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1 A Crise Financeira e as “Imparidades” Joaquim Fernando da Cunha Guimarães Março de 2009 Revista Contabilidade & Empresas n.º 1296, de Maio de 2009, ...

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A Crise Financeira e as “Imparidades” Joaquim Fernando da Cunha Guimarães Março de 2009 Revista Contabilidade & Empresas n.º 1296, de Maio de 2009, p. 18 Jornal AIMINHO n.º 95, de Março de 2009, p. 19 Revista Electrónica INFOCONTAB n.º 41, de Março de 2009 O termo contabilístico “imparidade”, traduzido da palavra anglo-saxónica “impairment”, tem sido amplamente discutido, nos últimos tempos, nomeadamente por administradores e ex-administradores, pelo Governador do Banco de Portugal e por membros do Governo, especialmente dos Ministérios da Economia e da Inovação e das Finanças e da Administração Pública, a propósito da crise financeira (ou económicofinanceira) internacional e os respectivos reflexos negativos nas demonstrações financeiras (v.g. balanço) de algumas empresas (em Portugal, assumem particular destaque os casos do Banco Português de Negócios e do Banco Privado Português). Neste artigo pretendemos efectuar uma breve referência teórico-conceptual e prática das “imparidades”, procurando saber, em suma, o que são as “imparidades”. Em primeiro lugar, sublinhamos que o termo “imparidade” tem sido utilizado, naquele contexto, para evidenciar as perdas potenciais e efectivas (“prejuízos”, numa linguagem mais simplicista) de activos, com especial destaque para os instrumentos financeiros, sendo o caso mais conhecido da opinião pública, para os créditos dos bancos sobre as empresas (v.g. empréstimos) e sobre os particulares (v.g. crédito à habitação, crédito ao consumo). Neste contexto, ao não se ter procedido ao registo daquelas “perdas por imparidade”, os activos das referidas entidades (naquele último caso, os créditos) encontravam-se sobreavaliados, e, por consequência, provocaram um efeito, no mesmo sentido, nos resultados e nos capitais próprios, estando colocada em causa a “imagem verdadeira e apropriada”1 das demonstrações financeiras dessas empresas, logo, potenciando decisões erradas de investimento (v.g. aquisição de acções). Como referimos em artigo recente, sob o título “«Nova Contabilidade» em 2009/2010?”, disponível no nosso Portal INFOCONTAB, em www.infocontab.com.pt, aguarda-se decisão Governamental sobre a adaptação das Normas Internacionais de Contabilidade (NIC e NIRF), às PME portuguesas, no âmbito do novo modelo contabilístico nacional aprovado pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC), intitulado “Sistema de Normalização Contabilística” (SNC). Um dos principais entraves à adaptação daquelas normas internacionais, reside, precisamente, na terminologia utilizada e respectiva tradução das expressões anglosaxónicas para o normativo contabilístico nacional no âmbito daquele novo regime contabilístico, de que é exemplo, precisamente, o termo “imparidade”, o qual está

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A contabilidade deve pugnar pelo cumprimento deste macro-princípio, previsto no normativo contabilístico nacional, nomeadamente no item 3.2 do POC.

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previsto em algumas NIC/NIRF, existindo, até, uma específica, sob o título “Imparidade de activos” (NIC36). Na verdade, e de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa e da Fundação Calouste Gulbenkian (Ed. Verbo, Lisboa, 2001, p. 2035), “imparidade” significa “qualidade do que é desigual, díspar”. Ainda que o actual normativo contabilístico nacional aplicável à maior parte das PME nacionais, tenha por base o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e 29 Directrizes Contabilísticas, e tendo estas como principal referencial aquelas NIC/NIRF, o termo “imparidade” não foi acolhido nessas normas2. No entanto, o mesmo tem sido “comparado” às expressões “amortizações extraordinárias” (item 5.4.4 do POC) e “desvalorizações excepcionais”, esta última prevista no art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, que regulamenta o regime fiscal das amortizações e reintegrações do imobilizado. Sublinha-se, ainda o “Apêndice-Definições” do SNC apenas define “perda por imparidade” nos seguintes termos: “É o excedente da quantia escriturada de um activo, ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável.”. Por seu turno, o Código de Contas do SNC prevê a utilização do termo na conta “65 Perdas por imparidade”, a qual se desagrega em diversas subcontas para os diversos activos susceptíveis desses registos (dívidas a receber, inventários, investimentos financeiros, propriedades de investimento, activos fixos tangíveis e intangíveis, investimentos em curso e activos não correntes detidos para venda). No que respeita aos rendimentos (ganhos), o SNC não prevê uma conta simétrica de “ganhos por imparidade”. Contudo, a conta “762 – Reversões - De perdas por imparidade”, contém diversas subcontas similares às das “perdas”, que podem ser interpretadas como geradoras de “ganhos por imparidade” (ou uma “contra-perda”)3, a qual, porém é registada apenas à posteriori e após o registo da perda, daí a palavra “reversão”. O SNC contempla, ainda, a mencionada NIC36, como uma norma subsidiária e no âmbito da intercomunicabilidade dessas normas, sendo que a sua adaptação consubstanciada na “Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 12 – “Imparidade de activos” (NCRF12), a qual apresenta como “Objectivo” (§1): “1. O objectivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever os procedimentos que uma entidade deve aplicar para assegurar que os seus activos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável. Um activo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou venda do activo. Se este for o caso, o activo é 2

Sublinhe-se, porém, que a Directriz Contabilística n.º 18, sob o título “Objectivos das demonstrações financeiras e princípios contabilísticos geralmente aceites” ao estabelecer uma hierarquia na aplicação dos princípios contabilísticos geralmente aceites (ou princípios contabilísticos fundamentais), prevê que as NIC/NIRF possam ser aplicadas, a título subsidiário e complementar, no normativo contabilístico nacional, o que não deixa de constituir uma referência, por via indirecta, às “imparidades”. 3 Na gíria contabilística é vulgar a utilização da expressão “contra-custo”, daí a justificação para esta designação.

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descrito como estando com imparidade e a Norma exige que a entidade reconheça uma perda por imparidade. A Norma também especifica as circunstâncias em que uma entidade deve reverter uma perda por imparidade e prescreve divulgações.”. De salientar, também, que, à semelhança das NIC/NIRF e da já mencionada NIC 36, a NCRF 12 constitui a “norma geral” do SNC sobre as “imparidades”, pois, como consta no seu “Âmbito” (§§ 2 e 3), a mesma não é aplicável a diversas situações específicas contempladas noutras NCRF4. Sublinhe-se, ainda, que a “imparidade” está associada, por exemplo, ao conceito de “justo valor”, definido nas NCRF como sendo: “a quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre elas”. Um outro aspecto conceptual, prende-se com o facto de o termo “imparidade” ser apenas utilizado, naquele contexto, para registo das perdas (“perdas por imparidade”), quando o mesmo poderá também ser entendido como ganhos (“ganhos por imparidade”). Na verdade, se o termo “imparidade” apenas se interpreta como “perda”, porque não utilizar apenas a palavra “imparidade”, em vez da qualificação “perda por imparidade”? Não estaremos perante um pleonasmo? A este respeito, MACHADO5 sublinha: “Este vocábulo significa correntemente, na língua portuguesa, falta de paridade ou desigualdade, a qual, naturalmente, pode ser positiva ou negativa ou, por outras palavras, podemos estar perante situações em que, em termos financeiros, se regista um valor acima do par ou abaixo do par. Porém, no Código de Contas do SNC, apenas existe uma conta para Perdas por Imparidade (conta 65), não havendo outra designada de “Ganhos por Imparidade”. Com efeito, na classe de Rendimentos, somente na sub-conta 76.2, intitulada “Reversões de Perdas por Imparidade”, se prevêem registar as reduções das perdas anteriormente apuradas. A própria NCRF12 – Imparidade de Activos refere que o seu objectivo é a definição dos “procedimentos que uma entidade deve aplicar para assegurar que os seus activos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável”. Assim sendo, se a desigualdade for positiva, ela não é relevada contabilisticamente.”.

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A NCRF12 elenca as NCRF n.os 8, 11, 17, 18, 19, 25, 27 e 28. MACHADO, A.J. Cardão Revista de Contabilidade e Finanças n.º 94, de Julho/Setembro de 2008, p. 39. 5

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A este propósito, o Professor Doutor Rogério Fernandes Ferreira6 sublinhou: “.../... Quanto ao SNC focar “PERDA POR IMPARIDADE”, será, possivelmente, porque também se poderá admitir a imparidade inversa – a do GANHO, por imparidade, embora entendam que tal opção não seja de considerar.”. Já anteriormente o Professor tinha referido7: “Desde logo importa observar a circunstância de no nosso País (e em muitos outros) se falar em par, acima do par, abaixo do par. Ora, na aludida norma 36, em vez daquelas tradicionais formas de expressão, preferiram a de imparidade, em sentido restrito de baixa de valor. E consignam-se critérios de busca de imparidades que em concreto são reavaliações de activos com o fim de verificar se à nova data de referência revelam valor inferior ao que tinham em data de referência anterior.”. Finalmente, PAIS refere8: “A imparidade, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é a qualidade de ímpar (não par, desigual), desigualdade, e é o termo usado para «impairment», que, segundo o Dicionário de Inglês Português da Porto Editora, é enfraquecimento, diminuição, acto de prejudicar, de arruinar. Portanto os termos não são similares, dando mesmo a noção que o termo imparidade não traduz no todo o significado do «impairment». Contudo, um activo é descrito como estando sobre imparidade quando a sua quantia assentada é superior à sua quantia recuperável pelo uso ou venda.”. Em suma, embora a “imparidade” possa ser interpretada de uma forma negativa (“custo” no POC ou “perda” no SNC) e de uma forma positiva (“proveito/rédito” no POC ou “rendimento/ganho” no SNC), no normativo contabilístico internacional (NIC/NIRF) e nacional (futuro SNC) apenas tem sido interpretada como “perda”.

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Em esclarecimento por e-mail de 6 de Fevereiro de 2009 enviado a nosso pedido. FERNANDES FERREIRA, Rogério, Normalização Contabilística Internacional – Depoimentos, Edição APECA n.º 42, pp. 39-41. 8 PAIS, Cláudio Figueiredo, Revisores & Empresas n.º 10, de Julho/Setembro de 2000, pp. 20-1. 7

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