em dois livros didáticos de língua portuguesa – 9º ano: Araribá Português, obra coletiva, e Viva Português, de Elizabeth Marques Campos et al., ambos indicados pelo Programa nacional do Livro Didático – PNLD, com o objetivo de averiguar como esses livros tratam o fenômeno da variação linguística. Para tanto, buscou-se construir um quadro teórico capaz de dar conta de configurar a língua em sua natureza heterogênea, bem como estritamente relacionada a aspectos socioculturais, voltando-se o olhar ao tratamento dessa natureza da língua nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 2000). Utilizou-se, portanto, para o trabalho, a pesquisa bibliográfica e documental; quanto aos objetivos, a pesquisa descritiva, de cunho qualitativo e quanto à perspectiva teórica, a pesquisa aplicada. Para análise dos livros, foram selecionados de "Araribá Português" quatro textos, seguidos de suas respectivas atividades, e uma atividade de gramática, enquanto que do livro "Viva Português", selecionou-se apenas um exercício. Essas seleções foram feitas tendo em vista referências à variação linguística nos textos e atividades que, após analisados, permitiram confirmar a hipótese do trabalho: o estudo da variação linguística não é privilegiado nos livros didáticos de forma significativa. PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística; variação linguística; livro didático.

ABSTRACT: This article is based on the theoretical constructs of Sociolinguistics, especially Sociolinguistics Variationist, an interface with the theory social interactionist, it brings to light an investigation focused on two textbooks Portuguese Language - 9th grade: Araribá Portuguese, collective work and Viva Portuguese , Elizabeth Campos Marques et al., both appointed by National Textbook program - PNLD, with the aim to ascertain how these books deal with the phenomenon of linguistic variation. For both, we sought to build a theoretical framework able to realize configure the language in their heterogeneous nature, as well as closely related to socio-cultural aspects, turning his gaze to the treatment of this kind of language in the National Curriculum Guidelines- PCNs (BRAZIL, 2000). We used, therefore, to task, to bibliographic and documentary, about the aims, descriptive research, a qualitative and theoretical perspective as to, applied research. For analysis of the books were selected "Araribá Portuguese" four texts, followed by their activities, and an activity grammar, while the book "Viva Portuguese" was selected only an exercise. These selections were made in view of references to linguistic variation in the texts and activities that, after analysis, the confirmation of the hypothesis of the study: the study of linguistic variation is not privileged in textbooks significantly. KEYWORDS: Sociolinguistics, linguistic variation; textbook.

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Graduada do Curso de Letras da UEG - Quirinópolis.

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INTRODUÇÃO

A democratização do ensino, ocorrida nos anos 80, trouxe, conforme aponta a bibliografia consultada, uma mudança considerável no ensino - aprendizagem da língua, visto que até então, as implicações de natureza social no uso da língua modalidade não eram levadas em conta.

A escola, em sendo de pertencimento de indivíduos

“elitizados”, tinha por dever a propagação de uma língua homogênea, uniforme e, por que não dizer, uma língua própria para caracterizar e distinguir a classe de “prestígio”. A ideologia dos livros didáticos era também, por sua vez, de “elitização” da língua portuguesa e, por isso, esses livros fundamentavam/fundamentam-se numa abordagem eminentemente estruturalista, para a qual as línguas apresentavam/ apresentam uma estrutura única e fixa, sem qualquer tratamento às situações reais de fala e/ou comunicação, pois se vale/valia somente da língua enquanto sistema. Os livros didáticos, em se prestando, portanto, a uma clientela favorecida social e culturalmente, priorizavam/priorizam a “arte do bem falar e do bem escrever”, ou seja, a gramática normativa. Quando se afirma, pois, que a democratização do ensino implicou em mudança no ensino-aprendizagem da língua, essa mudança ocorreu em razão de a escola não mais se voltar tão somente à elite da sociedade, mas também à classe popular que, desprovida de situações linguísticas próprias da escolarização e/ou do mundo letrado, mescla os traços linguísticos próprios de sua realidade, de sua cultura aos traços linguísticos daqueles da elite. Esses traços, embora tomados “preconceituosamente” como erros ou desvios da norma de prestígio, nada mais são que variedades linguísticas, cuja existência se funda e fundamenta-se na natureza multiforme, heterogênea da língua. Com o processo de heterogeneização da clientela escolar, escola e professor, especificamente, de língua portuguesa, veem-se às voltas com um novo modo de se conceber a língua, tendo-se, portanto, não só de “acolherem ou aceitarem” os distintos traços linguísticos dos alunos, como também de cederem espaço para a inclusão da diversidade da língua no processo ensino e aprendizagem, privilegiando, assim, esses 87

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distintos traços linguísticos dos aprendizes, muito embora sem lhes negar o acesso à variedade preconizada como de prestígio. O momento e a própria situação implicam, desse modo, na quebra de centralização do modelo estrutural no ensino da língua, tornando-se inegável a contribuição de novos estudos linguísticos, dentre os quais os da Sociolinguística que, ao estudar a relação língua,sociedade, possibilitou/possibilita uma prática pedagógica norteada por discursos variados, bem como numa visão de língua multiforme, só possível de ser analisada em situações de uso. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - PCNs (BRASIL, 2000), documento de suma importância no que se refere à inovação do ensinoaprendizagem da língua materna, isso por estar em consonância com as pesquisas linguísticas, ao se remeterem aos estudos sociolinguísticos na sala de aula, reforçam a importância e necessidade dos mesmos, a fim de propiciar a professor e aluno reflexões sobre o funcionamento da língua sob as diferentes esferas de circulação. Frente, pois, às vastas contribuições advindas de estudos linguísticos e dos próprios PCNs de língua portuguesa, pergunta-se: E o livro didático? Ele se configura como um documento e/ou material que segue ou se adequa às inovações linguísticas, contribuindo com o trabalho do professor? Que concepção ou visão de língua ele veicula? Essas indagações se fazem por se acreditar que, ao se colocar a escola e, obviamente, o professor de língua portuguesa como responsáveis pelo ensinoaprendizagem da língua numa visão multifacetada, variável, não se pode deixar de considerar o papel do LD, ou mesmo, como os conteúdos são nele configurados, em específico, a variação da língua. Não é um fato novidadeiro dizer que, em meio a tantas obras e tantos outros meios de o professor lançar mão para preparar suas aulas, o LD se caracteriza e/ou se constitui como o principal veículo nessa tarefa. Muitas vezes, observa-se ser ele (o LD), o único material utilizado pelo professor em sala de aula, e esse material, como qualquer outro, não é capaz de dar sustentação teórica e metodológica, na sua totalidade, à prática pedagógica docente. Ele apresenta lacunas, cancelamentos que necessitam ser preenchidos com a utilização de

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outros recursos, bem como traz silenciamentos que precisam ser transformados em vozes discursivas. Assim sendo, este artigo, que se fundamenta nos constructos teóricos da Sociolinguística Variacionista, numa interface com a teoria Sociointeracionista, tem como objetivo geral “averiguar como o livro didático trata o fenômeno da variação da língua”. Esse objetivo propiciará, pois, o reconhecimento e compreensão do lugar ocupado pela fala e, logo, pela Sociolinguística nas aulas de língua portuguesa, isso em virtude de se levar em conta o lócus privilegiado dos conteúdos inscritos no LD na prática do professor.

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.1 As implicações sociais no uso da língua/ da linguagem

O aspecto social da língua é fato já bastante colocado em discussão e em debate por estudos linguísticos, de tal forma a facultar a compreensão de as relações do homem com seu universo de vida, com sua realidade e, essencialmente, com o outro só se construírem por meio do trabalho, da ação da linguagem e pelo uso que se faz da língua. Desse modo, pensar nos usos linguísticos pelo homem implica pensar os espaços sociais em que ele está inserido ou se insere, ideia essa corroborada por Soares (2009, p. 65) ao afirmar que [...] não se pode considerar a língua fora do contexto social, na medida em que sua função seria não apenas transmitir informações, como também estabelecer e manter contatos sociais entre os falantes [...]. No que tange às implicações sociais no uso da língua, se se tomar a postulação de Saussure (2006, p. 17) para o qual a língua é “um produto social da (...) linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”, entende-se esse fato social não em função de ele estar interrelacionado à língua, mas por considerá-lo como independente do

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indivíduo e a ele imposto. Social porque pertence a todos e por tratar a língua como sistema convencional adquirido pelos indivíduos no convívio em sociedade. Todavia, contrapondo-se a essa visão estrutural de linguagem e de língua, em que ambas são excluídas de contingências sócio-históricas, culturais e ideológicas, busca-se na teoria sociointeracionista uma nova/outra dimensão para se caracterizar a língua(gem) como fato social. Isso se faz não somente por compreender a língua e a linguagem como meios de comunicação, mas também de interação e como práticas que propiciam ao homem o agir social. Segundo Maingueneau (1996, p.19), “[...] a linguagem não é mais concebida como meio de os locutores exprimirem seus pensamentos ou até transmitirem informações, mas antes como uma atividade que modifica uma situação [...]”. Para Orlandi (1996, p. 82) “A linguagem está estendida como mediação necessária, não é instrumento, mas é ação que transforma. Desse modo, não podemos estudá-la fora da sociedade [...]”. E, nesse sentido, em sendo o homem um ser social e a sociedade constituída por diferentes comunidades, classes de pessoas, diferentes serão seus usos linguísticos. Para Sapir (1969, p. 26), “a língua é, antes de tudo, um produto cultural, ou social, e assim deve ser entendida”. Já para Bakhtin (2006) a língua é constituída por signos ideológicos, construidos sócio-historicamente e que refletem as mudanças ocorridas na sociedade. Razão de língua, linguagem e sociedade serem inseparáveis. Logo, ao se atribuir relevância à relação entre língua e sociedade, toma-se como necessário um ensino-aprendizagem que prime por essa relevância, bem como se espera que o livro didático contribua com professor e aluno nessa visão de língua e na construção do sujeito social.

2.3 Concepções de linguagem e de língua

Ao se discutir e analisar em como o livro didático trata a questão da variabilidade linguística, acredita-se ser de suma importância voltar também o olhar para a concepção de língua e linguagem que o norteia, pois conforme elucida Travaglia

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(2008 p. 21) “(...) o modo como se concebe a natureza fundamental da língua altera em muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensino. A concepção de linguagem é tão importante quanto à postura que se tem relativamente à educação”. Portanto, o professor precisa estar atento e aberto ao desenvolvimento dos estudos linguísticos para que possa, então, alterar e/ou mudar o seu trabalho com a língua, optando-se não pela concepção que melhor lhe convém, mas por aquela que responda, satisfatoriamente, ao desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Desta feita, dentre as três concepções, toma-se aqui a concepção de linguagem como expressão do pensamento, a qual trata a língua como um sistema idealizado, de forma tal a privilegiar o ensino da gramática normativa e conceber que as leis da língua são regidas pelas leis do pensamento. Sobre isso, afirma Travaglia (2008, p.21) “a expressão se edifica no interior da mente e sua exteriorização funciona como uma espécie de tradução do pensamento”. Nesse modelo teórico, não há espaço para a interação entre os indivíduos por meio da língua(gem), e assim, ela é refletida por meio da enunciação monológica, concordando com Bakhtin (2006, p. 114), ao postular que “a língua se apresenta como um ato puramente individual, como uma expressão da consciência individual, de seus desejos, suas intenções, seus impulsos criadores, seus gostos, etc”. Contrapondo-se em partes a essa concepção, tem-se a concepção de linguagem como instrumento de comunicação que toma a língua(gem) como um objeto autônomo, pois ignora o papel dos interlocutores, o processo de produção da língua, bem como os fatores de ordem sócio-históricos, culturais e ideológicos indissociáveis da mesma. A indissociabilidade acontece para privilegiá-la como um sistema de códigos imutáveis que transmite mensagens de um emissor para um receptor, todavia, tomando a língua isolada de suas situações de uso. A função da língua é, por conseguinte, tão somente de prestar-se como meio de comunicação entre os indivíduos. Diferentemente das outras duas concepções, tem-se a concepção de linguagem como interação, a qual se volta à interação humana, ao diálogo, visto que a língua(gem) tem natureza interacional e dialógica. De acordo com o PCN de língua portuguesa do Ensino Médio (BRASIL, 2000, p. 5) “não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é

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a interação, a comunicação com o outro, dentro de um espaço social [...]”. Assim, o indivíduo, no processo de comunicação, não só transmite uma mensagem a ser decodificada/decifrada pelo interlocutor, mas, principalmente, age, atua sobre ele, em busca da interação comunicativa, o que faculta entender que a concepção de linguagem constitui-se por práticas sócio-cognitivo-interativas. No ensino da língua fundamentado nessa concepção, não há anulação do ensino gramatical, ao contrário, abre-se, por meio da leitura e da escrita à reflexão sobre os fatos gramaticais e/ou linguísticos, de forma a privilegiar a língua(gem) com toda sua diversidade. Entra-se, então, em cena o estudo das variedades linguísticas, e o indivíduo, de um estado de passividade frente às questões de língua(gem), passa a um estado de atividade. Tem agora, independência intelectual e, ao mesmo tempo, seus conhecimentos de mundo passam a ser valorizados. Reportando-se à valorização dos conhecimentos de mundo do indivíduo, reconhece-se que o fundamento da concepção de linguagem como interação encontrase, justamente, numa abordagem dialética de produção do conhecimento, pois com o diálogo, com a interação, os sujeitos se constroem, constroem suas visões de mundo, seus conhecimentos. Por isso, a língua(em) caracteriza-se como social, visto ser resultante de uma construção coletiva e por estar intrinsecamente relacionada a fatores extralinguísticos. Nesse sentido, considerar o escopo social dessa concepção de linguagem, implica considerar que os usos linguísticos do homem são inegavelmente influenciados pela sociedade.

2.4 A Sociolinguística e seu objeto de estudo

Contrariamente, aos princípios do Estruturalismo de Saussure e do Gerativismo de Chomsky que concebem a língua como realidade abstrata, independente de fatores extralinguísticos, nasce, na década de 60, nos Estados Unidos, a Sociolinguística, tendo como representante de expressão William Labov. Sobre essa corrente linguística, afirma Mollica e Braga (2008. P. 9) “A Sociolinguística (...) estuda a língua em uso no seio das

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comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais”. A Sociolinguística, ao se ater à relação línguasociedade, volta-se, consequentemente, aos usos linguísticos de falantes em distintos contextos sociais e situações. Para Bagno (2007, p. 38), “o objetivo central da Sociolinguística, como disciplina científica, é precisamente relacionar a heterogeneidade linguística com a heterogeneidade social. Língua e sociedade estão indissoluvelmente entrelaçadas [...]”. Todavia, o objeto de estudo da Sociolinguística são as variações ocorrentes na língua falada que, diferentemente da ótica estruturalista e gerativa, é tomada como entidade concreta, heterogênea, na relação com seus usuários no contexto geográfico, social e interacional. Ressalta-se que a heterogeneidade da língua somente adquiriu status científico, a partir de pesquisas desenvolvidas por Labov, em 1963, na Ilha de Martha’s Vineyard, no estado de Massachussets, Estados Unidos, onde estudou o inglês ali falado e, em 1964, na cidade de Nova York, com o estudo da estratificação social do inglês falado nessa cidade. Com esses estudos, Labov consegue comprovar a variação de usos da língua em função da variação social e, define a língua falada como escopo da Sociolinguística. Surge, então, a Sociolinguística Variacionista, com que se firma a variação da língua, porque estritamente associada a fenômenos ou aspectos extralinguísticos. Negar, portanto, essa realidade linguística, significa negá-la como um fato social, bem como um organismo vivo que está em constante movimento. A variação linguística, para Mollica e Braga (2008) é entendida pela Sociolinguística como um princípio geral e universal passível de análise e descrição científica, como também um fenômeno presente em todas as línguas naturais. Nessa linha de pensamento, há muito não se pode mais aceitar e utilizar-se de uma prática pedagógica que anula os conceitos sociolinguísticos, pois, em assim sendo, o professor favorece não só o desconhecimento da influência sociocultural na língua, mas também favorece a discriminação, o preconceito e, acima de tudo, a exclusão social com a língua e pela língua. Pergunta-se, por conseguinte: O livro didático contribui com

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para “abortar” a exclusão social mediante os conteúdos propostos ao professor e ao aluno?

2.4.1 Variação linguística

De conformidade com as considerações já apresentadas nesse artigo, desde a concepção de língua(gem) como interação até à abordagem dos pressupostos da Sociolinguística, o esforço tem se voltado à apresentação da língua como um processo e produto social, uma construção coletiva. Nesse sentido, ao assim apresentá-la, o esforço converge à necessidade de apresentá-la como um fenômeno variável, intrinsecamente relacionado às necessidades de comunicação e interação dos indivíduos. A língua só ganha forma, ou seja, só se materializa por meio de seus usuários, os quais são influenciados, de forma consubstancial, por aspectos socioculturais. Por isso, sua variação decorre do nível de escolaridade do falante, do lugar geográfico em que ele se acha inserido, de sua faixa etária, contexto situacional em que se encontra e outros fatores. Uma das características da língua é mesmo a dinamicidade, a multiformidade, determinadas por fatores de ordem estrutural e social, esta reconhecida como variável extralinguística e aquela, linguística. As escolhas linguísticas do falante são feitas, portanto, de acordo com suas necessidades, com suas conveniências e, diferentemente do que muitos pensam, não causam a deterioração, o aviltamento da língua. Na verdade, a riqueza, a preciosidade da língua reside nas suas nuances, nas suas peculiaridades, as quais identificam o indivíduo e o faz “igual na diferença e diferente na igualdade”. A negação a de modos distintos de se usar a língua não passa de uma atitude preconceituosa que, tal como já referenciado, se dá em virtude de, historicamente, ter-se ‘construído’ a norma padrão, referenciada pelas gramáticas normativas, como privilegiada socialmente, embora todas as variantes linguísticas tenham prestígio em seus contextos de uso, assim como estrutura e funcionamento. O ensino da língua portuguesa, de acordo com os PCNs (BRASIL, 2000), responsabiliza-se pelo pleno desenvolvimento da competência comunicativa do aluno,

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de forma a convergir essa competência ao pleno domínio e uso da língua(gem) nas modalidades oral e escrita. Logo, quando se remete a esse pleno domínio e uso da língua(gem), especialmente, na modalidade oral, o documento se reporta ao estudo das variações linguísticas, o que significa anulação do ensino essencialmente tradicional, no qual a língua(gem) é esvaziada como meio de interação. Corroborando os pressupostos teóricos da Sociolinguística, percebe-se que o documento em pauta combate veementemente o preconceito linguístico, porque aborda não haver o certo ou errado na língua, mas sim, o adequado e o inadequado à situação comunicativa. Coloca-se, desse modo, do lado de um ensino mais produtivo, mais inclusivo e mais democrático da língua. Os LDs, essencialmente, os adotados como corpus da pesquisa, contribuem para esse tipo de ensino? A bem da verdade, as variações linguísticas são o reflexo mais genuíno da identidade do indivíduo. Negá-las significa, pois, negar ao homem ‘o direito de dizer a língua’, bem como de ‘ser e estar no mundo por meio da palavra’. Fica-se aqui mais uma indagação: O LD contribui com esse direito de o indivíduo dizer a língua e com sua afirmação no mundo como sujeito?

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O fato de se eleger o livro didático como objeto de análise se deu em função de ele, conforme apresentado no corpo teórico deste artigo, caracterizar-se como um instrumento didático que exerce grande influência na prática pedagógica de professores, chegando-se ao ponto de o ‘que ensinar’ e o ‘como ensinar’ ser por ele determinado. Essa escolha do objeto de análise influenciou também, de modo significativo, no perfil da pesquisa que, por se fundamentar em pesquisas já realizadas e em autores que estudam a variação linguística, bem como sobre o modo que esse assunto é tratado no livro didático de língua portuguesa, caracteriza-se como, essencialmente, bibliográfica e documental. Nesse último caso, dado ao caráter escrito e visual do LD, caráter esse que possibilita compreendê-lo como um documento.

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Para tanto, inicialmente, foram definidos os LDs de língua portuguesa a serem analisados, quando se escolheu os do 9º ano do Ensino Fundamental. A escolha da série se fez em virtude de se compreender que, em estando o aluno no final do Ensino Fundamental, é de suma importância um estudo e conhecimento mais amplo sobre a natureza heterogênea da língua, visto ele, na atual conjuntura político-econômica do país, já caminhar para o mercado de trabalho e até mesmo para uma participação social mais intensa, o que, sem dúvida nenhuma, demanda competência comunicativa. Quanto à escolha dos dois LDs em que se propôs a analisar a variação linguística, deu-se pelo conhecimento de esses livros serem indicados pelo Programa Nacional do livro Didático – PNLD e terem sido adotados no ano de 2011, em escolas de Santa Helena-Goiás, cidade em que reside a pesquisadora. No que se trata dos objetivos, a pesquisa caracteriza como descritiva, de cunho qualitativo, pois, primeiramente, procedeu-se a escolha dos livros didáticos de língua portuguesa e, somente depois do conhecimento desses, foram escolhidas as partes a serem analisadas, sempre com os olhos voltados aos postulados teóricos da presente investigação, tal como postulado por Barros e Lehfeld (1990). A opção pelos livros, Viva Português e Araribá Português, de autores diferentes, deu-se com o propósito de se observar e analisar a existência ou não de diferenças de visão dos autores sobre a língua e a linguagem e se, mesmo que hipoteticamente, esses autores se atentam para o desenvolvimento dos estudos linguísticos, principalmente, sobre a variação linguística. Para a coleta e análise dos dados, a perspectiva teórica adotada foi a pesquisa aplicada que, para Lakatos e Marconi (2006) caracteriza-se em razão de seu caráter prático, o que significa aplicar os resultados na resolução de problemas. Ressalta-se que a análise do livro “Araribá Português” se deu tendo por princípio quatro textos, seguidos de algumas questões e uma atividade de gramática, escolhidos em razão de serem motivadores para um amplo estudo sobre a heterogeneidade da língua. Para o livro “Viva Português” selecionou-se apenas um exercício, o único do livro que trata do fenômeno da variação, contudo, aberto a um estudo de maior complexidade sobre o assunto.

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4. A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS

Considerando-se que o objetivo deste trabalho é o de analisar o trabalho com a variação linguística em dois livros do 9º ano, opta-se, portanto, por apresentar, no primeiro momento, após a identificação de cada um dos livros, os textos e/ou atividades selecionadas para o estudo, se for o caso e, no segundo momento, os comentários e/ou análise.

4.1. Livro didático Araribá Português

Texto 1 (p.90) – Me disseram... – Disseram-me. – Hein? – O correto é "disseram-me". Não "me disseram". – Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te”? - O quê? – Digo-te que você... – O "te" e o "você" não combinam. – Lhe digo? – Também não. O que você ia me dizer? – Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz? – Partir-te a cara. – Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me. – É para o seu bem. LUÍS FERNANDO VERÍSSSIMO Papos. Comédias para se ler na escola 97

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Rio de janeiro. Objetiva. 2001. (Fragmento)

 Qual é o motivo da discussão entre as duas pessoas?  A pessoa que corrige a outra defende que variedade linguística?  Em um contexto informal, como o da crônica que você leu, que frase você diria, mais frequentemente: “me disseram” ou “disseram-me”?

Texto 2 (p. 94)

Por uma destas coincidências fatais, várias personalidades brasileiras, entre civis e militares, estão no avião que começa a cair. Não há possibilidade de se salvarem. O avião se espatifará - e, levando-se em consideração o caráter dos seus passageiros, "espatifar" é o termo apropriado - no chão. Nos poucos instantes que lhes restam de vida, todos rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas, e entregam sua alma à providência divina. O avião se espatifa no chão. São Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do grupo se adianta e, já esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde vêm. LUÍS FERNANDO VERÍSSSIMO Hábito nacional. Comédia para se ler na escola. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. p. 85 – 86. (Fragmento.)

a) Na linguagem informal, no Brasil, a próclise é muito mais frequente que a ênclise. Identifique nessa crônica dois exemplos de emprego da próclise no lugar da ênclise. b) Se escrita de acordo com as regras de colocação pronominal da variedade padrão, como ficaria a oração “O avião se espatifará no chão”? c) Que efeito a frase que você escreveu provocaria no texto? 98

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Texto 3 (p. 96)

a) Reescreva o primeiro balão da tira de acordo com a variedade padrão da língua.

b) Que frase da tira confirma a observação de Eddie Sortudo?

Texto 4 (p. 149)

Último acorde do violino solitário Nada sei sobre a vidinha do Pernilongo que mato indiferente Na parede. Mas desconfio que era a única Que ele tinha

ULISSES TEIXEIRA Caindo na real. São Paulo. Brasiliense. 1984  O autor empregou a regência de um verbo de acordo com o uso coloquial e não de acordo com a variedade padrão. Copie o trecho do poema em que isso acontece.

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Atividade de nº 6 (idem) Assinale a única oração que está de acordo com a variedade padrão em relação à regência verbal.  Esqueci de que você está me devendo dinheiro.  Ele não me pagou a quantia de que me devia.  O aluno visou ao gol e chutou forte.  Prefiro acima de tudo sua amizade do que qualquer vantagem material.

4.1 Análise No livro didático “Araribá Português”, constatou-se, por meio das atividades selecionadas, sejam elas relacionadas ou não aos textos, que, muito embora, os autores façam referência à variação linguística, objetivam tão só trabalhar conteúdos gramaticais (nem podendo falar em análise linguística), tendo em vista a aprendizagem de “regras” ditadas pela gramática normativa. Não há, em toda a obra, nenhum estudo voltado propriamente à Sociolinguística. As referências feitas à heterogeneidade da língua no LD são, portanto, no plano superficial e sem qualquer alusão às situações ou contextos de uso da língua tal como se encontram nos textos e na atividade sobre regência verbal. No texto de nº 1, observa-se que uma das personagens da narração toma, numa atitude preconceituosa, como “errada” a fala da outra e, na atividade proposta, não se discute a concepção do “certo” e do “errado” na língua, dando-se a impressão de que os autores do LD também concebem como erro o que está fora da variedade culta. Na verdade, o foco se dá na língua enquanto sistema, tal como concebida pelo Estruturalismo linguístico e reforçadas pelas concepções de língua/linguagem como “expressão do pensamento” e “instrumento de comunicação”, sinalizando e/ou referindo-se de forma tímida à concepção sociointeracionista.

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No geral, o que se tem de estudo sobre a variação linguística no livro Araribá Português não contribui para que o aluno compreenda e tome a língua como um ato social, pois como postula Hudson (1996, p. 43) “[...] estudar a fala sem referência à sociedade que a usa é excluir a possibilidade de encontrar explicações sociais para as estruturas que estão sendo usadas”. Prevalecem no LD atividades mecânicas, tais como de reescritura de trechos na variedade padrão; de assinalar a alternativa em que a regência verbal também correspondente a essa variedade, de forma a tolher ou anular a possibilidade de o aluno refletir os usos da colocação pronominal e da regência verbal, de conformidade com outras variedades da língua. Reportando-se a essa ideia, Dionísio (2008) “[...] seria mais eficaz se ao invés da simples reescritura na norma padrão, fosse apresentada ao aluno uma situação em que ele pudesse confrontar as formas do padrão com as formas do nãopadrão e chegar a formular as regras que norteiam as variedades da língua (p. 83). Nessa acepção, compreende-se não estar o LD em análise totalmente em sintonia com os estudos linguísticos ou neles fundamentados, especialmente, com os sociolinguísticos, assim como se destoa também, dos pressupostos teóricos dos PCNs e de um dos objetivos definidos no Guia do PNLD ( MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010, p. 22), no qual se lê “abordar os diferentes tipos de conhecimentos linguísticos em situações de uso, articulando-os com a leitura, a produção de textos e o exercício da linguagem oral”. 4.2 Livro didático “Viva Português”

Exercícios de fixação (p. 231)

1. Observe a concordância verbal nas frases e, no caderno, escreva:

1. Se apenas a primeira estiver adequada. 2. Se apenas a segunda estiver adequada. 3. Se as duas estiverem adequadas.

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a) Gregório e Júlia discutiam o artigo. Ele e eu discutimos o artigo b) Quem é vocês? Quem são vocês? c) Tudo eram esperanças. Tudo eram esperanças. d) Falam muito sobre esses assuntos. Fala-se muito sobre esses assuntos. e) Faz tempo que isso aconteceu. Há tempo que esse assunto é preocupação de várias pessoas. f) Esse assunto desagradará muitas pessoas. Esses assuntos desagradarão muitas pessoas.

2. Justifique os problemas de concordância verbal encontrados na atividade anterior de acordo com as regras estudadas.

3. Explique por que as demais frases estão de acordo com as normas urbanas de prestígio da língua.

O Guia de livros didáticos: PNLD 2011 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010), na parte em que se refere aos volumes em que se insere o livro didático em questão, ao apresentar uma visão geral dos volumes, esclarece que “O trabalho com os conhecimentos linguísticos é intensivo em todos os volumes e contempla os conteúdos da gramática normativa. A oralidade é contemplada com um conjunto limitado de atividades lúdicas e práticas” (p. 147 – 148). Desse modo, mediante o estudo que se fez do livro didático “Viva Português” – 9º ano, em busca de nele se analisar o trabalho com a variação linguística, constatou-se um silenciamento das autoras e logo, do próprio livro, no que se trata de estudos voltados à Sociolinguística, isso em favor de uma focalização ou prioridade do estudo

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da língua no plano estrutural e fundamentado nas concepções de língua/linguagem como “expressão do pensamento” e “instrumento de comunicação”. A relevância do estudo da gramática normativa e logo, da variedade “culta” da língua é tão intensa no LD em análise que, conforme se nota no exercício de nº 1, falase de frases “adequadas”, sem se mencionar a que variedade da língua, mas, está transparente que se refere à adequação à variedade culta. Julga-se fosse essencial um trabalho e/ou abordagem do tem ou se entende por certo/errado, adequado e inadequado na língua. No exercício de nº 2, confirma-se o pressuposto anterior e, quando se fala em problemas de concordância verbal em relação às regras estudadas, cria-se já um estigma, um preconceito velado às formas que não são as ditadas pela gramática normativa. O preconceito, se antes velado, torna-se transparente no exercício de nº 3, ao se colocar determinadas normas como de prestígio, pois não há nenhuma discussão ou proposta de atividade que permita ao aluno chegar á conclusão do porquê de a variedade que se chamam de culta ser caracterizada como tal. Da forma como se é trabalhada essa questão no LD, se não bem enfatizado pelo professor, reforça-se o preconceito linguístico, tal como inibe o aluno que tem seus usos linguísticos distintos das normas tidas como de prestígio. Diante dessas considerações, ao se remeter ao objetivo estabelecido pelo Guia do PNLD 2011, já referenciado no trabalho, tem-se que o livro “Viva Português”, o qual se enquadra nesse guia, não responde a esse objetivo, visto não haver articulação dos conhecimentos linguísticos às possíveis variações da língua em contextos ou situações distintos.

5. CONCLUSÃO

Desde a democratização do ensino, ocorrida nos anos 80, houve avanço no ensino de língua portuguesa, pois a classe popular adquiriu direito de escolarização e trouxe para a sala de aula domínios distintos da língua(gem). Esses domínios

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demandaram da escola passar de um ensino da língua estritamente normativo para um ensino em que se cruzam/entrecruzam distintos falares, distintos discursos, intencionando dotar o aluno de capacidade para a comunicação e a interação em situações e contextos vários, de tal modo a compreender o outro e fazer-se compreendido em meio à diversidade linguística. Todavia, nesse artigo, conclui-se que, não raro, em função de o professor se apoiar demasiadamente no livro didático, o qual muitas vezes cancela ou superficializa conteúdos que não mais podem ser negligenciados na sala de aula, porque de relevância para a formação do aluno e para sua participação social com/pela língua, seu discurso (do professor) continua inalterado ou sem profundidade teórico-prática, em detrimento das contribuições das teorias linguísticas há muito vigentes,, dentre essas, a teoria da variação linguística. O LD, conforme se viu, mesmo indicado pelo PNLD, contraria os próprios objetivos definidos pelo programa para o ensino da língua e, portanto, a razão de ele somente não sustentar a prática pedagógica do professor, o qual deve se responsabilizar de ser sempre um estudioso, um pesquisador das questões linguísticas, a fim de ser capaz de ir muito além do que lhe é proposto pelo LD no processo de ensino da língua portuguesa. Nessa perspectiva, remetendo-se aos livros didáticos escolhidos para observação e análise de como neles é trabalhada a variação linguística, pode-se constatar uma realidade surpreendente na atual conjuntura, na qual pesquisas e mais pesquisas linguísticas são feitas e divulgadas: a concepção de língua/linguagem neles presente não se distancia das concepções como “expressão do pensamento” e “instrumento de comunicação”, o que exclui, portanto, as propostas dos PCNs e mesmo do PNLD, nos quais a ideia geradora é a de um ensino de língua que privilegie as situações de uso. Entende-se aí estar o porquê de o aluno que opta pelo curso de Letras tanto estranhar, ao chegar à Universidade, o discurso no qual se enfatiza que “não existe o certo e errado na língua”, e mesmo o fato de não se ensinar a gramática como ele pensava e esperava estudar.

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Nesse sentido, se o professor de língua portuguesa do Ensino Fundamental não redimensionar sua prática pedagógica para além do LD, bem como lançar novos olhares para o que se tem de estudos desenvolvidos sobre a língua/linguagem, comprometerá os conhecimentos do aluno, conhecimentos muitas vezes necessários para o seu agir social. A ideia é, pois, compreender o LD não como o único objeto norteador da prática docente, mas como um deles, e assim, ser capaz de preencher as lacunas nele existentes, lacunas essas encontradas nos dois livros que se prestaram como objetos de análise nesta pesquisa. Desse modo, comprovou-se, por meio das análises, que a variação linguística recebe nos livros didáticos “Araribá Português” e “Viva Português” um tratamento superficial, vago, para dar ênfase à norma padrão, à gramática normativa, o que é feito de tal maneira a não aperfeiçoar ou acrescer os conhecimentos linguísticos do aluno, a fim de ele poder usá-los adequadamente em seus atos comunicativos e interativos. Essa anulação e/ou silenciamento dos LDs quanto à pluralidade da língua acabam por não contribuir para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, competência relacionada ao conhecimento e domínio de uma multiplicidade de discursos, com todas suas peculiaridades. E não sendo desenvolvida sua competência, o indivíduo não só deixará de compreender a interrelação língua e sociedade, mas também sentirá dificuldades em estabelecer interação com o outro. Para concluir de fato este trabalho, toma-se aqui as palavras de Da Silva (2006, p. 153) que assim diz “Os professores e os autores de livros precisam de bom senso, um pouco de capacidade de observação e disposição para não levar adiante idéias puristas em relação à língua”.

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Recebido Para Publicação em 28 de fevereiro de 2013. Aprovado Para Publicação em 14 de março de 2013.

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