ORIGENS, ELEMENTOS E REFLEXÕES SOBRE O DIREITO ECONÔMICO

Por fim, retomar-se-á a noção de indispensabilidade do Direito Econômico, na tentativa de se demonstrar que ele deve permear o estudo das demais áreas...

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ORIGENS, ELEMENTOS E REFLEXÕES SOBRE O DIREITO ECONÔMICO ORIGINS, ELEMENTS AND REFLECTIONS ABOUT ECONOMIC LAW Marília Pedroso Xavier William Soares Pugliese

RESUMO O presente artigo tem como objeto a origem e o desenvolvimento da disciplina do Direito Econômico. Para tanto, serão investigadas suas raízes históricas no século XIX, identificando elementos que se tornariam seu objeto de estudo. Já no século XX, no período do pós-guerra, observou-se o nascimento do Direito Econômico, em busca de movimentar o mercado, que se via sem forças para se reerguer. Mais adiante, os elementos do Direito Econômico serão apresentados ao leitor: eminentemente, seu objeto, natureza e suas principais características, além de uma breve apresentação da regulação, sua forma de manifestação mais comum. Palavras-chave: Direito Econômico. Origem Histórica. Elementos Distintivos. Regulação.

ABSTRACT The present article has as its object the origin and the development of the discipline of economic law. Therefore, its origins shall be harvested on the nineteenth century, by identifying elements which would later become its object of study. In the twentieth century, on the post-war period, the birth of economic law was witnessed, in search of reviving the economy, that had not had strength to revitalize itself. Furthermore, the elements of economic law will be presented to the reader: eminently, its object, nature and its distinctive features, besides a brief exposure of the regulation, its most common manifestation. Keywords: Economic Law. Historical Origin. Distinctive Elements. Regulation.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010

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INTRODUÇÂO

Tratar do Direito Econômico como disciplina jurídica, e como ramo do Direito, oferece, de início, dois problemas. O primeiro é externo ao Direito, e se refere à relação entre economia e direito, como fenômenos sociais. 1 O segundo, interno ao Direito, envolve as razões pelas quais se criou este novo ramo, e quais efeitos ele produz sobre o quadro da dogmática clássica. A resposta ao primeiro problema não poderá ser dada neste trabalho. A relação entre direito e economia envolveria uma pesquisa em sentido diverso, e mereceria atenção especial. Já o segundo problema merece ser enfrentado. Importa investigar o motivo pelo qual passou a se falar em Direito Econômico e quais foram suas origens históricas. Mais do que isso, é preciso buscar o objeto deste Direito, bem como sua natureza. Esta tarefa envolve alguns momentos distintos. Para se identificar a origem do Direito Econômico, é vital a investigação histórica de dois séculos, ao menos: o século XIX e o século XX. Como se demonstrará no item seguinte o século XIX não contemplou o Direito Econômico como um ramo autônomo. No entanto, mesmo em uma economia que se dizia absolutamente liberal, é possível encontrar alguns elementos que se tornariam, posteriormente, objeto de estudo do Direito Econômico. Mais do que isso, a análise da economia do Estado Liberal terá também a função de contrastar com as mudanças sofridas na estrutura da sociedade e do Estado no século XX, após a Primeira Guerra Mundial e, de modo ainda mais incisivo, após o crash da bolsa de 1929 e da Segunda Guerra. Com estes dois itens, espera-se demonstrar as razões pelas quais surgiu o Direito Econômico, bem como introduzir alguns dos temas que lhe são objeto de estudo. Mais adiante, os elementos do Direito Econômico serão apresentados ao leitor: eminentemente, seu objeto, natureza e suas principais características, além do exame de sua forma de manifestação mais comum: a regulação.

1

SANTOS, Antonio Carlos; GONÇALVES, Maria Eduarda; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel. Direito econômico. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2006. p.7.

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Por fim, retomar-se-á a noção de indispensabilidade do Direito Econômico, na tentativa de se demonstrar que ele deve permear o estudo das demais áreas da dogmática, e desta forma atualizar os institutos clássicos do direito.

1

O ESTADO LIBERAL DO SÉCULO XIX

A doutrina reconhece que a origem do Direito Econômico se deu com a Primeira Guerra Mundial, e que ele se consolidou ao final da Segunda Guerra. No entanto, não se deve pensar que ele foi meramente criado. Na verdade, em todos os períodos históricos anteriores ao século XX é possível identificar tentativas de regulação da economia, que, bem ou mal, tiveram influência sobre o que atualmente se chama Direito Econômico. No entanto, há um período que merece maior atenção dos juristas, que é o século XIX. Neste momento, na Europa continental, o modelo de Estado que se observava era o Liberal, que tinha como alguns de seus objetivos o desenvolvimento do livre mercado e a não intervenção econômica. Mas foram poucos os autores da época que perceberam existir algo a mais neste modelo, que associaram a manutenção do regime capitalista com a existência de regras jurídicas. Quem o fez, de forma muito avançada foi o civilista Georges Ripert. 2 Sua proposta inicial, na obra Aspectos Jurídicos do capitalismo moderno, era a de explicar por quais regras e institutos jurídicos o regime capitalista era capaz de se manter.3 Para o autor, esta seria a contribuição que um jurista poderia dar ao capitalismo, identificando as regras que o mantém e as que podem prejudicá-lo. Afinal, de nada adiantaria criar um novo regime econômico sem se alterar o regime jurídico.

2

RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. São Paulo: Freitas Bastos, 1947.

3

"Se um jurista lança a atenção sobre o capitalismo moderno, o que entra em competência não é o valor desse regime para a produção ou a distribuição das riquezas, nem tampouco a soma de virtudes ou males que ele cria para a sociedade. A contribuição que o jurista pode trazer é explicar por que instituições ou regras esse regime se estabeleceu e se manteve, ou como novas instituições já podem abalar sua aparente solidez." (Ibid., p.10).

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Note-se, ainda, que Ripert considerava o diálogo entre o Direito e a Economia Política como essencial. 4 A economia depende do trânsito jurídico, o qual é objeto de estudo do Direito. Por isso o capitalismo também pode ser estudado a partir de suas instituições e regras, sem descuidar da forma da economia.5 O contexto histórico em que a obra foi escrita era marcado pela incerteza acerca do futuro do capitalismo. Isto porque não há capitalismo em estado puro, pois ele se instalou em um mundo que já tinha suas próprias regras e instituições; teve que alterá-las, e criar tantas outras. Por isso é seguro dizer que o regime do capitalismo fundou um regime jurídico próprio.6 Resta saber como isto aconteceu. O regime capitalista surgiu, na França, com a revolução de 1789. Já em 1791, ao se afirmar a liberdade do comércio e da indústria, pela Lei dos 2-17 de Março de 1791, o legislador pretendia algo a mais. Com esta mesma lei, ele destruiu a ordem social anterior, que se pautava pela obrigatoriedade dos agrupamentos obrigatórios. Destaque-se o que Ripert pretendia demonstrar: com um único ato do Poder Legislativo, toda a ordem social construída por Napoleão estava extinta. E o que foi criado para substituí-la? Nada fora criado para substituir tal ordem, mas de propósito. Fiava-se no benefício da liberdade. A propriedade individual, livre e sagrada, a convenção livremente formada e tendo foros de lei, são as duas bases que vão permitir a criação da nova ordem. Daí em diante, o homem tem a disposição dos capitais que acumulou ou obteve emprestado; exerce o comércio ou a indústria que lhe apraz, vende livremente os produtos, obtém pelo contrato o trabalho de outrem. O regime que foi, senão criado, ao menos tornado possível, será chamado mais tarde de regime capitalista A Revolução permitiu seu aparecimento, dando-lhe um lugar definido. Ela foi útil, não pelo que deu, mas pelo que destruiu.7

4

"Peço aos economistas para prolongar seus estudos até as regras de direito aplicáveis aos fatos que analisam. Peço-lhes, com timidez, pois desde alguns anos não testemunham bastante interesse pelas disciplinas jurídicas." (RIPERT, 1947, p.11).

5

"Não se poderá compreender a evolução de nossa legislação civil a partir de século e meio, se não se levar em conta a forma da economia." (Ibid., p.14).

6

"A economia capitalista não pode ser utilmente estudada em estado puro; instalou-se num mundo que já tinha suas instituições e regras. Precisou, para se instalar, modificar o que existia e, para vencer, criar o que não existia. Fundou um regime jurídico." (Ibid., p.16).

7

Ibid., p.18.

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Neste trecho, o autor condensa uma série de informações essenciais para a compreensão do regime capitalista. Ele indica seus dois pilares, a propriedade privada e o contrato, bem como seu principal fundamento, que é a liberdade. Não se pode esquecer, ainda, que a Revolução Francesa pregava os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, que podem ser traduzidos na idéia de liberdade política. 8 Estes objetivos foram – e ainda são – vitais para a proteção e o desenvolvimento do regime capitalista. Não se pode imaginar, todavia, que em 1791 todas as armas do capitalismo foram criadas. Neste momento ele se tornou possível, mas ainda não tinha um conjunto de instituições e regras que o disciplinassem integralmente. Nos dizeres de Ripert, "a liberdade tudo permitia, mas não dava nada"9. Não havia um conjunto de regras e instituições que permitissem reunir o capital, e que garantissem ao detentor deste uma preponderância econômica e política.10 A mera afirmação de liberdade, portanto, não era suficiente para seu desenvolvimento. O direito comum, regido pelo Code Civile de 1804, apesar de se dirigir à sociedade pós-Revolução, tinha como preocupação o direito da exploração rural do século XVIII, e não a produção industrial. A propriedade de que ele tratava era a imobiliária, e por conseqüência, eram os bens imóveis os objetos dos contratos.11 O Code, com seu ideal de completude, rapidamente se revelou insuficiente. Tanto que, quatro anos mais tarde, foi elaborado um código para os comerciantes. Talvez não se possa dizer propriamente "elaborado", pois o Código Comercial foi uma cópia de ordenanças sobre comércio de terra e de mar. Desta informação já se pode imaginar que a indústria não foi devidamente tratada pelo Código. No entanto, o regime capitalista incluiu no Código Comercial um ponto, o qual fez grande diferença: o direito das sociedades comerciais. Com respaldo nas sociedades comerciais os

8

"Houve uma feliz oportunidade para o regime capitalista nascer ao mesmo tempo que a liberdade política. Crescerá ele sob a proteção dos princípios de 1789, que ainda o protegem." (RIPERT, 1947, p.18).

9

Ibid., p.19.

10

"O que falta ao capitalismo é um conjunto de instituições e regras que permitam reunir e utilizar os capitais, que assegurem ao detentor de capitais a preponderância na vida econômica e mesmo na vida política, que dêem à produção e à repartição das riquezas o primeiro lugar no espírito dos homens." (Ibid., p.21).

11

Ibid., p.22.

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franceses passaram a dar aos institutos clássicos uma nova roupagem. 12 Foi por esta abertura dada pela lei que se permitiu, portanto, o desenvolvimento do regime capitalista. Neste sentido: O capitalismo jacta-se de dizer que nada pede, que simplesmente lhe basta a liberdade; apraz-se em repetir: deixai fazer; nada poderia fazer se o legislador não lhe tivesse dado ou permitido lançar mão dos meios próprios à concentração e à exploração dos capitais. O direito comum não lhe bastava. Criou seu próprio direito.13

Esta afirmação de Ripert parece de grande importância. Afinal, se nem mesmo o regime capitalista do Estado Liberal se desenvolveu sem o auxílio de regras e instituições jurídicas, é bastante improvável que exista desenvolvimento econômico sem qualquer tipo de estruturação legal. O autor prossegue seu raciocínio, ao afirmar que o capitalismo está sempre buscando regras jurídicas que melhorem o funcionamento da empresa. Ele se caracteriza pelo fato de que a detenção do capital garante a predominância na empresa. Os operários obedecem aos detentores de capital.14 O empresário é, portanto, o detentor do capital. Seus objetivos são buscar mais capital e mão de obra para a exploração da atividade econômica. Para que isto seja realizado, é preciso técnica jurídica, a qual se aprimorou cada vez mais: O direito civil não conhece a empresa, mas só o proprietário. Foi mister criar os meios pelos quais uma pessoa possa procurar os capitais necessários à produção, regulamentar a constituição das sociedades e o apelo ao crédito, e prever também o emprego do trabalho de outrem. A legislação tornou-se mais abundante à medida que o regime capitalista se enrijecia.15

12

"É através dessas formas que se insinua o capitalismo. Conserva-lhes os nomes e a aparência. Mas é bastante nelas penetrar para modificar profundamente seu sentido. O vocabulário e a técnica jurídicos nos encobrem a realidade." (RIPERT, 1947, p.23).

13

RIPERT, loc. cit.

14

"os operários não estão fora da empresa, mas são sujeitos na empresa e não fazem a lei, a que, antes, obedecem; quanto aos patrões, não são necessariamente os que fornecem os capitais, mas os que deles têm a livre disposição". (Ibid., p.24).

15

RIPERT, loc. cit.

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Se houve produção legislativa neste período, deve-se atentar ao fato de que se deu uma conciliação entre o capitalismo e a democracia. Embora cada uma dessas forças tenha crescido separadamente,16 uma contribuiu para o desenvolvimento da outra. Mais do que isso, é preciso atentar ao fato de que o regime capitalista desta época desenvolveu um espírito: a busca ilimitada pelo manejo dos capitais. Após estabelecer os traços distintivos do regime capitalista, é preciso averiguar como ele evoluiu. Isto pode ser feito por meio de uma divisão em dois períodos. O primeiro, do século XIX, em que os burgueses detinham o poder econômico e político, no qual foram criadas leis permissivas e meios de ação. O segundo, que se inicia no final do séc. XIX, é marcado pelo sufrágio universal e pela invasão do legislador sobre o capitalismo. 17 A respeito do primeiro período, é essencial a observação do autor: O capitalismo não pede nada de mais, pois que obtém da lei a permissão de criar toda sorte de sociedades e sobretudo essas maravilhosas sociedades por ações que vão lhe permitir drenar capitais para estabelecer a grande indústria e desenvolver o comércio. Para os contratos, que se lhe deixe a liberdade concedida pelo Código Civil; ele bem saberá imaginar os que lhe são necessários, abrandá-los em modalidades infinitas, realizá-los por formas variadas. Fixa tipos de estatutos, apólices de seguros, pro-forma de vendas. Cria a ação e a obrigação, a parte de fundador, o título nominativo e o título ao portador, a conta corrente, a apólice de seguro. Nossos Códigos nada ou quase nada dizem de tudo isto. Mas em vida industrial e comercial tornada mais intensa, os interessados criam eles mesmos livremente os instrumentos jurídicos que lhes são úteis. O capitalismo forja suas armas, embevecido nas leituras de Adam Smith e de J-B Say.18

Este trecho pode ser tomado como a verdadeira síntese do primeiro período a que se reporta Ripert. Extinguiram-se as corporações de ofício, as sociedades foram disciplinadas, a indústria crescia. Houve, inclusive, a classificação das indústrias, que necessitavam de autorização administrativa se houvesse perigo, incômodo ou insalubridade em sua atividade. Além disso, neste período foi aprovada a lei de exploração de minas, que criou o instituto das concessões perpétuas na França.

16

RIPERT, 1947, p.26.

17

O exame feito pelo autor é bastante extenso. Ao longo de dezenas de páginas, ele se reporta à diversas leis criadas tanto no primeiro quanto no segundo período. Para este artigo, porém, procurou-se identificar tão somente as informações mais relevantes.

18

RIPERT, op. cit., p.30.

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O desenvolvimento da indústria e do regime liberal alterou o espírito público: o rápido enriquecimento se tornara o melhor meio para se obter poder. Este período, cujo início de deu por volta de 1830, contemplou ampla produção legislativa, inclusive a lei de falências, que protegia o devedor, e não os credores. Em seguida, o capitalismo experimentou a Revolução (e crise) de 1848. No entanto, o que se tem para destacar deste período não é qualquer fraqueza, mas sim sua força política. É bem verdade que foi um ano difícil para a economia francesa, mas em nenhum momento se questionou o fracasso do regime capitalista. Pelo contrário, "os novos homens políticos que se esforçavam por acalmar a agitação operária viram que na economia da França nova todos estavam interessados no jogo normal das instituições capitalistas" 19. Após a eleição de Luiz Napoleão Bonaparte à presidência da República, teve início a retomada econômica. 20 O 2.o Império foi de prosperidade para a indústria e o comércio. Afinal, uma das idées napoléoniennes respeitadas por Luís Bonaparte era a de manter a burguesia satisfeita com o governo e com a situação econômica. 21 Os financeiros tomaram o poder político, e o aproveitaram para realizar uma reforma legislativa favorável ao capital. Dentre as leis aprovadas, destacou-se a reforma das sociedades comerciais, que facilitou a direção da economia. Foram também aprovadas leis de propriedade industrial, propriedade literária, dentre outras. 22 Em 1870, uma nova Revolução derrubou o Império. Tratou-se, porém, de uma Revolução puramente política, tanto é que a Constituição de 1875 manteve-se favorável ao regime capitalista. A atividade bancária se desenvolveu, e uma série de leis foram aprovadas, de modo a fortalecer o regime. Ao final do primeiro período, portanto, o capitalismo experimentou seu auge, fortalecido

19

RIPERT, 1947, p.36.

20

Ao se tratar da Revolução de 1848, não se pode deixar de mencionar a obra de Karl Marx, o 18 Brumário de Luis Bonaparte. A visão de Marx é, como se pode esperar, bastante diversa da de Ripert. Na ótica marxista, Bonaparte não passava de um "personagem medíocre e grotesco", e todos os acontecimentos deste período são narrados com detalhes, tendo como pano de fundo a luta de classes. É também interessante notar que, para Marx, não foi Bonaparte que retomou a economia, mas foi a economia um dos fatores que permitiu o golpe de Estado – que teve como um de seus passos o roubo ao Banco da França. (Ver MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p.11-159).

21

"Uma vasta burguesia, bem engalanada e bem alimentada, é a idée napoléonienne mais do agrado do segundo Bonaparte." (Ibid., p.133).

22

RIPERT, 1947, p.39-40.

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pela intervenção do legislador. "O capitalismo não se contentou, com afirma, com a liberdade e a aplicação do direito comum. Criou o direito que permitiu seu triunfo." 23 O começo do séc. XX marcou as dificuldades do capitalismo, pois contra ele se opõe o regime democrático e o sufrágio universal. Afinal, "[h]á mais consumidores do que produtores, mais assalariados do que patrões, mais não-possuidores do que capitalistas. Se os mais numerosos têm direito de fazer a lei, é de esperar que eles a façam em seu favor e contra a minoria"24. O povo assumiu o Parlamento, e prometeu acabar com a sociedade burguesa. Mas para isso era preciso uma nova ordem jurídica. Os franceses, incertos do que realmente queriam, produziram grande número de leis. Atacou-se a liberdade de contratar, pois não havia igualdade de forças e liberdade de discussão. Surgiu, na doutrina desta época, o termo 'contrato de adesão', a partir da noção de que um dos contratantes podia impor sua vontade. No entanto, somente a doutrina não poderia desafiar a lei. O legislador, a seu turno, deu aos contratos um caráter novo, com regras imperativas, o que foi chamado por Josserand de 'a publicização do contrato'. Ripert considera esta classificação como um barbarismo, mostrando-se um verdadeiro civilista da época. Afirma, ainda, que esta intervenção, cujo efeito se observou principalmente no contrato de trabalho, perturbou a economia capitalista. 25 Estas alterações pontuais deixaram de ser o centro do problema com a Primeira Guerra Mundial. A destruição por ela provocada gerou escassez, e a economia capitalista sentiu dificuldade de servir a todos, como fazia anteriormente. Nas palavras de Ripert: Tudo muda no dia em que a economia capitalista não é mais suficiente para satisfazer as necessidades, seja por insuficiência da produção e do comércio, seja porque os preços não estão mais em conexão com os rendimentos e os salários. Então a queixa do consumidor eleva-se até ao legislador, que se vê obrigado, a dirigir a economia. É preciso organizar a produção e a repartição, ou ao menos vigiá-la estreitamente, estabelecer uma ordem econômica que, como a ordem pública, não possa ser perturbada pelas convenções particulares.26

23

RIPERT, 1947, p.44.

24

Ibid., p.46.

25

Ibid., p.48.

26

Ibid., p.52-53.

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Isto quer dizer que, com o final da Primeira Guerra, o regime capitalista não seria mais capaz de sobreviver por si só. Ou melhor, como o próprio Ripert demonstrou, ele nunca foi capaz disso. Mas a partir deste momento, o Estado deveria ter um papel mais ativo, ordenando a economia, e não apenas permitindo que ela se desenvolvesse. Este é o grande diferencial entre o capitalismo do longo século XIX e o do século XX. A observação de Ripert, muito em função do período em que escreveu seu texto, trata também da Segunda Guerra e de suas repercussões, mas esta matéria será examinada a seguir. O que fica desta exposição são as noções de que houve, efetivamente, uma alteração do papel do Estado impulsionada pela Primeira Guerra, que deixou de realizar meras intervenções pontuais na economia, e passou a dirigi-la. Como conclusão: A vontade dos governantes se exprime pela lei. As leis se multiplicam e mudam sem cessar, pois é preciso seguir uma economia, ela mesma, mutável. São quase todas proibitivas, pois é preciso impedir a ação individual tida por desordenada. Mas o interesse privado leva os homens a não respeitar os preceitos legais. É preciso então recorrer às sanções e, se há fraude, às sanções penais. A empresa capitalista é detida em sua exploração, ameaçada em sua atividade.27

O autor francês notou que havia algo diferente se formando no âmbito do direito. Mas sua estruturação só ocorreu mais tarde.

2

O EFEITO DAS GUERRAS

É verdade que poucas obras de Direito Econômico tratam do período anterior à Primeira Guerra Mundial. No entanto, a melhor compreensão das alterações provocadas no Direito europeu continental só pode ser realizada pelo estudo das características do capitalismo do Estado Liberal. A investigação que foi realizada até aqui, portanto, servirá como um contraponto absolutamente necessário para a análise da configuração econômica do século XX, bem como para se entender o motivo pelo qual se afirma que o nascimento do Direito Econômico ocorreu com a Primeira Guerra mundial.

27

RIPERT, 1947, p.53.

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Até seu início, portanto, o regime de liberalismo econômico regia as intervenções públicas. Em número reduzido, limitavam-se ao policiamento e à proteção econômica e à regulamentação de algumas profissões. O Estado emitia moeda e detinha algumas empresas. No entanto, a característica principal era a exceção destas medidas. 28 Andrè de Laubadère também acrescenta que o setor que mais se desenvolveu neste período liberal foi o de atividade econômica das pessoas públicas, de forma que os contratos administrativos – em especial os de empreitada – eram bastante utilizados.29 Note-se que a abordagem deste autor já é voltada ao Direito Público, voltando maior atenção aos institutos de Direito Administrativo utilizados no período.30 Enfim, marcou-se o fim do longo século XIX com a Primeira Guerra Mundial. Até este momento, a guerra era uma atividade marginal, e que podia se desenvolver em conjunto com as demais atividades de uma nação.31 Em 1914, porém, a concepção romântica da atividade militar se acabou, e deu lugar a um fenômeno absolutista, que tomou conta de todas as esferas da sociedade: economia, ciência, arte, religião.32 Destaque-se, de todas estas esferas, a econômica. A Primeira Guerra demonstrou que a vitória não seria obtida somente nas áreas de combate, mas sim nas indústrias e nos laboratórios, pesquisando, produzindo, e abastecendo todos os envolvidos no combate. 33 No entanto, não eram todos os produtores que tinham interesse em voltar suas atividades econômicas para a guerra. Para contornar este fato, deu-se início a um processo de "regulamentação abundante, estrita e minuciosa das atividades econômicas, que transforma em pouco tempo o panorama clássico do direito patrimonial, abolindo princípios, deformando institutos e confundindo fronteiras"34.

28

LAUBADÈRE, André de. Direito Público Económico. Coimbra: Almedina, 1985. p.36-37.

29

Ibid., p.39.

30

Laubadère classifica o Direito Público Econômico do Estado Liberal como um direito de contratos administrativos, instituto bastante utilizado já naquela época.

31

COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.353, p.15, 1965.

32

COMPARATO, loc. cit.

33

COMPARATO, loc. cit.

34

COMPARATO, loc. cit.

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A liberdade do regime capitalista foi, assim, reformada pela intervenção do Estado. Já neste momento, parte da doutrina constatou que esta forma de direcionamento da economia daria início a um novo ramo do Direito, não um direito bélico, mas um que teria forte influência na vida social: tratava-se do germe do Direito Econômico.35 O período que se seguiu à Primeira Guerra foi de mutação. O liberalismo absoluto passou a ser contestado em face do caráter "fornecedor" recém-assumido pelo Estado. Em outras palavras, tinha-se experimentado um intervencionismo, de certa forma, forçado.36 Houve um fato, porém, com importância vital na evolução do Direito Econômico, e da própria História: a crise de 1929,37 que, "colhendo de improviso as economias nacionais que mal se recompunham das conseqüências das grandes guerras, e espraiando largamente seus efeitos sobre as economias coloniais periféricas, representou o verdadeiro dobre de finados do clássico 'laissez faire'"38. Os fatores de produção pararam quase que por completo, as ações tiveram quedas vertiginosas, o desemprego se deu em massa, e as insolvências se tornaram muito comuns. Os Estados Unidos experimentaram a deflação e a superprodução. Não havia mais atividade econômica; não havia mais agentes econômicos – tinha-se na prática um laissez ne pas faire39. E não havia mais nenhum agente privado com condições de reerguer a economia. Esta tarefa foi assumida pelo Estado. Surge, em 1930, a expressão "economia dirigida", e nos anos seguintes ela é colocada em prática na França 40: "a partir de 1931, o Estado assume o controlo das importações e substitui a simples política alfandegária pela prática da contingenção e das licenças; passa-se do protecionismo ao dirigismo." 41 Também

35

COMPARATO, 1965, p. 16.

36

LAUBADÈRE, 1985, p.40.

37

O foco da crise de 1929, como se sabe, foram os Estados Unidos da América. Para uma abordagem exaustiva do desenvolvimento do Direito Econômico neste país, cf. LESSA MATTOS, Paulo Todescan. O novo Estado regulador no Brasil. São Paulo: Singular/FAPESP, 2006. p.77 e segs.

38

COMPARATO, op. cit., p.16.

39

COMPARATO, loc. cit.

40

LAUBADÈRE, op. cit., p.40.

41

LAUBADÈRE, loc. cit.

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em 1931, o Estado passa a dirigir a economia no âmbito da agricultura, e em 1934 ele chega ao setor de transportes. O plano político também foi fértil ao intervencionismo. Os governos da frente popular realizaram reformas econômicas, as quais compreenderam nacionalizações e instituições dirigistas. Neste período surgiu a chamada economia mista,42 a qual que teve grande influência na formação do Direito Econômico. Surgiram também os organismos públicos intervencionistas. No entanto, de todas essas novidades, merece destaque o desenvolvimento dos serviços públicos industriais e comerciais, cujo contencioso seria de competência da jurisdição judiciária, e seu regime jurídico seria de direito privado. Já se encontram neste período algumas das figuras que, atualmente, são comuns para o Direito Administrativo e Econômico. Alguns anos depois, a Segunda Guerra trouxe à Europa os problemas de penúria e inflação.43 Sua importância no desenvolvimento do Direito Público Econômico foi imensa, a começar pela Lei sobre a organização da nação para o tempo de guerra, de 1938. Ela previa uma economia totalmente dirigida. 44 Já o efetivo início da guerra determinou uma série de medidas intervencionistas, as quais se exacerbaram após a intervenção alemã na França. Também tem grande importância as tarefas de reconstrução que a sucederam. Comparato assim sistematiza esta tarefa: Face às tarefas da guerra e da reconstrução que se lhe sucede, e a fim de eliminar a procura excedentária e a abundância de signos monetários no mercado, o Estado lança mãe de novos processos de captação da poupança popular, de empréstimo compulsório à emissão sistemática de títulos da dívida pública em concorrência com os títulos privados (open market). Por outro lado, a repartição do produto nacional é racionalizada através de medidas compulsórias de contingenciamento, de estocagem, de licenciamento da produção, da venda ou do comércio exterior. O Direito deixa-se assim penetrar de conteúdo econômico, ao mesmo tempo em que a Economia tornase sempre mais administrativa ou regulamentada, isto é, jurídica.45

42

LAUBADÈRE, 1985, p.41.

43

COMPARATO, 1965, p.16.

44

LAUBADÈRE, op. cit., p.44.

45

COMPARATO, op. cit., p.17.

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Mais do que isso, a forma de atuação do Estado na economia se alterou. O que, no período anterior às guerras era somente uma produção legislativa que permitia o desenvolvimento do regime capitalista, passou a ser uma atuação forte, com a imposição de obrigações e restrições aos agentes privados. É bastante interessante o fato de que, tanto ao final da Primeira quanto da Segunda Guerra, o conjunto legislativo direcionado à economia não foi eliminado por completo. E o seu legado passou a ser cada vez mais utilizado, de modo a atingir novos objetivos. 46 O intervencionismo se estendeu a setores dos quais nunca mais o Estado deixou de intervir, como o comércio exterior e o controle cambial. Outra lição que não foi esquecida se refere ao método de intervenção, por meio de organismos profissionais. 47 Isto foi agravado, é verdade, em função da Guerra Fria, 48 a qual incentivou o desenvolvimento bélico das potências mundiais, e impediu a retração da intervenção econômica: A corrida armamentista não poderia deixar de provocar uma revalorização do fato econômico. Destinada por um lado a sustentar o extraordinário esforço de armamento atômico, a política de vigorosa expansão industrial impunha-se por outro lado como arma indispensável no conflito ideológico. No Ocidente, o desenvolvimento deixava de ser o produto aleatório do livre jogo das forças do mercado, para constituir-se em objetivo fundamental do Estado.49

Faça-se aqui uma pequena reflexão: o desenvolvimento econômico deixou de ser competência somente dos agentes privados. Ele ingressou no âmbito de interesse do Poder Público. Mas isto se deu com uma peculiaridade. O objetivo do Estado não era o lucro. Sua intenção ao ingressar no plano econômico era, além de reerguer as atividades, assegurar à população necessidades básicas, que não mais eram oferecidas em função da crise e das guerras. Forma-se, aqui, um dos problemas centrais do Direito Econômico atual, que é conciliar a busca pelo lucro dos agentes privados com os interesses sociais do Poder Público. 50

46

LAUBADÈRE, 1985, p.45-46.

47

Ibid., p.46.

48

COMPARATO, 1965, p.17.

49

COMPARATO, loc. cit.

50

É comum associar esta mudança ideológica do Estado com a Constituição de Weimar, de 1919.

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Esta realidade era mais exacerbada nos países subdesenvolvidos, que tinham infraestruturas econômicas precárias, ao mesmo tempo em que enfrentavam o acréscimo demográfico.51 No período imediatamente após a Segunda Guerra se destacaram a planificação econômica e as nacionalizações. Ao mesmo tempo, a economia dirigida se mantinha. Uma novidade deste momento foi o fomento estatal aos investimentos privados, influenciado principalmente pela necessidade de modernização e expansão da economia. 52 E tudo isto não se dava somente no plano dos fatos. A Constituição francesa trazia, já em seu preâmbulo, princípios econômicos e sociais. 53 A doutrina jurídica, porém, foi a última a reconhecer as mudanças pelas quais o direito e a economia passavam. Ela "continuava placidamente a se ocupar das instituições tradicionais, concedendo, vez por outra, uma atenção superficial e desdenhosa àquilo que se lhe afigurava como novidades sem consistência nem futuro"54. Um dos primeiros autores a se rebelar contra esta imutabilidade doutrinária foi, justamente, Georges Ripert, ao publicar textos como "Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno" e "Le Regime Democratique et le Droit Civil Moderne". Aos poucos, porém, o Direito Econômico passou a ser mais e mais aceito, principalmente na Alemanha e, em seguida, na Itália. De início, não se falava sequer de um novo ramo do Direito. O jurista Hedemann, pioneiro na doutrina alemã, preocupava-se porque as relações jurídicas em geral passaram a ser impregnadas por conteúdo econômico.55 Posteriormente, autores discutiram se o Direito Econômico era parte do Direito Público ou do Direito Privado. Tinha-se somente uma certeza: estas novas instituições jurídicas não se enquadravam em nenhum dos ramos tradicionais da dogmática jurídica.

51

COMPARATO, 1965, p.18.

52

LAUBADÈRE, 1985, p.47-48.

53

Ibid., p.50.

54

COMPARATO, op. cit., p.18.

55

Ibid., p.19.

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E é neste contexto que passou a se desenvolver o Direito Econômico. Como um novo ramo, inquieto, de difícil definição, que reúne elementos de Direito Público e de Direito Privado. Vista sua origem, é preciso, a seguir, examinar seus elementos essenciais.

3

ELEMENTOS DO DIREITO ECONÔMICO

Como se propôs no início deste trabalho, resta analisar os efeitos do Direito Econômico na dogmática clássica, bem como definir seu objeto, natureza, e algumas de suas principais características. Este problema se acentua em relação ao Direito Econômico porque são vários os ramos e disciplinas tradicionais que tangenciam a economia, dentre eles o direito civil (especialmente em relação ao patrimônio e ao contrato), o direito comercial e o direito financeiro.56 Muitos outros também poderiam ser citados. É, na verdade, natural que as discussões sobre a natureza, objeto, sentido e limites da disciplina ainda não tenha se pacificado. Afinal, trata-se de um ramo do direito com aproximadamente 95 anos, o que é muito pouco para que a doutrina entre em um acordo sobre estas questões. O que se pode fazer, porém, é definir quais os fundamentos e quais as condições sociais e teóricas que presidem a necessidade de sua emergência. 57 O primeiro fundamento é o de que nem mesmo as economias de mercado mais liberais são, atualmente, produto de um funcionamento automático do mercado, regido somente pelas leis econômicas do século XIX. Neste sentido: Com as transformações da ordem liberal clássica, surgiram, com efeito, formas específicas de regulação pública da economia, dando origem a um conjunto de normas, princípios e instituições que regem a organização e direcção da actividade económica nas suas diversas manifestações (produção, circulação, distribuição e consumo), impondo limites, condicionando ou incentivando os agentes económicos ou mesmo alterando, de um ponto de vista estrutural, algumas tendências que resultam do livre funcionamento do mercado.58

56

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.9.

57

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.

58

Ibid., p.10.

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Este conjunto de normas, princípios e instituições de origem pública buscou suprir as lacunas deixadas pelo direito privado clássico e até hoje constitui o núcleo mais relevante do Direito Econômico: a regulação. Mas esta regulação não se confunde com a típica regulação administrativa; pois ela utiliza técnicas privatísticas que as diferenciam consideravelmente. O exame das formas de regulação será realizado adiante. Já o segundo fundamento é o de que as próprias entidades privadas passaram a produzir normas, seja por delegação pública, seja por sua própria iniciativa. Isto se deve, em grande parte, à multiplicação e complexificação dos agentes econômicos. 59 Algumas dessas normas são fruto de negociações, nos moldes do direito privado, entre o Poder Público e os agentes econômicos. É possível, inclusive, discutir a validade e a natureza destas normas, mas é inegável que elas tratam de matérias vitais para a compreensão de diversos setores econômicos. Acordos de concertação social, pactos sociais, regulamentos associativos, códigos de conduta, instituições mistas, são fenômenos de direcção ou organização, global ou sectorial, da economia e que traduzem complexa imbricação das esferas pública e privada clássicas, possibilitando um especial desenvolvimento do Direito Econômico.60

O terceiro e último fundamento refere-se à crescente complexidade das relações entre o sistema econômico e os sistemas jurídico e político. 61 Ao longo do século XX descobriu-se que a economia também é um poder, e que por isso a política e a justiça não podem permanecer indiferentes. Isto toma ainda mais forma no momento em que se configura um Estado Social, preocupado em garantir aos cidadãos as necessidades básicas e a proteção de seus direitos fundamentais. Este fundamento traz consigo as questões de controle do poder econômico pelo Poder Público e da constituição econômica (direito do trabalho, do consumidor e ambiental são alguns exemplos). 62 Expostos os três fundamentos que justificam a necessidade de se conceber o Direito Econômico, pode-se buscar definir o seu objeto.

59

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.10.

60

Ibid., p.10-11.

61

Ibid., p.11.

62

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.

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3.1

OBJETO

A questão do objeto do Direito Econômico não é tratada de forma unívoca pela doutrina. A maioria dos autores sustenta que se trata de uma nova disciplina, com identidade própria e autonomia científica. Para outros, o que existe é uma mera justaposição de diversas disciplinas tradicionais. Para Andrè de Laubadère, o objeto do Direito Público da Economia são as intervenções do Estado na economia, ou melhor, "o direito aplicável às intervenções das pessoas públicas na economia e aos órgãos dessas intervenções"63. A definição do autor francês é bastante interessante. Porém, comete-se um descuido terminológico que merece ser explicado. A noção de "intervir" pressupõe um agir numa esfera da qual não se tem domínio. Ocorre que, na grande maioria das constituições atuais, inclusive a do Brasil, a ordem econômica é tratada como um dos objetos de ação do Estado, e não como um fator externo. Desta forma, o Poder Público não tem condições de intervir em algo que é seu. O que ele pode fazer é regular. Além desta questão terminológica, pode-se argumentar que o conceito aqui exposto deixa de fora um dos fundamentos do Direito Econômico; mais especificamente, o segundo. Laubadère não se refere à possibilidade de regulação da economia pelos entes privados, e também não deixa claro se os órgãos regulatórios podem ter personalidade de direito privado. Tendo isto em mente, pode-se citar um conceito mais recente de Direito Econômico, que procura dar conta de toda a sua complexidade: No presente estádio do conhecimento, e de forma aproximativa, define-se o objecto da disciplina do Direito Econômico como o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica específica da organização e direcção da actividade económica pelos poderes públicos e (ou) pelos poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras com carácter geral, vinculativa dos agentes económicos. 64

Mesmo assim, algumas críticas podem ser direcionadas a este conceito. Em primeiro lugar, o Direito Econômico não se preocupa somente com a regulação. É bem verdade que esta é

63

LAUBADÈRE, 1985, p.28.

64

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.13.

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uma de suas principais facetas, mas parece mais adequado se referir somente à ordenação da atividade econômica. Com isto, abre-se espaço para outras figuras que também são acolhidas por este ramo do Direito, como as privatizações, a economia mista e a autorregulação. Em segundo lugar, deve-se questionar se as regras de Direito Econômico devem ter caráter geral e vincular todos os agentes econômicos. Parece que não. Este mesmo raciocínio é seguido por Agustin Gordillo, ao tratar da regulação econômica e social: "Pero em modo alguno há de verse aqui um muestrario de reglas generales a aplicar a casos concretos; antes bien al contrario, intentaremos uma vez más demonstrar la ausência de reglas generales en materia regulatoria."65 Diz-se isso porque existem regras que não se aplicam a todos os agentes econômicos, mas somente a alguns deles. Existem, por exemplo, regras destinadas somente aos agentes que atuam no setor de telecomunicações; outras que se dirigem ao setor de transportes. Pode-se argumentar que este tipo de regra não deixa de ser geral, pois se aplicam a todos que pretenderem ingressar naquele mercado específico. Para estes casos pode-se dar um outro exemplo, que é bastante complexo: a obrigação de contratar, imposta pelo Estado, ao detentor de essential facilities, as quais podem ser traduzidas como instalações essenciais para a concorrência.66 Estas regras são destinadas a agentes econômicos específicos, e contrariam o conceito que limita o Direito Econômico ao exame de regras gerais destinadas à ordenação da economia. A pretensão seria grande demais ao se formular um novo conceito de Direito Econômico. No entanto, parece necessário levar em consideração estas duas críticas e procurar compreender o objeto do Direito Econômico como algo mais amplo do que os conceitos apresentados.

65

GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey e FDA, 2003. T. 2. p.VIII-6.

66

O tema das essential facilities é bastante extenso e complexo. Para explicá-lo de forma extensiva, seria necessário examinar uma série de questões, o que exigiria, no mínimo, um novo artigo. Sobre o tema, cf. VILLAR ROJAS, Francisco José. Las instalaciones esenciales para la competencia. Granada: Comares, 2004; e, no Brasil, NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infraestruturas e redes. São Paulo, Dialética, 2007.

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3.2

NATUREZA

Não se encontram no Direito Econômico algumas das manifestações clássicas dos ramos clássicos do Direito, como a codificação. 67 Mas isso não impede que ele seja tratado como um ramo em formação: Como ramo de direito (e na constituição dos ramos de direito jogam factores histórico-culturais mas também um certo convencionalismo), o Direito Econômico tem vindo a construir-se a partir da reavaliação de certos núcleos temáticos oriundos de outros ramos de direito (relações entre economia e constituição, intervenção económica do Estado, bens produtivos, etc.) e da consideração de novas realidades para as quais os ramos existentes se mostraram insuficientes ou inadequados (empresa, concorrência, concertação social, etc.).68

Levando em consideração estas advertências, é difícil estabelecer o plano em que se situa o Direito Econômico. Ele é direito público ou privado? No Brasil, é possível situá-lo, preponderantemente, no âmbito do direito público, pois a maioria de suas regras tem origem constitucional, ou no Direito Administrativo. No entanto, com os processos de privatização a que se tem dado efeito tanto no Brasil quanto na Europa – seja a privatização de gestão ou substancial69 – uma série de normas tem assumido a natureza de direito privado. A verdade, portanto, é que dois movimentos convergem em direção ao Direito Econômico: a privatização da esfera pública e a publicização da esfera privada, 70 e nenhum destes movimentos tem sido taxado de barbarismos. Isto não quer dizer que estes movimentos puseram um fim à distinção entre público e privado, o que seria um exagero. Uma opinião mais comedida parece indicar o caminho correto:

67

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.16.

68

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, loc. cit.

69

Sobre privatizações, ver, dentre outros, OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração pública. In: Os caminhos da privatização da administração pública: IV colóquio luso-espanhol de Direito Administrativo. Studia Iuridica 60. Coimbra: Coimbra ed., 2001. p.31-57.

70

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, op. cit., p.16.

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Mais correcto parece ser afirmar que no campo do Direito Econômico há um relativo apagamento da importância dessa distinção o que, longe de ser um obstáculo à sua afirmação como disciplina autônoma, constitui mesmo uma das problemáticas mais aliciantes que contribuem para a sua diferenciação.71

Não há, portanto, como se definir com certeza a natureza do Direito Econômico. Mas, por outro lado, também não há como negar que ele tem se fixado, cada vez mais, como um ramo autônomo, com seus próprios desafios e objetos de estudo. Esta constatação leva ao próximo passo na identificação dos elementos do Direito Econômico: a enumeração de algumas de suas características.

3.3

CARACTERÍSTICAS

Com tudo o que já foi exposto, é possível enumerar algumas das características do Direito Econômico.72 - Suas fontes são dispersas e heterogêneas. O Direito Econômico tem uma pluralidade de fontes. Existem, em primeiro lugar, fontes internas. Dentre elas, a primeira fonte é a Constituição. A Constituição brasileira contém um conjunto extenso de preceitos que se referem diretamente à economia, e constitui a essência da ordem econômica. 73 À Constituição seguem as Leis, os Decretos e os demais atos do Poder Público que produzem efeitos sobre a economia. Há também fontes internacionais, costumeiramente previstas em tratados ou convenções. As fontes internacionais tem grande importância para os países da União Européia, a qual emite uma série de diretivas a fim de ordenar um direito comunitário. Estas diretivas, diga-se, tem apontado para a privatização da economia, inclusive dos serviços públicos. Ainda, as regras de Direito Econômico podem ter origem privada, ou mista. Como já se noticiou anteriormente, os agentes econômicos privados podem se reunir e emitir regras

71

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.16.

72

A enumeração das características, de forma sintetizada, encontra-se em Ibid., p.25.

73

Ibid., p.22.

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com caráter supletivo ou complementar,74 ou eles podem se reunir com o Poder Público, e definir medidas de concertação. Não se pode esquecer, por fim, da importância das decisões jurisdicionais e administrativas para o desenvolvimento da disciplina. Neste âmbito, merece destaque a repercussão das decisões do CADE no Brasil, órgão responsável pela defesa da concorrência. - A ampliação do âmbito das fontes tradicionais. Como fontes tradicionais, deve-se compreender "leis". O Direito Econômico não se restringe ao modelo clássico de lei, que prevê uma regra primária e outra secundária (preceito-sanção). Pelo contrário, há a inclusão de leis-plano, leis-medida, atos de fomento. Todas estas modalidades não eram conhecidos pela doutrina jurídica clássica. - Mobilidade, ou mutabilidade. Esta característica se manifesta "na transitoriedade da vigência e na plasticidade na adaptação aos casos concretos de uma parte das suas normas, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e políticas e pela sua ligação às políticas econômicas conjunturais" 75. - Privatização das fontes. Trata-se da elaboração de normas pela autorregulação, pelo processo de concertação entre autoridades privadas e públicas, e também pelo processo de privatização de gestão das entidades governamentais. - Declínio da coercibilidade. No Direito Econômico predominam as regras de conteúdo positivo, ou seja, regras que permitem e incentivam. As regras proibitivas são menos numerosas. Estas características podem até mesmo fazer alguns juristas questionarem o caráter jurídico do Direito Econômico, já que suas regras não trabalham com o sistema clássico de preceitos e sanções. Mas a eles o que se pode responder é que a realidade é esta, e ela deve ser observada no âmbito jurídico. Este texto não é espaço, porém, para se confrontar o Direito Econômico com a Teoria do Direito, embora este tema desperte grande interesse. Passa-se, enfim, à exposição da manifestação mais comum do Direito Econômico: a regulação. A intenção é demonstrar, sumariamente, como o objeto de estudo é aplicado, na prática.

74

Sobre a autorregulação, cf. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997.

75

SANTOS; GONÇALVES; LEITÃO MARQUES, 2006, p.25.

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4

REGULAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL

Para Marçal Justen Filho "a regulação econômico-social consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais"76. Destaca-se, no conceito do professor, a dualidade de dimensões da regulação, que é sempre econômica e social, o que significa que, como noticiado anteriormente, a intervenção estatal no âmbito econômico corresponde sempre à promoção de valores sociais. Ainda, a regulação é uma forma de atuação indireta, ou seja, normativa. Pela regulação não se aplicam recursos estatais para o desempenho direto de atividade econômica.77 "A regulação estatal se traduz numa atuação jurídica, de natureza repressiva e promocional, visando alterar o modo de conduta dos agentes públicos e privados."78 Pode-se citar outro conceito, de Vital Moreira. Para o autor, regulação econômica é "o estabelecimento e a implementação de regras para a actividade econômica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objectivos públicos"79. O professor português apresenta outros conceitos divergentes, que permitem observar três concepções: amplo, menos abrangente e restrito. O primeiro conceito cobre qualquer atividade estatal sobre a economia. O segundo sentido deixa de fora a participação direta do Estado. Já o terceiro reduz a regulação à mera imposição de regras sobre a atividade econômica. É possível observar, portanto, que a posição adotada por Vital Moreira é mais abrangente que a de Marçal Justen Filho. Para o professor português, a regulação se dá pela implementação de regras, não necessariamente de maneira indireta. Para atingir o objetivo deste item, os modelos de regulação explicitados a seguir seguirão justamente esta noção mais abrangente, o que não significa, de forma alguma, que os demais conceitos não tenham validade.

76

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.562.

77

Alguns autores tratam da endorregulação, modelo pelo qual o Estado se insere como agente econômico e passa a competir com os entes privados. A posição citada no texto, porém, é mais restrita.

78

JUSTEN FILHO, op. cit., p.563.

79

MOREIRA, 1997, p.34.

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As regulações assumem diversas modalidades: 80 1.

Intervenções globais, setoriais e pontuais. Afetam a economia no seu conjunto, ou em um determinado setor. As intervenções globais e setoriais têm as características de serem gerais; as pontuais se referem a uma situação particular. As primeiras são realizadas por medidas regulamentares; as últimas por atos individuais.

2.

Intervenções diretas e indiretas. As ações diretas visam os agentes econômicos; já as indiretas têm a economia como objeto mediato.

3.

Intervenções por via unilateral e por via convencional. A via unilateral é a mais comum, pela qual o estado regulamenta, autoriza, proíbe a atividade econômica. Por sua vez, a via convencional tem sido preferida, em especial por meio de contratos.

4.

Intervenções relativas às empresas privadas e setor público econômico. Trata-se da distinção mais importante para o Direito Público Econômico. As pessoas públicas podem adotar medidas em relação a agentes privados, mas também podem, elas mesmas, tomar a atividade econômica para si.

Com esta breve exposição das modalidades de regulação parece ter se atingido o objetivo proposto no início do texto: explicitar a origem e os principais elementos do Direito Econômico. No entanto, há um espaço final para a exposição de algumas reflexões.

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não resta dúvida quanto à importância do Direito Econômico, que cresce cada vez mais. Para se comprovar este fato basta abrir os jornais. Entidades que emitem normas – fontes do Direito Econômico – como as Agências Reguladoras e o CADE aparecem muito mais que notícias de novas leis aprovadas pelo Congresso. Até mesmo no dia a dia a regulação tem dividido espaço com as regras de direito comum. Basta observar que grande parte das normas referentes à telefonia decorrem da ANATEL, e não de leis. O que preocupa, porém, não é a quantidade de normas postas pelas agências reguladoras. Longe disso. O que tem ocorrido, e que preocupa, é o inverso do que observou

80

A sistematização tem como base a obra LAUBADÈRE, 1985, p.28 e segs.

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Ripert no século passado. No intuito de conceder garantias fundamentais aos cidadãos, a doutrina daquela época passou a realizar uma certa desvirtuação dos institutos clássicos. Mas isto não era suficiente, porque era o legislador que precisava intervir. Hoje em dia, o que se observa é que grande parte da doutrina tem virado as costas para o Direito Econômico. Com exceção de alguns autores que se dedicam ao Direito Administrativo, as obras publicadas a respeito dos demais ramos do Direito demonstram pouco – ou nenhum – interesse pelo Direito Econômico. Não se vê nos livros de Direito Civil, por exemplo, textos que tratem da dicotomia de planos (público e privado) e que levem em consideração as obras de Direito Econômico. Pior, não se observa sequer um questionamento a respeito dos efeitos da regulação sobre os ditos pilares do Direito Civil, como a propriedade e o contrato. A impressão que se tem é que os próprios civilistas desprezam a célebre lição de Ripert: "quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito". A primeira advertência que se faz, portanto, é a de que o Direito Econômico precisa procurar um maior contato com os demais ramos do direito, a fim de que todos possam aproveitar suas investigações. A segunda advertência que se faz é interna ao Direito Econômico. Na elaboração deste trabalho, observou-se a preocupação dos autores em delimitar o objeto e a natureza da disciplina, de modo a conferir-lhe autonomia em relação aos demais ramos do direito. É bem verdade que esta prática é bastante comum em todos os ramos do direito, com exceção daqueles consolidados já há muito tempo, como o Direito Penal e o Direito Civil. No entanto, esta busca incessante por um ponto distintivo, por um objeto próprio, pode gerar consequências negativas. Tome-se como exemplo o Direito Processual italiano, que influenciou sobremaneira o brasileiro. Os processualistas italianos, preocupados em dar uma identidade à ciência processual, fizeram da Teoria Geral do Processo um conjunto de ensinamentos absolutamente neutro, ou melhor, indiferente em relação ao direito material. Com isso o processo limitou-se a ter um fim em si mesmo, sempre falseado pelo discurso de instrumentalidade. A comparação pode parecer um pouco exagerada, até porque é difícil pensar em neutralidade e Direito Econômico. Mas o que se pretende, aqui, é alertar os juristas para que não tornem o Direito Econômico um fim em si mesmo. Para que ele se mantenha indispensável aos demais ramos do direito, o Direito Econômico não deve esquecer que teve suas origens na realidade, e não em uma dogmática cega.

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REFERÊNCIAS

COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.353, p.14-26, 1965. GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey e FDA, 2003. T. 2. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LAUBADÈRE, André de. Direito Público Económico. Coimbra: Almedina, 1985. LESSA MATTOS, Paulo Todescan. O novo Estado regulador no Brasil. São Paulo: Singular/FAPESP, 2006. MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997. NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infraestruturas e redes. São Paulo, Dialética, 2007. OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração pública. In: Os caminhos da privatização da administração pública: IV colóquio luso-espanhol de Direito Administrativo. Studia Iuridica 60. Coimbra: Coimbra ed., 2001. p.31-57. RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. São Paulo: Freitas Bastos, 1947. SANTOS, Antonio Carlos; GONÇALVES, Maria Eduarda; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel. Direito econômico. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2006. VILLAR ROJAS, Francisco José. Las instalaciones esenciales para la competencia. Granada: Comares, 2004.

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