BREVES ANOTAÇÕES SOBRE AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL

A máxima efetividade do Direito. 1 Rousseau, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1978. P. 2 Santos, Juarez Cirino dos. Direit...

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BREVES ANOTAÇÕES SOBRE AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL Fábio Fernandes do Nascimento

“... Como explicar que o direito produza a injustiça? Como explicar que o direito funcione como aparato policial repressivo, cause medo, em vez de nos livrar do medo?” Marilena Chauí – Direitos Humanos e Medo

O que legitima o jus puniendi do Estado, segundo os Contratualistas, é a cessão pactuada de parte da liberdade que cada ser humano realiza em prol de um bem maior que privilegie o grupo – possibilita a vida em sociedade1. Desta forma, não ocorre alienação de todos os bens individuais e, sim, do mínimo necessário à consecução das garantias de um Estado de Direito.

O Direito Penal, modernamente, está orientado pela ausência do estado de bem estar social e pela deficiência do Estado em promover o acesso de seus membros ao imprescindível para uma sobrevivência digna em sociedade. Liga-se, destarte, aos sistemas de controle repressivo-punitivo das massas desprivilegiadas e desassistidas da população2. Assim, conforme os ensinamentos do mestre Alessandro Baratta3, “o direito penal não é igual para todos; o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos”. Restando às chamadas “subclasses” a seletividade e a rotulação imposta pelo sistema jurídico-político efetivado no Brasil: a repressão da pobreza.

Neste diapasão, temos como função precípua do Direito Penal a manutenção do sistema capitalista, com o intuito de garantir a perpetuidade dos grupos sociais dominantes e limitar a distribuição dos bens necessários à sobrevivência em comunidade em virtude de sua “suposta” escassez. A máxima efetividade do Direito 1

Rousseau, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1978. P. Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 7. 3 Baratta, Alessandro. Criminologia Crítica e critica do Direito Penal; tradução Juarez Cirino dos Santos – 3 Ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2002. P. 162. 2

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Penal ocorre através da imposição de condutas e comportamentos tidos como retos, íntegros e benéficos à sobrevivência e manutenção do sistema4, onde o menor desvio é passível de punição.

Percebemos, desta forma, um Estado Mínimo ou Estado de Direito para os possuidores dos bens ou recursos produtivos e um Estado Máximo ou Estado de Polícia para as classes marginalizadas e consequentemente vitimizadas por este aparelho repressivo-punitivo. Segundo Marilena Chauí5: “... os direitos do homem e do cidadão, além de serem ilusórios, estão a serviço da exploração e da dominação, não sendo casual mas necessário que o Estado se ofereça como máquina repressiva e violenta, fazendo medo aos sem-poder, uma vez que o Estado e o direito constituem-se no poderio particular da classe dominante sobre as demais classes sociais.”

A igualdade formal é utilizada como uma máscara capaz de subverter as reais necessidades da massa desprivilegiada (políticas públicas transformadoras das realidades econômicas, sociais e culturais), justificando, desta forma, a aplicação de penas severas que se apresentam na contramão do Estado Democrático de Direito.

Temos, assim, a pena como retribuição de um mal cometido pelo delinqüente incutindo-lhe um mal maior. Esta percepção da necessidade de punir severamente o contraventor provém do Cristianismo, que primava pela purgação do pecado (penitência). Suas origens remontam do Estado Absolutista no qual se confundia a pessoa do soberano com a do Estado e o direito de punir tinha fundamentos teocráticos - justiça divina. A pena, na concepção Iluminista6, tem também a intenção de exercer a coerção psicológica dos membros da sociedade modulando condutas e comportamentos a serem observados pelo grupo, desestimulando o desvio. Desta forma, a pena se

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Queiroz, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 6 Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P. 106. Chaui, Marilena. Direitos Humanos e Medo. http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/humanismo/chaui.html 6 Bitencourt, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993. P. 124 5

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revela uma medida profilática do crime, onde o homem é utilizado como meio7 de previnir e evitar o aumento da criminalidade através da imposição de punições severas capazes de inibir o comportamento delitivo8 (prevenção geral negativa).

No final do Século XX, a pena retributiva tem seus fundamentos modificados. O valor das normas passa a ser centrado na prática da justiça punitiva, que tem como ideal a neutralização dos efeitos do delito. Contribuiu desta forma, para o fortalecendo a consciência jurídica da comunidade. No entanto, apesar da aparente justiça impingida por esta corrente, o caráter seletivo e estigmatizador do Sistema Penal persistem nas formulações da lei e na sua aplicação.

Em contraposição ao Sistema Penal vigente surge, na segunda metade do Século XX, a Criminologia Crítica que tem o desígnio de intervir nos valores adotados pela política criminal de então. Um de seus maiores expoentes foi o professor Alessandro Baratta, que, orientado por ideais marxistas, pregou a abolição das desigualdades sociais utilizadas como principal vetor do processo de seleção da clientela do Sistema Penal elitista vigente9: “Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a repropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do controle do desvio.”

Outra vertente da Criminologia Crítica tem como finalidade a abolição do Direito Penal (Movimento Abolicionista), em virtude de sua utilização, pelos detentores dos processos discriminação e seleção (classe dominante), como forma de subjugar os desfavorecidos pelo Sistema Capitalista (classe dominada). Prega, desta forma, a solidariedade social em contraposição ao direito penal do inimigo, onde “a reprovação não se estabelece em função da gravidade do crime praticado, mas do 7

Carvalho, Salo de. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Jures. 2003. P. 121 Souza, Paulo S. Xavier de. Individualização da Pena no Estado Democrático de Direito, 2006. p.77 9 Baratta, Alessandro. Criminologia Crítica e Critica ao Direito Penal. Tradução: Juarez Cirino dos Santos – 3 Ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2002. P. 207. 8

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caráter do agente, seu estilo de vida, personalidade, antecedentes, conduta social e dos motivos que o levaram à infração penal10”.

É redundante falarmos que o Sistema Penal brasileiro privilegia a vítima em detrimento do delinqüente. Resultando deste comportamento a adoção de penas severas, desnecessárias, injustas e dessocializadoras (desculturação). O mito da reinserção social é uma falácia de políticos e burocratas, uma vez que, como bem observou Loic Wacquant11: “A entrada na prisão é tipicamente acompanhada pela perda do trabalho e da moradia, bem como da supressão parcial ou total das ajudas e benefícios sociais. Esse empobrecimento material súbito não deixa de afetar a família do detento e, reciprocamente, de afrouxar os vínculos e fragilizar as relações afetivas com os próximos (separação da companheira ou esposa, "colocação" das crianças, distanciamento dos amigos etc.). Em seguida vem uma série de transferências no seio do arquipélago penitenciário que se traduzem em outros tantos tempos mortos, confiscações ou perda de objetos e de pertences pessoais, e de dificuldades de acesso aos raros recursos do estabelecimento, que são o trabalho, a formação e os lazeres coletivos.”

Assim, o Sistema e seus mantenedores não se interessam pela alteração do contexto sócio-cultural e econômico em que o delinqüente está imerso. Estão mais preocupados em retribuir o delito através da imposição de penas (castigos), que se mostram incapazes de compensar, perante a vítima, o ato praticado pelo delinqüente. Este se torna, desta forma, mais uma vítima do “terrorismo estatal”, que mascara as desigualdades através da legalidade atribuída à repressão da pobreza “camuflar a criminalidade dos opressores”12.

Como alternativa às práticas do Sistema Penal vigente temos o direito penal mínimo ou minimalismo penal. Assim, o Estado deve utilizar-se do Sistema Penal apenas quando este se fizer absolutamente necessário e inafastável (ultima ratio) – somente os bens jurídicos mais relevantes devem preceder de sua proteção. Em contrapartida o Estado deverá adotar políticas públicas de reinserção social,

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Capez, Fernando. Curso de Direito Penal. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Wacquant, Loïc. As Prisões da Miséria. Tradução: André Telles. Digitalização: 2004. Ed. Sabotagem: 1999. P. 95 12 Santos, Juarez Cirino. A Criminologia Radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981. P. 58. 11

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promoção da riqueza da população e outras medidas capazes de dissolver e/ou minimizar as desigualdades sociais – promoção da justiça social.

O direito penal brasileiro precisa ungir-se de humanidade e hastear a bandeira da ressocialização, primando em suas ações pela proporcionalidade, necessidade e eficácia da aplicação de uma sanção. Isto com o fim de extinguir a violência estatal e promover a justiça.

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Critica ao Direito Penal. Tradução: Juarez Cirino dos Santos – 3 Ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2002. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – causas e alternativas. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Jures. 2003. CHAUI, Marilena. Direitos Humanos e Medo. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/humanismo/chaui.html. Acesso em: 16 de outubro de 2010. QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 6 Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1978. SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

SOUZA, Paulo S. Xavier de. Individualização da Pena no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006.

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WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Tradução: André Telles. Digitalização: 2004. Ed. Sabotagem: 1999.