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Paralelismo Sintático e Semântico. Leia o seguinte enunciado: “Não, não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou que o Estado vo...

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Anuário da Produção Acadêmica Docente

A ESTRUTURA TEXTUAL II1

Vol. III, Nº. 6, Ano 2009

RESUMO Guilherme A. de Lima Nicésio Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

Esse artigo apresenta como tema principal, em continuidade e complemento ao conteúdo já apresentado em artigos anteriores do módulo “Técnicas de Comunicação Docente” do Programa Permanente de Capacitação Docente, os elementos estruturais de um texto: os substratos de apreensão possíveis em uma leitura; a coesão textual; a coerência textual e argumentativa; e a progressão textual. O objetivo do artigo é instrumentalizar os alunos do curso para a produção de textos acadêmicos não somente adequados, mas também sofisticados, de acordo com as condições de trabalho em cursos de ensino superior. Palavras-Chave: prática docente; ensino superior; instrumentalização.

ABSTRACT This article presents as its main theme, in continuation of and complement the content already presented in previous articles of the module “Teaching Communication Skills” from Training Permanent Program Lecturer, the structural elements of a text: the substrates of seizure possible in a reading, the textual cohesion, coherence and argumentative text, and the textual progression. The purpose of the article is preparing students for the production of academic texts, not only appropriate but also sophisticated, according to the working conditions in higher education courses. Keywords: teaching practice; higher education; instrumentation.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Informe Técnico Recebido em: 8/8/2009 Avaliado em: 25/1/2010 Publicação: 9 de agosto de 2010

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1 Material da 4ª. aula da Disciplina Perfil Corporativo, Crenças e Valores, Programas Institucionais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

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ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO Leia o texto da Figura 1, uma charge do cartunista Jean Galvão:

Figura 1 – Charge sobre Conselho de Ética.

Como em toda charge, deparamo-nos com um texto dotado tanto de linguagem visual como de linguagem escrita. Acima, há três personagens, vestidos formalmente. Aparentam, além disso, serem mais velhos, já que seus rostos são rugosos. Sua seriedade inicial, presente no primeiro quadro, contrasta com a descontração no segundo quadrinho, no qual estão presentes pratos, talheres e uma pizza em fatias, a “prova” a ser analisada. O título do quadrinho (“CONSELHO DE ÉTICA”) delimita o contexto no qual se insere o diálogo representado pela charge. No Brasil, o órgão responsável pela investigação da conduta de parlamentares do poder legislativo de várias instâncias (predominantemente, no âmbito federal), remete-nos a um conhecimento de mundo amplamente dominado: os escândalos políticos, frequentemente divulgados pela mídia. A seriedade inicial é quebrada pelo efeito do uso do sentido conotativo da expressão PROVA, tanto como substantivo - aquilo que demonstra que uma afirmação ou um fato são verdadeiros; evidência, comprovação – quanto como verbo - comer uma pequena quantidade; lambiscar, beliscar (HOUAISS, 2002). Quando se diz que determinado escândalo político vai “acabar em pizza”, por exemplo, a imagem de uma refeição à base da massa significa que o escândalo não será punido. A imagem de uma reunião alegre, em uma pizzaria, como que condensa a noção

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de que os envolvidos no escândalo estarão livres e poderão comemorar seu esquecimento. Em suma, o tema tratado é a impunidade, postura incompatível com os deveres atribuídos a um órgão como uma comissão de ética parlamentar. Os níveis de leitura, como é notável no exemplo acima, são distintos um de outro pelo grau de abstração: o primeiro nível depreende os significados mais complexos e mais concretos; há um nível intermediário entre este e o terceiro estágio, que depreende os significados mais simples e abstratos.

Desse modo, é possível imaginar que o texto

admite três planos distintos em sua estrutura: 1. Estrutura discursiva, onde se evidenciam os significados mais concretos e diversificados. Nesse nível, são instalados elementos como o narrador/enunciador, os personagens envolvidos, os cenários, o tempo, o contexto, as ações concretas; 2. Estrutura narrativa, onde se definem basicamente os valores com que os diferentes sujeitos e argumentos entram em acordo ou desacordo; 3. Estrutura profunda ou temática, onde ocorrem os significados mais abstratos e mais simples (como, no texto, a impunidade, incompatível com a ética). Aqui, podem-se postular dois significados abstratos que se opõem entre si e garantem a unidade de todo o texto. Após o que ficou exposto, é possível concluir que o leitor cumpre o trajeto que parte da estrutura da superfície, passa pela estrutura intermediária e, por fim, atinge a estrutura profunda. Parte dos significados dispersos na superfície para ir atingindo significados cada vez mais abstratos. As diversidades de sentido são manifestadas no nível da superfície do texto, e a unidade textual básica se encontra no nível mais profundo. É, pois, um interessante exercício remodelar a utilização de nosso material didático e os dispositivos de avaliação adotados conforme essa abordagem.

A COESÃO TEXTUAL Leia o seguinte texto, que apresenta problemas em sua formulação: Os padrões migratórios do tubarão branco no Atlântico Sul ainda são desconhecidos, mas o aparecimento do tubarão branco quase exclusivo em locais de ressurgência (nos locais de ressurgência a água fria aflora para a superfície) confirma a tese de que o tubarão branco não tem muita queda pelo tempero brasileiro e só acaba petiscando no Atlântico Sul por acaso. A distribuição do tubarão branco está mais restrita às regiões Sul e Sudeste do Brasil, em especial o litoral norte do Rio de Janeiro. No litoral norte do Rio de Janeiro a ressurgência é comum em determinadas épocas do ano. Leia-o no original, completo e com o uso adequado dos relatores:

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Temido como poucos animais no mundo, e tido como um “devorador de homens”, o tubarão branco vive mais da fama do que de um histórico violento de fato. Sua imagem sanguinária, a gigantesca mandíbula aberta com os dentes pontudos ou a nadadeira em meia-lua zanzando na água à procura de carne humana, ganhou mundo no rastro do filme Tubarão, na década de 70, e não saiu mais de cena. Apesar de freqüentador apenas esporádico do nosso litoral, esse personagem sombrio dos mares povoa a imaginação de muitos pescadores, surfistas e banhistas que ocasionalmente se sobressaltam com a sua possível presença por perto. Otto Bismarck, especialista em tubarões e professor de biologia marinha da Universidade Santa Cecília, em Santos (SP), há oito anos pesquisa o assunto. Um capítulo que assina no livro Great White Sharks, lançado nos Estados Unidos em 1996, trata exatamente da ocorrência e distribuição da espécie no Brasil. De acordo com Bismarck, os padrões migratórios no Atlântico Sul ainda são desconhecidos, mas seu aparecimento quase exclusivo em locais de ressurgência, em que a água fria aflora para a superfície, confirma a tese de que esse animal não tem muita queda pelo tempero brasileiro e só acaba petiscando aqui por acaso. Sua distribuição está mais restrita às regiões Sul e Sudeste do país, em especial o litoral norte do Rio de Janeiro, onde a ressurgência é comum em determinadas épocas do ano. Podemos observar que as palavras sublinhadas, isoladamente, nada significam, mas ganham significado pela RELAÇÃO DE COESÃO que estabelecem entre uma informação e outra. COESÃO é o estabelecimento de relações de sentido entre os elementos do texto através de marcas estruturais da linguagem. Diz-se que um texto é coeso quando seus vários enunciados estão organicamente articulados entre si, quando há concatenação entre eles. A coesão de um texto, isto é, a conexão entre os vários enunciados, obviamente não é fruto do acaso, mas das relações de sentido que existem entre eles. Essas relações de sentido são manifestadas, sobretudo por certa categoria de palavras, as quais são chamadas de conectivos ou elementos de coesão. Sua função no texto é exatamente a de pôr em evidência as várias relações de sentido que existem entre os enunciados. São várias as palavras que, num texto, assumem a função de conectivos ou de elementos de coesão: •

as preposições: a, de, para, com, por, etc.;



as conjunções: que, para que, quando, embora, mas, e ou, etc.;



os pronomes: ele, ela, seu sua, este, esse, aquele, que, o qual, etc.;



os advérbios: aqui, aí, lá, assim, etc.

Com a utilização correta desses conectivos e de outros recursos, podemos classificar os mecanismos de coesão em cinco tipos: •

COESÃO REFERENCIAL



COESÃO SUBSTITUTIVA



COESÃO ELÍPTICA



COESÃO SEQUENCIAL



COESÃO LEXICAL

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Coesão Referencial A coesão referencial é estabelecida por elementos que se referem a informações de dentro ou de fora do texto. Este grupo subdivide-se em dois subgrupos, conforme o objeto referenciado: A. ELEMENTOS DE REFERÊNCIA TEXTUAL: aqueles que apontam para outras palavras do próprio texto, que normalmente já foram escritas em outros momentos (no início do período, em orações anteriores, em parágrafos anteriores) ou que ainda serão (como o caso do “este”: o problema é este: que fazer?). Há, contudo, uma diferença entre os termos que retomam e os que antecipam outros elementos do texto. Veja o exemplo: Entrando no templo a adorar a Apolo, achou que no mesmo altar estava Esculápio, seu filho; este com grandes barbas, e aquele lampinho (= imberbe). (Antônio Vieira) Nesse período, composto pelo Pe. Antônio Vieira, o pronome demonstrativo este retoma o termo Esculápio; enquanto aquele recupera a palavra Apolo. Esses termos são denominados anafóricos. Termo anafórico, genericamente, pode ser definido como uma palavra ou expressão que serve para retomar um termo já expresso no texto. Já o termo catafórico é aquele que serve para antecipar, para anunciar outros. Na oração A boa vida é esta: o sossego normal deste meu quarto, o pronome demonstrativo esta é catafórico, pois antecipa o sossego normal deste meu quarto: São anafóricos e catafóricos: •

os pronomes demonstrativos: este, esse, aquele etc.;



os pronomes relativos: que, o(a) qual, onde, cujo);



advérbios e expressões adverbiais: então, dessa feita, acima, atrás etc.

Há algumas observações a ser fazer a respeito do uso de anafóricos: 1. Geralmente, só se usam anafóricos quando o termo que ele retoma tiver sido explicitamente mencionado no texto. Quando um elemento anafórico está empregado em um contexto tal que pode se referir a dois termos antecedentes distintos, isso provoca ambiguidade e constitui ruptura de coesão. Assim, é preciso atentar-se a esse efeito indesejado na escrita, para que o leitor perceba a que termo se refere o elemento anafórico. Eis alguns exemplos: • O PT entrou em desacordo com o PMDB por causa de sua proposta de aumento de salário (No caso, sua pode estar se referindo à proposta do PT ou do PMDB).

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Proposta de correção: A proposta de aumento de salário formulada pelo LT provocou desacordo com o PMDB. • Jorge briga muito com Raquel por causa de seus ciúmes (aqui, não se sabe se os ciúmes são de Jorge ou de Raquel). Proposta de correção: Por ser muito ciumento, Jorge briga muito com Raquel; ou Por ser ela muito ciumenta, Raquel briga muito com Jorge. 2. Os artigos indefinidos servem em geral para introduzir informações novas no texto. Quando forem retomadas, as informações precisam ser precedidas de artigo definido, já que este é que tem a função de indicar que o termo que ele determina é idêntico, em termos de valor referencial, a um termo já mencionado. Veja um exemplo a seguir: Esteve à janela cerca de meia hora; depois entrou, sentou-se e escreveu uma carta. A carta era longa, escrita a golfadas, sem nexo nem ordem (Machado de Assis). B. ELEMENTOS DE REFERÊNCIA SITUACIONAL: são aqueles que apontam para informações que estão fora do texto, supostas pelo leitor. Por exemplo: Esse animal não tem muita queda pelo tempero brasileiro e só acaba petiscando aqui (no Brasil, como o leitor sabe) por acaso.

Coesão Substitutiva A substituição consiste em colocar um item em lugar de outro(s) elementos(s) do texto, inclusive, de uma oração inteira. Seria uma relação interna ao texto, em que uma expressão é usada em lugar da repetição de um item particular. Eis alguns exemplos: •

Luis comprou um carro novo e José também.



A professora acha que os alunos não se prepararam, mas eles não pensam assim.



O sacerdote se ajoelhou. Todos fizeram o mesmo.



Minha irmã comprou um sorvete. Eu também quero um. Há uma diferença básica entre a coesão referencial e a substitutiva: esta é usada

quando uma nova especificação é acrescentada; logo, a nova definição e a original são contrastantes. Veja um exemplo do aspecto contrastivo da substituição: Pedro comprou uma camisa vermelha, mas Jorge preferiu uma verde.

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Coesão Elíptica Elipse é a supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto lingüístico ou pela situação. A elipse seria, então, uma substituição por zero: é omitido um vocábulo, uma oração ou todo um enunciado, que são facilmente recuperáveis pelo contexto. Exemplos: O ministro foi o primeiro a chegar. (Ele) Abriu a sessão às oito horas em ponto e (ele) fez um discurso emocionado.horas – Paulo vai conosco à reunião? – (Paulo/Ele) Vai (conosco à reunião/lá).

Coesão seqüencial Esse tipo de coesão é estabelecido por elementos responsáveis pelas relações de sentido entre partes do texto. Problemas na seleção de elementos de coesão seqüencial afetam a coerência do texto. As principais relações de sentido estabelecidas por tais elementos são: a. causa ou explicação: porque, já que, uma vez que, visto que, como, etc. •

Ele deixou de trabalhar porque ganhou na loteria.



Uma vez que tinha bebido muito, passou o dia inteiro enjoado.

b. conseqüência: então, tanto que, tal que, tamanho que, de modo que, de forma que, etc. •

O aluno estudou tanto que foi aprovado no curso.



O aluno estudou muito, então ficou inteligente.

c. restrição ou ressalva, oposição ou contraste (adversidade e concessão): mas, porém, no entanto , entretanto, contudo, todavia, apesar de, mesmo que, embora, etc. •

Sérgio estudou para prova de recuperação, mas não conseguiu a nota que precisava.



Apesar de ter estudado para a prova, Sérgio não conseguiu a nota que precisava.

d. condição: se, contanto que, caso, etc. •

Se Carlos esperar até amanhã, poderá receber o empréstimo.



Carlos poderá receber o empréstimo, contanto que espere até amanhã.

e. tempo: quando, enquanto, em seguida, antes que, depois que, etc. •

Quando o professor entrou na sala de aula, os alunos o receberam muito bem.



Alguns alunos conversavam muito enquanto o professor dava a aula.

f. acréscimo, adição: e, também, além de, não só...mas também, etc. •

Este trator serve para arar a terra e para fazer colheitas. Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 6, Ano 2009 • p. 185-202

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Além de arar a terra, este trator serve para fazer colheitas.

g. conclusão: logo, portanto, pois (conclusivo), assim, então, por isso, etc. •

Penso; logo, existo.



Na mata, há inimigos à espreita; seremos cautelosos, portanto.

Coesão Lexical Uma palavra pode ser retomada por meio de dois mecanismos: a colocação e a reiteração. A colocação ou contigüidade consiste em usar termos pertencentes a um mesmo campo significativo: Houve um terrível acidente na rodovia. Cerca de trinta ambulâncias transportaram os feridos para os hospitais da região. Já a reiteração retoma um termo, quer por repetição do mesmo item lexical, quer por sinonímia, substantivação, antonomásia, hiperonímia, hiponímia e epíteto. Repetição Podemos repetir uma palavra (com ou sem o determinante) quando não for possível substituí-la por outra. A propaganda, seja ela comercial ou ideológica, está sempre ligada aos objetivos e aos interesses da classe dominante. Essa ligação, no entanto, é ocultada por uma inversão: propaganda sempre mostra que quem sai ganhando com o consumo de tal ou qual produto ou idéia não é o dono da empresa, nem os representantes do sistema, mas, sim, o consumidor. Assim, a propaganda é mais um veículo da ideologia dominante. Antonomásia Antonomásia é a repetição do nome próprio, de parte dele ou de termo que qualifique a pessoa. Manuel da Silva Peixoto foi um dos ganhadores do maior prêmio da loto. Peixoto disse que ia gastar todo o dinheiro em viagens ao exterior. Marta Suplicy não emplacou nas eleições. Marta ganhou em poucas regiões da capital. Luiz Eduardo Greenhalgh pede ao STF acesso aos autos da operação da PF. O ex-deputado federal é citado no inquérito da Operação Satiagraha como lobista de Daniel Dantas. Epítetos Epíteto é a palavra ou frase que identifica com exclusividade a pessoa. Ronaldo teve um papel fundamental na final da copa de 2002. O Fenômeno marcou todos os gols da partida contra a Alemanha. (Ronaldo foi substituído por Fenômeno) Palavras ou expressões sinônimas ou quase sinônimas Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 6, Ano 2009 • p. 185-202

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Os quadros de Van Gogh não tinham nenhum valor em sua época. Houve telas que serviram até de porta de galinheiro. O governo tem-se preocupado com os índices de inflação. O Planalto diz que não aceita qualquer remarcação de preço. Hiperonímia e hiponímia Leia os trechos abaixo: Vimos o carro do ministro aproximar-se. Alguns minutos depois, o veículo estacionava adiante do Palácio do Governo. O professor mandou os alunos desenharem quadrados, retângulos e trapézios. Os quadriláteros encontravam-se empilhados uns sobre os outros na mesa dianteira da sala e os alunos deveriam copiá-los e sombreá-los “ao natural”. É possível notar que “veículo” é uma palavra mais ampla, mais genérica que “carro”, assim como “quadrilátero” engloba “quadrados”, “retângulos” e “trapézios”. Isso é o que se chama hiperônimo, que é um termo relativo a um vocábulo de sentido mais genérico em relação a outro (p.ex., assento é hiperônimo de cadeira, de poltrona etc.; animal é hiperônimo de leão; flor é hiperônimo de malmequer, de rosa etc.). Se fizermos a “operação inversa”, ou seja, empregarmos um vocábulo mais específico em relação a outro mais genérico, estaremos diante de um hipônimo, um termo relativo a um vocábulo de sentido mais específico em relação ao de um outro mais geral, em cuja classe está contido (p.ex., poltrona é hipônimo de assento; leão é hipônimo de animal). O emprego de hiperônimos, termo mais abrangente que pode substituir uma série de outros termos, é um recurso de síntese. Substantivação Ocorre substantivação quando se emprega um substantivo que remete a um verbo enunciado anteriormente. Eles foram testemunhar sobre o caso. O juiz disse, porém, que tal testemunho não era válido por serem parentes do assassino. Pode também ocorrer o contrário: um verbo retomar um substantivo já anunciado. Ele não suportou o desafio diante do próprio filho. Desafiar um homem de bem não era coisa para se deixar passar em branco.

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A COERÊNCIA TEXTUAL Retomemos a definição de texto: UM TEXTO É UM TODO ORGANIZADO DE SENTIDO, DELIMITADO POR DOIS BRANCOS, QUE MANIFESTA UM PONTO DE VISTA SOCIAL SOBRE UMA DADA QUESTÃO. Desta definição inicial, pode-se definir a coerência como a unidade do texto. Um texto coerente é um conjunto harmônico, em que todas as partes se encaixam de maneira complementar de modo que não haja nada destoante, nada ilógico, nada contraditório, nada desconexo. No texto coerente, suas partes devem manter compatibilidade, continuidade de sentido umas em relação às outras.

Níveis de coerência Todos os elementos do texto devem ser coerentes. A incoerência, pois, seriam as violações das articulações sintático-semânticas de cada um dos níveis de organização do texto. Teríamos, assim, diferentes níveis de coerência: Coerência Narrativa Coerência narrativa concerne à observância das implicações lógicas entre as diferentes partes do relato. Por exemplo, para que um sujeito realize uma ação, é preciso que ele tenha competência para tanto, ou seja, que saiba e possa efetuá-la. Isso significa que toda ação implica, pressupõe um saber e um poder fazer. Constitui, portanto, incoerência narrativa relatar uma ação realizada por um sujeito que não reúne condições para isso. Observe o texto abaixo: Pior fez o quarto-zagueiro Edinho Baiano, do Paraná Clube, entrevistado por um repórter da Rádio Cidade. O Paraná tinha tomado um balaio de gols do Guarani de Campinas, alguns dias antes. O repórter queria saber o que tinha acontecido. Edinho não teve dúvidas sobre os motivos: – Como a gente já esperava, fomos surpreendidos pelo ataque do Guarani. (BUCHEMANN, Ernani. Folha de Londrina, 25 jan. 1995, p. 3) A surpresa implica a não espera. Não se pode ser surpreendido com o que se esperava que acontecesse.

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Coerência Argumentativa Coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação entre premissas e conclusões que delas se tiram ou entre afirmações e consequências que delas se fazem decorrer. Em um esquema de argumentação, joga-se com certos pressupostos ou certos dados e deles se fazem inferências ou tiram-se conclusões que estejam verdadeiramente implicados nos elementos lançados como base do raciocínio que se quer montar. Se os pressupostos ou os dados de base não permitem tirar as conclusões que foram tiradas, comete-se a incoerência de nível argumentativo. Assim, quando se defende o ponto de vista de que o homem deve buscar o amor e a amizade, é incoerente afirmar em seguida que não se deve confiar em ninguém e que, por isso, é melhor isolar-se. Como também é incoerente defender ponto de vista contrário a qualquer tipo de violência e ser, ao mesmo tempo, favorável à pena de morte, a não ser que não se considere a ação de matar como um ato de violência. Coerência Figurativa Coerência figurativa se refere à compatibilidade e articulação harmônica das figuras do texto que manifestam um determinado tema. Várias figuras que ocorrem em um texto devem articular-se de maneira coerente para constituir um único bloco temático. A ruptura, nesse aspecto, da coerência pode provocar desconcerto. Qualquer figura que pertença ao mesmo tema deve pertencer ao mesmo universo de significado. Um exemplo: suponhamos que se levantem figuras a respeito do tema “A vida no Pólo Norte”. Podem ser usadas figuras como neve, pessoas vestidas com roupas de pele, renas, trenós, gelo, aquecimento global, geleira, ursos. Não são utilizadas, portanto, figuras como palmeiras, cactos, camelos, dunas. Coerência Temporal Coerência temporal é aquela que concerne à observância das leis de organização dos eventos e à compatibilidade dos enunciados sob a perspectiva de sua localização no tempo. Não podemos nos esquecer que a passagem no tempo deve ser estabelecida, para que o leitor não se perca em referências temporais contraditórias.

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Por exemplo, se João tem 30 anos e seu filho Paulo partiu há 20 anos, para se alistar no exército: isso significa que o filho é mais velho que o pai. Nesse caso, nem se respeitam as leis de organização de eventos (o filho teria nascido antes do pai). Coerência Espacial Coerência espacial é aquela que diz respeito à compatibilidade dos enunciados do ponto de vista da localização no espaço. Por exemplo, se dissermos que a frente da casa de Francisco foi construída voltada para o leste e que, quando sentado em frente dessa casa, ele admirava o pôr-do-sol, há uma incoerência espacial, já que o sol se põe a oeste, na direção oposta a da frente da casa. Coerência do Nível de Linguagem Utilizado Coerência do nível de linguagem utilizado é aquela que concerne à compatibilidade do léxico e das estruturas morfossintáticas com a variante escolhida em uma dada situação de comunicação. Ocorre, por exemplo, incoerência, no nível da linguagem usado, quando o enunciador usa um termo chulo ou pertencente à linguagem informal em um texto caracterizado pela norma culta formal. Tanto sabemos que isso não é permitido que, quando o fazemos, utilizamos uma ressalva, como: com o perdão da palavra, se me permitem dizer.

Fatores de Coerência Frequentemente certas frases do texto parecem incompreensíveis ou mesmo incoerentes. Esses aparentes distúrbios são resolvidos quando situamos essas frases em uma unidade maior. Há diferentes fatores que contribuem para dar coerência a um enunciado: Contexto Se relembrarmos da aula anterior, retomaremos a seguinte definição: “O contexto é uma unidade linguística maior em que se insere uma unidade menor: a oração serve de contexto para a palavra; o período, para a oração; o texto integral de um romance, para cada capítulo. O contexto pode ser explícito, quando não está expresso linguisticamente, ou implícito, quando não precisa ser verbalizado, porque pode ser depreendido da situação. Em outras palavras, o contexto é o conhecimento de mundo pressuposto por uma unidade lingüística”. Situação de comunicação Certos enunciados que, fora de uma determinada situação de comunicação, parecem absurdos, dentro dela ganham sentido. Isso ocorre, porque, em uma situação de

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interlocução (o diálogo é um exemplo), podem estar implícitos certos segmentos, que, deslocados dali, necessitariam de serem explicitados. Por exemplo, o texto a seguir é incoerente, pois o segundo enunciado não tem relação semântica com o primeiro, já que, entre essas partes, não há continuidade de sentido: – V. Exª pretende candidatar-se a presidente? – Durante toda a minha vida pública fui um político coerente e incorruptível. Além disso, pode-se afirmar que a coerência não está no texto: não nos é possível apontá-la, destacá-la, sublinhá-la, mas somos nós, leitores, em efetivo processo de interação com o autor e o texto, baseados em pistas disponíveis e em nosso conhecimento adquirido, que construímos a coerência. Por outro lado, há textos que, de maneira proposital, aproveitam-se desse recurso. Veja o exemplo do texto de Millôr Fernandes, publicado na revista O Cruzeiro em 1956: A vaguidão específica “As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica.” Richard Gehman – Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. – Junto com as outras? – Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. – Sim senhora. Olha, o homem está aí. – Aquele de quando choveu? – Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo. – Que é que você disse a ele? – Eu disse pra ele continuar. – Ele já começou? – Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse. – É bom? – Mais ou menos. O outro parece mais capaz. – Você trouxe tudo pra cima? – Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera. – Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. – Está bem, vou ver como. Fora da situação de comunicação, esse diálogo não é totalmente compreendido, porque há certos enunciados implícitos. O fato de não sabermos quais são é o assunto desse interessante texto.

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Conhecimento de mundo Nosso conhecimento de mundo desempenha uma função decisiva no estabelecimento pleno da coerência: se desconhecemos dados, fatos, informações sobre os quais o texto disserta, será difícil determinarmos seu sentido e a nós ele parecerá destituído de coerência. Veja um exemplo: 25 de dezembro Time is money ele nasceu... não ouvem o galo? vamos correndo crucificá-lo! Esse poema de José Paulo Paes somente adquire sentido, quando sabemos que 25 de dezembro é dia de Natal, dados da vida de Cristo e o valor exato da expressão Time is money. Regras do gênero Quando se fala em conhecimento de mundo, não se considera somente o mundo efetivamente existente, que é tangível, mas também os mundos criados pela linguagem. Os diversos gêneros textuais (contos policiais, contos fantásticos, mitos e lendas, ficção científica, etc.) geram outros mundos, regidos por outros ordenamentos lógicos. O que é, então, incoerente em um dado gênero não o é em outro. Heróis e poderes extraordinários da mitologia clássica seriam incoerentes em um romance tipicamente realista do séc. XIX, mas isso não significa que um seja mais válido que o outro: ambos determinam sua lógica própria segundo o gênero a que pertencem. Conotação Aquilo que é incoerente, quando lido denotativamente pode não o ser, quando entendido conotativamente. Veja o exemplo a seguir: As verdes ideias incolores dormem, mas poderão explodir a qualquer momento. Tomado em sentido denotativo, esse texto é absurdo, pois o termo ideias não pode ser qualificado por adjetivos de cor incompatíveis (verde e incolor). Além de ideia ser um termo abstrato, o verbo dormir necessita de um substantivo animado como sujeito. Porém, se entendermos ideias verdes como concepções ecológicas, o período pode ser lido dessa forma:

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As ideias ecológicas sem atrativo estão latentes, mas manifestar-se-ão a qualquer momento. Intertexto Muitos textos retomam outros, são construídos a partir de outros e, portanto, somente ganham coerência nessa relação com o texto sobre o qual foram construídos. Essa relação entre textos chama-se intertextualidade. Veja o exemplo entre os textos abaixo: Canção do Exílio Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. (...) (DIAS, Gonçalves. Poemas. São Paulo: Ediouro / Publifolha, 1997, p. 27) Canção do Exílio Facilitada lá? ah! sabiá... papá... maná... sofá... sinhá... cá? bah!

(PAES, José Paulo. Canção do exílio facilitada. In: DE NICOLA, José e INFANTE, Ulisses. Análise e interpretação de poesia. Coleção Margens do Texto. São Paulo: Scipione, 1995, p. 71).

O segundo texto somente possui coerência, quando se conhece o primeiro. A partir da relação existente entre os dois, sabe-se que lá é o Brasil, onde tudo é melhor que cá, a terra do exílio.

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A PROGRESSÃO TEXTUAL Um texto deve obedecer a duas exigências aparentemente paradoxais: apresentar continuidade semântica e ter progressão textual. Nele, mantém-se uma unidade temática, mas, ao mesmo tempo, cada segmento do texto deve conter uma informação nova. Já ficou evidente que a constituição de um texto somente ocorre devido à coerência. Entretanto, unidade de sentido é a manutenção de um tema e não a repetição de ideias, de segmentos com o mesmo significado. Um bom texto deve ter progressão (isto é: cada segmento deve acrescentar uma informação nova aos enunciados anteriores). Como já vimos, a estrutura do texto é uma organização de partes distintas, que produz um conjunto uniforme. Não é, pois, a repetição de partes iguais: não devem aparecer no texto palavras, expressões ou frases redundantes, nem pormenores impertinentes, nem informações anunciadas de maneira explícita ou implícita anteriormente. Observe um exemplo apresentado por Othon Moacyr Garcia, em seu livro Comunicação em Prosa Moderna: Conforme, a última deliberação unânime de toda a diretoria, a entrada, a frequência e a permanência, nas dependências deste Clube, tanto quanto a participação nas suas atividades esportivas, recreativas, sociais e culturais, são exclusivamente privativas de seus sócios, sendo terminantemente proibida, seja qual for o pretexto, a entrada de estranhos nas referidas dependências do mesmo. (Rio de Janeiro: Editora FGV, 1982, 287).

Se, analisadas as redundâncias do texto, quiséssemos reescrevê-lo, poderíamos, sem perda de eficácia como comunicação, apresentar a seguinte opção: É proibida a entrada de estranhos, ou ainda Só é permitida a entrada de sócios. A progressão adequada do texto produz concisão, que é a expressão de uma ideia com o menor número de palavras possível. Não se pode fazer da concisão um fetiche, já que, conforme demonstrado anteriormente, a repetição freqüentemente é necessária. Em resumo, cada segmento textual deve adicionar um dado novo ao anterior. A repetição, quando funcional, faz isso e, logo, justifica-se. As repetições não-funcionais desqualificam o texto, porque demonstram falta de reflexão e de domínio do assunto a ser tratado.

Paralelismo Sintático e Semântico Leia o seguinte enunciado: “Não, não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou que o Estado volte a produzir aço...” O trecho, recentemente publicado na Folha de S. Paulo, fere o princípio do paralelismo sintático, segundo o qual quaisquer elementos da frase coordenados entre si

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devem apresentar estrutura gramatical similar. Para que a frase tivesse simetria, os núcleos do objeto direto do verbo “defender” teriam de ser de mesma natureza (ambos verbos ou ambos substantivos). Assim: “... não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou a volta da produção estatal de aço...”. Ou: “...não se trata de defender que o Estado intervenha mais na economia ou que volte a produzir aço...”. O princípio do paralelismo, que é a combinação de palavras e de ideias em estruturas que se repetem ao longo do texto, torna a leitura do enunciado fácil e proporciona entendimento à expressão. Geralmente é intuído por quem produz o texto. Há certas expressões - por exemplo, os pares correlativos “não só... mas também”, “tanto... como”, “seja... seja”, “quer... quer”, “antes... que” - que demonstram ao leitor a expectativa de uma construção simétrica ou paralela. Assim, dizemos: “Ele não só trabalha, mas também estuda”. Mas possivelmente não diríamos: “Ele não só trabalha, mas também é estudante”. Um período como: “Trata-se de um argumento forte e que pode encerrar o debate...” rigorosamente fere o princípio do paralelismo sintático, pois o substantivo “argumento” é modificado pelo adjetivo “forte” e pela oração subordinada adjetiva “que pode encerrar o debate...”. E a conjunção “e” deveria coordenar elementos de valor sintático idêntico (ou dois adjetivos, ou duas orações subordinadas adjetivas). Se eliminarmos, portanto, a coordenação, o enunciado adéqua-se, sem exigir a simetria. Assim: “Trata-se de um argumento forte, que pode encerrar o debate...”. Também seria possível empregar dois adjetivos: “Trata-se de um argumento forte, capaz de encerrar o debate...”. Ou mesmo duas orações adjetivas: “Trata-se de um argumento que é forte e que pode encerrar o debate...”. É necessário salientar, entretanto, que, embora seja claro do ponto de vista do paralelismo sintático, um enunciado pode conter um problema semântico como no seguinte exemplo: “A diferença entre os alunos e as carteiras disponíveis na sala é muito grande”. Alunos e carteiras não são elementos comparáveis entre si. A diferença a que se refere à sentença é numérica. Assim, o ideal seria a seguinte formulação: “A diferença entre o número de alunos e o de carteiras é muito grande”. Agora, sim, a informação ganhou precisão. Nesse exemplo, havia ausência do que chamamos paralelismo semântico, ou seja, a ausência de simetria no plano das idéias. Esse problema é verificado em outras estruturas do tipo: “O time brasileiro vai enfrentar a França nas quartas-de-final”. Ora, um time não pode enfrentar um país. Logo, entre outras possibilidades: “O time brasileiro vai enfrentar a seleção da França” ou “O Brasil vai enfrentar a França”.

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Preservar o paralelismo semântico é tão importante quanto preservar o paralelismo sintático. Mas, na pena de um bom escritor, a quebra da simetria semântica pode resultar em efeitos de estilo interessantes. Machado de Assis no conhecido trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, provoca quebra de paralelismo semântico propositalmente, no trecho em que, irônica e amargamente, o narrador diz: “Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de réis”. Enquanto a expressão 15 meses pertence ao campo semântico temporal, 11 contos de réis é termo monetário, o que qualifica a natureza do amor de Marcela. Em outro trecho do romance, ainda encontramos a insólita afirmação, em forma de aforismo: “antes cair das nuvens que de um terceiro andar”. O uso desse interessante artifício é uma das marcas de estilo do autor.

REFERÊNCIAS FARACO, Carlos Alberto; MARUXO JR., José Hamilton; MOURA, Francisco M. Gramática. 20. ed. São Paulo: Ática, 2007. (PLT – Vol. 100) FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. 3. ed. São Paulo: Ática, 1998. GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006. HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2001. [CD-ROM]. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 17. ed. São Paulo: Contexto, 2008. ______. A coesão textual. 21. ed. São Paulo: Contexto, 2008. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo, Contexto, 2007. MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lúbia Scliar. Português Instrumental: de acordo com as atuais normas da ABNT. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Guilherme Alves de Lima Nicésio Especialista Lato Sensu em Teoria e Crítica Literária pela Universidade Estadual de Campinas (2008), é graduado em Bacharelado e Licenciatura em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é assessor acadêmico da Anhanguera Educacional S.A., e professor assistente do curso de Letras da Faculdade Anhanguera de Campinas - unidade 3. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada, com ênfase nos seguintes temas: literatura comparada, literatura brasileira, estudo de religiões, produção e revisão de textos e de material didático.

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