EFETIVIDADE DO TEXTO MAGNO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Liane Tabarelli Zavascki1 Resumo: O presente artigo tem como objetivo relacionar as contribuições da interpretação constitucional com a necessidade de os Poderes Públicos e a sociedade civil envidarem esforços conjuntos em uma atuação cooperativa visando à máxima efetividade dos direitos fundamentais. Palavras-chaves: Interpretação constitucional. Atuação cooperativa. Poderes Públicos. Sociedade civil. Eficácia dos direitos fundamentais. Abstract: This article aims to relate the contributions of constitutional interpretation with the need for government authorities and civil society facilitate joint efforts in a cooperative action aimed at maximum effectiveness of fundamental rights. Key-words: Constitutional interpretation. Practice cooperative. The government. Civil society. Effectiveness of fundamental rights. Sumário: 1. Introdução. 2. Interpretação constitucional e seus consectários 3. Conclusão. 4. Referências. 1. Introdução Na contemporaneidade, todos os ramos do Direito exigem uma leitura constitucionalizada. Os princípios-vetores constitucionais e, em especial, os que se referem aos direitos fundamentais, exigem que todos os Poderes da República reúnam esforços conjuntos para suas concretizações. Desse modo, a tarefa da interpretação constitucional adquire significativa importância para fins de cumprir esse compromisso.
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Advogada, sócia do escritório Jane Berwanger Advogados. Ex-bolsista da CAPES de Estágio Doutoral na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Processo: 5694/11-6). Doutoranda em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito pela UNISC. Professora da PUC-RS. Docente de cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos públicos. Colaboradora da Assessoria Jurídica da FETAG-RS. Autora da obra “O Direito na Era Globalizada: desafios e perspectivas” e de diversos capítulos de livros e artigos jurídicos. Endereço eletrônico:
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Assim urge apontar as significativas contribuições da interpretação constitucional para a concretização ou promoção de maior eficácia dos direitos fundamentais. Esse é o objeto de estudo desse trabalho. 2. Interpretação constitucional e seus consectários A palavra, o uso do vernáculo sempre foi instrumento de trabalho do jurista. Seja ela escrita ou falada, aquele que atua no Direito sempre se dedicou a compreender, delimitar, apreender, enfim, interpretar o sentido que as palavras podem adquirir em um texto. Interpretar é estabelecer o alcance de uma proposição, revelar o sentido. Não obstante as contribuições de Kelsen2 para a Ciência do Direito, nos dias atuais o Direito é “contaminado” por inúmeros axiomas, proposições valorativas, éticas, morais, entre outras, que, muitas vezes, representam o momento histórico e as prioridades de determinada sociedade. Ainda, partindose do contributo de Kelsen que estabelece o sistema jurídico com uma estrutura piramidal, onde a Lei das leis, isto é, a Constituição Federal, situa-se no topo desse sistema, a interpretação constitucional adquire significativa importância. Nesse sentido, interpretar a Constituição significa, em última instância, dar concretude aos direitos fundamentais ali insculpidos. O Texto Maior prescreve os objetivos e fundamentos da República e todo o ordenamento jurídico infraconstitucional deve ser interpretado de modo a prestigiar os comandos constitucionais. Os direitos fundamentais ali prescritos devem ser prioridade absoluta de realização por parte dos agentes de um Estado que se intitula Democrático de Direito. Essa ideia de Ciência do Direito como uma ciência hermenêutica ou da teoria jurídica como uma teoria hermenêutica é um tanto recente. Como assevera Tércio S. Ferraz Jr., "esta consciência nos conduz ao século XIX como 2
Para maiores esclarecimentos vide KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
período em que a interpretação deixa de ser uma questão técnica da atividade do jurista para ser objeto de reflexão, tendo em vista a constituição de uma teoria."3
O autor afirma que desde o fim do século XVIII já existiam vestígios desta teoria, pois o jusnaturalismo já havia aberto para o Direito o conceito de sistema, o qual era definido como "a noção de um conjunto de elementos ligados entre si pelas regras da dedução".4 Já na esfera jurídica, afirma o mesmo autor, o que se falava era em "sistema das ordens da razão ou sistema das normas racionais, entendendo-se, com isso, a unidade das normas a partir de princípios dos quais elas eram deduzidas"5. Pra ele, interpretar o Direito significava inserir a norma na globalidade do sistema. Dessa forma, a relação entre o conceito de Direito e essa globalidade do sistema terminou colocando a questão geral do sentido da unidade do todo. Numa ótica jurídica, essa questão da unidade se torna "um problema de sentido da ordem normativa". Qual seria, então, a finalidade desse sentido? O que se pode ver é que o sentido textual está na lei e, para analisar isso, surgem "quatro técnicas da interpretação: Interpretação gramatical, que procurava o sentido vocabular da lei; a interpretação lógica, que visava ao seu sentido proposicional; a sistemática, que buscava o sentido global; e a histórica, que tentava atingir o seu sentido genético".6 A partir disso, Tercio Sampaio Ferraz Jr. pergunta: Qual o paradigma para se reconhecer que uma interpretação do texto da lei é autêntica? A resposta envolve a possibilidade de um sentido último e determinante. A concepção de que o texto da lei é expressão da mens legislatoris leva Savigny a afirmar que interpretar é 7 compreender o pensamento do legislador manifestado no texto da lei .
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FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1986. p. 68-69. Ibid., p. 68-69. 5 Ibid., p. 68-69. 6 Ibid., p. 69-70. 8 Ibid., p. 69-70. 4
Nesse sentido, é importante observar que o problema da atividade da norma não está apenas em configurar um sistema, mas em determinar um sentido a ela, fazendo com isso que sejam instauradas condições para o surgimento de um método e também de uma disputa em torno do objeto da teoria jurídica.
Interessante pontuar, nessa linha, a lição de Freitas, ao advertir que “jurista é aquele que, acima de tudo, sabe eleger diretrizes supremas, notadamente as que compõem a tábua de critérios interpretativos aptos a presidir todo e qualquer trabalho de aplicação do Direito”.8 A finalidade prática da ciência do Direito, nesse modelo hermenêutico, tem por objeto interpretar os textos e suas intenções dominando a tarefa interpretativa, pois o propósito do jurista não é somente compreender um texto, mas também determinar seu alcance e a sua força. Ou seja, "a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de aplicabilidade da norma enquanto modelo de comportamento obrigatório (questão da decidibilidade)".9 Por isso, esse modelo se distingue de atividades semelhantes das demais ciências humanas.
Através da utilização da interpretação gramatical, lógica, sistemática, teleológica, histórica, etc., o jurista realiza sua tarefa interpretativa, mas essa multiplicidade de técnicas interpretativas, que não se opõem mas se completam ou se incluem, podem ocasionar problemas. Tercio Sampaio Ferraz Jr.10 acredita que "poderíamos fazer uma apresentação dessas técnicas com espírito sistemático, procurando um critério que nos permitisse ordená-las num todo ou guiar-nos pela história do seu progressivo aparecimento na ciência jurídica". Porém, deixa claro o autor que a primeira hipótese é mais satisfativa, pois ressalta que o que se pretende encontra-se situado didática, e, não, metodologicamente, pois as "técnicas não 9
FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - R. TCMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000. p. 18. 9 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1986. p. 74. 10 Ibid., p. 74.
constituem metodologicamente um todo, mas apenas para efeito da sua descrição é que são mostradas como um conjunto". Dessa forma, sendo a decidibilidade a questão fundamental que direciona a atividade do jurista, a hermenêutica é um mecanismo que visa a criar condições para que os possíveis conflitos sejam solucionados com um mínimo de perturbação social. Sob a ótica pragmática, a atividade em questão é dominada "pelo princípio da economia de pensamento", pois para esclarecer o "texto normativo não é necessário ir sempre até o fim, mas até o ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis". 11 Nesses termos, Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirma que o intérprete, ao colocar o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema, para determinar-lhe a força e o alcance, e observando que a norma, pela sua própria estrutura, prevê um comportamento que ela regula, tende a começar pela consistência 12 onomasiológico do texto, o primeiro passo na interpretação é verificar o sentido dos vocábulos do texto, a sua correspondência com a realidade que ele designa. Se a norma pune o furto, a questão é saber que é furto e em que sentido a palavra é usada no texto.
Nessa linha, primeiramente, o intérprete deveria estabelecer uma definição para o que se pretende analisar. Essa pode ser originada, muitas vezes, de uma linguagem cotidiana, mesmo assim destinando a ela um enfoque técnico. Registre-se, nesse passo, que esse é freqüentemente ilusório, pois essa interpretação literal, que pretende esgotar o sentido do texto já está em desuso. Assim, isso é apenas um ponto de partida e nunca, ou quase nunca, um fim no processo. Ojurista se vê obrigado, pois, a fim de obter um sentido plausível ao texto, a abusar de outras técnicas de interpretação, que, por sua vez, têm objetivos ampliados, como é o caso da interpretação lógica e sistemática. Nesse contexto, a interpretação sistemática "nos termos de Savigny, é como a busca do sentido global da norma num conjunto abarcante", ou seja, existe um nexo normativo que precisa ser apurado e esse implica a atração dos fins para os quais a norma é edificada. A compreensão dos fins não é imanente a 11 12
Como afirmava o hoje abandonado aforismajurídico "in claris cessat interpretatio". Entende-se por onomasiologia a teoria da designação nominal.
cada norma tomada solitariamente, mas exige um entendimento dilatado da norma dentro do ordenamento. Essa interpretação sistemática por envolver uma teleologia, culmina sempre num procedimento que ativa a participação do intérprete na própria criação do direito. Falase então em interpretação histórico-evolutiva que ocorre sobretudo quando os objetivos do legislador histórico não são mais reconhecíveis de modo claro ou quando as necessidades sociais do mundo em transformação passam a exigir uma revaloração dos fins postos para 13 determinada legislação .
Logo, o que vem a ser revelado aqui é o antagonismo entre a ideia de mens legislatoris e de mens legis, convertendo o modelo hermenêutico em um modelo de integração do Direito. Nesse ponto, concorda-se com a lição de Peter Häberle, o qual assinala que “todo aquele que vive a Constituição é um legítimo intérprete”.14 A hermenêutica constitucional, conforme Häberle, estende-se a todos os cidadãos. Trata-se de um processo pluralista e democrático, não se cingindo, pois, a interpretação, ao corpo clássico de intérpretes do quadro da hermenêutica tradicional. A ampliação do número de intérpretes, para ele, é “conseqüência da necessidade de integração da realidade no processo de interpretação. [...] O processo constitucional torna-se parte do direito de participação democrática”.15 Logo, cidadãos, organizações da sociedade civil, ONGs, setores que representem o Poder Público e os interesses privados devem contribuir para a tarefa
interpretativa
e
reveladora
da
realidade
constitucional.
Na
contemporaneidade, demandas cada vez mais complexas, em um sociedade plural e heretogênea como a brasileira, exigem esforços conjuntos para uma
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FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1986, p. 80. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. p 9. 15 Ibid., p. 11. 14
interpretação concretizante da Constituição e, em especial, dos direitos fundamentais. Particularmente sobre interpretação concretizante, Konrad Hesse infere que Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode - ou deve - provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade (Telos) de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não devem ser sacrificadas em virtude de uma mudança de situação. Se o sentido de uma proposição normativa não pode mais ser realizado, a revisão constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-se-ia a supressão da tensão entre norma e realidade com a supressão do próprio direito. Uma interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses limites. A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. [...] Se os pressupostos da força normativa encontrarem correspondência na Constituição, se as forças em condições de violá-la ou de alterá-la mostrarem-se dispostas a render-lhe homenagem, se, também em tempos difíceis, a Constituição lograr preservar a sua força normativa, então ela configura verdadeira força viva capaz de proteger a vida do Estado contra as desmedidas investidas do arbítrio. Não é, portanto, em tempos tranqüilos e felizes que a Constituição normativa vê-se submetida à sua prova de força. Em verdade, está prova dá-se nas situações de emergência, nos tempos de necessidade. [...] Em outros termos, o Direito Constitucional deve explicitar as condições sobre as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente, constitui a 16 maior garantia de sua força normativa.
Por outro lado, impera salientar, nesse estudo, que, ao almejar-se uma interpretação concretizante dos preceitos e da axiologia constitucional presente, em particular, nos seus fundamentos, urge conhecer os vetores principiológicos contidos na mesma. O Direito atual, acompanhando os ensinamentos de Alexy17, cuida de uma rede de princípios e regrais. Essa teia de mandamentos, de densidades e hierarquias distintas, demanda intérpretes
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HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 23-27. 17 Vide ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
preparados para otimizar-lhes os comandos e produzir a máxima eficácia possível. Veja-se, por oportuno, as contribuições de Freitas acerca de preceitos propostos em estudo de interpretação constitucional: a) todo juiz, no sistema brasileiro, é, de certo modo, juiz constitucional e se afigura irrenunciável preservar, ao máximo, a coexistência pacífica e harmoniosa entre os controles difuso e concentrado de constitucionalidade; b) a interpretação constitucional é processo tópico-sistemático, de maneira que resulta impositivo, no exame dos casos, alcançar solução de equilíbrio entre o formalismo e o pragmatismo, evitandose soluções unilaterais e rígidas; c) ao hierarquizarmos prudencialmente os princípios, as normas e os valores constitucionais, devemos fazer com que os princípios ocupem o lugar de destaque, ao mesmo tempo situando-os na base e no ápice do sistema, vale dizer, fundamento e cúpula do mesmo; d) o intérprete constitucional deve ser o guardião, por excelência, de uma visão proporcional dos elementos constitutivos da Carta Maior, não entendida a proporcionalidade apenas como adequação meiofim. Proporcionalidade significa, sobremodo, que estamos obrigados a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos; e) o intérprete constitucional precisa considerar, ampliativamente, o inafastável poder-dever de prestar a tutela, de sorte a facilitar, ao máximo, o acesso legítimo do jurisdicionado. Em outras palavras, trata-se de extrair os efeitos mais fundos da adoção, entre nós, do intangível sistema de jurisdição única; f) o intérprete constitucional deve guardar vínculo com a excelência ou otimização máxima da efetividade do discurso normativo da Carta, no que esta possui de eticamente superior, conferindo-lhe, assim, a devida coerência interna e a não menos devida eficácia social; g) o intérprete constitucional deve buscar uma fundamentação racional e objetiva para as suas decisões sincrônicas com o sistema, sem adotar soluções contra legem, em que pese exercer atividade consciente e assumidamente positivadora e reconhecendo que a técnica do pensamento tópico não difere essencialmente da técnica de formação sistemática, ambas facetas do mesmo poder de hierarquizar e dar vida ao sistema, entre as várias possibilidades de sentido; h) o intérprete constitucional deve honrar a preservação simultânea das características vitais de qualquer sistema democrático digno do nome, vale dizer, a abertura e a unidade, que implica dever de zelar pela permanência na e da mudança; i) o intérprete constitucional deve acatar a soberania da vitalidade do sistema constitucional no presente, adotando, quando necessário e com extrema parcimônia, a técnica da exegese corretiva;
j) o intérprete constitucional precisa ter clareza de que os direitos fundamentais não devem ser apreendidos separada ou localizadamente, como se estivessem, todos, encartados no art. 5º da Constituição; k) o intérprete constitucional, sabedor de que os princípios constitucionais jamais devem ser eliminados mutuamente, ainda quando em colisão ou contradição, cuida de conciliá-los, com maior ênfase do que aquela dedicada às regras, que são declaradas inconstitucionais, em regra, com a pronúncia de nulidade; l) o intérprete constitucional somente pode declarar a inconstitucionalidade (material ou formal) quando frisante e manifestamente configurada juridicamente. Dito de outro modo, deve concretizar o Direito, preservando a unidade substancial e formal do 18 sistema em sua juridicidade.
Note-se, pois, que a atividade interpretativa envolve, ineroxavelmente, uma ação hierarquizante diante de inúmeros princípios e regras que são potencialmente aplicáveis no caso concreto, mas que, se assim o fossem, respostas absolutamente contraditórias e paradoxais daí resultariam. Freitas, ademais, endossa a noção de hierarquização da atividade interpretativa ao afirmar que Com efeito, uma vez que inexiste hipótese de dispensa da hierarquização (interpretar é, sempre e sempre, hierarquizar), o relevante consiste em perceber que a inafastabilidade da hierarquização converte o critério hierárquico axiológico numa diretriz operacional superior em confronto com os demais critérios (cronológico e da especialidade), sendo necessário, também, assumir os consectários desta onipresença hierarquizante, especialmente ao lidarmos com o fenômeno da colisão de princípios e, de resto, com as denominadas antinomias de segundo grau. [...] Hierarquizar é, pois, a nota suprema da interpretação jurídica como um todo. Hierarquizando os princípios e as regras constitucionais, mais evidente transparece o papel concretizador do intérprete (juiz ou o cidadão em geral) de ser o positivador, aquele que dá vida ao ordenamento, sem convertê-lo propriamente em legislador. Ultrapassa-se, desse modo, a polêmica, sem sentido dialético, entre objetivismo e subjetivismo. Mais intensa se mostra a valia da preocupação tedesca com a “adequação funcional”. Preferível, por isso mesmo, afirmar que o intérprete constitucional em geral (e, de modo maiúsculo, o magistrado), de certo jeito, positiva o Direito por derradeiro. Fora de dúvida, o intérprete (não o legislador) é quem 19 culmina o processo de positivação jurídica.
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FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - R. TCMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000. p. 43-46. 19 Ibid., p. 21.
Destarte, registre-se que, diante da atividade precípua e hierarquizante da interpretação constitucional, a fim de prestigiar a concretude dos direitos fundamentais, inúmeros princípios devem ser observados e aplicados para se obter uma solução que mais se aproxime da realidade e axiologia constitucional. Isso porque é flagrante que, nos dias atuais, a crescente aplicação dos princípios tem relegado às regras atuação secundária e os operadores do Direito devem adquirir destreza e habilidade para atuar com esse novo Direito: O Direito “por princípios”. Germana de Oliveira Moraes, nesse passo, alerta para o fato de que A eficiência do Direito “por princípios” depende fundamentalmente da atuação do juiz constitucional durante o processo de concretização do Direito para o qual é imprescindível sua capacidade de percepção dos valores sociais. A sociedade, por sua vez, já condicionada pelo modelo legalista que prometia sempre uma solução previsível para com os conflitos, vê-se, hoje, perplexa diante da possibilidade de concorrência de soluções diferentes, ao abrigo do Direito, sem ter ainda a compreensão de que esta multiplicidade advém de seu caráter encantadoramente livre, plural e mutante. A melhor via que poderá eleger o juiz, nestes tempos de transição, para atender este desafio de reconstruir e “constituir” o Direito no caso concreto, ou seja, de dizer se determinada conduta é ou não compatível com os princípios constitucionais (= valores), é a interação com a sociedade civil. Afinal, rigorosamente, numa democracia quem dita o Direito é a sociedade, reservando-se, agora, sob a égide do Direito “por princípios”, também ao juiz, em especial, ao juiz constitucional, o papel de decodificador dos valores (= princípios) que 20 ela aceita em determinado momento e em determinado local.
Ainda, acerca da temática, Freitas complementa que [...] as normas estritas ou regras vêm perdendo, cada vez mais, espaço e relevo para os princípios, despontando estes, por definição, como superiores àquelas, conquanto não se deva postular um sistema constituído apenas de princípios, erro idêntico ao de pretender um ordenamento operando como mera e desconectada aglutinação de regras. [...] A cimentação da sistematicidade ocorre por força da amálgama unicamente trazida pela natureza e pela atuação dos princípios 21 fundantes e fundados do ordenamento jurídico.
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MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 187. 21 FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - R. TCMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000. p. 17.
Constata-se, pois, a importância da tarefa interpretativa e sua complexidade na contemporaneidade. Inúmeros interesses a serem atendidos, compreensões divergentes, prioridades distintas dos mais diversos intérpretes. De qualquer modo, frise-se que o vetor maior para a interpretação constitucional que envolva direitos fundamentais deve ser, de modo imperativo, o resultado que produza as menores limitações ou restrições de forma a prestigiar, o quanto possível, sua maior eficácia possível. Assinale-se que Assim, devem ser interpretadas restritivamente as limitações, havendo, a rigor, regime unitário dos direitos fundamentais das várias gerações, donde segue que, no âmago, todos os direitos têm eficácia direta e imediata, reclamando crescente acatamento encontrando-se peremptoriamente vedados os retrocessos. Com efeito, uma vez reconhecido qualquer direito fundamental, a sua ablação e a sua inviabilização de exercício mostram-se inconstitucionais. Nessa ordem de considerações, todo aplicador precisa assumir, especialmente ao lidar com os direitos fundamentais, que a exegese deve servir como energético anteparo contra o descumprimento de preceito fundamental, razão pela qual deve ser evitado qualquer resultado interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo, a máxima eficácia possível dos direitos fundamentais. Em outras palavras, a interpretação deve ser de molde a levar às últimas conseqüências a “fundamentalidade” dos direitos, afirmando a unidade do regime dos direitos das várias gerações, bem como a 22 presença de direitos fundamentais em qualquer relação jurídica.
Há que se salientar, também, que, não obstante vários sejam - ou possam ser os intérpretes constitucionais, ainda mais em se tratando de um Estado como o brasileiro, o qual admite o sistema difuso e concentrado de controle de constitucionalidade, o Judiciário tem a atribuição por excelência de realizar essa insigne tarefa. Marcelo Figueiredo ressalta o papel do Judiciário, por longa data, como garantidor dos direitos civis e da liberdade individual, no Estado de modelagem liberal e o Estado Democrático e de Direito ao qual o Brasil se propõe a ser
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FREITAS, Juarez. O Princípio da Democracia e o controle do orçamento público brasileiro. In: Revista Interesse Público Especial. Responsabilidade Fiscal. Porto Alegre: Notadez, 2002. p. 19.
exige do Judiciário a tutela dos direitos sociais, sem que isso seja invasão da seara de competência dos demais poderes.23 Entenda-se, ademais, que o Poder Judiciário, além de ser o Poder constitucionalmente consagrado para a interpretação constitucional, é aquele que deve possuir imparcialidade ao realizar a prestação jurisdicional. Embora não esteja ele comprometido com interesses como porventura pode ocorrer com o Executivo e Legislativo, deve, sim, haver uma atuação afirmativa das Cortes de Justiça no sentido da promoção dos direitos fundamentais quando de sua atuação. Nesse sentido, pois, não há que se falar em imparcialidade dos juízes que, antes e acima de tudo, devem ter compromisso constitucional. Freitas já se manifestava nesse sentido em duas oportunidades distintas quando assevera que Ora, em face de ser o juiz o detentor único da jurisdição, surge o amplo e irrenunciável direito de amplo acesso à tutela jurisdicional como uma contrapartida lógica a ser profundamente respeitada, devendo ser proclamado este outro vetor decisivo no processo de interpretação constitucional: na dúvida, prefira-se a exegese que amplie o acesso ao Judiciário, por mais congestionado que este se encontre, sem embargo de providências inteligentes para desafogálo, sobretudo coibindo manobras recursais protelatórias e estabelecendo que o Supremo Tribunal Federal deva desempenhar exclusivamente as atribuições relacionadas à condição de Tribunal Constitucional, sem distraí-lo com tarefas diversas destas, já suficientemente nevrálgicas para justificar a existência daquela 24 Corte. [...] Almejo, finalmente, deixar consignado que se mostra indispensável apostar no Poder Judiciário brasileiro, em sua capacidade de dar vida aos preceitos ilustrativamente formulados e crer na sua fundamentada sensibilidade para o justo, razão pela qual insisto em proclamar que todos os juízes, sem exceção, precisam, acima de tudo, ser respeitados, fazendo-se respeitar, como juízes 25 constitucionais.
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FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil uma visão geral. Interesse Público - IP, Belo Horizonte, v.9, n.44, p.27-66, jul./ago. 2007. p. 40. 24 FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - R. TCMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000. p. 29-30. 25 Idem. O Princípio da Democracia e o controle do orçamento público brasileiro. In: Revista Interesse Público Especial. Responsabilidade Fiscal. Porto Alegre: Notadez, 2002. p. 4.
Logo, diante das considerações aqui tecidas, vislumbra-se a importância da interpretação constitucional como instrumento de realização dos direitos fundamentais. Nessa linha, ressalte-se que o exercício da democracia preconiza, além da alternância do Poder, o controle social sobre os Poderes instituídos, como forma de fiscalizar e aprimorar suas atuações. 3. Conclusão Deve restar claro que o propósito principal e motivador desse trabalho está relacionamento diretamente com uma proposta de Hermenêutica Constitucional concretizante. Busca-se aproximar as atividades dos Poderes Públicos e da sociedade civil como um todo do Texto Constitucional para conferir-lhe a maior eficácia possível, isto é, perseguir inexoravelmente a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Diante das considerações tecidas, vê-se, pois, que o tema central da pesquisa apresentada é a aplicabilidade da Hermenêutica Constitucional aberta como forma de viabilizar e legitimar uma atuação conjunta e cooperativa de Estado e sociedade na promoção dos direitos fundamentais. Não resta dúvida de que há o que se aprofundar no que diz respeito a essa temática. De tal fato emerge um quadro paradoxal quando se verifica uma outra realidade não menos verdadeira, a de que uma das próprias funções estatais é potencialmente mais ameaçante e lesiva a direitos, especialmente fundamentais, qual seja a função administrativa, exercida em maior escala pelo Poder Executivo. Muito há que se refletir para apresentar soluções. Esse foi somente um primeiro passo. 4. Referências ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas. 1986. _____. Introdução ao Estudo do Direito - Técnica, Decisão, Dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994. FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil - uma visão geral. Interesse Público - IP, Belo Horizonte, v.9, n.44, p.27-66, jul./ago. 2007. FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - R. TCMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 2, p. 15-46, abr./jun. 2000. FREITAS, Juarez. O Princípio da Democracia e o controle do orçamento público brasileiro. In: Revista Interesse Público Especial. Responsabilidade Fiscal. Porto Alegre: Notadez, 2002. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004.