LIBERDADE, IGUALDADE E DEMOCRACIA EM TOCQUEVILLE E STUART MILL

mecanismos de proteção da liberdade, ... CONSTANT, B. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. In: Revista “Filosofia Política 2”...

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LIBERDADE, IGUALDADE E DEMOCRACIA EM TOCQUEVILLE E STUART MILL Náthalie Cristina Beatriz (PIBIC/CNPq-UEL), Raquel Kritsch (Orientadora) e-mail: [email protected] Universidade Estadual de Londrina/Centro de Ciências Humanas. Londrina/PR.

Palavras-chave: democracia, liberdade, igualdade, tirania da maioria.

Resumo: No contexto pós-Revolução Francesa, Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill se dedicaram a discutir as transformações em curso, atentos ao advento de uma nova forma de governo: a democracia representativa. No seio do novo regime, constataram que uma nova forma de dominação, a chamada tirania da maioria, desenvolvia-se e se fortalecia, ameaçando suprimir a liberdade dos indivíduos em favor de um igualitarismo exacerbado. Partindo desta nova realidade, os autores buscaram pensar meios que assegurassem às sociedades modernas a coexistência pacífica da liberdade e da igualdade num Estado democrático. Averiguar como cada um destes autores analisou e respondeu ao problema constituiu o principal objetivo desta pesquisa.

Introdução Nos modelos teóricos nos quais se discute a questão da democracia é possível perceber uma constante tensão entre liberdade e igualdade. O presente trabalho teve como objetivo entender como Tocqueville e Stuart Mill dão conta dessa problemática. Para Tocqueville, a democracia é um processo histórico direcionado à efetivação da igualdade de condições, o que, segundo ele, poderia levar à supressão da liberdade individual. Neste sentido, Tocqueville visou formular mecanismos de proteção à liberdade dos homens. Stuart Mill também via no contexto histórico democrático uma iminente supressão da liberdade. Assim, seu objetivo era a formulação de mecanismos de proteção da liberdade, entendida como a esfera das decisões individuais. A preocupação dos dois autores consistia em alcançar uma maneira de fazer com que a igualdade e a liberdade coexistissem de forma harmoniosa no regime democrático.

Materiais e Métodos

Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009

A metodologia utilizada foi a da revisão bibliográfica. Para isto, procedeu-se ao trabalho de leitura, fichamento, análise e produção de textos, além de discussões com a orientadora, com base na bibliografia indicada e participação nas atividades do grupo de estudos GETEPOL, coordenado pela orientadora.

Resultados e Discussão De acordo com Tocqueville, é preciso salvaguardar a liberdade porque ela constitui parte essencial do mecanismo que propicia o aprimoramento das capacidades tanto dos homens quanto das instituições democráticas, capacidades estas que se refletem no desenvolvimento da própria nação. No entanto, dois grandes perigos assombram os regimes democráticos, de forma a solapar a liberdade em seu interior: de um lado, o despotismo do Estado, que é o fortalecimento exacerbado do poder estatal. Tal fortalecimento emerge a partir do alargamento das preocupações dos indivíduos com seus negócios particulares e conseqüente abandono dos negócios de ordem pública. De outro lado, há a tirania da maioria, que se manifesta a partir dos hábitos e dos costumes da maioria, e que ameaça destruir a vontade e o senso crítico das minorias e/ou de indivíduos isolados. Observando que o fenômeno da democratização estava em curso em todos os lugares e reconhecendo que o pressuposto da democracia é muito mais a igualdade do que a liberdade, Tocqueville atribui a esta última a função de remediar os perigos que a democracia igualitária representa para a espécie humana. Para combater os males que a igualdade pode produzir, Tocqueville aponta como solução a liberdade política. É somente através da liberdade política de associarem-se entre si que os cidadãos podem se livrar tanto da tirania da maioria quanto do despotismo do Estado. As associações livres fazem com que os indivíduos saiam de si mesmos e se ocupem de questões públicas, o que lhes fornece idéias acerca de ações que digam respeito ao bem público. O autor imaginou uma situação em que o corpo social pudesse estar organizado de forma estável, na qual as classes se confundissem e os domínios, assim como o poder, fossem partilhados por todos. As “luzes” seriam propagadas e os intelectos nivelados. O Estado democrático poderia assim instaurar-se de maneira pacífica nas instituições e nos costumes. As leis seriam respeitadas porque os cidadãos poderiam considerá-las como fruto da sua própria vontade. A autoridade seria respeitada devido ao reconhecimento de sua necessidade, e não devido à natureza divina. Haveria uma recíproca confiança entre as classes, na medida em que todos tivessem seus direitos garantidos. As associações livres dos cidadãos poderiam substituir o poder individual dos nobres e o Estado ficaria liberto da tirania e da licenciosidade. Neste estado de coisas, haveria um equilíbrio entre as situações extremas: haveria menos esplendor, prazeres menos

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extremos, a ciência se desenvolveria de forma mais lenta e menos perfeita; mas em compensação haveria menos miséria, menos ignorância, e o bemestar seria distribuído entre todos e os homens, que ao se reconhecerem como iguais passariam a desejar mais ou menos as mesmas coisas, de modo que o interesse de cada um passaria a ser confundido com o interesse geral. Já de acordo com Mill, é preciso salvaguardar a liberdade porque ela possibilita a discussão dos problemas levantados, resultando assim no desenvolvimento do senso crítico com relação a todas as opiniões massificadas que nos cercam. No entanto, para o autor, que neste ponto concorda com Tocqueville, essa liberdade é ameaçada principalmente pela tirania da maioria. Mas a sua solução do problema repousa em outros fundamentos. Para Mill, a opinião própria de cada indivíduo constitui razão mais do que suficiente para o desenvolvimento das noções de moralidade, gosto, ou propriedade, assim como para a escolha de seu credo religioso, e serve como guia para a interpretação deste. Mas, com a predominância das fortes influências da sociedade, por vezes através de intensa coerção moral da opinião pública, a direção dos sentimentos morais, que deveria ser individual, acaba por ser decidida pela sociedade. São as preferências da sociedade, ou da parte mais numerosa dela, que definem quais tipos de conduta serão aceitáveis e quais serão repudiadas. Para Stuart Mill, a questão era definir onde se situa o limite de intervenção legítima da opinião coletiva em relação à independência individual. Ou seja, até que ponto seria legítima a exigência de uma igualização, necessária para que alguma coesão social exista; e até que ponto seria benéfico tanto para o indivíduo quanto para a sociedade que as pessoas desenvolvam suas individualidades independentemente de qualquer interferência social. Apesar do ceticismo, Stuart Mill é um adepto do ideal democrático: defende que essa forma de governo, além de ser um meio do povo controlar o governo, é também um importante mecanismo de autodesenvolvimento de todos os cidadãos. Segundo ele, na medida em que estes tomam parte da vida política pelo voto e pela participação ativa em funções públicas, desenvolvem o seu caráter moral.

Conclusões Ambos os autores procuraram formular respostas, cada qual à sua maneira, como foi discutido acima, para a questão de como organizar a democracia de forma a salvaguardar as liberdades individuais, sempre ameaçadas pela tirania da maioria e pelo fortalecimento excessivo do poder estatal (Tocqueville) e/ou da sociedade (Stuart Mill). A proteção das liberdades mostrava-se urgente para ambos. Compreender de maneira mais acurada o que aproxima e o que distingue os dois autores foi uma das tarefas centrais levadas a cabo neste trabalho, como se procurou mostrar aqui.

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Agradecimentos A todos os membros do grupo GETEPOL, especialmente à orientadora Raquel Kritsch pelo apoio e paciência. Bibliografia BOBBIO, N. Teoria Geral da Política. 12 ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. _________. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2005. _________. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. 3 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1982. CONSTANT, B. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. In: Revista “Filosofia Política 2”. Porto Alegre: LCPM editores, 1985, p.9-25. GOYARD-FABRE, S. O que é democracia? A grande genealogia filosófica de uma grande aventura humana. São Paulo. Martins Fontes, 2003. _________________. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1999. HELD, D. Modelos de Democracia. Belo Horizonte: Paidéia, 1987. KOZICKI, K. Conflito e estabilização: comprometendo radicalmente a aplicação do direito com a democracia nas sociedades contemporâneas. Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000. MILL, J. S. Considerações sobre o governo representativo. Brasília: UNB, 1980. ______________. Sobre a Liberdade. Petrópolis: Vozes, 1991. NEVES, F. J. T. Tocqueville e Mill: Reflexões sobre o liberalismo e a democracia. Disponível em: HTTP://achegas.net/numero/dezessete/fabricio_neves_17.htm. Acesso em: 15/05/2008). OLIVEIRA, D. C. A democracia e os clássicos: um estudo comparado sobre as análises de Rousseau e Tocqueville. Projeto de Iniciação Científica. Universidade Estadual de Londrina, 2005. TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. São Paulo. Edusp, 1977. TOURAINE, A. O que é democracia? Petrópolis: Vozes, 1996.

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