Lino, Vitor Ferreira. Análise do filme “Adeus Lênin

Lenin, parece ser uma ironia, pois dá “adeus” na língua falada no maior país capitalista do ... A mãe de Alex que iria participar da cerimônia de...

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Lino, Vitor Ferreira. Análise do filme “Adeus Lênin!” (Good by, Lenin!) Programa Especial de Graduação (PEG 2008). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Orientação: Rosemary Dore Heijmans. Belo Horizonte, agosto 2009.

Índice Resumo de Adeus Lênin .................................................................................... 3 Ficha Técnica ................................................................................................... 4 Passos para a construção do “Muro”: Alemanha e União Soviética Contextualização .............................................................................................. 6 Retomando os conceitos de liberdade .................................................................. 10 Noções de liberdade em conflito no campo político ................................................ 11 A liberdade e os momentos do filme ................................................................... 14 Momento: O Muro e as limitações ....................................................................... 15 2º Momento: Buscando por “liberdade” ............................................................... 16 3º Momento: A liberdade foi alcançada? .............................................................. 17 Conclusão. ....................................................................................................... 19 Anexos ............................................................................................................ 19 Bibliografia ...................................................................................................... 21

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Resumo de Adeus Lênin Adeus Lênin é um filme que mescla drama e humor contando uma história que nos permite refletir acerca de alguns processos históricos que determinaram os rumos do mundo em função do capitalismo e do socialismo, inserindo-nos na discussão do conceito de liberdade a partir do pano de fundo do período da Guerra Fria. O Título original Good bye, Lenin, parece ser uma ironia, pois dá “adeus” na língua falada no maior país capitalista do mundo, ao líder que lutou pelo socialismo na Europa... A história se passa na Alemanha oriental, atravessando as décadas de 70 e 80 do século XX, chegando até o início do anos 90. O filme se inicia explicitando a fuga do pai de Alex para o lado ocidental, em função de diferenças partidárias, e a busca por melhores condições de vida. Após o desaparecimento de seu marido, a mãe de Alex entra num estado de choque que lhe tolhe a fala e a ação. Após se recuperar ela torna-se uma professora ativista do socialismo. Os anos passam e seus filhos crescem. Alex desenvolve um sentimento de descontentamento com o regime socialista e no dia 7 de outubro de 1989, dia da comemoração dos quarenta anos da RDA, se junta a manifestantes que reivindicam o direito de atravessar o muro. A mãe de Alex que iria participar da cerimônia de comemoração da RDA, em apoio à república socialista, vê a violenta represália da polícia aos manifestantes e vê seu filho sendo levado pela polícia sofrendo neste mesmo instante um ataque cardíaco que a leva a um estado de coma, que dura por oito meses. Neste período ocorrem várias transformações, como a renúncia de Erick Hoenecker, secretário geral do Partido da Unidade Socialista e presidente do Conselho de Estado da RDA. A abertura do Muro, a chegada da “Coca-Cola”, símbolo do capitalismo, e as primeiras eleições livres da Alemanha. Quando a mãe de Alex acorda, com o Muro já destruído, o capitalismo invadia o lado oriental. Alex é advertido de que sua mãe não poderá sofrer emoções fortes, e em função disso ele fará uma série de estratégias que levem sua mãe a acreditar que ela continua vivendo no regime socialista alemão. O filme nos permite discutir o conceito de liberdade, uma vez que os acontecimentos históricos nele abordados são elementos chave para questionarmos o tema: o que é liberdade? Qual o lugar que ocupa em nossas vidas? O ser humano poderia dizer que existe mesmo liberdade? Como alcançá-la? A política e as ideologias são manifestações dos desejos próprios ou são mais uma forma de nos inserir num núcleo de cerceamento? O que o Muro e sua queda representaram, e como eles se relacionam com a liberdade?

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Ficha Técnica Título original: Good bye, Lenin! ou 79 qm DDR Título no Brasil: Adeus, Lênin Título em Portugal: Adeus Lenine! País: Alemanha Idioma: Alemão Ano: 2003 Direção: Wolfgang Becker Roteiro: Wolfgang Becker, Hendrik Handloegten, Bernd Lichtenberg e Achim von Borries Produção: Stefan Arndt Música original: Xaver Naudascher e Yann Tiersen Cinematografia: Martin Kukula Edição: Peter R. Adam Elenco: Simone Baer Desenhista de Produção: Daniele Drobny e Lothar Holler Figurinista: Aenne Plaumann Maquiagem: Birger Laube, Lena Lazzarotto e Björn Rehbein Arte: Matthias Klemme e Christian Schäfer. Som: Jochen Isfort, Dirk Jacob, Frank Kruse, Xaver Naudascher, Jörn Poetzl, Alexander Schaefer, Wolfgang Schukrafft, Philipp Sellier, Martin Steyer e Christoph Ulbich. Efeitos visuais: Manfred Kraemer, Moritz Peters, Andreas Schellenberg e Andreas Schellenberg. Locações: Alexanderplatz; Charité; Eimer Nightclub, Rosenthalerstrasse; Karl-MarxAllee; Keibelstrasse; Klinikum Buch; Neue Wache (todas em Berlim, Alemanha). Especificações técnicas: Filme 35mm; Formato 1.85:1; Colorido; Dolby Digital Elenco Alexander Kerner - Daniel Brühl Christiane Kerner - Katrin Saß

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Ariane Kerner - Maria Simon Lara - Chulpan Khamatova Denis - Florian Lukas Rainer- Alexander Beyer Robert Kerner (father) - Burghart Klaußner Personagens históricos (arquivos de imagens do filme) Willy Brandt, Lothar de Maizière, Hans-Dietrich Genscher, Mikhail Gorbachev, Raisa Gorbachev, Erich Honecker, Sigmund Jahn, Helmut Kohl, Egon Krenz, Walter Momper e Rudi Völler Michael Gwisdek (o diretor) Prêmios • BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) - 2004 - Reino Unido Indicado para o prêmio de Melhor Filme em língua estrangeira • Bayerischer Filmpreis (Baviera) - 2004 - Alemanha Vencedor do prêmio Escolha do Público • Der Deutscher Drehbuchpreis - 2004 - Alemanha Vencedor do prêmio de melhor roteiro • Deutscher Filmpreis - 2004 – Alemanha Vencedor dos prêmios de: Filme Alemão do Ano (escolha do público); Filme Proeminente; melhor ator para Daniel Brühl; melhor direção para Wolfgang Becker; melhor edição; música; Desenhista de Produção; e ator coadjuvante para Lothar Holler. Indicado para os prêmios de melhor atriz - Katrin Sa

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Passos para a construção do “Muro” Alemanha e União Soviética _ Contextualização Para compreendermos o contexto em que se desenvolve o filme Adeus Lênin! é preciso recuarmos no tempo para visualizar o movimento histórico que culminou na construção do Muro de Berlim. No século XIX, em função da situação de miséria e exploração em que se encontrava a classe trabalhadora alemã, Karl Marx e Friederich Engels desenvolvem análises profundas da sociedade capitalista e das contradições que se operam em seu interior, tendo como marco inicial do socialismo científico a publicação do Manifesto do Partido Comunista, no início de 1848. As teorias marxistas influenciaram largamente o projeto de Vladimir Ilitch Ulyanov (Lênin), sendo ele um dos principais difusores das idéias marxistas. Lênin nasceu em 22 de abril de 1870 na cidade Simbirsk (atual Ulianovsk), localizada na região do Volga, formou-se em Direito em 1892, e no mesmo ano traduziu para o russo o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, escrevendo no ano seguinte uma série de panfletos com o objetivo de formar um pequeno grupo marxista, planejando e analisando sua sociedade. Em 1894, Lênin encontra membros da social-democracia, num encontro que resultou na divisão entre mencheviques e bolcheviques _ os primeiros desejavam a inclusão da classe média nas lutas por mudanças sociais, e os segundos acreditavam que a ascensão do proletariado era a única forma legítima de tomar o poder, através da aliança entre operários e camponeses contra a autocracia czarista. Lênin funda a “Liga da Luta para a Libertação da Classe Trabalhadora”, com Matov, sendo preso e condenado a passar três anos na Sibéria. Á esta época escreve “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia” e “Protesto dos SocialDemocratas Russos”. Na primeira década do século XX, Lênin escreve “O que fazer?”, buscando combater a corrente economicista, que segundo ele, a vitória representaria a derrota de toda a revolução; esta obra se tornou essencial para a consolidação do partido bolchevique. Com a revolta do exército na guerra contra o Japão a população se revolta. Para conter a população são criados sindicatos controlados pela Igreja Ortodoxa, mas mesmo assim os social-democratas se infiltram nestes sindicatos. No dia 9 de Janeiro de 1905, realiza-se uma manifestação pacífica que é violentamente reprimida, o “Domingo Sangrento”, que gera opiniões ainda mais negativas sobre o Czar. No

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ano seguinte Lênin enfatiza a capacidade de rebeldia espontânea das massas. Nos anos de 1910 Lênin volta à Rússia trazendo panfletos ilegais com o objetivo de criar um jornal revolucionário, sendo preso por 15 meses e deportado para a Sibéria logo em seguida. Lênin lança a obra “O Estado e a Revolução”, às vésperas da revolução de 1917 e é declarado presidente do Partido Comunista, tendo que enfrentar grandes problemas administrativos. Nesta fase ocorre a estatização das fábricas e a coletivização das fazendas; o país se encontra em estado calamitoso após o conflito bélico. Após grandes manifestações, o partido é suprimido, o que obriga Lênin a se refugiar na Finlândia. O prestígio do partido volta a crescer e os bolcheviques assumem o poder, o que faz com que se estabeleça uma enorme guerra civil entre eles, os “vermelhos” e os mencheviques, os “brancos”, que dura de 1918 a 1921, tendo os bolcheviques como vitoriosos. A Igreja Ortodoxa Russa é posta em ilegalidade. Lênin e Trotsky sofrem atentados terroristas em 1918, e a sede do Partido Comunista é explodida, mostrando o choque de forças advindas das disputas ideológicas. Em Março de 1921 é organizada a Nova Política Econômica (NEP) que revitalizou a economia abrindo exceções para as pequenas indústrias privadas, liberdade

maior

para

o comércio

e abertura

aos investidores

estrangeiros para reconstruir a economia russa. Lênin escreve “Esquerdismo, doença infantil do Comunismo”, buscando garantir os princípios da revolução através de novas estratégias. Em 1922 sofre o primeiro de uma série de enfartos. Lênin busca corrigir os excessos do comunismo e percebe a necessidade de coexistência com os países capitalistas e de eliminação da burocracia, também busca assegurar que nem Trotsky nem Stálin o sucedam, contudo, morre em 21 de janeiro de 1924 em função de uma hemorragia cerebral. O poder passa então a ser disputado por Trotsky, que defendia a propagação da revolução pelo mundo e Stálin, que pretendia restringir a revolução apenas à União Soviética. Stálin aproveita-se do fraco estado de saúde de Trótsky e o afasta gradativamente até expulsá-lo do Partido Comunista em 1927 e da União Soviética em 1929. Stálin vai afastando seus opositores e se torna ditador absoluto em 1929. Trotsky se refugia no México, onde é assassinado em 1940. Stálin promove os planos qüinqüenais, que se baseavam no investimento na indústria pesada e na coletivização e mecanização da agricultura:

Estes planos acompanhados por uma política cultural de erradicação do analfabetismo e de implementação do ensino técnico, permitiram que a União Soviética se recuperasse do atraso técnico do Império Russo e conseguisse rapidamente o mesmo nível de desenvolvimento industrial dos países mais avançados (Pazzinato e Valente Senise,1999, p. 236)

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De acordo com Soares (2000), o trabalho é uma categoria que é assimilada ao princípio pedagógico que se constitui no final da segunda metade do século XIX. Na Alemanha do século XX, a educação técnica é ainda uma das estratégias de desenvolvimento da economia Soviética. Contudo, a grande crítica feita à formação técnica, inclusive nos dias presentes, é a de que ela separa o trabalho técnico do trabalho intelectual. Nessa perspectiva, a educação científica preza pelo ensino das “humanidades” que são valorizadas e legitimadas pelas classes dominantes. Ao se basear apenas no princípio da técnica, excluindo a dimensão do pensar, a educação técnica não possibilitaria que os estudantes atingissem uma posição dirigente, por estes não adquirirem os instrumentos advindos do ensino humanista. Assim, Gramsci propõe que a educação para o trabalho inclua a dimensão da reflexão, baseada num princípio educativo que una o ensino técnico e o humanista, formando assim a escola unitária, baseada na unidade e não da divisão de ensino para diferentes classes. Com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, esta e outras áreas da Europa Oriental foram dividas em áreas de influência capitalista e socialista, divisão essa confirmada na Conferência de Potsdam realizada de 17 de julho a 2 de agosto de 1945. Dentre outras determinações, os territórios foram divididos entre socialistas e capitalistas, ficando estabelecido que Berlim, a capital alemã, também fosse dividida entre EUA, França, Inglaterra, e União Soviética. Embora Berlim estivesse do lado soviético, três quartos dela possuíam orientação capitalista o que gerava muitos conflitos. EUA, Inglaterra e França planejam então fundir todo o setor ocidental, organizando a integração econômica através da reabilitação do marco alemão, mantendo a União Soviética fora das discussões sobre o tema. Em 1949, Stálin decreta o bloqueio de suprimentos ao lado ocidental, uma vez que toda a rede ferroviária de Berlim pertencia ao controle soviético. Essa crise é suprimida pelo “corredor aéreo”, que levava os suprimentos através de aviões de carga à Berlim Ocidental. No mesmo ano as áreas de ocupação são redefinidas como República Federal da Alemanha (lado ocidental) e República Democrática da Alemanha (lado oriental), esta última com influências do modelo soviético. Este período que se segue ao fim da Segunda Guerra é denominado de Guerra Fria, pois entram em choque político-ideológico os blocos capitalista e socialista, liderados respectivamente pelos EUA e União Soviética, havendo o medo constante de uma guerra entre essas duas superpotências. Desta forma são firmados acordos que visavam proteger aos ideais dos blocos econômico-político em oposição, como exemplo, o Comecon _ Conselho para a Assistência Econômica e Mútua, criado pela União

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Soviética em 1949 e a OTAN_ Organização do tratado do Atlântico Norte, organismo de defesa integrado pela maioria dos países da Europa Ociental, EUA e Canadá. Em resposta, a URSS cria o Pacto de Varsóvia _ Tratado de Assistência Mútua da Europa Oriental _ que contava com a participação de vários países do leste europeu e da União Soviética. Em 1953 morre o líder soviético Josef Stálin, que embora tenha promovido a industrialização do país, agia de forma ditatorial. O poder é então assumido por Nikita Kruschev, que propôs medidas para a “desestalinização”, chegando a manter relações políticas com o Ocidente. Contudo, as influências stalinistas não se dissipam facilmente, e em agosto de 1961 para evitar a fuga de mão de obra para o lado capitalista em busca de melhores condições e a penetração do capitalismo através de Berlim Ocidental, o governo da RDA constrói um muro, separando o leste do oeste sendo aquele considerado o símbolo da Guerra Fria. A parte oriental torna-se a capital da RDA e a parte ocidental fica sob a administração da RFA. Em 1964, Kruschev cai devido às investidas de alguns elementos contra suas reformas e sobe ao poder Leonid Brejnev, que voltou a enfatizar a repressão e a burocracia aos dissidentes, retomando as relações com os EUA em 1973. Com a morte de Brejnev em 1982, o governo é assumido por Mikhail Gobatchov, que deu continuidade ao processo de “desestalinização”. Durante este período o mundo assistia a iminência de um novo conflito bélico que envolveria todo o globo... A Guerra Fria prossegue através de investimentos no poderio bélico, sobretudo através das investidas em projetos espaciais tanto do bloco soviético, quanto do bloco americano. No filme analisado, vemos a ampla propaganda feita para o desenvolvimento espacial, e o protagonista relata a subida da Alemanha ao espaço em 1978. Em 1989 com a abertura das fronteiras da Hungria com a Áustria, várias pessoas da Alemanha Oriental migravam para o lado ocidental, atravessando esses países. Essa situação obriga o dirigente Erich Hoenecker a ceder e a desativar o Muro de Berlim, sendo a Alemanha reunificada a 3 de outubro de 1990. Com a reunificação, as realidades divergentes entre leste o oeste, se fizeram impactantes, levando o país a vários problemas econômicos: o lado oriental estava em desvantagem em relação ao lado ocidental, suas fábricas eram obsoletas e foram desativadas, gerando desemprego. O capitalismo penetrou rapidamente no lado oriental, mas a população ainda não possuía bases para lidar com a nova economia. O filme retrata tal situação através das falas dos vizinhos de Alex, que se mostram descontentes com a situação econômica do país se referindo aos males do desemprego e da inflação.

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Retomando os conceitos de liberdade O que é liberdade? Qual o lugar ocupado por ela em nossas vidas? O ser humano poderia dizer que existe mesmo liberdade? Como alcançá-la? Marilena Chaui (2000) nos apresenta alguns conceitos que inicialmente representariam a não existência da liberdade. A necessidade seria a realidade fixada que age sem nós, nos colocando numa série de causas e efeitos, condições e conseqüências. Fatalidade seria o governo de forças transcendentes às nossas que agiriam de qualquer forma. O determinismo seria por sua vez a realidade prevista que determinaria o ser humano através de leis e causas

que

condicionam

os

pensamentos,

sentimentos

e

emoções.

Por

último,

a

contingência ou acaso mostra que a realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando a deliberação e as decisões racionais. Esses conceitos expressariam que não há espaço para a liberdade. Dentro desta problemática, algumas correntes filosóficas se desenvolveram dando diferentes conotações para liberdade. Segundo Chauí (ibdem) a primeira corrente, representada por Aristóteles e retomada pelo existencialismo de Sartre no século XX, coloca no indivíduo todo o poder para determinar as situações. A vontade seria dirigida pela razão, e a liberdade por sua vez seria ética se operasse em consonância com esta. A liberdade seria então a escolha incondicional feita pelo homem. Sartre diz que a liberdade é a escolha incondicional que o homem faz de seu ser e de seu mundo: “os homens estão condenados à liberdade”, e por isso mesmo sua responsabilidade sobre as coisas passa a ser ainda maior. A Segunda corrente filosófica nasce com os estóicos, criadores de uma escola filosófica em Atenas em 300 a.C, influenciando o humanismo renascentista e a pensadores modernos como Espinosa, Hegel e Marx. Para esta corrente, é livre aquele que age sem ser forçado e constrangido, contudo a liberdade não estaria no indivíduo, mas na atividade do todo do qual os indivíduos são parte. A liberdade seria o poder do todo para agir em conformidade consigo mesmo, sendo a necessidade a manifestação da liberdade deste todo (criação das condições de vida pelos próprios indivíduos) e as leis e regras a expressão do que o todo é e faz. A liberdade, portanto, seria a ação em conformidade com o todo. Chaui se pergunta o que seria então a liberdade, e coloca duas respostas: a primeira diz que sendo racionais o todo e as partes, a liberdade seria a ação das partes em conformidade com as leis do todo para o bem da totalidade. A segunda diz que se as partes são da mesma essência que o todo (razão, liberdade e força interna), a liberdade seria a tomada de uma postura ativa no movimento do todo, ou seja, conhecer o meio para não se tornar um autômato diante das condições e causas atuantes. Chega-se então à terceira concepção, que considera que não

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somos

incondicionalmente

livres,

sendo

as

nossas

escolhas

condicionadas

pelas

circunstâncias naturais, psíquicas e históricas em que vivemos. A liberdade viria a ser então um ato de escolha entre várias possibilidades, a liberdade de fazer algo, a capacidade de perceber as possibilidades e poder realizar determinadas ações que podem mudar a direção das coisas. Isso traz a importância da tomada de consciência das circunstâncias limitadoras existentes e de ações que nos permitam ultrapassá-las. Valls (1992) faz uma relação entre os conceitos de liberdade e determinismo. À primeira vista, a existência colocaria aos seres humanos situações em que imperam o movimento ou a permanência. Tudo posso e nada posso... De um lado a total liberdade de ação e do outro o determinismo completo, mostrando que não existe liberdade. Para Valls, os dois pólos são por demais extremos, o que traria uma incoerência. Para ele a existência da liberdade se dá com a consciência de sua própria existência. A liberdade, portanto, estaria na ação situada entre as condicionantes e as possibilidades de ação. A partir dos conceitos trabalhados pelos dois autores, podemos formular que um conceito mais “razoável” para a liberdade, seria a possibilidade de ação dentro do meio, a busca constante, considerando-se as condicionantes e tomando consciência dos processos que se operam nas instâncias que o constituem (sociedade, família, política, religião, etc.). Ao reconhecer os espaços existentes dentro dessas instâncias, nossa liberdade “se materializa”, através de nossas ações.

Noções de liberdade em conflito no campo político Ao conceito de liberdade estão atreladas duas tendências políticas contraditórias que polarizaram o mundo no fim do século XIX e século XX: o liberalismo e o socialismo. De acordo com Chaui (2000) o liberalismo, nasce da necessidade de expansão da classe burguesa nos séculos XVII e XVIII, que encontra na teoria do direito natural da propriedade privada, desenvolvida por Jonh Locke, a confirmação de seus ideais agora apoiados pela noção de que Deus como criador do mundo disse aos seus filhos expulsos do paraíso que eles teriam o mundo, mas com o suor de seu trabalho. As idéias liberais se consolidam, tendo como principal motor a idéia da liberdade: a produção deveria ser livre, bem como sua comercialização, sem interferência do Estado, que não deveria influir sobre a liberdade econômica dos proprietários privados, e que em linhas resumidas, deveria ser responsável apenas por garantir a liberdade e a segurança dos indivíduos.

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O capitalismo, baseado nas teorias de liberdade de produção e de comercialização, expandiu-se rapidamente. Mas as várias reivindicações feitas pelas classes subalternas, por participação política, acesso à cultura, dentre outras, entram em choque com o Estado capitalista. No final do século XIX esse choque foi de tal monta que a burguesia começou a repensar a forma pela qual exercia o poder, excluindo as classes subalternas. O novo projeto de poder da burguesia envolve mecanismos para obter o consentimento das classes subalternas

na

medida

em

que

pretende

também

aceitar

as

reivindicações

dos

trabalhadores. Em outras palavras, a burguesia pretende garantir alguns direitos políticos e sociais exigidos pelas classes subalternas e, ao mesmo tempo, procura garantir a continuidade da dominação capitalista. Esta estratégia pode ser considerada como um “transformismo”, ou seja, a incorporação de idéias vindas dos movimentos sociais e das classes subalternas pelos intelectuais burgueses para evitar o choque entre as classes. É nesse movimento transformista que nasce o ideário do “Welfare State”: o Estado busca garantir aos seus cidadãos uma série de benefícios para as classes subalternas, tais como educação, saúde e aposentadoria. Esse atendimento não entra em conflito com as demandas do sistema capitalista, contudo, vemos que esse sistema encontra muitas dificuldades para se manter, devido ao atendimento dessa enorme demanda financeira. Vemos isso hoje na Inglaterra, que tem dificuldades devido aos benefícios previdenciários oferecidos diante da longevidade da maioria de seus cidadãos, e no Brasil, também no que diz respeito ao sistema previdenciário. Esse panorama serve como indicador da noção marxista de que o sistema capitalista não consegue se sustentar, o que o levará a um estado de exaustão que o destruirá. A partir das contradições geradas pelo capitalismo em consolidação, vão surgindo movimentos que criticam esse sistema, encontrando em Marx e Engels seus principais representantes, porque eles propõem um novo projeto econômico-filosófico, conhecido como socialismo científico. De forma bastante suscinta, as principais concepções da teoria Marxista se baseavam nos seguintes aspectos:  Revolução proletária mundial; união do proletariado internacional  União do proletariado como uma forma para derrubar o Estado, que era um dos instrumentos da classe dominante.1

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Valls explicita a diferença existente entre as noções hegeliana e marxista sobre Estado: Hegel traz a abordagem de um tipo de Estado moderno que seria a síntese entre os ideais da política grega_ baseada na participação dos cidadãos_ e a moral cristã, que possuía profunda consciência da liberdade e do valor de cada indivíduo. Essa síntese formaria o que Hegel chama de “Estado de Direito”, moderno e constitucional onde cada indivíduo seria livre interiormente e exteriormente. Marx se contrapôs a essa concepção afirmando que o Estado não é o campo de realização dos interesses coletivos, instância do universal como afirma Hegel, e sim um espaço de realização dos interesses burgueses, visto que é conduzido por eles. Para Marx, a liberdade

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 União do proletariado à parte da burguesia e pequena burguesia enquanto necessário, e depois seu prosseguimento na luta revolucionária.  Estreita relação entre as idéias e a condição de produção, ou união entre a teoria e a prática, bem como a condição do homem de produtor da história. 

A sociedade como uma realização da liberdade, da igualdade, da justiça e da

felicidade. Na proposta de Marx, o trabalho ou a produção tem lugar central. Valls faz algumas considerações a respeito dos argumentos apresentados por Marx sobre a liberdade e o domínio da natureza, através da produção, dizendo que, para Marx, a história do homem é a história da dominação da natureza. Se Marx concorda com o domínio da natureza pelo homem, discorda completamente da dominação do homem pelo homem. Marx, assim como Kant, afirmava que o homem devia ser visto como um fim e não como um meio. Porém o homem é colocado na natureza como um meio, destinado a trabalhar para produzir, tendo em vista atender aos outros homens que o dominam e não a si mesmo. Para Marx, o homem produziria as atividades técnica, teórica e prática e um dos problemas do capitalismo seria a dominância da atividade técnica sobre a dimensão ética. Essas considerações, relacionadas à nossa realidade, nos permitem questionar o quanto o homem pode realmente dominar a natureza através do sistema de produção que conhece, visto que este tem causado muitos danos à natureza como um todo. Isso exige uma reflexão sobre os rumos que daremos ao sistema de produção e à exploração dos recursos naturais. Mais tarde, as idéias de Marx e Engels são desenvolvidas por Antonio Gramsci, que vê a importância da organização das classes subalternas. Ele encontra na cultura e na educação uma das principais premissas para realizar a organização das classes subalternas e sua elevação civil, através de um grupo de intelectuais que estejam conscientes de seu papel ativo na sociedade. É Gramsci quem faz a proposta da escola unitária, onde ocorreria a educação das massas, levando-as à luta pela igualdade social, à superação das divisões de classe (superação da dicotomia entre trabalho industrial e intelectual). Seu projeto não objetivava destruir o capitalismo para depois tratar da educação. Ao contrário, seria o projeto educativo que contribuiria para a transformação do sistema capitalista, mostrando a possibilidade de ação dentro das instâncias da sociedade, uma vez que a escola e a sociedade civil são espaços onde circulam idéias contraditórias.

como possibilidade humana está sempre condicionada pelas possibilidades técnicas e as formações sócioeconômicas, e se, de acordo com Hegel, o Estado é o espaço de realização da liberdade, na sua concepção este é o espaço encontrado pela burguesia para exercer sua dominância, contrapondo-se ao ideal de liberdade.

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A experiência concreta do comunismo, em países da União soviética e Alemanha, China e Cuba, cujos principais líderes foram Stálin, Mao Tse-Tung e Fidel Castro, é também conhecida como “socialismo real”, abrangendo experiências ocorridas principalmente na Europa. Podemos afirmar que essas experiências, no geral, não correspondem às idéias da filosofia propagada por Marx e Engels e por Gramsci, pois não conseguiram promover uma sociedade justa, igual e fraterna. Ao contrário disso, verificou-se o fechamento das sociedades ditas socialistas ou comunistas, o Estado se tornou totalitário, as pessoas não podiam se expressar, a sociedade civil não existia. Nos regimes comunistas, a centralização do Estado tomou proporções gigantescas, fazendo muitas vezes o uso da ditadura, que leva a castrações política, econômica, cultural, etc. Assim, os ideais de liberdade, igualdade, justiça, abundância e felicidade foram ficando cada vez mais distantes das pessoas. A liberdade é o que move o capitalismo e é também o motor do socialismo. Contudo, que “liberdade” esses sistemas possibilitam às pessoas? A “liberdade” de escolher entre uma marca ou outra, entre um refrigerante ou outro? A “liberdade” de atender às determinações de um Estado tirano que “luta” por melhores condições para seu povo, considerando que todos os outros são inimigos de seus propósitos?

A liberdade e os momentos do filme

Com base nas idéias trabalhadas na discussão sobre a Liberdade, podemos relacionar a questão da liberdade ao filme Adeus Lênin. Para fins didáticos, foi estabelecida uma divisão de momentos no filme, que mostram como o problema da liberdade se apresentou para as pessoas que viveram um recente período histórico, representadas pela história de Alex e sua família. A ausência da liberdade: com as imposições feitas pelo governo socialista, as pessoas se encontram num estado de total fechamento: são-lhe impostas as decisões políticas e econômicas, não é tolerada a liberdade de expressão e de escolha. O Muro simboliza uma barreira física e ideológica de um momento em que a liberdade é bastante restrita, essa situação influencia a vida de Alex e sua família, sobretudo quando eles se separam do pai que vai viver na Alemanha ocidental e jamais volta.

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A busca pela liberdade: é quando Alex e sua irmã já são adultos. As condições de vida na Alemanha oriental se encontram muito difíceis. Diante disto, em função da busca por melhores condições, as pessoas começam a se manifestar contra o regime. A RDA está prestes a completar 40 anos e a mãe de Alex será condecorada por sua “contribuição” ao país. Alex se junta a uma manifestação contra o regime que é violentamente reprimida, e na qual ele é preso. Sua mãe que passava pelo local rumo à festa dos 40 anos da RDA, ao ver a situação tem um ataque cardíaco e passa oito meses em coma. O fim do Muro: a liberdade chegou? Durante o período de coma de Christiane Kerner, ocorrem muitas transformações. O muro é aberto, o capitalismo penetra na Alemanha oriental e o socialismo vai caindo. Embora a situação traga a noção de liberdade, Alex vai tomando contato com uma realidade que o determina todo o tempo. A partir disto podemos questionar se a liberdade chegou e considerarmos que ainda há muito para se conquistar neste campo.

1º Momento: o Muro e as limitações “...Minha mãe casou-se então com a pátria, e como nessa relação não havia sexo, lhe sobrava muito tempo para se dedicar às causas sociais...”

*

Alex recorda os melhores momentos de sua família no chalé que lhes pertencia... Contudo esses momentos foram extintos devido à partida de seu pai para a Alemanha Ocidental. Em 1978 a Alemanha sobe ao espaço, mas quem se “ausenta” da terra é a mãe de Alex, que entra num estado de apatia devido à partida de seu marido para o outro lado do muro, ficando no hospital por algum tempo. Quando volta à “realidade”, Christiane começa a dedicar-se às questões sociais, dirigindo um grupo de escoteiros e ajudando as pessoas a fazerem reivindicações, que parecem ter pouco peso. Vemos a influência das idéias da “corrida espacial”, gerada pela ideologia da guerra fria, na vida das crianças, que assistem desenhos sobre o tema e participam do lançamento de pequenos foguetes. Este panorama que se configurou para as pessoas da RDA, expressa as condições de vida que lhes foram impostas com a propagação de um determinado “socialismo”, e os cerceamentos gerados pela Guerra Fria. A liberdade de escolha das pessoas é literalmente freada, encontrando um obstáculo físico e ideológico, representado pelo Muro. Se a ideologia que era propagada pelo socialismo soviético não bastou para que as pessoas se contentassem com as condições que lhes eram oferecidas, o *

Trechos extraídos do filme

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muro vem como medida arbitrária de poder, impedindo a “livre escolha” da população por um sistema político e econômico diferente, ao trocar o socialismo pelo capitalismo do lado ociental. Neste ponto, é importante que entendamos ideologia como considera Gramsci, como concepções de mundo que tanto podem ocultar as contradições sociais como também podem nos fazer tomar consciência dos conflitos sociais. A ideologia que embasa a construção do muro é a de que os males do capitalismo afetariam a pátria, que uma vez aberta à penetração das práticas capitalistas estaria destruída. Assim, as pessoas são obrigadas a permanecer naquele país para ajudar a mantê-lo. Essa orientação política e ideológica expressa bem a divergência entre os ideais políticos que se expandiram no século XX, o liberalismo e o capitalismo. A ideologia, portanto, interfere na liberdade quando impede que tomemos consciência dos processos que produzem a realidade, nos mantendo num estado de ignorância, interfere também quando produz atos que cerceiam nosso poder de escolha, como a construção do Muro. Contudo, como o terreno das ideologias é um terreno contraditório, é nesse mesmo campo que podemos tomar conhecimento de nossas limitações, da falta de liberdade, de nossas possibilidades de superar as limitações e, assim, buscar formas para alcançar nossos objetivos de sermos livres. 2º Momento: Buscando por “liberdade” Os anos passam e a RDA está prestes a comemorar 40 anos de existência. Alex já é adulto e questiona as condições restritas do sistema em que ele e sua família vivem. Sua mãe, porém, discute com ele, pois para ela a pátria ainda possui valor. Neste mesmo dia, Christiane irá receber uma condecoração pela sua contribuição à RDA, mas Alex movido por sua insatisfação se junta a um grupo de manifestantes que protestam contra o regime da RDA. A manifestação é violentamente reprimida e Alex é preso no exato momento em que sua mãe passa pelo local rumo à festa dos 40 anos do país. Christiane ao ver a cena tem um ataque cardíaco e desmaia. No carro da polícia Alex leva um soco... A manifestação da qual Alex participa pode ser tomada como um exemplo de busca pela liberdade, não apenas dele próprio, mas de uma grande massa insatisfeita com as condições que lhe são impostas. O ato da passeata, expressa o processo de busca pela liberdade composto por alguns momentos: o momento do reconhecimento da contradição entre o ideal (idealizado) e a situação real, nesse caso, a proposta do sistema socialista e a aplicação real deste. Como segundo momento, teríamos a busca de espaços ou “brechas” através dos quais seria possível promover mudanças, interpretados nessa situação como a “liberdade de ir e vir” que os cidadãos tinham mesmo dentro do lado oriental. A este momento se segue o da decisão pessoal de agir e a escolha de meios para isso, expressos pela vontade de se manifestar contra o muro e

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o regime socialista e o uso da manifestação pacífica para mostrar a insatisfação do povo. O quarto e ultimo passo, seria o da realização da ação (fazer a passeata), gerando um impacto que leva a uma transformação da realidade. Essa pressão juntamente com outras falhas do sistema socialista e investidas das nações em que vigora o capitalismo, fazem com que o muro e o socialismo caiam na Alemanha Oriental, mostrando o poder de ação e transformação que as pessoas têm.

3º Momento: A liberdade foi alcançada? “... Os ventos da mudança pairavam sobre as ruínas da nossa república. No verão, Berlim era o lugar mais bonito do mundo. Nós estávamos no centro do mundo, onde as coisas finalmente estavam acontecendo e nós íamos no embalo. O futuro estava em nossa mãos, incerto mas promissor...”* A mãe de Alex entra em coma e assim permanece por oito meses... Nesse período, as coisas se transformam rapidamente: devido às pressões, o muro é desativado, sendo derrubado a 9 de novembro de 1989. Erick Hoenecker, secretário geral do Partido da Unidade Socialista e presidente do Conselho de Estado da RDA, renuncia aos seus cargos. Ocorrem as primeiras eleições livres. A cultura capitalista penetra na Alemanha Oriental, trazendo em sua bagagem muita Coca-cola... A oficina de aparelhos eletrônicos onde Alex trabalhava é fechada e ele começa a trabalhar como instalador de antenas parabólicas. Sua irmã abandona o curso de teoria econômica e passa a trabalhar como atendente de fast-food. Aos poucos Alex vai se envolvendo com a estudante de enfermagem que cuida de sua mãe. Em junho de 1990 as fronteiras da RDA já não têm mais valor. Em meio a este cenário Christiane desperta e Alex é advertido de que ela não poderá sofrer emoções fortes, e por isso decide montar um cenário no qual a RDA pareça continuar existindo. Nesse momento o Marco Ocidental é cunhado como moeda oficial, a seleção da Alemanha vence a copa de 1990 e Alex e os seus têm de se comportar diante de Christiane como se nada houvesse mudado. Se a princípio a liberdade parece ter chegado, Alex vê que não é exatamente assim quando sua mãe começa a ter vontades como a de consumir produtos que não existiam mais e a ver TV. Ele precisa então manipular tudo: produtos, roupas, e as próprias informações, que com a ajuda de um amigo vão sendo forjadas para que sua mãe não perceba as mudanças. Alex descobre que

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o dinheiro de sua mãe não possui mais valor e isto o mostra o quanto a situação se faz complicada. “...Eu me senti como o comandante de um submarino no Atlântico Norte, com o casco quebrado. Quando consigo fechar um buraco, outro aparece... Ariane não quis me acompanhar na guerra e o inimigo levantava a bandeira da Coca-cola, e o ocidente levava o dinheiro da minha mãe...” * Essa situação nos permite questionar se a liberdade realmente chegou, como forma de escolha livre. A abertura traz consigo os problemas do capitalismo, a economia se encontra num estado complicado e as pessoas sentem isso, sendo muitas vezes descartadas em função de sua “inutilidade” para o novo sistema. Houve realmente uma abertura, mas esta também é limitada e exigirá, igualmente, esforços das pessoas para possibilitar alcançar um estágio mais favorável. Nesse momento, podemos refletir sobre a manipulação de informações realizada por Alex e seu amigo, tanto como crítica ao socialismo, que não dava lugar à liberdade econômica, de expressão e de vestuário, etc., quanto como crítica ao capitalismo, cuja entrada e expansão na Alemanha dava lugar a uma realidade muito diferente daquela do comunismo, mas também cheia de mazelas. Alex reflete sobre a manipulação de informações, considerando que a verdade é um conceito dúbio, podendo se adaptar a muitas situações, dependendo das circunstâncias. No caso específico do filme, se tratava da visão de mundo de sua mãe. Isso lhe permite até mesmo construir a idéia de que a Coca-cola fosse uma invenção socialista... Neste ponto, temos a mentira como um fator que restringe a liberdade e também se opõe à ética; o conhecimento da mentira aprontada por Alex, pela sua namorada e sua irmã, vai lhe causar enorme pressão. Christiane volta a andar, sai do apartamento e vê o mundo completamente diferente, o que leva Alex a produzir uma mentira ainda maior, dizendo que, devido aos males do capitalismo, as pessoas querem ir para a Alemanha oriental. Em meio a essa situação, as “Alemanhas” assinam acordos. A irmã de Alex descobre que está a espera de outro bebê. Alex e sua família partem para o chalé da família e lá descobrem que sua mãe mentiu durante todos os anos a respeito do paradeiro de seu pai. O estado de saúde de Christiane piora e Alex decide ir encontrar seu pai, que lhe diz o quanto esperou notícias dele e da família. Temos aqui novamente a noção do cerceamento da liberdade: se por um lado a atitude da mãe de Alex gerou a situação de desagregação da família, por outro podemos entender que ela assim agiu devido às limitações que o meio lhe impunha, o que mostra o quanto necessitamos de força interior e conhecimento da situação para que tenhamos uma atitude que exprima o nosso desejo.

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Lara, a namorada de Alex, conta toda a verdade para Christiane e esta se reencontra com seu ex-marido. No mesmo dia, Alex faz sua última manobra, construindo uma reportagem que fala da renúncia de Erich Hoenecker e da subida de Sigmund Jan ao cargo, que profere um discurso idealista e ilusório dentro da conjuntura do mundo e do país. No mesmo dia, Christiane falece e suas cinzas são colocadas num pequeno foguete... Conclusão Após os acordos de reunificação, a Alemanha entra numa situação calamitosa, pois a realidade de ambas as partes é bastante diversa. Ocorre um aumento de impostos, proposto pelo primeiro ministro Helmut Kohl, para cobrir os gastos oriundos da reunificação, gerando muitos protestos. Dentre eles, em maio de 1992, ocorre a maior greve geral dos funcionários públicos desde a Segunda Guerra Mundial. Isso nos leva a pensar que os fatos que permeiam o campo da liberdade é um campo cheio de meandros e um constante estado de busca, principalmente dentro do sistema capitalista, que hoje possui muito mais complexidades do que na época em que começou a ser refutado pelas teorias marxistas. Essa maior complexidade exige de nós, portanto, mais consciência de suas particularidades para que ocorra o exercício da liberdade. A busca da liberdade não se faz apenas no campo político, embora este perpasse todos os aspectos de nossa vida, mas também em todos os outros campos, social, cultural, ideológico, emocional, pois somos seres em busca de satisfação pessoal. A liberdade se faz como realização da vontade e esta deve ser guiada pela razão, construída a partir da conscientização e da reflexão sobre os processos pessoais e coletivos que constróem a realidade, o que nos remete à importância de ter a educação como uma maneira de proporcionar aos educandos e à sociedade uma forma de conhecimento com aplicações práticas, reservando à atitude do professor e de outros profissionais da escola um lugar de poder e, portanto, de responsabilidade.

Anexos I Uma versão em filme de "The Wall" foi feita em 1982 pela MGM sob o título de "Pink Floyd: The Wall". O filme foi realizado por Alan Parker, com Bob Geldof no papel principal. O filme conta a história de um rapaz chamado "Pink" que perdeu o pai na 2ª Guerra Mundial quando era criança, tendo, por conseqüência, desenvolvido uma relação muito estreita com a sua mãe. Abusado na escola, com poucos amigos, cresceu e tornou-se numa estrela de rock, casou com uma atraente

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acompanhante do grupo. No entanto a sua vida é completamente vazia e após a sua mulher o ter traído, ele tenta suicídio. Depois disso, durante uma alucinação causada pelas drogas, imagina-se um líder de um grupo Neo-Nazista e manda as minorias em sua audiência "contra o muro", durante seus shows. ( Wikipédia, 03/2007) II Em 21 de julho de 1990 é organizada uma mega-produção em Berlim, o motivo é a comemoração da queda da barreira física e ideológica que o Muro representava. Durante o show histórico que reuniu milhares de pessoas, ia pouco a pouco sendo construído no palco um enorme muro feito de blocos cenográficos, que no final da apresentação, encerrado pela música The Trial, era bombardeado ao som de gritos de “destruam o muro!” A produção contou com a participação de cantores como Cindy Lauper, Bruce Springster, Joe Cocker e Sinead O’connor. É impossível não associar o acontecido histórico do fim da RDA e a queda do muro de Berlim com a música “The Wall”, pois essa e outras músicas de Pink floyd representaram o grito de reflexão e insatisfação de uma geração amedrontada com os perigos iminentes da Guerra Fria... Para isso transcrevemos aqui a letra original e sua tradução para o português. Another Brick In The Wall Part 2 Pink Floyd Composição: Roger Waters We don't need no education We don't need no thought control No dark sarcasm in the classroom Teachers leave them kids alone Hey! Teachers! Leave them kids alone! All in all it's just another brick in the wall. All in all you're just another brick in the wall. We don't need no education We don't need no thought control No dark sarcasm in the classroom Teachers leave them kids alone

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Hey! Teachers! Leave us kids alone! All in all it's just another brick in the wall. All in all you're just another brick in the wall. Another Brick In The Wall Part 2 (tradução) Pink Floyd Nós não precisamos de educação. Nós não precisamos de controle mental. Sem sarcasmo obscuro, na sala de aula. Professores, então, deixem as crianças em paz!! Ei, professor, deixe nós, as crianças, em paz!! No total, você é somente mais um tijolo no muro. No total, você é somente mais um tijolo no muro. Nós não precisamos de educação. Nós não precisamos de controle mental. Sem sarcasmo obscuro, na sala de aula. Professores, então, deixem as crianças em paz!! Ei, professor, deixe nós, as crianças, em paz!! No total, você é somente mais um tijolo no muro. No total, você é somente mais um tijolo no muro.

BIBLIOGRAFIA Chaui, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática,2000. Cap.6 A liberdade. Cap. 10. A política contra a servidão voluntária. Chaui, Marilena de Souza. O que é ideologia. 7ª ed. São Paulo, Brasiliense,1981. Coleção primeiros passos.

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Gaarder, Jostein. O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Pazzinato, Alceu Luiz, Senise Valente, Maria Helena. História Moderna e Contemporânea. 8ª ed. São Paulo: Ática, 1999 Semeraro, Giovanni: Intelectuais “orgânicos” em tempos de pós modernidade. Cad. Cedes, Campinas,

vol.

26,

n.

70,

p.

373-391,

set./dez.

2006

Disponível


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em