DESENHO INFANTIL ENQUANTO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM PSICOPEDAGOGIA

DESENHO INFANTIL ENQUANTO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO PSICOPEDAGÓGICO

POR: CRISTIANE FERREIRA CUNHA AMANCIO ORIENTADOR: PROF. DR. VILSON SÉRGIO DE CARVALHO

Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM PSICOPEDAGOGIA

DESENHO INFANTIL ENQUANTO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO PSICOPEDAGÓGICO

OBJETIVO: Refletir sobre o uso de desenhos infantis na prática psicopedagógica.

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AGRADECIMENTO

A todos os autores citados neste trabalho preciosos

que,

através

e

singulares

de

seus

estudos

contribuíram para a formação da profissional que sou. Ao professor Vilson pela orientação e, a todas as pessoas que, direta e indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho acadêmico.

4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu esposo Alexandre

por

compreensão,

toda

paciência

principalmente

e

nos

instantes finais da conclusão deste trabalho. Aos meus pais pelo simples fato de existirem e, também, aos meus alunos que foram a inquietude que me impulsionou pela procura de tal curso.

5

EPÍGRAFE

“Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças”. PICASSO

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RESUMO O presente trabalho se propõe a analisar o desenho infantil enquanto uma das estratégias e instrumentos no trabalho de investigação psicopedagógica. O uso do desenho em Psicopedagogia aproveita uma forma da criança expressar-se espontaneamente, satisfazendo seus desejos de atividade lúdica. A boa análise do grafismo fornece dados da área cognitiva do sujeito, assim como do processo simbólico normal com os desvios patológicos, dando a compreensão global da criança.

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METODOLOGIA O presente estudo monográfico apresenta-se como um espaço para investigação e reflexão acerca do desenho infantil no âmbito psicopedagógico. Pretende-se com este trabalho buscar subsídios para que o psicopedagogo amplie seu conhecimento sobre questões imprescindíveis para a ação educativa e para a prática psicopedagógica. O procedimento metodológico escolhido utiliza-se pesquisa bibliográfica compreendendo

uma

investigação

psicopedagógico inserido neste contexto.

e

posterior

reflexão

do

discurso

8

SUMÁRIO INTRODUÇÃO

9

CAPÍTULO I O que é a Psicopedagogia?

11

1.1 O objeto de estudo da psicopedagogia 1.2 Teorias que embasam o trabalho psicopedagógico 1.3 O campo de atuação da psicopedagogia

12 15 17

CAPÍTULO II O desenho infantil

19

2.1 Desenho infantil e escrita 2.2 Evolução do grafismo infantil 2.3 O rabisco 2.4 O desenho enquanto construção de um espaço 2.5 Os principais estágios da evolução do espaço

21 23 25 27 28

CAPÍTULO III O desenho na prática psicopedagógica

30

3.1 Técnicas projetivas

31

CONSIDERAÇÕES FINAIS

37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

39

9

INTRODUÇÃO

Modo de expressão próprio da criança, o desenho constitui uma língua que possui vocabulário. Percebe-se que a criança faz uma relação próxima do desenho e da percepção do adulto. O desenho é uma forma de representação que pode revelar o conteúdo da imagem mental da criança podendo-se perceber se o objeto a ser representado necessita ou não estar presente para que a representação ocorra ou se o desenho é apenas uma tentativa de imitação.

O desenho propicia à criança um contato consigo mesmo e com o universo, sendo este uma forma de entender o contexto ao seu redor e relacionar-se com ele. Através do desenho não só demonstra seu mundo interior, seus conflitos, seus receios, suas descobertas, suas alegrias, suas tristezas, etc., como os trabalha. Pode-se perceber que no ato de desenhar, pensamento e sentimento estão juntos. Crianças com algum comprometimento a nível intelectual apresentam acentuado comprometimento no desenho. O que é preciso considerar diante de uma criança que desenha é aquilo que ela pretende fazer. Porque o desenho é para criança uma linguagem como o gesto ou a fala. Desenhar para falar e poder registrar a sua fala. Também é sua primeira escrita, onde deixa sua marca, antes de aprender a escrever. Ele torna-se um instrumento de projeção e alcance onde as palavras não chegam.

Os capítulos foram organizados iniciando-se por um breve histórico da Psicopedagogia; o seu objeto de estudo, teorias que embasam o trabalho psicopedagógico até chegarmos ao seu campo de atuação. Mais adiante tratamos do desenho infantil propriamente dito; os primeiros estudos acerca do ato de desenhar, a relação do desenho com a escrita, a evolução do grafismo infantil, os estágios do rabisco, o desenho enquanto construção de um espaço. Finaliza-se

10 com o desenho enquanto instrumento psicopedagógico de investigação através de técnicas projetivas.

É um breve recorte diante da imensidão que constitui-se às elucidações pertinentes à prática psicopedagógica.

11

CAPÍTULO I O QUE É A PSICOPEDAGOGIA?

O termo psicopedagogia é extremamente difícil de se conceituar tendo em vista a especificidade que o mesmo sugere. À primeira vista, o termo parece tratar-se de uma “complementação” da Psicologia à Pedagogia. Porém não se trata disso, mas sim o de ser meio, o de ser instrumento um para o outro, tanto em perspectiva teórica quanto aplicada. A psicopedagogia nasce, então, da necessidade de uma melhor compreensão do processo de aprendizagem. Ela constitui-se de uma nova área que, recorrendo aos conhecimentos da Pedagogia e da Psicologia, pensa o seu objeto de estudo a partir de uma teoria que se busca constituir.

Segundo Kiguel (1991),

“historicamente a Psicopedagogia surgiu na fronteira entre a Pedagogia e a Psicologia, a partir das necessidades de atendimento de crianças com” distúrbios de aprendizagem “, consideradas

inaptas

dentro

do

sistema

educacional

convencional ( ... ) e no momento atual, à luz de pesquisas psicopedagógicas que vêm se desenvolvendo, inclusive no nosso meio, e de contribuições da área da psicologia, sociologia, antropologia, lingüística, epistemologia, o campo da psicopedagogia passa por uma reformulação. De uma perspectiva puramente clínica e individual busca-se uma compreensão

mais

integradora

do

fenômeno

da

aprendizagem e uma atuação de natureza mais preventiva” (KIGUEL APUD BOSSA, 2000, p.22).

12

1.1 O objeto de estudo da Psicopedagogia

A Psicopedagogia deve ocupar-se em estudar a aprendizagem humana, tendo, porém para isso vários caminhos a seguir. Os problemas do processo de aprendizagem é que são a causa e a razão da Psicopedagogia. Ela estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia em termos de evolução e o condicionamento causado por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Esse sujeito a ser estudado adquire características específicas que dependem do trabalho clínico ou preventivo a ser realizado:



O trabalho clínico se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem de outro sujeito, implícita no não-aprender. Nessa modalidade o profissional deve compreender o que o sujeito aprende, como aprende e por que, além de perceber a dimensão da relação entre o psicopedagogo e sujeito de forma a favorecer a aprendizagem;



No trabalho preventivo, a instituição enquanto espaço físico e psíquico da aprendizagem é objeto de estudo da Psicopedagogia, uma vez que são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem.

A definição do objeto de estudo da Psicopedagogia passou por fases distintas. Em diferentes momentos históricos esse objeto foi entendido de várias formas. De acordo com Bossa (2000)

13 “Houve tempo em que o trabalho psicopedagógico priorizava a reeducação, o processo de aprendizagem era avaliado em função de seus déficits e o trabalho procurava vencer tais defasagens. O objeto de estudo era o sujeito que não podia aprender,

concebendo-se

a

“não-aprendizagem”

pelo

enfoque que salientava a falta. Esse enfoque buscava estabelecer semelhanças entre grandes grupos de sujeitos, as regularidades, o esperado para determinada idade, visando reduzir as diferenças e acentuar a uniformidade” (BOSSA, 2000, p.22).

Posteriormente, a Psicopedagogia adotou a noção de “não-aprendizagem” de outra maneira: o não-aprender é tido como carregado de significados, e não se opõe ao aprender. Essa nova concepção leva em conta a singularidade do sujeito ou grupo, buscando o sentido particular de suas características e suas alterações. O processo evolutivo pelo qual essa nova área de estudo procurou estruturar-se entende que o objeto de estudo é sempre o sujeito “aprendendo”, como se refere Alicia Fernandez (1991).

Atualmente, diz Bossa (2000)

“A Psicopedagogia trabalha com uma concepção de aprendizagem segundo a qual participa desse processo um equipamento biológico disposições afetivas e intelectuais que interferem na forma de relação do sujeito com o meio, sendo

que

essas

disposições

influenciam

e

são

influenciadas pelas condições socioculturais do sujeito e do seu meio” (BOSSA, 2000, p.22).

14 O trabalho psicopedagógico pode ser preventivo e clínico. No trabalho preventivo falamos em diferentes níveis de prevenção. No primeiro nível, o psicopedagogo atua nos processos educativos com o objetivo de diminuir a “freqüência dos problemas de aprendizagem”. Já no segundo nível, o objetivo é diminuir e tratar dos problemas de aprendizagem já instalados. No terceiro nível, o objetivo é eliminar os transtornos já instalados, num procedimento clínico com todas as suas implicações.

No exercício clínico, o psicopedagogo deve reconhecer sua própria subjetividade na relação, pois trata-se de um sujeito estudando outros sujeitos. Ao psicopedagogo cabe saber como se constitui o sujeito, como este se transforma em suas diversas etapas de vida, quais os recursos de conhecimento de que ele dispõe e a forma pela qual produz conhecimento e aprende.

Para que o psicopedagogo alcance esse saber o mesmo recorre a teorias que lhe permitam reconhecer de que modo se dá essa aprendizagem, bem como às leis que regem esse processo: as influências afetivas e as representações inconscientes que o acompanham, o que pode comprometê-lo e o que pode favorecê-lo. É preciso, também, que o psicopedagogo saiba o que é ensinar e o que é aprender; como interferem os sistemas e os métodos educativos, os problemas

estruturais

que

intervêm

no

surgimento

dos

transtornos

de

aprendizagem e no processo escolar.

De acordo com Alicia Fernandez (1991), esse saber só é possível com uma formação que se oriente sobre três pilares:



Prática clínica: em consultório individual-grupal-familiar; em instituições educativas e sanitárias;

15 

Construção teórica: permeada pela prática de forma que, a partir desta, a teoria psicopedagógica possa ser tecida;

 Tratamento psicopedagógico-didático: espaço para construção do olhar e da escuta clínica – a partir da análise do seu próprio aprender -, que configuram a atitude psicopedagógica.

1.2 Teorias que embasam o trabalho psicopedagógico

Conhecer os fundamentos da Psicopedagogia implica refletir sobre as suas origens teóricas.

Do seu parentesco com a Pedagogia, a Psicopedagogia traz as indefinições e contradições de uma ciência cujos limites são os da própria vida humana. Da Psicologia, a Psicopedagogia herda o antigo problema do paralelismo psicofísico, um dualismo que ora privilegia o físico (observável), ora o psíquico (a consciência).

Essas duas áreas não são suficientes para apreender o objeto de estudo da Psicopedagogia e nortear a sua prática. Eis que então, recorre-se a outras áreas, como a Filosofia, a Neurologia, a Sociologia, a Lingüística e a Psicanálise, no sentido de alcançar compreensão desse processo.

Bossa (2000) explica

“A Psicanálise encarrega-se do mundo inconsciente, das representações profundas, operantes através da dinâmica

16 psíquica que se expressa por sintomas e símbolos, permitindo-nos levar em conta a face desejante do homem; A Psicologia Social encarrega-se da constituição dos sujeitos, que responde às relações familiares, grupais e institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextuam toda aprendizagem; A Epistemologia e a Psicologia Genética se encarregam de analisar

e

descrever

o

processo

construtivo

do

conhecimento pelo sujeito em interação com os outros e com os objetos; A Lingüística traz a compreensão da linguagem como um dos meios que caracterizam o tipicamente humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros de uma sociedade e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica; A Pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino-aprendizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina; Os

fundamentos

da

Neuropsicologia

possibilitando

a

compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais, indicando-nos a que correspondem, do ponto de vista orgânico, todas as evoluções ocorridas no plano psíquico”. (BOSSA, 2000, p.26)

O foco de atenção do psicopedagogo, porém, é a reação da criança diante da tarefa, considerando resistências, bloqueios, lapsos, hesitações, repetições, sentimentos e angústias frente a certas situações.

17

Podemos caracterizar a Psicopedagogia como uma área de confluência do psicólogo (a subjetividade do ser humano enquanto tal) e do educacional (atividade especificamente humana, social e cultural). Para o psicopedagogo, aprender é um processo que implica pôr em ação diferentes sistemas que intervêm em todo o sujeito: a rede de relações e códigos culturais e de linguagem que, desde antes do nascimento, têm lugar em cada ser humano à medida que ele se incorpora à sociedade.

1.3 O campo de atuação da Psicopedagogia

O campo de atuação do psicopedagogo refere-se não só ao espaço físico onde se dá esse trabalho, mas especialmente ao espaço epistemológico que lhe cabe, ou seja, o lugar deste campo de atividade e o modo de abordar o seu objeto de estudo. O trabalho clínico não deixa de ser preventivo, uma vez que, ao tratar alguns transtornos de aprendizagem, pode evitar o aparecimento de outros. O trabalho preventivo, numa abordagem psicopedagógica, é sempre clínico levando em conta a singularidade de cada processo. Tanto na prática preventiva como na clínica, o profissional procede sempre embasado no referencial teórico adotado.

O trabalho psicopedagógico na área preventiva é de orientação no processo

de

ensino-aprendizagem,

visando

favorecer

a

apropriação

do

conhecimento no ser humano, ao longo da sua evolução. Esse trabalho pode se dar na forma individual ou grupal na área da saúde mental e da educação.

De acordo com Bossa (2000), cabe ao psicopedagogo:

18 “Detectar

possíveis

perturbações

no

processo

de

aprendizagem; Participar da dinâmica das relações da comunidade educativa, a fim de favorecer processos de integração e troca; Promover orientações metodológicas de acordo com as características dos indivíduos e grupos; Realizar processos de orientação educacional, vocacional e ocupacional, tanto na forma individual quanto em grupo”. (BOSSA, 2000, p.30).

A proposta da Psicopedagogia, numa ação preventiva, é adotar uma postura crítica frente ao fracasso escolar, numa concepção mais totalizante, visando propor novas formas de ação voltadas para a melhoria da prática pedagógica nas escolas.

19

CAPÍTULO II O DESENHO INFANTIL

O interesse científico pelo desenho infantil surgiu no final do século XIX e os primeiros trabalhos sobre o tema relacionavam-se à Psicologia Experimental. Rapidamente, os estudos sobre o desenho infantil se diversificaram e contribuíram com várias disciplinas, como a Psicologia, a Pedagogia, a Sociologia e a Estética. Depois das influências pedagógicas de Rousseau de não mais considerar a criança como adulto em miniatura, o desenho passou a ser distinguido pelas diferentes etapas do desenvolvimento gráfico da criança e, e seguida, foi introduzido no tratamento psicanalítico. Paralelo a esses trabalhos surgiu o interesse pelo “sentido estético” do desenho infantil, comparando suas representações às de grandes mestres da arte. No que se refere à Sociologia, os desenhos infantis foram utilizados para a comparação entre diversos países, procurando elementos que possivelmente diferenciavam as representações gráficas influenciadas pela cultura. (MÉREDIEU, 1974)

No século XX, as pesquisas sobre o desenho infantil contribuíram consideravelmente para a Psicologia Infantil e, atualmente, esta técnica continua sendo freqüentemente utilizada em estudos nas áreas da Educação e da Psicologia. Além da possibilidade da construção de conhecimentos, no que diz respeito à Psicologia, Luquet (1981), ressalta que “o desenho infantil, enquanto manifestação da atividade da criança, permite penetrar na sua psicologia e, portanto, determinar em que ponto ela se parece ou não com a do adulto”. (Luquet, p.213-214). Isto porque, ao desenhar um determinado tema ou objeto, a criança inspira-se não no modelo objetivo que tem diante dos olhos, e sim na imagem que tem em seu espírito no momento em que desenha, ou seja, no modelo interno. Assim, o desenho é uma forma de representação que pode revelar o conteúdo da imagem mental da criança, podendo-se perceber se o

20 objeto a ser representado necessita ou não estar presente para que a representação ocorra ou se o desenho é apenas uma tentativa de imitação.

Privilegiando o desenho numa perspectiva construtivista é inegável a importância dos estudos de Piaget e seus seguidores, dentre eles Luquet (1981), que buscam elucidar os mecanismos da expressão infantil. Para Piaget (1975), a origem do conhecimento está na ação do sujeito quando interage com o objeto e como o objeto é percebido pelo sujeito depende das estruturas mentais que ele possui num determinado momento. A representação gráfica da criança, neste caso, é feita através de atividades realizadas com o objeto, desenhando o que suas estruturas mentais permitam que ela veja. Então, o desenho poderá variar. Isso porque a percepção do objeto pelo sujeito, provavelmente será diferente no decorrer do processo de desenvolvimento cognitivo. Assim, a criança, além de representar o objeto, faz também a sua interpretação, sendo participante ativo do processo de aprendizagem.

Piaget (1975) considera que o desenho é uma representação, isto é, ele supõe a construção de uma imagem bem distinta da percepção, pois, ao representar uma imagem bidimensional, crê-se que o desenho seja mais complexo que a imagem interiorizada do objeto. Então, a imagem mental não seria mais a imagem inicial do objeto quando este for representado através da linguagem gráfica, pois a criança também usará a interpretação em sua representação. Para Piaget, os níveis da evolução do desenho infantil, além de constituírem uma introdução ao estudo da imagem mental, revelam uma convergência com a evolução da geometria espontânea da criança, ou seja, o desenvolvimento do desenho é solidário com a estruturação do espaço pela criança. Assim, “as primeiras representações espaciais da criança são topológicas, antes de serem projetivas ou de se conformarem com a métrica euclidiana” (Piaget, 1975, p.58).

21 Luquet (1981) insistiu sobre o aspecto realista do desenho e, para ele, este realismo significava a primeira tentativa do indivíduo que procura afirmar-se face ao mundo exterior. O realismo manifesta-se sob duas formas essenciais: o realismo intelectual e o realismo visual. Esta dualidade entre os dois tipos de realismo pauta-se num fato muito simples: “o desenho pode em certo sentido ser considerado como um processo que permite representar objetos, tanto pelo conhecimento que temos dele ou pela maneira como o conhecemos, como pela aparência que oferecem aos nossos olhos” (Luquet, 1981, p.9). Portanto, os modos de representação da criança e do adulto são diferentemente expressados, pois a criança sente necessidade de representar todo conhecimento que ela possui sobre o objeto a ser representado. Assim, Luquet (1981) mostrou que o realismo intelectual é a linguagem gráfica da criança e que ao longo do seu desenvolvimento será sucedida pelo realismo visual, uma forma de representação mais impessoal e mais inexpressiva.

2.1 Desenho infantil e escrita

Paralela ao desenvolvimento da função simbólica na criança, a evolução do desenho depende intimamente da evolução da linguagem e da escrita. A escrita exerce verdadeiro fascínio por parte das crianças e, muito cedo, ela tenta imitar a escrita dos adultos. Geralmente, é entre os três e quatro anos que a criança produz essa escrita fictícia, traçada em forma de dentes de serra e carregada para ela de uma fabulosa polissemia: para elas, existe uma certa magia em alinhar signos e, estão muito conscientes de que querem “comunicar” algo; “dizer” alguma coisa.

Mais tarde, quando a criança atinge a idade escolar, verifica-se quase sempre uma diminuição da produção gráfica, já que a escrita passa então a ser

22 “concorrente” do desenho. Inversamente, com a escrita, a criança descobre novas possibilidades gráficas. Escrita e desenho podem então misturar-se ou confundirse.

A escola de hoje, salvo raríssimas exceções, não corresponde à visão de que a mesma torna-se necessária pela ampliação do repertório de experiências afetivas, e na criação de atividades lúdicas que desafiem o pensamento da criança nos sentido de pesquisar e descobrir o meio que a cerca, mas sim ao desejo dos pais. E o desejo dos pais está permeado pela ideologia dominante em nossa sociedade. Este desejo está expresso na procura de escolas fortes. Escola forte que traduz um desejo de força, de poder. Escola forte entendida como a escola que

promove

o

mais

rapidamente

a

alfabetização

que

é socialmente

compreendida como escola de sucesso.

A escola forte é medida pela quantidade de material mimeografado contendo exercícios repetitivos e mecânicos, que atestam a quantidade de horas que a criança passou sentada executando-os, e que levados para casa garantem aos pais que rapidamente a criança estará lendo e escrevendo.

A criança que deixa de desenhar ao entrar na escola, porque deixa de brincar, apenas desnuda uma relação de poder. Porque a criança está deixando uma forma de expressão que é sua, para seguir um padrão escolar que é imposto.

O que tem acontecido, é que a escola iniciou sua tarefa com crianças menores, porém não se equipou para proporcionar às crianças, a expressão necessária ao seu estágio de desenvolvimento; e a alfabetização se apresenta como uma saída viável para ocupar as crianças e satisfazer os pais. Despreza assim a linguagem natural da criança que se expressa através do desenho e

23 procura equipa-la com uma linguagem ensinada. Porém, enquanto aprender a dominar um novo código, a criança vai sendo dominada. Observa-se que, no início da alfabetização, quando pressionada no tempo e pela mecânica que a faz repetir formas sempre iguais, é que a criança rompe com seu desenho. Acontece realmente uma quebra, um corte e a criança pára de desenhar, estacionando nesta fase.

A perda do desenho pela criança, aparentemente vista como a substituição de um código por outro, revela apenas a maneira como a criança é vista pela escola. Desnuda a ideologia que permeia a nossa escola, uma escola colonizadora e castradora.

Segundo Moreira (1995) “encaro a ruptura e a estereotipia do desenho nessa fase, como sinal de submissão (...) A criança perde a confiança no seu desenho porque perdeu a confiança na sua palavra”. (Moreira, 1995, p.72).

2.2 Evolução do grafismo infantil

Para demonstrar o desenvolvimento do desenho infantil, Luquet (1981) classificou-os em níveis. O primeiro nível do desenho foi denominado Realismo Fortuito e se divide em dois momentos. No primeiro momento, classificado como involuntário, a criança não tem consciência de que as linhas traçadas por ela podem representar um objeto. No segundo momento, classificado como voluntário, a criança inicia sua representação com uma intenção que pode não coincidir com a representação da produção final, isto porque a criança ao terminar seu desenho, interpreta-o de acordo com o que lhe é parecido. Até os dois anos e meio, aproximadamente, a criança se encontra neste nível.

24

No nível seguinte, dos três aos cinco anos, denominado Incapacidade Sintética ou Realismo Falhado, a criança faz as suas representações omitindo ou exagerando partes do objeto, de acordo com a importância que representam para ela. Assim, a criança representa repetidamente sua vizinhança e o meio social em que está inserida. A falta de atribuições sobre o objeto a ser representado é decorrente ainda de uma incapacidade no pensamento da criança.

O próximo nível, denominado Realismo Intelectual, é aquele em que a criança representa todo o conhecimento que possui do objeto e para isto utiliza outros recursos para sua interpretação, como a transparência, em que a criança representa tudo o que conhece de um objeto; por exemplo, ao representar uma casa, ela também desenha os móveis que estão dentro da casa, ou ao desenhar um corpo humano, representa também seus órgãos internos; a legenda, pois, para a criança, o nome de um objeto é um elemento essencial e, portanto, deve fazer parte de sua representação; o rebatimento, cuja forma de representação mais simples rebate os objetos frente a frente; entre outros.

É ainda no realismo intelectual que se iniciam as primeiras noções de projeções e distâncias, que serão representadas com maior clareza no nível seguinte, denominado Realismo Visual. Isto porque, entre oito e nove anos, a criança consegue guardar mentalmente as proporções do objeto do jeito que ela o vê e tem o domínio do tamanho do objeto em função da distância.

Com o desenvolvimento dos esquemas mentais e da interação com o meio, a criança amplia seu repertório criador, valendo-se de elementos internos, externos, intenção, associação de idéias, acontecimentos passados e mais recentes etc.

25 A terminologia de Luquet (1981) deixa muito a desejar. Embora tenha sido o primeiro a distinguir as grandes etapas do grafismo infantil, etapas retomadas depois pela maioria dos especialistas, sem grandes modificações, sua análise é insuficientemente explicativa. Não explica o nascimento da representação figurativa tampouco a passagem de um estágio a outro. Particularmente, não se fica sabendo por que em determinado momento, o desenho acaba por empobrecer-se e até desaparecer.

O grafismo começa pelo rabisco, gesto essencialmente motor. O rabisco é, na maioria das vezes, encarado como pejorativo; exercício fútil. O próprio Luquet (1981) o situa à margem dos níveis, fora, portanto, do grafismo infantil propriamente dito. O rabisco foi ignorado em favor de um desenho orientado para a representação de uma realidade visual. Esta, imediatamente legível pelo outro, não apresenta problemas de reconhecimento.

2.3 O rabisco

A evolução da criança começa com o que podemos chamar de desenho informal. Nesse estágio, no plano plástico, a expressão infantil começa pelo borrão, ou aglomerado, e, no plano gráfico, pelo rabisco.

Efetuado de início pelo simples prazer do gesto, o rabisco é antes de tudo motor. Só depois é que a criança, notando que seu gesto produziu um traço, tornará a faze-lo, desta vez pelo prazer do feito.

Marthe Bernson (1966) distingue três estágios do rabisco:

26 

Estágio vegetativo motor (por volta dos dezoito meses)

É quando aparece o tipo de traçado próprio da criança, mais ou menos arredondado, convexo ou alongado.



Estágio representativo (entre dois e três anos)

Esboços,

delineamentos

de

formas,

este

estágio

se

caracteriza

essencialmente pelo aparecimento de formas isoladas, tornadas possíveis pelo levantamento do lápis. A criança passa do traço contínuo para o traço descontínuo. O ritmo se torna mais lento. Há uma tentativa para reproduzir o objeto e o comentário verbal do desenho.



Estágio comunicativo (começa entre três e quatro anos)

A imitação do adulto torna-se mais manifesta e se traduz por uma vontade de “escrever” e de comunicar-se com os outros. A criança elabora uma escrita fictícia, traçada em forma de dentes de serra, que procura reproduzir as letras dos adultos.

O grafismo infantil é, sobretudo, narrativo e figurativo. Assim que descobre a possibilidade de representar o real por meio de signos, a criança contente-se geralmente em desenhar objetos e não recorre com freqüência à abstração. Seus desenhos narram, procuram transmitir uma mensagem. Resta saber se este aspecto narrativo não está ligado a certo estado da civilização – já que muito tempo à arte foi quase que exclusivamente figurativa – e se o adulto não reforça esta características pelas perguntas que faz à criança: “o que é isso?”, “o que é que isso representa?”, quando não a condiciona pura e simplesmente impondo-lhe um assunto.

27

2.4 O desenho enquanto construção de um espaço

Durante muito tempo considerou-se o espaço como um espaço absoluto que existia fora do ato perceptivo e era dotado de propriedades imutáveis, espaço dado antes de qualquer experiência e que o homem aprendia pouco a pouco a conhecer e a representar corretamente. Elaborando os esquemas que permitiam submeter o universo figurativo às leis do espaço euclidiano, os pintores da Renascença julgaram descobrir as leis fundamentais de todo espaço e acender a uma representação perfeita do universo. Assim, da Renascença até o Impressionismo, a pintura esteve reduzida à representação do espaço perceptivo, considerado como único espaço verdadeiro. Deriva desse ponto de vista toda uma concepção de ensino do desenho (concepção que predomina com muita freqüência), baseada na observação e imitação do real. Toda a pedagogia do desenho acha-se assim subordinada à observação do real que se deve “aprender a olhar” e a copiar.

Não existe espaço em si, mas uma pluralidade de espaços possíveis, e o aparecimento de cada um dependem estreitamente das condições sócio-históricas do momento. Por que então impor à criança uma solução meramente convencional? Deve-se deixar que ela construa e aprenda seu próprio espaço. Através de tentativas e ajustamentos sucessivos, a criança elabora seu próprio espaço, de cuja existência tem a princípio apenas uma noção confusa: no começo, a criança não possui uma noção de espaço como a nossa. É como se esquerda e direita, o alto e o baixo não existissem para ela.

O espaço gráfico é precedido de outros espaços, o primeiro dos quais é o espaço postural e bucal, espaço embrionário e puramente vegetativo, ligado às primeiras sensações de prazer-desprazer, aos sentimentos nascentes, espera e desejo; surge em seguida o espaço sensório-motor, ligado aos movimentos da

28 criança e que se desenvolve primeiro pelo “espernear”, depois pela aprendizagem do andar. O espaço representativo insere-se, portanto, em outros espaços, espaços vitais e carregados de afetos. Esse espaço representativo - que dá origem ao espaço figurativo - está sempre atrasado em relação ao espaço perceptivo. Portanto, é só com certa defasagem que o desenho corresponde à visão da criança e seria falso crer que o desenho resulta de uma simples transferência do espaço perceptivo. Existe criação e interpretação.

2.5 Os principais estágios da evolução do espaço

Piaget (1975) distingue três fases na evolução do espaço, fases essas que, quanto ao essencial, correspondem aos estágios de Luquet (1981):



Incapacidade sintética (realismo fortuito, realismo malogrado)

Durante esse estágio, a figuração do espaço ignora totalmente as relações projetivas e euclidianas. Não existe nenhuma constância das grandezas, nenhuma topológicas

tentativa

para

elementares

representar começam

a

a

profundidade.

organizar-se

e

As

relações

ficam

então

inacabadas, a relação de vizinhança entre as figuras é mais ou menos respeitada: o personagem possui realmente dois braços, mas acham-se ligados à cabeça ou então do mesmo lado do corpo. As formas são mais ou menos diferenciadas.



O realismo intelectual (de 4 a 10 anos)

Se as relações projetivas e euclidianas começam apenas a elaborar-se, as relações topológicas são em geral respeitadas; o espaço perspectivo nascente entra em conflito com o espaço topológico: daí a transparência

29 correta do ponto de vista topológico, já que marca uma relação de envolvimento e interioridade, mas não conforma à unidade de ponto de vista do espaço perspectivo.



O realismo visual (começa entre 8 e 9 anos)

Uma vez constituídas as relações topológicas, a criança preocupa-se em respeitar as distâncias, as proporções respectivas das figuras; submete seu traçado à unidade de ponto de vista.Enquanto o espaço topológico avançava pouco a pouco e só considerava cada figura em relação a si própria, as relações projetivas determinam e conservam as posições reais das linhas em relação umas com as outras, daí o aparecimento da perspectiva, que não suplanta o espaço topológico, mas visa a integrá-lo.

30

CAPÍTULO III O DESENHO NA PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA

Pesquisas e trabalhos recentes vêm nos chamando atenção para as inúmeras possibilidades psicodiagnósticas do desenho. O grafismo, de um modo geral, pode ser utilizado como forma de comunicação, principalmente entre as crianças. Esta forma de comunicação constitui-se tão essencial à criança como o jogo ou o brinquedo.

O desenho infantil tem sido objeto de estudo de muitos especialistas pelo fato de a representação gráfica ser considerada um meio para o acompanhamento e a compreensão de desenvolvimento da criança. Constitui-se de um campo extremamente útil à psicopedagogia visto que se faz com que haja uma maior atenção sobre este objeto. Este desenvolvimento ocorre por conta de que a imagem, em todas as suas formas, tem ocupado cada vez mais papel importante na comunidade e na interação social.

A utilização do desenho pode indicar inúmeros caminhos que a criança usa para registrar percepções, conhecimento, emoção, imaginação, memória no desenvolvimento de uma força de interação social, apropriada a suas condições físicas, psíquicas, históricas e culturais.

Ferreira (2003) considera que o desenho da criança não reproduz uma realidade material, mas a realidade conceituada. Ou seja, o desenho da criança exprime o conhecimento conceitual que ela tem de uma dada realidade.

31 As crianças acham muito mais fácil expressarem-se através dos desenhos do que das palavras. As representações simbólicas conduzem a uma descentralização progressiva, na qual tanto a criança como o objeto se transformam em sistemas abertos cada vez mais dinâmicos e interativos.

3.1 Técnicas projetivas

O desenho consiste em Psicopedagogia, numa técnica projetiva. As técnicas projetivas trabalham com situações relativamente pouco estruturadas, usando-se estímulos com grande amplitude, até mesmo ambíguos. As tarefas propostas permitem uma diversidade de respostas, havendo, portanto, o livre jogo da imaginação, da fantasia, dos desejos. O princípio básico é de que a maneira do sujeito perceber, interpretar e estruturar o material ou situação reflete os aspectos fundamentais ao seu psiquismo. É possível, desse modo, buscar relações com a apreensão do conhecimento como procurar, evitar, distorcer, omitir, esquecer algo que lhe é apresentado. Podem-se detectar, assim, obstáculos afetivos existentes nesse processo de aprendizagem de nível geral e especificamente escolar.

Como afirma Anastasi (1967), “espera-se que os materiais do teste sirvam como uma espécie de “tela”, na qual o sujeito projeta suas agressões, seus conflitos, seus medos, seus esforços, suas idéias características” (Anastasi apud Weiss, 2004, p. 117). Assim, os aspectos do processo simbólico aparecem nas produções gráficas, nos relatos das histórias criadas, no uso do gesto e do próprio corpo nas dramatizações.

“O exame das provas objetivas permitirá, em geral, avaliar a capacidade do pensamento para construir, no relato ou no desenho, uma organização suficientemente coerente e

32 harmoniosa como para veicular e elaborar a emoção; também permitirá avaliar a deteriorização que se produz no próprio pensamento, quando o quantum emotivo resulta excessivo. O pensamento incoerente não é a negação do pensamento, ele fala ali mesmo onde se diz mal ou não se diz nada e isto oferece a oportunidade de determinar a norma no incongruente e saber como o sujeito ignora” (PAÌN, 1985, p.61).

O que se busca é descobrir como o sujeito usa seus próprios recursos cognitivos a serviço da expressão de suas emoções, ante os estímulos apresentados pelo terapeuta. O fundamental é a “leitura psicopedagógica” dessas situações e produtos, para assim detectar o que está empobrecendo a aprendizagem ou a produção escolar.

Através da observação do desenho da criança, pode-se obter dados sobre seu desenvolvimento geral, assim como levantar hipóteses de comprometimento afetivo-emocional, intelectual, perceptivo e motor em suas múltiplas interferências.

A expressão gráfica é uma manifestação da totalidade cognitiva e afetiva. Quanto mais a criança confia em si e no meio, mais ela se arrisca a criar e se envolver com o que faz. A criança segura consegue se concentrar na atividade porque ameaças externas e internas não a pressionam demais. Consegue se soltar, acreditar no que faz e se identificar com suas representações.

Numa avaliação é importante que se saiba observar o quanto e como a capacidade de envolvimento, de concentração e de prazer em criar estão presentes.

33 Muitas vezes, um desenho livre assusta a criança, porque ela não está acostumada a escolher o que faz e, sim, a responder o que esperam dela. Algumas vezes a criança, que faz exatamente tudo o que a professora “manda”, é justamente a que mais precisa de oportunidades para se expressar, estando ansiosa em compensar uma insegurança interna por uma imagem favorável frente à professora, vista como figura parental.

Observar se a criança se percebe como agente construtor, se atribui um significado pessoal aos objetos desenhados, se consegue se envolver, ou não. Quando ela se sente ameaçada, em geral busca apoio externo. Essa ansiedade pode se direcionar isolada ou conjuntamente para:



a pessoa que está com ela enquanto desenha. Por exemplo: -

procura contatos proximais (proximidade física) ou distitais (sorrisos e olhares), ou o inverso, isola-se e distancia-se negando a presença do outro;

-

busca contatos verbais, confirmando seguidamente se é assim que é para fazer, pede modelos para copiar ou idéias para seguir;



a própria folha de papel: -

procura apoios físicos e concretos, quer pelo uso constante de réguas, quer pelo traço junto às bordas da folha;



o próprio corpo: -

manifesta por vezes tensão exagerada ou inadequada, que se revela no traço muito forte ou muito leve;

34 -

dificuldade em dissociar o movimento das mãos, ou apresentando sincinesias;



a própria representação gráfica: -

dificuldade em aceitar o próprio desenho, ou seja, em aceitar-se, chegando até a negação, quer através do uso constante da borracha, quer riscando por cima, cobrindo o desenho totalmente,

-

dificuldade em se expor, através da repetição rígida, mecânica e estereotipada de figuras;

-

distorção exagerada, ênfase ou omissão de partes significativas do desenho.

Segundo Weiss (2004), existem algumas técnicas utilizando-se do desenho. Além do desenho livre, espontâneo, feito com qualquer material tem o desenhohistória, que consiste em inventar histórias sobre os próprios desenhos feitos.

O desenho da dupla educativa sistematizado por Malvina Oris e Pichona Ocampo (1981), é importante na avaliação psicopedagógica. Nessa situação, solicita-se que a criança desenhe uma pessoa que aprende e uma que ensina; após, sugere-se que ela formule uma história envolvendo esses dois personagens; pode ser oral ou por escrito. É possível interpretar relações ensinante-aprendente, o papel vivido na escola, em turma, as rejeições às situações escolares, ameaça da figura do professor, etc.

O desenho da família realizando alguma atividade também revela as relações da criança no núcleo familiar, as dificuldades na separação, no crescimento.

35 Durante a realização de qualquer desenho, é fundamental se observar o processo de produção: a postura corporal, a motricidade fina, o ritmo como trabalha, a forma de elaborar as figuras e a cena.

A boa análise do grafismo fornece dados na área cognitiva do sujeito, assim como no processo simbólico normal ou com desvios patológicos, dando compreensão global do sujeito. Não se podem confundir, na análise do desenho, aspectos evolutivos com aspectos patológicos, com dados que exprimem uma possível regressão, dissociação, fratura emocional.

Piaget (1986) reforma a importância dos estudos de Luquet (1981) em que pretende traçar uma evolução do desenho infantil e sua interpretação, e assim define:

“O desenho é uma forma de função semiótica que se inscreve a meio caminho entre o jogo simbólico, cujo mesmo prazer funcional e cuja mesma autotelia apresenta, e a imagem mental, com a qual partilha o esforço de imitação do real” (PIAGET, 1975, p. 5).

Toda vez que a criança desenha, tende a revelar-se, pois, para ela, o desenho é mais um veículo para exprimir idéias do que uma técnica de produção artística. As crianças, que rabiscam seus desenhos ou ficam envergonhadas diante de sua produção ou fazem uma figura estranha e contorcida, devem ser observadas, pois são possíveis portadoras de sintoma de comportamento pertubado ou de problemas emocionais (neste último caso, deve ser encaminhado para o psicólogo).

36 Concomitante, indica o nível de maturidade cognitiva para a aprendizagem de conteúdos ministrados na série em que se encontra. Além disso, oferece uma discrepância entre aspectos do seu potencial de inteligência e da inteligência emocional. Propicia também a obtenção do nível de vinculação do sujeito com sua produção.

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CONSIRERAÇÕES FINAIS

Há vários sentidos na expressão gráfica do desenho infantil, pois nele a criança

utiliza-se

de

múltiplos

caminhos

para

registrar

percepções,

conhecimentos, emoções, vontade, imaginação, memória no desenvolvimento de uma forma de interação social, apropriada a suas condições físicas, psíquicas, históricas e culturais.

A criança desenha para significar seu pensamento, sua imaginação, seu conhecimento, criando um modo simbólico de objetivação de seu pensamento. A expressão artística é um registro de sua personalidade. Desenhando, cria em torno de si um espaço de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso seguido de comentários e canções, mas sempre um espaço de criação. Lúdico. A criança desenha para brincar.

Na prática psicopedagógica nos deparamos, inúmeras vezes, com episódios onde crianças nos revelam através do desenho, do traço, da posição, das cores, as suas limitações ou dificuldades reais em relação à escola, a seus colegas ou a sua vida familiar. Se a criança desenha para contar sua história, encontramos também crianças que não desenham para não contar. É através desse viés que o psicopedagogo atuará no sentido de investigar as causas da recusa pelo desenho. Ao elaborar ou expressar a mensagem/desenho, a criança pode faze-lo conscientemente ou não, e o papel em branco passa a ser o elo, o interlocutor, o mediador entre quem desenha e a quem o desenho é mostrado.

Portanto, o psicopedagogo necessita além da formação acadêmica, utilizarse de sutileza e sensibilidade no trato com crianças. Necessitará também de extrema perspicácia, pois mudanças de humor, problemas familiares, dificuldades em relação à tarefa, desafeto ou não identificação com a figura do professor,

38 desinteresse são algumas reações e sinais que podem ser expressados através do desenho. Cabe ao psicopedagogo ter o olhar e a escuta psicopedagógicas “em sintonia”.

Ao utilizar o desenho infantil na investigação psicopedagógica, o psicopedagogo deve observar os elementos que o compõe para que se possa, então, estabelecer aspectos expressivos e projetivos que permitirão uma análise mais ampla que possibilitará ao psicopedagogo traçar estratégias de intervenção.

Assim, pode-se dizer que o traço que a criança faz traz consigo, inevitavelmente, o estado em que a mesma se encontra neste momento. Este estado permanece pronto para que o vejam leiam todos aqueles que são capazes de compreender tal linguagem.

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