DISCURSO DE SAUDAÇÃO A IVES GANDRA À falta de uma denominação consensual, convencionou-se chamar esta era em que vivemos de pós-modernidade. Em 1979, Jean-François Lyotard escreveu A Condição Pós-moderna, expressão logo disseminada em amplos setores e estereotipada na obra de Zygmunt Bauman, A Modernidade líquida. Ela significa, dentre outras vertentes, um período de superficialidade, imediatismo, contingência, fragmentação e uma legião de "ismos" que os pensadores contemporâneos exploram em vasta obra: individualismo, egoísmo, consumismo e materialismo, dentre tantos outros. Tudo parece relativizar-se e fugir ao absoluto. Prepondera o subjetivismo ético, cultural e espiritual. A sociedade pré-moderna era fundada sob a orientação de uma estrela polar transcendente e objetiva, atestada por uma autoridade religiosa ou civil. Hoje, prestigia-se a elaboração de uma via pessoal de desenvolvimento espiritual, moral e cívico, geradora de um pluralismo ilimitado, um delta ramificadíssimo de percursos e opções que têm como único limite o respeito recíproco em escala mínima. "Nesta linha se compreende como a assunção da verdade religiosa ou ética surja segundo uma livre seleção de pratos espirituais proporcionados segundo o próprio apetite interior ou à imediata fruição concreta"1. É a opção à la carte para a religião, a ética e os valores, cuja exteriorização tradicional encontra-se em evidente declínio. A confissão religiosa e seu ritualismo, ao menos em tese e para amplos segmentos, não é dogmaticamente observada e de modo explícito. Submete-se, em lugar disso, a um risco talvez mais sutilmente perigoso. É, em larga medida, ignorada ou considerada irrelevante ou relegada a uma esfera intimística. O adversário da religião, num quadro como este, não é, portanto, o ateísmo, porém algo invisível e incontrolável: a indiferença. Neste cenário aparentemente dominante em largos setores da sociedade, é alentador encontrar um pensador erudito, respeitado em seu ambiente e citado em todos os juízos e tribunais desta República de 100 milhões de processo, que consegue manter a coerência de uma fé profunda e consistente. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS convive galhardamente na Cidade dos Homens, sem trair a Cidade de Deus. Reconhece que "o humano é tão rico para compartilhar, para trabalhar, que tranquilamente podemos complementar mutuamente nossas 1
RAVASI, Gianfranco, Guida ai naviganti-Le risposte della fede, Milano:Mondadori, 2012, p.22/23.
riquezas"2. Sabe, porque é crente e convicto, que essas riquezas são um dom de Deus. Também sabe que o outro, o ateu, não sabe disso. Todavia, não encara a relação entre culturas díspares para fazer proselitismo com os ateus, que ele respeita. Só que não tem receio de se mostrar como é. "Na medida em que haja conhecimento, aparecem o apreço, o afeto e a amizade"3. Não é reticente, não condena, não julga o porvir transcendente daqueles dos quais se aproxima, que passa a conhecer, e frequentar. Aceitaos e com eles se relaciona como semelhantes. Identifica bons caracteres humanos em pessoas ainda não tocadas pela graça, detecta nelas esses atributos que engrandecem e fazem bem. É coerente "com a mensagem que recebemos da Bíblia: todo homem é imagem de Deus, seja crente ou não. Por essa única razão, ele – [o homem] - conta com uma série de virtudes, qualidades, grandezas. E caso tenha baixezas, [...] podemos compartilhá-las para nos ajudar mutuamente a superá-las"4. Este é IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, de quem já tive oportunidade de falar: "...é uma das vozes autorizadas a emitir juízos sensatos sobre uma infinita gama de questões. Todas elas relevantes para transformar o mundo. Sem dúvida, o seu campo de atuação profissional é o direito. Domina o constitucionalismo, convertido em chave para a interpretação de todos os demais espaços jurídicos, pois a Constituição da República é analítica, principiológica e abrangente. Mas sobressai no Direito Tributário, com sua lúcida visão de democrata preocupado com a voracidade de um Estado cada vez mais perdulário"5. Sua conclamação patriótica por uma Reforma Política e Tributária imprescindível à consolidação democrática ecoa no Brasil e no exterior. Ouço e repito frequentemente, com o devido crédito, a citação por ele cunhada de que "o Estado Brasileiro não cabe no PIB". E mais:
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BERGOGLIO, Jorge & SKORKA, Abraham, Sobre o céu e a terra - O que pensa o novo papa Francisco sobre a família, a fé e o papel da Igreja no século XXI, São Paulo: Paralela, 2013, p.23. 3 BERGOGLIO & SKORKA, op.cit., idem, ibidem. 4 BERGOGLIO & SKORKA, op.cit., idem, p.23/24. 5 NALINI, José Renato, A paixão pelo bom, in IVES GANDRA: Palavra, MINDLIN, José, et al., Ribeirão Preto: Migalhas, 2010, p.18.
"Transita com autoridade pela ética, pois aquela contida em sua pregação é reflexo de sua vivência. Inspirada em compreensão profunda e autêntica da vocação humana em peregrinação transitória pelo planeta. A dimensão cristã que IVES GANDRA DA SILVA MARTINS imprime a todos os seus atos o credencia a ser paradigma de coerência. Prega o que vive, vive o que prega"6. Acima de tudo, é um testemunho eloquente da perenidade do amor, pois continua apaixonado por sua Ruth, musa inspiradora de uma fecunda e respeitada obra poética. PORTUGAL está em seu sangue, pois é descendente de FERNANDO MARTINS, que nossa Pátria-mãe reverencia como Santo Antonio de Lisboa e a Itália invoca sob a denominação de Santo Antonio de Pádua. Isso explica a aparente ubiquidade de IVES, que não recusa o chamado para ensinar, estimular, contribuir para o contínuo aperfeiçoamento não apenas das instituições jurídicas, mas - na verdade - no aprimoramento de toda a Humanidade. Cresceu em lar de nobre tradição, dos mais sólidos valores lusitanos, reforçados pela arte e pela excelência de caráter de seus pais. Conheci seu genitor centenário e lúcido, JOSÉ DA SILVA MARTINS, a declamar com fervor A Ceia dos Cardeais. O mais promissor dos pianistas da prole GANDRA DA SILVA MARTINS, poeta e profissional de excepcional talento, é ainda prolífico autor, Doutor Honoris Causa de múltiplas Universidades, Presidente de muitas instituições, inclusive da nossa ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, este o homem completo, integral, mais uma vez - e nunca é demais - homenageado, agora com a Comenda da Ordem do Mérito Infante D. Henrique. Assim como D. Henrique de Avis, 1º Duque de Viseu e 1º Senhor da Covilhã - Porto, 4.3.1394 - Sagres, 13.11.1460 - foi a mais importante figura do início da era das descobertas, IVES é uma das mais importantes figuras nesta era pós-moderna, a sugerir que é possível singrar rumo a um porto confiável, a despeito dos multiplicados cabos de tormentas. O Infante D.Henrique foi cognominado O Navegador e IVES é também navegador pelos mares turbulentos e traiçoeiros da pósmodernidade. Não se submete ao canto das sereias enganadoras e mantém-se tranquilo ao leme controlado por mãos firmes e consciência lúcida, munida e inspirada por bússola ética e cristã. 6
NALINI, José Renato, idem, p.18/19.
Em 25 de maio de 1420, D.Henrique foi nomeado GrãoMestre da Ordem de Cristo, titular em Portugal do patrimônio da Ordem dos Templários. Nisso IVES chega a superá-lo: sua retidão e consistência na fé o credenciam a ser o dileto irmão de Cristo, por ele recebido todas as manhãs na Eucaristia e refletido em cada atitude sua. D. Henrique foi um conquistador. IVES também ultrapassa as suas conquistas. Para muito além das glórias, conquista-nos a todos com sua sapiência, humildade e fidelidade à fé, atributos que concilia e cumula com generosidade, disponibilidade cristã e insuperável simpatia. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS: a Comenda da Ordem do Mérito Infante D. Henrique é hoje promovida ao galardoá-lo. Recebe inequívoco salto qualitativo, pois você representa a mais elevada excelência que o ser humano pode ostentar, no caminho da perfectibilidade que é a vocação posta no horizonte de cada um de seus filhos. Continue a ser norte, paradigma e inspiração. Deus o predestinou para a grandeza e nos privilegiamos por sermos contemporâneos de sua existência. Muito obrigado.