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BuscaLegis.ccj.ufsc.br Breves apontamentos sobre a estipulação em favor de terceiro no novo Código Civil Cristiano de Sousa Zanetti*

1. A estipulação em favor de terceiro consiste numa das poucas exceções ao princípio da relatividade dos contratos. Por meio deste negócio jurídico, um terceiro, determinado ou determinável1 pode exigir o cumprimento de estipulação em seu favor, mesmo não sendo parte do contrato, a não ser que haja convenção em sentido contrário2. 2. No direito brasileiro, a estipulação em favor de terceiro somente teve lugar com o advento do Código Civil atual3 que, contrariando a orientação romana, permitiu que terceiro pudesse exigir o cumprimento de contrato do qual não participou, evoluindo a partir do art. 1.121 do Código Civil francês4. 3. O contrato de seguro de vida, que já existia muito antes da edição do Código Civil atual, é um exemplo clássico de estipulação em favor de terceiro. O segurado estipula com a seguradora uma prestação que deve ser entregue a terceiro em caso de sua morte. O 1

BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1.997, p. 165. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. t. XXVI. 3ª ed.. São Paulo: Revista dos tribunais, 1.984, pp. 217/218; SANTOS, Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. v. XV, 7ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1.964. 3 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. v. IV. 5ª ed.. São Paulo: Francisco Alves, 1.938, p. 270. 4 A despeito de conferir eficácia a um contrato celebrado em favor de terceiro, o Código Civil francês ainda é marcado pela influência romana que, como regra, vedava tais contratos. A maior admissibilidade destes contratos somente ocorreu por força do trabalho dos operadores do direito (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado..., t. XXVI, pp. 214/217). 2

segurado figura como estipulante, a seguradora como promitente e o terceiro como beneficiário, podendo exigir o cumprimento do contrato. 4. O novo Código Civil trata da estipulação em favor de terceiro em seus arts. 436 a 438, mantendo a atual disciplina legislativa, constante dos arts. 1.098 a 1.100 do Código Civil atual. 5. Para que a figura reste caracterizada, as partes contratantes – estipulante e promitente – devem convencionar a prestação de um ato favorável ao terceiro, sem que haja qualquer contrapartida5 6. 6. Caso o contrato imponha ao terceiro uma contraprestação para que receba seu benefício, não se tratará da figura prevista nos arts. 436 a 438 do Código Civil, mas sim de um outro contrato, de natureza sinalagmática. 7. Desta forma, em havendo prestação a ser cumprida pelo terceiro, não lhe é conferida a possibilidade de exigir a execução do contrato. Nesta hipótese, descaracterizada 5“A

estipulação em favor de terceiro é, realmente, o contrato por via do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual. (...). Para haver estipulação em favor de terceiro é necessário que do contrato resulte, para este, uma atribuição patrimonial gratuita. O benefício há de ser recebido sem contraprestação e representar vantagem suscetível de apreciação pecuniária. A gratuidade do proveito é essencial, não valendo a estipulação que imponha contraprestação. A estipulação não pode ser feita contra o terceiro. Há de ser em seu favor (GOMES, Orlando. Contratos. 24ª ed.. Rio de Janeiro, Forense, 2.001, pp. 165/166) (itálicos do autor). 6 Caio Mário da Silva PEREIRA não chega a colocar a questão nos claros termos utilizados por Orlando GOMES, mas parece aceitar a conclusão na medida em que admite apenas a imposição de encargo a terceiro, não cogitando de contraprestação. Aliás, o referido autor bem distingue entre estipulação em favor de terceiro e promessa de fato de terceiro, contrato por meio do qual o terceiro também assume obrigações as quais, por óbvio, só lhe podem ser impostas após sua aceitação (Instituições de Direito Civil. v. 3. 9ª ed.. Rio de Janeiro, Forense, 1.993, pp. 77/80).

a estipulação em favor de terceiro, vigem as regras comuns aos contratos, notadamente o princípio da relatividade dos efeitos que permite somente às partes exigir o cumprimento da avença. 8. Não se descarta, entretanto, a possibilidade de terceiro ao contrato anuir com a contraprestação que lhe é proposta pelos participantes iniciais do negócio jurídico. Neste caso, todavia, não haverá propriamente estipulação em favor de terceiro, mas sim verdadeiro contrato complexo, para o qual são aplicáveis as regras gerais7. A aceitação, com efeito, não é necessária à caracterização da estipulação em favor de terceiro, servindo apenas para que seja exigido o cumprimento da prestação prometida. 9. A estipulação em favor de terceiro, por ser um contrato gratuito e uma exceção ao princípio da relatividade dos contratos, deve ser interpretada restritivamente8, conforme elementar regra de hermenêutica constante do art. 6º da primeira Lei de Introdução ao Código Civil atual e que somente não foi reproduzido na legislação vigente em razão de sua manifesta obviedade9. A referida regra hermenêutica vem ainda referendada pelo art. 114 do novo Código Civil que manda interpretar restritivamente os negócios jurídicos 7

O Tribunal de Alçada de São Paulo, em julgado datado de 30 de março de 1.943 deu ao problema solução adequada, embora o tenha enquadrado como estipulação em favor de terceiro o que, como sustentado, não era o caso (cf. Ap. n.º 17.233, 2ª Câm. Civ., r. Des. Percival de Oliveira, j. 30.3.43, in CARVALHO FILHO, Franscico T. Repertório de jurisprudência do código civil. v. II. S/ed.. São Paulo: Max Limonad, 1.957, p. 120). 8“O princípio fundamental da estipulação em favor de terceiro é de ordem psicológica: a intenção do estipulante de contratar, não no seu próprio interesse, senão no de terceiro. Essa intenção necessita vir manifestada de um modo expresso e inequívoco. Não basta uma cláusula suscetível de proporcionar, ocasionalmente, ou por repercussão, vantagens a terceiros. Cumpre que tudo decorra, sem nenhuma dúvida possível, do resultado da própria operação, ou de circunstâncias indicativas da intenção do estipulante de conferir um direito a um terceiro. Trata-se de uma questão de interpretação de vontade” (LOPES, Serpa. Curso de direito civil. v. 3. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1.991, pp. 112/113). 9 TJSP, Ap. Cív. n.º 22.343-SP, 2ª Câm. Cív., r. Des. Manuel Carlos, j. 1º.8.44, in RT 158:163.

benéficos, como é o caso, reproduzindo o art. 1.090 do Código Civil atual, com a vantagem de fazê-lo no lugar próprio, ou seja, na parte atinente aos atos jurídicos e não somente aos contratos. 10. Antes de finalizar, deve-se salientar que o terceiro, conforme determina o art. 438 do Código Civil, somente poderá exigir seu benefício nos termos do contrato. Assim, se houver condição, termo ou encargo, o beneficiário deverá, nos dois primeiros casos, aguardar a ocorrência do evento futuro e, no terceiro, desicumbir-se do modo que lhe cabe para que tenha a pretensão. 11. Note-se, ainda, que as partes são livres para distratar o negócio enquanto o terceiro beneficiário não tiver a pretensão, ou seja, a possibilidade de exigir o cumprimento da prestação que lhe é favorável10. Nesse sentido, caso ainda não tenha ocorrido a condição ou termo, por exemplo, que torne exigível o direito de terceiro, as partes têm inteira liberdade para alterar o negócio11 12.

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Partindo da legislação brasileira anterior ao Código Civil atual, Manoel Ignacio Carvalho de MENDONÇA chegou à mesma conclusão, analisando o contrato de seguro de vida, in verbis: “É da natureza do contracto de seguro de vida comportar mudanças successivas do accordo entre o segurador e o segurado, quanto ao beneficiário, emquanto o segurado viver.” (Contractos no direito civil brazileiro. S/ed.. t. II. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1.911, p. 350). Mais adiante, o referido autor reconhece a ampla possibilidade de revogação do benefício pelo segurado (Contractos..., pp. 351/352). 11“Em

princípio, segundo o Código Civil: (a) O terceiro, a favor de quem se estipulou, adquire o direito desde a conclusão do contrato. Para que isso não se dê, é preciso que se haja preestabelecido a não aquisição desde logo ou a) pela inexão de condição ou têrmo ao próprio direito, de modo que se não irradie o próprio direito (o que não se presume) (...). Se foi reservada a resolução negocial, têm-se por permitidos, também, o distrato, a remissão de dívida, a compensação entre o promissário e o promitente. Se não foi reservada a resolução, não há pensar-se em desconstituição dos efeitos por vontade do promissário, salvo se não nasceu o direito ao terceiro. Enquanto não

12. Desse modo, em síntese, pode-se afirmar que a possibilidade de terceiro exigir o cumprimento de contrato está condicionada à existência de pretensão que lhe seja exclusivamente favorável, sem que haja, portanto, qualquer prestação que lhe caiba. Para o terceiro, portanto, a estipulação é um negócio jurídico benéfico e não sinalagmático. Bibliografia BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1.997. BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. v. IV. 5ª ed.. São Paulo: Francisco Alves, 1.938. CARVALHO FILHO, Francisco T. Repertório de jurisprudência do código civil. v. II. S/ed.. São Paulo: Max Limonad, 1.957. GOMES, Orlando. Contratos. 24ª ed.. Rio de Janeiro, Forense, 2.001. LOPES, Serpa. Curso de direito civil. v. 3. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.991. MENDONÇA, Manoel Ignacio Carvalho de. Contractos no direito civil brazileiro. S/ed.. t. II. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1.911.

tem direito o terceiro, a liberdade dos figurantes é completa, e pode o promissário, por si só, afastar o efeito futuro da promessa do outro figurante, desde que a isso não se oponham os têrmos do contrato entre êles” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado..., t. XXVI, pp. 242/255). 12“Quando o beneficiário poderá exigir o cumprimento da obrigação? Quando assim o determinar uma cláusula do contrato ou êsse direito resultar seja das circunstâncias, seja, particularmente, do fim do contrato” (BEVILAQUA, Clóvis. Código civil..., v. 4., p. 272).

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. t. XXVI. 3ª ed.. São Paulo: Revista dos tribunais, 1.984. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. 9ª ed.. Rio de Janeiro, Forense, 1.993, pp. 77/80. SANTOS, Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. v. XV. 7ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.964.

* Cristiano de Sousa Zanetti, Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, atua especialmente nas áreas de Direito civil, Comercial, Consumidor, Administrativo e Processual Civil, atualmente é monitor do departamento de Direito Civil, no curso de graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sócio do escritório Lilla, Huck, Malheiros, Otranto, Ribeiro, Camargo e Messina..

Disponível em:< http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/estipulacao.doc> Acesso em.: 23 out. 2007.