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Apoio As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas Volume 3 C M Y CM MY CY CMY K CAPA ed 3.pdf 23.10.08 23:21:12...

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As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas

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Volume 3

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Circulação Emerson Cardoso [email protected] Marina Marques [email protected]

Jornalista responsável Flávia Lima MTB 40.703 [email protected] Coordenador técnico Hilton Moreno

Começo esta carta agradecendo mais uma vez a todos que continuam apoiando o projeto da Coleção Elétrica, seja por meio de mensagens eletrônicas, cartas, telefonemas ou durante conversas pessoais. Fico também muito feliz por saber que novos colegas passaram a receber e apreciar o conteúdo desta publicação. Permanentemente estimulados pelos leitores e motivados a trazer novos e úteis conhecimentos aos profissionais, preparamos para esta terceira edição da Coleção Elétrica algumas matérias que atendem aos objetivos do projeto. Você encontrará interessantes textos sobre a história dos fusíveis e dos disjuntores, componentes indispensáveis à proteção das instalações elétricas; sobre a evolução do projetista, profissional que sofreu diversas transformações com os avanços tecnológicos; sobre os efeitos da eletricidade no corpo humano; entre outras temáticas. Como nas vezes anteriores, destaco a seção “Biografia”, em que o homenageado é uma figura ímpar do setor: o engenheiro eletricista, nascido em Portugal e com brilhante carreira no Brasil, Armando Reis Miranda, ou, como carinhosamente o tratamos no dia-a-dia, simplesmente, Engenheiro Miranda. Como poderá ser apreciado ao longo do texto, sua história de vida é um aprimorado exemplo de luta, dedicação, persistência, coragem e desafios. E tudo isso recheado de muita competência, conhecimento teórico e complementados por vivência prática inigualável. Pessoalmente, tem sido um grande aprendizado conviver profissionalmente com o Engenheiro Miranda, particularmente nas reuniões da ABNT, nas quais ele se destaca com suas posições técnicas firmes e conceitos sólidos, que muito têm contribuído para o avanço da normalização técnica nacional. Faço votos para que você, amigo(a) leitor(a), aprecie este terceiro fascículo da Coleção Elétrica e aguardamos com todo interesse seus comentários, críticas e sugestões.

Direção de arte e produção Leonardo Piva [email protected]

Publicidade Diretor comercial Adolfo vaiser [email protected] Contatos Publicitários Ana Maria Rancoleta [email protected] Vanessa Marquiori [email protected] Cesar Dallava [email protected] Capa Kanji Design

Choques elétricos ainda são realidade no Brasil e no mundo. fuga de corrente são objetos desta reportagem.

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história A origem e a difusão dos fusíveis e dos disjuntores, dispositivos de proteção fundamentais às instalações elétricas em todos os níveis de tensão.

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biografia As aventuras e as contribuições do engenheiro português Armando Reis Miranda para as instalações elétricas brasileiras.

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dentro da lei Presente em praticamente todos os países e em todos os segmentos econômicos, a pirataria e a contrafação de produtos

Colaboradores Bruno Moreira, Leonardo Faria, Mauro Júnior, Sergio Bogomoltz Revisão Gisele Folha Mós

grandes questões Como o corpo reage à eletricidade e métodos para evitar a

Gerência de planejamento Sergio Bogomoltz [email protected]

Administração Paulo Martins Oliveira Sobrinho [email protected]

Hilton Moreno, engenheiro eletricista, consultor e presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos - Nema Brasil

Caro amigo(a) do setor de instalações elétricas,

têm uma longa história, diferentemente das Leis que as coíbem, que são relativamente recentes.

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evolução Dos árduos e cansativos projetos elétricos desenhados a mão em papéis de seda aos rápidos e também eficazes softwares de projetos. Como o avanço tecnológico conferiu enérgicas e profundas transformações à profissão do projetista.

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identidade As raízes culturais do Brasil são uma das justificativas para a despreocupação do brasileiro com normas, leis e regulamentos

Impressão Gráfica Ipsis

técnicos. Veja como o comportamento baseado no “jeitinho brasileiro” acaba comprometendo, muitas vezes, a qualidade

Distribuição Correios

de projetos e das instalações elétricas, afetando, de modo geral, o desenvolvimento do País.

Boa leitura e abraços! Atitude Editorial Ltda. Rua Piracuama, 280 cj. 72 / Pompéia CEP 05017-040 / São Paulo - SP Fone/Fax - (11) 3872-4404 www.atitudeeditorial.com.br [email protected]

Hilton Moreno

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índice

expediente

carta ao leitor

Diretores Adolfo Vaiser José Guilherme Leibel Aranha

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descontração Jogo desafia o leitor a identificar os sete erros na instalação elétrica ilustrada

Ilustração: Mauro Jr.

Por Bruno Moreira

grandes questões

Com a passagem de corrente elétrica pelo corpo, a contração do coração se desorganiza. Em alguns casos, é impossível restabelecer o batimento coordenado necessário para promover a circulação sangüínea.

Outro caso, este com grande destaque na mídia, curiosamente, aconteceu também na Bahia. O músico da banda Olodum, José Nilton Teixeira de Souza, 22 anos, conhecido como Zóião, havia acabado de sair do banho, quando, ainda molhado, encostouse no refrigerador, recebendo a descarga elétrica. Em ambos os casos, o desfecho da história foi fatal. Tanto o músico quanto o menino argentino chegaram a ser levados ao hospital com vida, mas não resistiram.

Como o corpo reage

Pára-choque elétrico Sem as devidas precauções técnicas e sem a merecida atenção, especialmente, em ambientes molhados, o corpo humano, desprotegido, funciona como um verdadeiro imã de corrente elétrica. São nestas situações que a eletricidade passa de benéfica para malévola em um piscar de olhos.

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Visitas esporádicas a jornais impressos e televisivos facilmente reforçam a afirmação de que acidentes domésticos causados por choques elétricos são há anos fatos corriqueiros no Brasil e no mundo. A fatalidade ocorre, na maioria das vezes, quando a pessoa encontra-se com o corpo molhado, como foi o caso do menino argentino Farid Affad. A criança de sete anos nadava na piscina de um hotel luxuoso da Bahia quando, ao avistar um refletor que se encontrava próximo à borda da piscina, esforçou-se para alcançá-lo. O equipamento estava com um fio desencapado e a passagem de corrente elétrica para o garoto foi inevitável.

Grande parte das pessoas sabe, ou deveria saber, que choques elétricos podem ser fatais. Mas o que exatamente acontece com nosso corpo e em quais condições ele nos leva à morte? Para que a resposta possa ser dada com propriedade, primeiro, deve-se ressaltar, conforme nos informa o engenheiro eletricista e professor Hilton Moreno, que todas as sensações do corpo humano, de uma forma ou de outra, são produzidas por sinais elétricos que são enviados pelas células nervosas ao cérebro. Assim funciona nosso coração. A grosso modo, ele recebe estímulos elétricos causados por reações químicas internas e se contrai; o sangue circula e todos os outros órgãos começam a trabalhar. A peculiaridade da situação é que a passagem de uma corrente elétrica externa, causada por um choque, é sentida pelo coração da mesma forma, interferindo no batimento cardíaco regular. A contração se desorganiza e, em alguns casos, pode ser impossível restabelecer o batimento coordenado necessário para promover a circulação do sangue; conseqüentemente o corpo entra em colapso e a pessoa não resiste. A intensidade que uma corrente elétrica deve ter para que

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seja percebida conscientemente por uma pessoa é chamada de “limiar de percepção”. De acordo com Hilton Moreno, esse limite depende de muitos fatores, como a área do corpo que está em contato com o condutor de eletricidade, a temperatura, as condições psicológicas do indivíduo, se ele está calmo ou estressado e se a pele está seca ou molhada. De qualquer modo, em freqüências de 50 Hz e 60 Hz, que são as mais usuais nas instalações elétricas em todo o mundo, o “limiar de percepção” ficará em torno de 0,5 mA. Há também, de acordo com Moreno, o “limite de largar”, ponto além do qual a corrente elétrica que f lui pelo corpo provoca um estímulo nervoso, paralisando os músculos, fazendo uma pessoa em contato com um condutor vivo não ser mais capaz de soltá-lo, fenômeno chamado de “tetanização”. A corrente supera os impulsos elétricos que são enviados pela mente e os anula, podendo bloquear um membro ou o corpo inteiro, ignorando totalmente a consciência do indivíduo e a sua vontade de interromper o contato. Este limiar também depende de diversos fatores, mas, em geral, fica entre 6 mA e 14 mA (média 10 mA) em mulheres e entre 9 mA e 23 mA (média de 16 mA) em homens. Em relação aos efeitos cardíacos, há também um limite para que o batimento comece a se descompassar. O chamado limiar da fibrilação ventricular depende igualmente de vários fatores próprios de cada indivíduo, mas, da mesma forma, de parâmetros elétricos como duração, caminho e tipos de corrente (alternada ou contínua). No caso da corrente alternada, diz o engenheiro Hilton Moreno, há uma considerável redução neste limiar quando ela circula por mais de um ciclo cardíaco. Experiências práticas têm mostrado que correntes de 5 mA já provocam choques desconfortáveis.

Tipos de DR Nos Estados Unidos e no Japão, é muito difundido o uso dos DRs eletrônicos, os quais possuem nível da proteção maior, com valores de correntes de sensibilidade de 5 mA, especialmente nas proteções incorporadas diretamente nas tomadas. Já na Europa, assim como nos países que seguem a norma IEC, o uso do dispositivo eletrônico é limitado a uma proteção adicional, conforme prescreve a ABNT NBR 5410, que não proíbe o uso do DR eletrônico, todavia impõe que ele poderá ser utilizado desde que haja também uma proteção diferencial eletromecânica. Definições: - DR eletromecânico É um dispositivo diferencial que possui um sensor eletromagnético de correntes residuais e um sistema disparador mecânico que faz atuar o desligamento dos contatos do dispositivo. A atividade deste produto não depende da tensão de alimentação. - DR eletrônico É um dispositivo que possui, no seu sistema sensor, um circuito eletrônico que faz a soma vetorial das correntes diferenciais e que pode aumentar a sensibilidade do sensor, impondo a necessidade de uma tensão de alimentação para que o dispositivo funcione. O DR eletromecânico, por não depender da tensão de alimentação, estará sempre supervisionando a situação da instalação, independentemente da condição de tensão de entrada ou sua alimentação. Já o eletrônico, em caso de perda da alimentação, além de não prover a proteção, também impõe a necessidade de religamento (reset) ao retorno na tensão de alimentação.

Como se proteger

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Para evitar riscos à vida do ser humano, faz-se mais do que necessária a adoção de medidas de proteção contra possíveis passagens de corrente elétrica proveniente de equipamentos para o corpo humano. A ABNT NBR 5410 – norma de instalações elétricas de baixa tensão – indica que o princípio fundamental relativo à proteção contra choques elétricos compreende que as partes vivas perigosas não devem ser acessíveis (para evitar o contato direto) e que as massas ou partes condutoras acessíveis não devem oferecer perigo, seja em condições normais, seja em caso de alguma falha que as tornem acidentalmente vivas (para evitar o contato indireto). Para evitar contatos diretos, a norma prescreve a proteção básica, que consiste na isolação das partes vivas; no uso de barreiras ou invólucros de proteção; em obstáculos; na colocação fora do alcance das pessoas; no uso de dispositivos de proteção à corrente diferencial-residual de alta sensibilidade; e na limitação de tensão. Para evitar contatos indiretos, deve haver a proteção supletiva, que inclui medidas, como eqüipotencialização e seccionamento automático da alimentação, o uso de isolação suplementar e o de separação elétrica. De modo geral, informa o engenheiro eletricista Sérgio Bogomoltz que a proteção básica de uma instalação elétrica incorpora todos os anteparos contra a eletricidade, como a parte plástica da tomada, a cobertura dos condutores e o soquete. “O intuito é que a pessoa encontre barreiras”, diz. Já a proteção suplementar leva em conta a possibilidade de a parte metálica

do condutor encostar, por exemplo, em uma tubulação metálica. Invariavelmente, uma corrente passará por esse condutor que, ao estar em contato com outro material condutivo, irá energizá-lo. Em uma reação em cadeia, a corrente passará do equipamento para uma pessoa que tocá-lo. A proteção supletiva, de acordo com Bogomoltz, é um conjunto de ações que tem início com o aterramento das partes metálicas de uma instalação. Com isso, a corrente que passaria diretamente para a pessoa em números menores devido à alta resistência ôhmica do corpo humano é transformada em uma “grande” corrente que é escoada pela terra. O engenheiro informa que esse valor mais elevado da corrente será responsável por acionar o seccionamento automático da alimentação que é a medida suplementar na proteção das instalações elétricas. O objetivo do seccionamento é evitar que uma tensão de contato (UB) superior à tensão de contato limite (UL) se mantenha por um tempo suficiente para resultar em risco de efeito fisiológico adverso às pessoas. Os fusíveis e os disjuntores podem funcionar como dispositivos de proteção contra choques elétricos, contudo, como suas sensibilidades para detectar alguma falta na corrente que perpassa os condutores são baixas, normalmente, o dispositivo utilizado – apontado pela NBR 5410 – é o Diferencial Residual, mais conhecido como DR. O funcionamento deste dispositivo, explica resumidamente, Bogomoltz, consiste na verificação da soma vetorial de todas as correntes que percorrem os condutores de uma instalação elétrica. Em condições normais, o somatório será igual a zero. Caso haja alguma falta de corrente, o DR acusará e desligará os aparelhos.

De acordo com Hilton Moreno, a NBR 5410 aponta que esses equipamentos podem ser de dois tipos: de alta sensibilidade (até 30 mA inclusive) e de baixa sensibilidade (acima de 30 mA). Segundo o engenheiro, em esquemas de aterramento TN, que são os mais utilizados nas instalações brasileiras, a proteção supletiva sempre é garantida, conforme determina a NBR 5410, pelo DR, seja de alta ou de baixa sensibilidade.

Para garantir Em determinados circuitos da instalação, a norma ABNT NBR 5410 indica que a proteção contra choques elétricos deve ser realizada obrigatoriamente por DRs de alta sensibilidade, ou seja, com corrente diferencial-residual nominal igual ou inferior a 30 mA. É o caso dos seguintes circuitos: • que servem a pontos de utilização situados em locais contendo banheira ou chuveiro; • que alimentam tomadas de corrente situadas em áreas externas à edificação; • de tomadas de corrente situadas em áreas internas que possam alimentar equipamentos no exterior; • que, em locais de habitação, servem a pontos de utilização situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e demais dependências internas molhadas em uso normal ou sujeitas a lavagens; • que, em edificações não-residenciais, servem a pontos de tomada situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e, no geral, em áreas internas molhadas em uso normal ou sujeitas a lavagens.

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O DR é tido pelos engenheiros eletricistas como um dispositivo que traz segurança ao projeto e tranqüilidade ao projetista e ao usuário. Como não há garantias de que, após um longo uso das instalações, a corrente passe adequadamente pelos condutores sem que haja uma descarga de energia para qualquer aparelho, e como não é possível saber se somente o sistema de aterramento dará conta de uma falta na passagem da corrente, emprega-se o DR como uma medida imprescindível para a prevenção de acidentes. Funcionando como um verdadeiro inspetor de qualidade da instalação elétrica, o DR pode, justamente por isso, trazer alguns inconvenientes àqueles que o tiverem instalado em sua residência. Isso porque, caso uma determinada instalação não esteja nas melhores condições de funcionamento, apresentando elevadas correntes de fuga, o dispositivo será sempre acionado, seccionando a alimentação de energia elétrica, ou seja: o jantar à luz de velas virará rotina. Dessa forma, faz-se necessário, obviamente, uma análise minuciosa das condições da instalação antes que seja colocado o DR. Para evitar que acidentes relacionados a choques elétricos ocorram, o engenheiro eletricista Hilton Moreno recomenda que o morador chame um profissional para verificar se seu edifício possui um DR instalado e, caso exista, se está funcionando corretamente, se há um sistema de aterramento adequado e ativo, se todas as caixas, tanto nas áreas comuns quanto nos apartamentos, têm um fio terra em seu interior. Por último, mas não menos importante, que a atenção redobre, principalmente, ao manejar equipamentos elétricos em ambientes molhados ou sujeitos a lavagens, áreas de maior risco.

Por Flávia Lima

história

Fusível desenvolvido por Thompson, em 1879.

Modelo de fusível criado por Cockburn, no fim do século XIX.

Frutos da necessidade Para suprir a necessidade de proteger a lâmpada, nasceu o fusível. Anos mais tarde, para atender a uma demanda industrial, o disjuntor foi criado. Com a função de oferecer segurança às instalações elétricas, ambos os dispositivos logo passaram a ser empregados em larga escala e em todo o mundo.

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Relativamente simples, embora com mecanismo complexo, os disjuntores e os fusíveis são, provavelmente, os dispositivos mais conhecidos de uma instalação elétrica e indispensáveis à sua proteção. Nasceram de uma necessidade gerada a partir do desenvolvimento da energia elétrica. Primeiro, para proteger o filamento da lâmpada recém descoberta, inventou-se o fusível. Mais tarde, o avanço industrial motivou a criação dos disjuntores. Os dispositivos ganharam escala e tornaram-se indispensáveis em praticamente todas as instalações elétricas. Ambos têm a missão primária de proteger os componentes dos sistemas elétricos contra sobrecargas e curtos-circuitos. Não se sabe quando exatamente surgiu o primeiro fusível. É fato que, nos anos 1860, fios de platina desempenhavam seu papel, sendo empregados para proteger cabos submarinos. Oficialmente, o primeiro fusível teria aparecido com a patente de Thomas Edison, em 1880, mas há indícios de que a primeira alusão ao equipamento data de, pelo menos, cem anos antes.

O fusível As primeiras referências ao fusível que se tem notícia são de 1774, em textos de Edward Nairne, quando este menciona proteção elétrica em experiências com energia eletrostática. Conforme relata o livro Electric fuses, editado pela IEE Power & Energy Series, a próxima citação do dispositivo ocorreria apenas em 1887, durante a apresentação de um trabalho de A. C. Cockburn à Sociedade de Engenheiros Telegráficos. Nesse momento, veio a público a informação de que fios de platina eram utilizados com o objetivo de proteger cabos submarinos em 1864. Aproximadamente uma década depois, em 1879, um considerável número de “fusíveis” começou a ser utilizado, mas descobriu-se que essa simples construção de fios não era adequada para algumas aplicações. Foi então que, naquele ano, o professor S. P. Thompson introduziu um novo e melhorado modelo de fusível. Consistia em dois fios de aço conectados juntos a uma esfera metálica. Acreditava-se que a esfera poderia ser uma liga de chumbo ou estanho ou algum material condutor com baixo ponto de fusão. Quando uma corrente elevada atravessasse o fusível por um longo período, derretendo o chumbo, as gotas caiam dos fios, interrompendo o circuito. Em um modelo mais sofisticado, Cockburn usou um peso para tracionar um fio de platina que se fundia a partir de um determinado nível de corrente. Com isso, explica o engenheiro eletricista Paulo de Almeida Junior, gerente de marketing da

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Bussmann, atuações com correntes eram possíveis entre 1,5 e 2,0 vezes a corrente nominal atribuída a cada conjunto. Uma variação desse sistema foi patenteada em 1883 por C. V. Boys e H. H. Curryngham. No seu arranjo, a corrente fluía por meio de dois filamentos que eram soldados juntos em suas extremidades. Alguns mecanismos que desempenhavam a função de proteção foram desenvolvidos, mas nada muito parecido ao conhecido fusível. Foi então que demonstrações de lâmpadas de filamentos incandescentes ocorridas na Grã Bretanha, pelo físico Joseph Swan, em 1878, e quase simultaneamente por Thomas Edison, nos Estados Unidos, estimularam o surgimento dos primeiros fusíveis efetivamente. De acordo com o livro Electric fuses, os fusíveis de Swan não eram muito empregados para proteger instalações elétricas contra sobrecargas ou curtos-circuitos, mas para salvaguardar as lâmpadas contra falhas no filamento. O dispositivo compreendia um filamento de cobre-latão envolvido em um material arco extinguível. Já, em 1880, Thomas Alva Edison teria criado o primeiro fusível mais parecido com o que vemos no mercado, com o encapsulamento de um fio delgado em um cartucho de vidro, protegendo as partes adjacentes, ou mesmo algum operador próximo, de eventuais faíscas resultantes da atuação do fusível. O invento de Edison, segundo o gerente de marketing do Grupo Legrand, Antonio Eduardo de Souza, teria sido incitado por um problema. Thomas Edison construiu sua primeira central elétrica,

Primeiros fusíveis Origem: Estados Unidos Data: 1890 Acabamento: vidro transparente Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: Até o ano de 1900, todos os fusíveis de Edison eram feitos de vidros transparentes.

A primeira patente do fusível foi adquirida por Thomas Edison em abril de 1881.

Fabricante: General Electric Origem: Estados Unidos Data: 1897 Acabamento: porcelana Cor: latão Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: os fusíveis da GE, de até 25 A, possuíam coberturas removíveis de latão. A patente deste fusível permaneceu de 1882 a 1897.

A história define o fusível como um invento de Thomas Edison, mas o físico Joseph Swan participou significativamente dessa criação. A dúvida sobre quem seria o inventor do fusível foi, inclusive, tema de algumas cartas trocadas entre físicos no início do século XX. Parte de uma dessas correspondências, assinada por J. H. Holmes, e escrita em 1932, é reproduzida a seguir e evidencia a dúvida sobre quem efetivamente teria introduzido o fusível. “Relembrando a origem dos fusíveis, eu sempre encontro incertezas sobre quem realmente deveria levar o crédito de ser o seu primeiro inventor. Trata-se de um caso muito claro de que ‘a necessidade foi a mãe da invenção’. Estive procurando registros sobre o que se sabe acerca de fusíveis no início dos anos de 1880 e o primeiro volume do livro Electric Illumination – compilado por J. Dredge e publicado em agosto de 1882, em Ofícios da Engenharia – revela, na página 630, que a patente de Edison, adquirida em 1881, parece ser a primeira notificação de fios de proteção. Diz também que o invento de Edison era chamado de ‘safety guard’. Creio, entretanto, que Swan tenha usado um artifício para o mesmo propósito antes de abril de 1881. Isso porque ‘Cragside’ (primeira casa a ser iluminada com energia elétrica, localizada na Inglaterra) perto daqui, foi iluminada com as lâmpadas de Swan em meados de dezembro de 1880. (...) Na descrição de iluminação elétrica do sistema de Swan, encontrada no projeto do Teatro Savoy, de 3 de março de 1882, os fusíveis de segurança (shunts) estão referidos ‘não demasiado intencionado a proteger contra os perigos, os quais estão próximos à impossibilidade de ocorrer no trabalho prático, mas de proteger as lâmpadas contra a destruição por sobrecarga’. Isso confirma o que Campbell Swinton disse sobre o Drawing Office at Elswick, em 1882, de que já havia ‘um vasto número de chaves, fusíveis, interruptores e outros aparatos’ ”.

Fabricante: General Electric Origem: Estados Unidos Data: 1919 Tensão: 125 V Acabamento: porcelana Cor: latão Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: Os fusíveis de 15 A / 125 V possuíam uma cobertura removível de latão e janela de inspeção com formato hexagonal. Sua patente teve duração de 1911 a 1919.

Fabricante: General Electric Origem: Estados Unidos Data: 1919 Tensão: 125 V Acabamento: porcelana Cor: lartão Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: Os fusíveis de 30 A / 125 V possuíam cobertura removível de vidro e janela de inspeção redonda. Sua patente teve duração de 1911 a 1919.

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Fonte: Bulbcollector.com

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Disjuntor – alguns dados históricos 1902

Fábricas começam a investir na produção de linhas de fusíveis

1904

Cutter Manufacturing Co., localizada na Philadelphia (EUA), começa a produzir interruptores de circuitos. A companhia introduziu um produto que se tornou um sucesso industrial. Este novo dispositivo protetor, primeiro utilizado como elemento interruptor de tempo inverso, passou a ser conhecido como I-T-E interruptor (I-T-E breaker)

1921

Merlin Gerin fabrica o primeiro disjuntor a óleo para alta tensão

1925

O Código Norte-Americano de Eletricidade (NEC) exige que os disjuntores sejam encapsulados e de fácil operabilidade

1932

Westinghouse inicia comercialização de seu disjuntor a sopro modular

1935

Square D fabrica o primeiro disjuntor para uso residencial

1951

Square D introduz os disjuntores do tipo plug-in no mercado

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em Nova York, movida a carvão, conseguindo acender 7.200 lâmpadas por vez, mas esses produtos possuíam um filamento muito sensível às variações elétricas. Com a missão de resolver a questão, nasceu o fusível. O conceito utilizado foi o mesmo empregado nas lâmpadas: fusíveis de vidro, com filamentos com base de algodão e ligas metálicas, que se rompem após o aquecimento provocado por uma sobrecarga ou curto-circuito. O consultor técnico da Schneider Electric, Miguel Rosa Junior, conta que, no final do século XIX, houve um grande avanço quanto ao design dos fusíveis, quando um engenheiro da Brush Electrical Engineering Company, W. M. Mordy, patenteou o primeiro fusível elétrico tipo cartucho. Este dispositivo era preenchido com um material que extinguia o arco elétrico gerado na atuação do dispositivo, seccionando e protegendo o circuito em caso de falta. Com o tempo, os fusíveis ganharam alto desempenho, designs modernos e tamanhos reduzidos, mantendo o mesmo conceito, mas agora composto por um envoltório cerâmico e por um elemento que se funde, no caso de uma sobrecarga ou curto-circuito. Este elemento está imerso em um material arco extinguível arenoso, que elimina o arco elétrico gerado durante sua fundição. Os fusíveis ganharam emprego em todo o mundo, protegendo instalações domésticas, automotivas e industriais em larga escala e em todos os níveis de tensão. A evolução das normas técnicas e o desenvolvimento tecnológico industrial foram os principais contribuintes para o aperfeiçoamento do dispositivo.

O disjuntor Os disjuntores se distinguem dos fusíveis, pois são dispositivos que podem ser rearmados após sua atuação. “São muito mais práticos e adequados para aplicações residenciais e mesmo para algumas aplicações industriais, onde se tem correntes de curto-circuito presumíveis relativamente baixas”, afirma Paulo de Almeida Junior. Com função semelhante à dos fusíveis, os disjuntores possuem uma corrente nominal definida. Ultrapassado este limite, após algum tempo, há o desligamento automático do dispositivo, protegendo, dessa maneira, os componentes da instalação. Não se sabe ao certo quando o disjuntor, como o conhecemos, teria efetivamente sido inventado. Almeida Junior conta que o engenheiro e professor Ademaro Cotrim – biografado da primeira edição desta Coleção – costumava dizer que os disjuntores teriam sido inventados após a crise de 1929. Segundo ele, nesse período, houve um aumento significativo do número de incêndios, pois os fusíveis queimados eram substituídos por moedas e outros objetos metálicos. Nesse instante, a Westinghouse teria começado a fabricar os disjuntores a sopro. Uma forma aproximada de disjuntor foi patenteada nos Estados Unidos por Thomas Edison, em 1879, muito embora seus sistemas usassem fusíveis. O objetivo do dispositivo patenteado era proteger a fiação dos circuitos de iluminação contra sobrecargas e curtos-circuitos acidentais. Há indicações de que os disjuntores começaram a aparecer nos Estados Unidos assim que a distribuição de energia se desenvolveu

Convivência harmônica: fusíveis e disjuntores são empregados em instalações elétricas de diferentes níveis de tensão.

em escala industrial, o que corresponde ao final do século 19 e começo do século 20. Melhorias foram observadas na primeira metade do século 20 relativas à corrente nominal do dispositivo e ao tempo de interrupção das sobrecorrentes. Antes de 1926, esses tempos eram de cerca de 45 ciclos, sendo que, em 1960, já havia disjuntores com tempos de interrupção de dois ciclos. Uma das primeiras patentes que se sabe do disjuntor refere-se ao voltado para alta tensão, conhecido como SF6, que teria sido desenvolvido na Alemanha em 1938 por Vitaly Grosse e, mais tarde, em 1951, nos Estados Unidos. No Brasil, os disjuntores começaram a ser utilizadas com maior freqüência a partir da década de 1970. A retomada da urbanização na Europa e nos Estados Unidos permitiu a expansão do setor elétrico e a consolidação de grandes multinacionais do segmento, permitindo o desenvolvimento dos disjuntores.

Fusível versus disjuntor Os fusíveis apresentam, em geral, menor custo e são mais simples do que os disjuntores. O fusível, tendo atuado uma vez, deve ser substituído, ao passo que o disjuntor, após o seu desarme, pode ser utilizado novamente. No entanto, esta ação pode conduzir o usuário comum a simplesmente rearmar o disjuntor e ignorar a falha elétrica, assim como substituir o fusível sem solucioná-la pode ser perigoso, particularmente, se o problema que ocasionou a queima foi um curto-circuito. Na opinião de Almeida Junior, onde há correntes de curtocircuito mais altas, o fusível ainda tem uma excelente relação

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benefício-custo, pois são muito mais baratos e compactos que os disjuntores correspondentes. “Hoje podemos ter um fusível atuando dentro de uma seccionadora para uso em redes de até 200 kA de curto-circuito presumido e com tamanho idêntico a um minidisjuntor modular de 18 mm”. Ele acrescenta que, com o crescente uso de automação, com o uso de inversores de freqüência e outros dispositivos de partida e parada suave à base de componentes eletrônicos de potência (tiristores, transistores, diodos e IGBTs), o fusível ainda se mantém como um dispositivo atual, pois é o único que consegue atuar em menos de meio ciclo de onda, limitando adequadamente o I2t, que é a energia que fluiria para os componentes eletrônicos sensíveis. São os fusíveis “ultrarápidos”, indicados para uso em correntes de curto-circuito de até 300 kA. Tais fusíveis são confeccionados com elementos de prata, enclausurados em um corpo de um tipo de cerâmica especial, chamada esteatita, preenchido com areia impregnada com resina curada em autoclaves. A maior evolução nos disjuntores nos últimos anos foi, de acordo com Miguel Rosa Junior, os limitadores, que possuem a capacidade de atuar de forma muito rápida em curtos-circuitos de alta intensidade. Quanto maior o nível de curto-circuito, mais rápida é a atuação de disparos do disjuntor. Com isso, foi possível utilizar os disjuntores em aplicações heavy-duty (mineração, siderurgia) ou sensíveis (hospitais, data centers), em razão do alto grau de eficiência na resposta às ocorrências anormais que possam surgir nas instalações elétricas.

Por Bruno Moreira

biografia

Miranda introduziu no País a técnica de utilizar as ferragens das fundações dos edifícios para realizar a proteção contra descargas atmosféricas.

Navegar é preciso

Repetindo seus antepassados, o engenheiro português Armando Reis Miranda cruzou o oceano atlântico para desbravar novas terras. Conseguiu o seu espaço e atualmente é um profissional respeitado no país que escolheu para viver.

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Quando chegou em terras brasileiras para começar uma nova etapa de sua vida, o engenheiro eletricista português Armando Reis Miranda já não era mais nenhuma criança. Tinha 52 anos, uma família formada e uma carreira estruturada em Lisboa, cidade na qual nascera e vivera até aquele momento. Com tudo isso, por que mudar então? Trocar a solidez conquistada com duro esforço na Europa por um caminho movediço em um país estrangeiro parecia insensatez mesmo para o mais aventureiro e destemido dos homens. Entretanto, o engenheiro não tinha muitas alternativas: ou procurava outro país para viver ou ficava em Lisboa e enfrentava os dias tumultuados da Revolução dos Cravos, movimento liderado por comunistas, que começou em 1974, e exigia severas reformulações na estrutura sociopolítica de Portugal. Por já ter uma vida estabilizada e algumas posses, Miranda tornou-se um dos alvos dos revolucionários que tinham o intuito de balançar as estruturas. “Mais de uma vez recebi

telefonemas em casa com ameaças de morte”, conta. “Não pude aguentar àquela loucura toda e por isso resolvi ir embora”. Em março de 1975, Miranda despediu-se de sua esposa e dos seis filhos e viajou para a Bélgica, ficando pouco tempo por lá. “Naquela época, a Europa inteira passava por um momento conturbado”, diz. Em julho do mesmo ano, ele já estava no Brasil, país que havia sido destino de seu irmão mais novo algum tempo antes. Ao contrário de seu irmão, que ficou pouco tempo por aqui, Miranda ficou e acreditava que podia contribuir muito com sua vasta experiência para um país relativamente jovem como o Brasil. Acertou.

Em Portugal A experiência de Armando Reis Miranda, em sua grande parte, foi conseguida em Portugal, mais especificamente, em Lisboa, cidade na qual nasceu em 1923. Com 24 anos, Miranda formou-se engenheiro eletricista pelo Instituto Superior Técnico e começou a trabalhar na área, como assistente, no laboratório da universidade em que havia estudado. A primeira atitude que tomou logo depois de se formar, porém, não foi arrumar

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um emprego e sim casar-se com Maria Fernanda. Estão juntos desde então. “Já são 61 anos de união”, conta o engenheiro. Logo depois, Miranda foi servir o exército português, obrigatoriedade como aqui, com a diferença de que, no Brasil, o jovem deve alistar-se ao completar 18 anos e, em Portugal, é possível esperar o término dos estudos universitários. O engenheiro conta que os militares lusitanos prezam pela qualificação de seus novos integrantes, utilizando-a em benefício das forças armadas. No entanto, Miranda não quis seguir carreira e, findado o tempo obrigatório de serviço militar, ele foi empregado como técnico em acústica do Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa, função que exerceu até o ano de 1954. Antes de finalizar seu período como técnico no laboratório, o engenheiro abriu, em 1953, com alguns colegas, uma sociedade para a realização de projetos na área elétrica. A empresa de Miranda não se limitava apenas a isso e fabricava também quadros elétricos de média e baixa tensão . “Projetávamos e comercializávamos também instalações elétricas para carros”, acrescenta o engenheiro. “Chegamos a ter mais de 300 funcionários”.

Fotos: Sérgio Kanazawa

“Schelkunoff entendeu que a teoria da energia irradiada para a luz solar poderia ser utilizada na eletrodinâmica. Eu aprendi desse jeito na faculdade, mas não está certo” Armando Reis Miranda

O crescimento e o sucesso da empresa de Miranda também refletiram na internacionalização de seus negócios. A fábrica chegou a ter até uma sucursal em Angola e, por conta disso, o engenheiro português chegou a morar seis meses no país africano. Outros países para os quais Miranda vendia seus equipamentos e prestava serviços eram Bélgica, Inglaterra e Alemanha. Para este último, por conta dos negócios, o engenheiro eletricista chegou a ir muitas vezes. “Cheguei até a aprender o idioma alemão”, diz. A aventura empresarial de Miranda terminou com a venda de sua empresa de painéis elétricos a uma gigante alemã, a Siemens. O engenheiro relata que, mesmo após a passagem do comando da fábrica aos alemães, ele continuou trabalhando na área, como prestador de serviços à Siemens. Posteriormente, veio a Revolução dos Cravos, o descontentamento com a situação de Portugal e o exílio. Como um navegador da época do descobrimento, Miranda aportou em terras tupiniquins.

No Brasil

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O começo foi difícil. Praticamente sozinho na cidade de São

Paulo, Miranda teve de se virar. Além de seu irmão, o engenheiro eletricista conhecia poucas pessoas em solo brasileiro, somente alguns engenheiros, professores da Universidade de São Paulo (USP), para os quais, em Portugal, já havia escrito cartas com o intuito de se inteirar a respeito do mercado brasileiro. Deu certo, conseguiu um emprego no Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (Cenel), mas ficou pouco tempo por lá, sendo contratado, em 1976, pela Themag Engenharia e Gerenciamento, na qual participou da construção da usina hidrelétrica de Itaipu. A experiência conquistada na Themag ficou, mas o emprego não. Menos de um ano depois de ter iniciado suas atividades na empresa, Miranda conseguiu um novo: em uma companhia finlandesa que realiza projetos elétricos na área de papel e celulose chamada Jäakko Poyry. Dessa vez, o engenheiro veio para ficar e só deixou a empresa onze anos depois, em 1988. Neste intervalo, houve mais histórias para contar que reiteram sua competência. Miranda relembra que, certa vez, na Jääkko Poyry, ao desenvolver programas de computação na área elétrica para estabilidade, fluxo de carga e aterramento, que seriam utilizados

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“Miranda era um participante ativo das reuniões do Cobei. É um profissional obstinado por essa área normativa”

Querela com Schelkunoff

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Propiciar que Armando Reis Miranda participasse do projeto de um dos maiores empreendimentos geradores de energia elétrica do mundo não foi a única coisa que a Themag fez pelo engenheiro, pois, segundo ele, foi trabalhando pela empresa que ele se deu conta de que aquilo que haviam lhe ensinado na faculdade de engenharia estava errado. Miranda refere-se à utilização, por parte do matemático russo, Sergei Alexander Schelkunoff, dos estudos sobre eletromagnetismo feitos pelo físico e matemático escocês James Clerk Maxwell sobre a Lei da Indução Magnética e do físico e químico inglês Michael Faraday. De acordo com o engenheiro eletricista português, Schelkunoff acreditou que se podia empregar as teorias de Maxwell sobre energia irradiada e energia conduzida. “Ele generalizou; tirou que a luz natural era eletricidade. Ele entendeu que a teoria de energia irradiada para luz solar poderia ser utilizada na eletrodinâmica. Eu aprendi desse jeito na faculdade, mas não está certo”, desabafa Miranda, que, desde então, tenta convencer as pessoas da área sobre isso. “Mas convencer os professores das universidades é muito difícil. Eles acham que é mais cômodo deixar como está”. Segundo o engenheiro eletricista, o que lhe falta de apoio entre os acadêmicos sobra entre os profissionais das indústrias. E este suporte foi um dos fatores que levou Miranda a publicar, em 1994, o livro Instalações Elétricas Industriais, publicação que, conforme o engenheiro, versa, entre outros assuntos, a respeito das teorias do cientista russo e de suas impossibilidades. Em relação aos leitores, Miranda não tem dúvidas de que muitos deles seguem o que está escrito em sua publicação. “Isso está claro porque não podem acreditar nas fantasias que os professores universitários ensinam”, afirma. O livro do engenheiro teve, até o momento, somente uma edição, mas, caso haja mudanças referente aos ensinamentos de Schelkunoff, Miranda promete uma revisão e a segunda edição de seu livro. Com o intuito de difundir ainda mais sua crítica em relação ao cientista russo, Miranda não se limitou apenas ao livro e escreveu uma série de artigos para uma revista especializada. Em um deles analisou a eficácia de procedimentos de proteção contra os efeitos da corrente do raio, apresentou um caso real e resultados de ensaios, apontando o motivo de muitos erros e tropeços nessa abordagem. Nada mais que o estudo de Sergei Schelkunoff, considerado uma referência na matéria, e que ignora, segundo Miranda, de forma generalizada, a Lei da Indução Magnética, de Faraday, que é indispensável.

Paulo Barreto

por ele na filial brasileira, o sucesso foi tanto que ele foi chamado para implantar o mesmo sistema na sede situada na Finlândia. Lá, mais uma outra oportunidade: realizar programas de computação para serem utilizados em linhas de alta tensão. Concomitantemente ao trabalho na companhia finlandesa, o engenheiro eletricista atuava como consultor privado na J. Alves Veríssimo, proprietária do Grupo Eldorado. Miranda entrou na empresa por volta de 1978 e prestou serviços até 1990, ano em que se aposentou definitivamente. Foi na J. Alves Veríssimo que ele conheceu o engenheiro civil e eletricista Eurico Freitas Marques. Os dois fizeram parte da equipe de engenheiros responsável pela construção do tradicional shopping paulistano Eldorado e de seu supermercado, que agora pertence ao Carrefour. “Eu projetei a parte hidráulica e ele a elétrica”, conta Marques, que chegou ao Grupo em 1983, cinco anos depois da entrada de Miranda. De acordo com Eurico Marques, o engenheiro português foi de extrema importância para o projeto do Shopping Eldorado. Expert na parte de aterramento, Miranda foi o responsável por todo o sistema de proteção contra descargas atmosféricas do shopping. Aliás, foi ele quem introduziu no País a técnica de

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utilizar as ferragens das fundações dos edifícios para realizar tal função. “Isso já era feito na Inglaterra e em alguns outros países, mas fui eu quem trouxe essa técnica para o Brasil”, afirma o engenheiro eletricista português. Antes, conforme Miranda, as construções brasileiras costumavam ter descidas externas para realizar a proteção. Marques destaca também a importante participação de Miranda na redução do fator de potência da energia consumida pelas instalações do Shopping Eldorado. Segundo o engenheiro eletricista e civil, essa era uma grande preocupação do Grupo, já que acarretava em um aumento da conta de energia elétrica paga pela empresa. Por meio de um processo de racionalização em que programava o início de funcionamento dos equipamentos do shopping, principalmente dos condicionadores de ar, Miranda conseguiu solucionar o problema. Paralelamente ao trabalho como engenheiro eletricista na Jääkko Poyry e na J. Alves Veríssimo, Armando Reis Miranda também arrumou tempo para ajudar seus companheiros de profissão com questões relacionadas à normalização de equipamentos e instalações elétricas. “Eu participei durante muito tempo do Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica,

Iluminação e Telecomunicações (Cobei) na área de descargas atmosféricas, instalações elétricas prediais e subestações”, conta o engenheiro, que pelo Cobei ajudou também na elaboração da norma de caldeiras elétricas. No Cobei, Miranda participou também da elaboração da famosa NBR 5410. Durante as reuniões, ele conheceu o engenheiro eletricista Paulo Barreto, que pôde acompanhar de perto o trabalho do engenheiro português. “Ele era um participante ativo”, avalia Barreto. Ainda é, pois, de acordo com Barreto, o engenheiro continua participando das reuniões. “Ele é um profissional obstinado por essa área normativa”, diz.

Uma grande família

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Aos 85 anos, Miranda continua trabalhando. Aposentando há mais de 15 anos, ele, como haveria de ser, diminuiu o ritmo, mas sempre que pode, coloca sua vasta experiência em prática, prestando serviços com consultor. Menos trabalho, mais tempo para família. E que família! São seis filhos que se multiplicaram em 16 netos e dois bisnetos. Miranda informa que, no entanto, nem todos moram

aqui. Como já tinha mais de cinqüenta anos quando migrou para o Brasil, alguns de seus filhos, com raízes mais fincadas em Portugal, decidiram não seguir os passos do pai. “Quatro deles vieram para cá, mas um logo voltou”. E dos filhos que resolveram ficar no Brasil, um deles atualmente mora nos Estados Unidos. No apartamento de um prédio na Alameda Casa Branca moram Armando Reis Miranda e sua esposa Maria Fernanda, que simpaticamente interrompe a entrevista para nos oferecer um cafezinho. Não obstante a idade avançada, o casal mostra vitalidade e bom humor. “Eu não quero café”, diz Miranda. “Para você é facultativo”, redargüi Maria Fernanda. Sobram histórias na trajetória de Miranda, histórias de uma vida que ele mesmo define como agitada. A agitação passou, parece, pelo menos diminuiu, como acontece com todo mundo, mas a energia de continuar tocando projetos ainda permanece, o mais arrojado deles é a revolução que o engenheiro pretende estabelecer na aplicação atualmente feita pelos engenheiros da Lei da Indução Magnética. Esperemos os próximos capítulos da vida do engenheiro português, ou melhor dizendo, brasileiro.

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Golpe baixo

Por Flávia Lima 

dentro da lei

A concorrência desleal e a conseqüente perda de mercado para as empresas - frutos da pirataria desmotivam o desenvolvimento de produtos nacionais.

Produtos falsificados de todos os segmentos econômicos são encontrados, sem grandes esforços, em toda parte. Além de oferecem riscos aos consumidores, sua existência é criminosa, incita a concorrência desleal e desmotiva empresas a investirem em pesquisa e desenvolvimento

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O primeiro a usar o termo “pirata” foi Homero, na Grécia antiga, para descrever aqueles que depredavam e roubavam navios e cidades costeiras. Piratas navegavam pelos mares, especialmente, seguindo rotas comerciais com o objetivo de saquear outros navios e apoderar-se de riquezas. O termo tornou-se popular, sofreu algumas transformações ou atualizações ao longo do tempo, mas não perdeu seu caráter ilícito. Assim, piratarias e outras formas de contravenção ganharam espaço, atingindo diversas esferas da economia. O segmento de materiais elétricos não ficou de fora. Grandes empresas do mercado de instalações elétricas enfrentam, há anos, problemas com cópias de produto e de marca e, ainda, com propriedade industrial. O mais visível é o caso dos artigos eletrônicos, como softwares, CDs e DVDs, cujas cópias são encontradas fácil e abundantemente no Brasil e em praticamente todos os lugares do mundo. Vindos principalmente de países da Ásia, os produtos copiados são também frutos do desenvolvimento tecnológico. Nunca foi tão fácil copiar alguns produtos, especialmente os eletrônicos. Criamse mecanismos com o objetivo de coibir e tornar mais difícil a cópia, mas, sem grande demora e dificuldade, o método criado é burlado ou também é copiado. É o caso, por exemplo, de selos holográficos e de marcas de certificação de produtos. Leis que dão direitos de uso de uma criação exclusivamente ao seu criador são relativamente recentes, principalmente no Brasil. Primeiro, teria nascido uma preocupação com a propriedade intelectual. Na Antiguidade e na maior parte da Idade Média, as dificuldades inerentes aos processo de reprodução dos originais, por si só, já exerciam um poderoso controle da divulgação de idéias, pois o número de cópias de cada obra era naturalmente limitado pelo trabalho manual dos copiadores. Com a invenção da imprensa, os soberanos sentiram-se ameaçados ao ser democratizada a informação.

Então, em 1557, depois que Wiliam Caxton introduziu a máquina de escrever na Inglaterra, Filipe e Maria Tudor concederam à associação de donos de papelaria e livreiros o monopólio real para garantir-lhes a comercialização de escritos, a fim de evitar a cópia desenfreada dos livros. Esse privilégio recebeu o nome de copyright, que garantia o direito aos comerciantes e não aos autores dos textos. Foi a primeira lei inglesa, de 1710, que dava ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos, renovável por mais 14. A legislação americana baseou-se na inglesa e, nos atos de patentes e de direitos autorais de 1790, retomou os períodos de 14 anos, também renováveis por outros 14. A propriedade intelectual pode ser dividida em duas categorias: direito autoral e propriedade industrial. O inventor, entretanto, só passa a ter direito à propriedade industrial depois de adquirir a patente do invento.

No Brasil As primeiras cópias em massa teriam surgido nos anos 1960, no segmento da confecção. O advogado e sócio-proprietário do escritório especializado Nobel Marcas e Patentes, Geraldo Evandro Papa, conta que camisetas e peças de roupas em geral são muito simples de serem copiadas. A partir de então, outros produtos passaram a ser pirateados. Ele diz que o causador dessa ação criminosa foi o fechamento do mercado brasileiro em 1976. “Até essa data era possível a importação, mas com o fechamento do mercado começou a aparecer os produtos falsificados”. Segundo ele, até os anos 1980, por exemplo, não havia cópia de músicas. “O vinil não era algo fácil de se copiar, mas quando chegamos à tecnologia do CD a pirataria ganhou dimensões elevadas”, diz. Outro ponto para a proliferação do mercado pirata no Brasil deve-se ao baixo poder aquisitivo da população. “As pessoas acabam

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escolhendo produtos mais baratos, mesmo que não sejam os originais”, diz Papa. Além disso, o custo da pirataria hoje é muito baixo e os copiadores aproveitam-se da lentidão do sistema judiciário. “A impunidade gera certa segurança para quem comete o ato ilícito”, afirma. Ele conta que, de maneira diferente do que ocorre aqui, em outros países, o poder judiciário é rápido e rigoroso, o que acaba coibindo, em parte, a infração. No Brasil, o tema é regido pelas Leis 9.279/96 (marcas e patentes), 9.609/98 (software) e 9.610/98 (direitos autorais), além de tratados internacionais, como as Convenções de Berna, sobre direitos autorais, e de Paris, sobre propriedade industrial. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) é o órgao brasileiro responsável pelas marcas, patentes e desenhos industriais.

Implicações jurídicas Basicamente, existem duas formas de pirataria: a pirataria pura, ou seja, a cópia exata de um produto; e a contrafação da marca, isto é, a violação da marca por imitação ou reprodução. No caso da cópia idêntica, a intenção é ludibriar inteiramente o consumidor. A idéia é que se compre um produto falso como se ele fosse original, é o conhecido “tomar gato por lebre”. Até as marcas de certificação viraram alvo dos copiadores. Selos, como do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), da ISO 9001 e de laboratórios que atestam determinado grau de qualidade ou a conformidade com uma norma ou regulamento são copiados e anexados a produtos não qualificados por esses organismos com o claro objetivo de enganar o consumidor. Alguns materiais elétricos, por exemplo, só podem ser comercializados se forem certificados, atestando sua conformidade a uma norma técnica. Para livremente circular no mercado, produtos de origem duvidosa levam o selo falso do órgão avaliador ou certificador. Ou seja, nem sempre um produto “certificado”

"A impunidade brasileira confere certa segurança para quem comete a pirataria e a contrafação de produtos" Advogado Geraldo Papa

Rua Santa Ifigênia, em São Paulo (SP), tornou-se referência em produtos eletrônicos importados e falsificados.

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está de acordo com o que os regulamentos exigem. Evandro Papa acrescenta: “a empresa diz que está em conformidade, mas não está. Isso pode gerar um processo criminal contra esse fabricante”. O chefe substituto da Divisão de Programas de Avaliação da Conformidade da Diretoria de Qualidade do Inmetro, Leonardo Machado Rocha, conta que uma maneira encontrada para evitar a contravenção da marca Inmetro foi extinguir a certificação voluntária no âmbito do Instituto. Com a Portaria 73/2006, os produtos com conformidade avaliada voluntariamente por organismos acreditados pelo Inmetro, e não decorrente de Programas de Avaliação da Conformidade do Instituto, devem conter unicamente a marca do organismo avaliador. Há ainda a violação de uma marca pela imitação. Empresas que usam nomes parecidos, que retiram, por exemplo, uma letra da marca, usam cores e fontes parecidas com o intuito de confundir o consumidor. Papa explica que a contrafação da marca ocorre somente dentro do mesmo segmento econômico, ou seja, a Lei proíbe que marcas parecidas ou iguais coexistam dentro de um mesmo setor, mas permite a existência da segunda marca se elas atuarem em áreas distintas. Há, entretanto, uma exceção. A Justiça não consente o registro de uma marca semelhante ou igual a outra marca considerada especial, chamada de “auto-renome” pela legislação, mesmo se forem em segmentos diferentes. Trata-se das marcas conhecidas nacionalmente. Por exemplo, não se pode dar a um carro o nome de Coca-cola, marca de auto-renome. Não é crime, entretanto, copiar produtos que já caíram no domínio público. O crime acontece apenas quando há cópia parcial ou integral de produtos e marcas que estão protegidos pela propriedade intelectual. Mas como funciona na prática? Não existe fiscalização para a pirataria. O que existe é a denúncia. O advogado Evandro Papa conta que há ações das prefeituras e da polícia que coletam produtos nas prateleiras para análise e que reprimem a atividade do comércio ambulante, mas para vistoriar

uma fábrica especializada em uma linha de produção de peças falsificadas só é mesmo possível a partir de uma denúncia. Existe uma delegacia especializada em propriedade intelectual. O fabricante, dono do direito e que teve seu produto copiado, deve fazer uma denúncia e, com uma autorização judicial, o oficial de justiça faz uma busca e apreensão do material falsificado. É preciso provar que o seu produto é original, por meio da patente ou de outros recursos. Para isso, há ainda uma perícia técnica que deve comprovar ou não a violação da patente. Com o laudo pericial, o titular pode, então, apresentar uma queixa e entrar com uma ação cível ou criminal. “O problema é que a pena para esse tipo de crime é muito pequena, por isso, os titulares das causas, normalmente, apresentam queixas cíveis”, afirma Papa. Para o crime de violação de marcas, a pena é de três a 12 meses de reclusão ou uma multa. No caso de uma ação cível, os resultados podem ser mais satisfatórios, considerando que, caso não se consiga quantificar o montante de produtos falsos vendidos, a legislação determina que a indenização seja o valor original de duas mil cópias da peça. “Esse aspecto, de indenização, acaba sendo uma forma mais atrativa, até como meio de forçar o concorrente a deixar de praticar este ato”, enfatiza. Comprovando-se o crime, a linha de produção do determinado material é suspensa ou a fábrica é fechada. A Justiça define, ainda, uma multa diária para o infrator enquanto ele não suspender a produção. O advogado ressalta a importância de se obter a patente. De acordo com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), “patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente”. Existem duas formas de patentes: de invenção e de modelo de utilidade (aperfeiçoamento de produtos existentes). A primeira tem duração de 20 anos, já a patente de modelo de utilidade vigora pelo

prazo de 15 anos. Há, ainda, um terceiro tipo de proteção que é o registro do desenho industrial, que se refere apenas ao formato externo, estético do produto. A esse direito dá-se dez anos de exclusividade, prorrogável por mais três períodos de cinco anos cada.

Outras conseqüências As conseqüências da pirataria e da contrafação de produtos têm sido catastróficas para o País, gerando perda de empregos formais, sonegação de impostos e redução dos lucros legítimos. Além disso, outro efeito considerável dessa ação criminosa é o desestímulo à criação industrial, o que, por sua vez, traz danos à economia, à cultura e ao desenvolvimento nacional de modo geral. A indústria nacional fica desmotivada perante a concorrência desleal e a conseqüente perda de mercado. Diante disso, as empresas deixam de investir tempo e dinheiro no desenvolvimento de produtos que, logo, serão copiados. A não aquisição de patentes pode ser, inclusive, prejudicial à empresa. Papa conta que era comum, nos anos 1970, a empresa lançar um produto que sofre uma cópia e a fabricante original sofrer uma ação por cópia. “A patente é sempre uma garantia”, ratifica. É preciso ter um cuidado com os prazos. Lançado o produto, a empresa deve imediatamente adquirir a sua patente, pois, passado o prazo de um ano, o produto não pode mais ser objeto de patente por deixar de ser uma novidade.

Herança cultural Além dos preços elevados dos produtos originais, contrapondo-se ao baixo poder aquisitivo brasileiro, da alta carga tributária e de outros fatores, uma das explicações para a difusão do mercado da falsificação no Brasil vai ao encontro da teoria de que o brasileiro recorre à sua cultura de sempre buscar o caminho mais fácil. Estará no sangue do

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brasileiro a preferência pela maneira alternativa, ilegal, mais fácil e conveniente do que seguir a lei e fazer a coisa certa? Os traços culturais certamente oferecem um campo saudável para a germinação da pirataria, mas o Brasil é uma soma de características, de raças, culturas, povos, em que tudo e todos encontram um “jeitinho” de dar certo. No mundo, em 2006, a pirataria movimentou US$ 516 bilhões, 60% a mais que a indústria de drogas. Inúmeras organizações são formadas a fim de impedir a expansão desse movimento. É o caso do Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, criado em 2001, a CPI da Pirataria em 2003, mais tarde o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (CNCP), entre outras entidades. Na contramão, estão as ramificações do Partido Pirata, que já existe em vários países da Europa, como Espanha, França, Alemanha e Suécia, além de Austrália, Estados Unidos e também da América Latina, como a Argentina, Chile, Peru e Brasil. O seu objetivo é politizar a discussão e, de alguma forma, estimular e legalizar algumas ações da pirataria. Como vimos, a pirataria e a contrafação de produtos e marcas não são exclusividades brasileiras. Pelo contrário, é fato que a maioria dos produtos contrafeitos comercializados aqui é produzida em outros países, como China, Taiwan, Bolívia, entre outros. No caso dos materiais elétricos, os chineses batem de frente com grandes indústrias do setor. Mas como será que eles enxergam essa atividade? Na opinião de Evandro Papa, assim como os japoneses não eram vistos com bons olhos, há alguns anos, quando começaram a desenvolver seu parque tecnológico, os chineses também enfrentam hostilidades. “Mas a tecnologia deles progrediu e, hoje, quem não tem um televisor japonês em casa?”, conclui. O consultor técnico senior da Schneider Electric, Luiz Rosendo Tost Gomez, concorda: “Há anos os produtos chineses eram realmente ruins, mas já temos produtos bons também”. Segundo ele, assim como os japoneses, os chineses vão se aperfeiçoar e desenvolver a sua tecnologia própria, sem precisar copiar. É o que veremos.

Por Bruno Moreira

evolução

“A quantidade de horas para efetuar um cálculo, devido ao advento dos softwares, caiu a 1% do que era” Cláudio Teixeira

Profissional em transformação

Da rudimentaridade dos instrumentos analógicos à eficiência obtida pelas novas tecnologias computacionais:a transformação das atividades realizadas pelo engenheiro projetista de instalações elétricas através dos tempos.

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É fato histórico que, nos primórdios de sua existência, o homem levava uma vida nômade, não possuía ainda a técnica da agricultura e vagava a esmo pelo território em busca de alimento, que poderia vir por meio da caça ou pela coleta. Sem laços que o prendessem a um determinado lugar, o homem errava. Dessa forma, a construção de moradias se fazia desnecessário e quando elas existiam eram instalações precárias, improvisadas, com o objetivo não de fixar residência, mas como uma espécie de solução emergencial. Aos poucos, no entanto, a situação mudou e o homem aderiu às práticas sedentárias. Sua vida deixou de ser uma eterna peregrinação e fincou raízes. Pequenos agrupamentos humanos acabaram por se encorpar e sociedades cada vez mais complexas se estabeleceram. Com elas surgiram habitações rudimentares, que deram lugar a construções mais rebuscadas, além de cabanas, que cederam espaço para habitações de pedra e tijolos, o que refletia o desejo por uma rotina estável e duradoura. Certamente, as primeiras construções não primavam pelo refinamento estilístico e deveriam ser realizadas muito mais na base da intuição do que no emprego sistemático de uma técnica. Entretanto, como homem tem a peculiaridade de aprender com seus erros, muitas edificações tiveram de cair para que o homem descobrisse a fórmula correta. A prática levou à teoria, que consolidou a técnica, o que permitiu, com o decorrer do tempo,

a utilização de desenhos, esboços, projetos com o intuito de facilitar a construção de edificações. O engenheiro e arquiteto romano, Marcus Vitruvius Pollio, conhecido popularmente apenas como Vitrúvio, aparece como o primeiro a transmitir, por meio de um documento, certas regras para a construção. No século I a.C., ele elaborou o tratado “De Architectura”, em que abordava os requisitos mecânicos e estruturais de habitabilidade das edificações. O texto de Vitrúvio apontava também quais deveriam ser as características construtivas, a geometria e as propriedades dos materiais utilizados nas edificações. A partir dele, a atividade de construção, que até o momento era realizada de forma prática, com conhecimentos passados oralmente, passa a ter um tratamento teórico e formal.

Um novo profissional Como tudo se transforma, também as novas invenções aparecem modificando o modo de vida de cada indivíduo. Conseqüentemente, as moradias são adaptadas para comportarem o surgimento de novas engenhocas e os projetos a serem desenvolvidos após estas transformações devem apresentar espaços antes não pensados. Obviamente, no que se refere às instalações elétricas, os projetos de construção passam a contemplá-las quando a eletricidade torna-se aplicável, ou seja, quando o homem inventa um uso para ela. Com a sedimentação desta prática, a sociedade passa, em pouco tempo, a desenvolver-se fortemente baseada na eletricidade e, quando se percebe, praticamente, nada em casa, ou no trabalho, pode funcionar sem ela. Como não poderia deixar de ser, a atividade de quem é responsável pelo desenvolvimento da parte elétrica de um projeto de construção ganha em importância. Sua trajetória desenvolve-se, basicamente, como a de todos os outros projetistas e irá passar por uma radical transformação com o advento da informática. No que tange à atividade do projetista de instalações elétricas, ela pode ser dividida, a grosso modo, em duas áreas: a teórica, na qual o engenheiro realiza os cálculos, e a prática, em que ele elabora os desenhos. Na parte de cálculos, não há muitos mistérios, o profissional aprende na faculdade as teorias e as aplica quando exigido. Contudo, na vida profissional, aprende-se que é preciso otimizar o tempo e instrumentos foram criados com a finalidade

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de facilitar o trabalho do engenheiro, que pôde se dedicar a um número maior de projetos.

Da régua à supercalculadora Um dos equipamentos mais antigos para ajudar os projetistas de instalações elétricas nas contas é a régua de cálculo. Criada em 1638 pelo padre inglês William Oughtred e tendo como base a tábua de logaritmos, a régua foi utilizada com regularidade até a década de 1970, quando cedeu lugar às calculadoras eletrônicas. As réguas de cálculo sempre foram de muita ajuda, principalmente quando era necessário o cálculo com números muito grandes, mas apresentam uma certa limitação, já que não fornecem valores aproximados. Formado em 1955, o engenheiro eletricista e proprietário da consultoria Engenharia SC Ltda., Carlos Vieira, trabalhou bastante com réguas de cálculo. Ele conta que havia uma matéria na faculdade apenas para aprender a lidar com a ferramenta. “No primeiro ano de engenharia, havia o curso de desenho técnico onde aprendíamos a fazer todos os cálculos na régua”, conta. Segundo Vieira, em sua época de faculdade, ainda havia alguns poucos privilegiados de sua classe que já tinham uma calculadora da marca Curta. “Era um modelo analógico, que funcionava por meio de uma manivela”, diz. Contudo, conforme o engenheiro, a maioria dos alunos se virava mesmo com a régua de cálculo. E assim foi até a calculadora a manivela tornar-se mais acessível. Logo, porém, esta foi substituída pela calculadora eletrônica e, posteriormente, pelas chamadas supercalculadoras, que faziam também o papel de computadores no desenvolvimento de programas para otimizar as atividades na área elétrica. O próprio biografado desta edição, o engenheiro eletricista português, Mário Reis Miranda, utilizava calculadoras para implantar programas de computação na área elétrica. Quando trabalhava para uma empresa finlandesa de projetos, o engenheiro desenvolveu programas para fornecer dados sobre fluxo de carga e aterramento em uma máquina de calcular HP 11. “Deu tão certo que eu fui convidado a implantar o mesmo sistema na matriz finlandesa”, conta. Quando estava lá, uma outra oportunidade surgiu: realizar programas de computação para serem utilizados em linhas de alta tensão e, mais uma vez, a calculadora foi seu suporte. “Dessa vez utilizei uma HP 3000, que era mais potente”, lembra.

Divulgação/Centro Paula Souza

Aula de desenho, no início do século XX, em uma escola técnica paulista

Da prancheta ao CAD

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Após o término de todos os cálculos necessários, é preciso desenhar o projeto. Antes da era da informática e dos avançados programas de desenho, os projetistas, munidos de lápis ou canetas, debruçavam-se em suas pranchetas inclinadas e, artesanalmente, colocavam no papel os pontos referentes à elétrica de uma instalação. Apesar de, na faculdade, o engenheiro eletricista Ítalo Batista já ter tido acesso aos computadores e a softwares, como o ComputerAided Design (CAD), ou desenho auxiliado por computador, esses mecanismos ainda não existiam em sua rotina, que continuava a contar com a prancheta, o esquadro e a régua T. O engenheiro lembra que era um sistema trabalhoso. Segundo Batista, recebida a cópia heliográfica do projeto arquitetônico, o engenheiro fazia outra cópia em papel vetal e desenhava a parte das instalações elétricas. Como curiosidade, vale dizer que a cópia era feita com detalhes no papel vegetal, que ficava sobre a cópia heliográfica. Para isso, era necessário o uso de gabaritos, réguas com símbolos da área elétrica, que facilitavam o trabalho do projetista no momento de desenhar os pontos de luz, conta. Finalizada essa etapa, entrava em cena o desenhista que, com papel vegetal e caneta nanquim, dava o último tratamento ao desenho. De acordo com Batista, o advento do CAD mudou para melhor a atividade profissional do engenheiro projetista. Se antes, por exemplo, o profissional percebesse um erro de cálculo em um desenho já pronto, era necessário raspar com uma gilete o detalhe e refazê-lo. Atualmente, não é nem preciso explicar, acostumado que estamos com a informática. Caso haja uma modificação a ser feita, basta apenas procurar no computador o arquivo do projeto e efetuar a correção. O gerente geral da S&C Electric do Brasil, o engenheiro eletricista Cláudio Teixeira, também compartilha do mesmo entusiasmo que Batista pelos softwares de projetos. “Os cálculos que no passado

demoravam horas, hoje são feitos em segundos”, diz. Não só o tempo, mas o custo também encolheu. Teixeira lembra que, na década de 1970, um engenheiro civil contratado para realizar o cálculo estrutural de um edifício cobrava o mesmo que o preço de um carro de luxo. “Isto por causa da quantidade de horas que ele dispendia para fazer tal tarefa”, conta. Atualmente, segundo o engenheiro, o profissional cobra muito menos pela mesma tarefa. “A quantidade de horas para efetuar um cálculo, devido ao advento dos softwares, caiu a 1% do que era”. Segundo Teixeira, mais uma tarefa do projetista que teve seu custo reduzido com o surgimento dos softwares foram os estudos de coordenação de proteção de sistemas elétricos. Anteriormente, segundo ele, os cálculos eram feitos artesanalmente, em papéis de seda. Hoje em dia, os softwares, carregando dentro de si uma série de normalizações, já fornecem ao projetista curvas normalizadas dos mais diferentes produtos, o que te permite simular as mais variadas situações e realizar o estudo em questão de minutos. “Pelo software, você escolhe uma liga metálica já normalizada e consegue realizar diversos testes com ela, vendo se ela entortará ou quebrará”, diz. Os softwares que permitem simulação de situações tiverem o maior impacto, segundo Teixeira, nos projetos referentes a peças mecânicas. Os desenhos de estruturas que antes eram feitos no papel seda e em formas bidimensionais, com o suporte computacional, tornaram-se tridimensionais e possibilitaram a simulação de movimentos e esforços, fazendo com que a construção do equipamento seja mais precisa. A possibildade de simular situações e posicionamento de equipamentos já ajudou Teixeira, que, certa vez, ao projetar o arranjo de seccionadores em uma rede de alta tensão pôde realizar todas as vistas de projetos que ele achou que deveriam ser feitas. Outro ponto de importante evolução refere-se ao armazenamento: a situação é ainda mais positiva para os engenheiros. O surgimento de mídias cada vez menores e com mais capacidade fizeram os diversos canudos, contendo plantas de projetos de engenharia,

serem aposentados. Isso fez não só sobrar mais espaço nos escritórios dos engenheiros, mas, principalmente, tornou mais rápida a busca por projetos antigos. Outra transformação ocorrida com o advento de novos tecnologias encontra-se na troca de informações entre cliente e prestador de serviço. O engenheiro eletrônico e gerente de planejamento e controle de estoques da Rockwell Automation, Cláudio Baldoni, conta que hoje é possível enviar um arquivo por e-mail contendo o projeto, o que permite ao cliente flexibilizar as transformações que ele deseje fazer em sua empresa. Se antes, por causa da rudimentariadade dos meios de comunicação, o cliente precisava pensar uma mudança na estrutura com três anos de antecedência, hoje ele pode planejar em um horizonre mais curto, porque sabe que a realização do projeto será feita de forma mais rápida.

Tudo se transforma A passagem dos desenhos em prancheta para os projetos feitos em programas de computador significou também, como salienta o engenheiro eletricista Carlos Vieira, uma mudança drástica na maneira de atuação de um outro profissional da área: o desenhista. Ele conta que as inovações tecnológicas trazidas pela era da computação fizeram o desenhista se tornar um cadista, especialista no software destinado a elaborar projetos de construção. Vieira conta que a função do profissional do desenho continua a mesma; ele atua a partir do projeto idealizado pelo engenheiro, usando seus conhencimentos técnicos para deixar o esboço mais apresentável. A questão, de acordo com o Viera, é que, de um artista acostumado a trabalhar com determinados tipos de materiais, o desenhista tornou-se um especialista na utilização de sistemas computacionais. Isso fez a função do desenhista mudar totalmente de paradigma. “Existem muitos cadistas, atualmente, que não sabem nem desenhar

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da forma tradicional, pois não é preciso”, comenta. Para ele, muitos profissionais se perderam durante a transição. “Eu mesmo, no meu escritório, paguei para que desenhistas fizessem cursos de habilitação em CAD, mas muitos não quiseram”, conta Vieira. Uma certa resistência é normal quando se percebe que sua profissão está sumindo do mapa, mas é preciso, caso haja o interesse de permanecer na área, uma adaptação rápida. Segundo Vieira, quem não fez isso tornou-se obsoleto e não conseguiu mais emprego como desenhista de projetos de construção.

O raciocínio permanece Se o advento de novas tecnologias, como a supercalculadora e os softwares de engenharia, vieram facilitar a vida do projetista de instalações elétricas, também praticaram um desserviço a este mesmo profissional. Para Carlos Vieira, foi tirada desse profissional parte da capacidade de raciocinar, mas ele insiste que a capacidade de promover soluções inteligentes ainda deve prevalecer. De nada irá adiantar o auxílio das mais avançadas fer­ ramentas se o profissional não tiver a capacidade de empregar os ensinamentos recebidos durante a faculdade da maneira mais adequada possível. Segundo o engenheiro, não se pode esquecer que calculadoras e softwares ajudam na elaboração prática do projeto, mas quem resolve os problemas, encontrando as melhores soluções ainda é o ser humano e sua atividade intelectual. “A máquina é burra”, define. Somente a prática que levará o profissional da área ao uso inteligente das teorias adquiridas nos cursos preparatórios. De acordo com o engenheiro, somente trabalhando com questões reais que o projetista vai descobrir qual a melhor decisão a ser tomada. E esses conhecimentos somente são adquiridos com a experiência e com o dia-a-dia da profissão.

Por Flávia Lima

identidade

Paradoxo

Legado cultural

Profissionais empíricos e despreocupados com regulamentos técnicos normativos são maioria em um País, que ainda carrega a herança do “jeitinho brasileiro”, máxima em que a lei do menor esforço é dominante. No caso da eletricidade, embora existam instalações modernas e adequadas, grande parte das edificações oferece riscos e está em desacordo com as normas

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Quando o assunto é a situação das instalações elétricas brasileiras, a opinião dos especialistas da área é triste e unânime: a maioria delas apresenta qualidade duvidosa e, quase sempre, oferece riscos aos seus usuários. Até aqui, nenhuma novidade. A questão que fica é: se temos uma norma de instalações elétricas considerada moderna e coerente e bons produtos disponíveis no mercado, por que o brasileiro tem dificuldade em seguir as diretrizes normativas? E, por que, comparado a outros países, ainda engatinhamos no quesito qualidade e segurança nas instalações? A resposta não é nada simples e pode ter suas raízes entranhadas em uma cultura de atraso, principiada há mais de 500 anos, na época do descobrimento do Brasil. Não podemos, entretanto, colocar a culpa sobre os portugueses. Muitos outros fatores, como veremos adiante, vêm contribuindo, ao longo dos anos, para a formação cultural, social e econômica do brasileiro, que, certamente, influencia as tomadas de decisões e o comportamento do povo como um todo.

Há no Brasil um grande paradoxo: instalações bem evoluídas e instalações primárias executadas por profissionais despreparados e despreocupados com os mandamentos normativos. O gerente de produto da Siemens, Luiz Eustáquio Perucci, supõe que 70% das instalações sejam de qualidade duvidosa. Embora admita ter havido uma evolução nos últimos anos, Eustáquio reconhece que ainda estamos longe do ideal. Para o engenheiro eletricista Hilton Moreno, há, entretanto, um considerável número de instalações elétricas adequadas e bem feitas. “O atraso está fechado na autoconstrução e nas construções mais simples”, diz. O atraso, nas instalações industriais, por exemplo, é, para ele, pequeno ou inexistente. O engenheiro eletricista e diretor da Fischmann Engenharia, Victor Fischmann, concorda: “as instalações de responsabilidade das boas construtoras, em geral, estão em conformidade com as normas técnicas”. Ele conta que, há algum tempo, era comum o projeto, depois de ter sido aprovado na prefeitura, sofrer diversas alterações. “Não havia tanta preocupação com o projeto as built, diferentemente de hoje, quando o projeto elétrico, por exemplo, é iniciado antes mesmo de seguir para a prefeitura, justamente para que a construção esteja de acordo com o que foi aprovado”. O que ainda acontece, na opinião de Fischmann, é que, mesmo com projetos bem elaborados, algumas construtoras e instaladoras acabam seguindo o mínimo que a norma de instalação recomenda, até em empreendimentos que exigem um pouco mais do que isso. “Por exemplo, a norma prescreve um mínimo de pontos de tomada por ambiente (em função do perímetro) em uma residência, mas o padrão de conforto do empreendimento eventualmente pode exigir mais”, analisa. Este, segundo ele, é um exemplo de projeto não adequado, pois apesar de ter se cumprido a norma – que é o mínimo de segurança e qualidade – o projeto poderia ter sido melhor, considerando o nível da construção.

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Nos últimos anos, tem sido comum as construtoras realizarem intervenções nos apartamentos novos de acordo com o cliente, isto é, o comprador pode personalizar seu imóvel, fato que pode acarretar mudanças no projeto elétrico. Se o morador optar por ter fogão elétrico ou ar condicionado, que são equipamentos com elevado consumo de energia, o projeto deve sofrer alterações, pois a demanda de eletricidade será maior. “É como um carro com e sem ar condicionado, são projetos e preços diferentes”, compara Fischmann. Ele diz que, ultimamente, as grandes construtoras, especialmente, estão mais preocupadas com a elétrica dos empreendimentos e costumam sempre consultar os projetistas quando as personalizações envolvem energia elétrica. Essa preocupação é recente. O mais comum era – e ainda é, principalmente com relação a imóveis antigos – o próprio morador fazer os seus ajustes. E o que mais acontece é a sobrecarga de energia devido aos inúmeros equipamentos conectados em instalações com mais de dez anos. Mesmo alinhada à norma internacional IEC 60364 e sem ficar devendo, na opinião de muitos, para outras normas estrangeiras, a ABNT NBR 5410 – norma de instalações elétricas de baixa tensão –, embora muito conhecida no meio técnico, não é empregada com solidez no segmento e mal alcança a maioria das instalações residenciais, incluindo as prediais. O mesmo acontece com outras normas técnicas do setor elétrico, seja para instalações, seja para produtos. O Brasil é um país grande e muito carente de formação e de informação. O consultor técnico sênior da Schneider Electric, Luiz Rosendo Tost Gomez, acrescenta que a situação se agrava com os governantes, que não possuem formação nem informação técnica e desconhecem a realidade das instalações brasileiras, apesar de falhas em instalações elétricas provocarem muitos acidentes, por vezes fatais, e ainda serem uma das principais causas de incêndios no País.

“desse comportamento social, em que o sistema de relações se edifica essencialmente sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais obstáculos que, na Espanha, e em todos os países hispânicos – Portugal e Brasil inclusive –, se erigem contra a rígida aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais” Sérgio Buarque de Holanda

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O problema, no entanto, não é a falta de normas, mas a incapacidade de fazer com que elas sejam cumpridas. Apenas na área de eletricidade, contamos com aproximadamente 1.400 normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, incluindo especificações para produtos e para instalações. A obrigatoriedade – por meio de leis, portarias e decretos – são mecanismos que contribuem para a melhoria das instalações, mas, no segmento de materiais elétricos, poucos são os produtos que possuem certificação compulsória. E, no caso das instalações elétricas, o quadro é ainda pior. O Brasil é um dos poucos países, entre os desenvolvidos e os considerados em desenvolvimento, que não possui qualquer forma de inspeção das instalações elétricas como parte de um plano nacional. E, nesse cenário, o amadorismo impera. O tempo todo curiosos aventuram-se na profissão de eletricista e executam o trabalho de medição, especificação técnica, instalação e implantação do “projeto elétrico”. Esta não é uma cena estranha aos olhos do brasileiro. Mas o que a maioria das pessoas ainda não conhece são os perigos envolvidos em uma instalação mal projetada e executada por pessoas desqualificadas e que não conhecem as normas de segurança e de qualidade. O gerente de engenharia e qualidade da SIL Fios e Cabos, Nelson Volyk, ratifica a importância da norma, a qual, segundo ele, traz informações fundamentais para um bom projeto, dentre as quais cita: capacidade de transmissão de energia dos condutores; seção mínima dos condutores para o circuito de iluminação e de tomadas; padronização de cores; utilização do disjuntor, do dispositivo DR que reduz o risco dos choques; e quantidade máxima de condutores nos eletrodutos. Ao seguir as orientações da norma, é possível evitar problemas, como choque elétrico, curto-circuito, aquecimentos indesejáveis e desperdício ou falta de energia elétrica causados por falhas de projeto. A questão da obrigatoriedade da norma, entretanto, já foi abordada nesta Coleção e não é este o objeto deste trabalho.

Tampouco precisamos enfatizar a importância de uma norma técnica para a qualidade de um projeto, fato que é – ou deveria ser – de conhecimento comum. O que agora analisamos é o comportamento de uma sociedade que ainda insiste em ignorar os regulamentos técnicos.

Raízes culturais Os trabalhos coletivos, que reúnem pessoas com boa vontade, mas sem habilidades e qualificações específicas, têm suas raízes na nossa colonização. Segundo o autor de “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda, o impedimento para o êxito do labor produtivo no País foi a falta de elementos empreendedores desde a nossa origem – a partir dos portugueses. Ele explica que os portugueses trouxeram para o País trabalhos de índole coletiva aceitos de forma a satisfazer sentimentos e emoções coletivas, acompanhando, de certo modo, o caráter religioso do catolicismo. “Costumes como o mutirão, em que os roceiros se socorrem uns aos outros nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na construção de casas, na fiação do algodão (...)” foram, conforme cita Holanda, sintomas da colonização brasileira. A organização de grupos para construir e reformar casas – especialmente as mais populares –, em que cada um ajuda um pouco, contribuindo com o que “sabe” fazer, teria derivado dessa característica colonial. Há, incontestavelmente, técnicos qualificados e habilitados, mas muitos pedreiros, eletricistas, mecânicos exercem seus respectivos trabalhos sem qualquer formação técnica, porque aprenderam o ofício com o pai ou participando dessas obras coletivas desde pequeno. Fora do País, as pessoas não costumam deixar aventureiros entrarem em suas casas, há que se ter uma formação oficial. No Brasil, é comum eletricistas aprenderem a trabalhar trabalhando. Eustáquio arrisca dizer que, por questões econômicas, principalmente, as pessoas experimentam a profissão de eletricista,

de mecânico, de pintor, entre outras, diante da necessidade e da oportunidade. Sobre isso, Sérgio Buarque de Holanda traz mais explicações: “o peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação, ou antes, uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente”. Em outras palavras, é o fazer repetitivamente sem questionar técnicas de melhoria e sem considerar a evolução das normas. Segundo ele, não há dúvida que “desse comportamento social, em que o sistema de relações se edifica essencialmente sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais obstáculos que, na Espanha, e em todos os países hispânicos – Portugal e Brasil inclusive –, se erigem contra a rígida aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais”. Com essas afirmações, conseguimos entender como começou essa dificuldade que o brasileiro tem para se informar e seguir as diretrizes normativas. Em tempo, Holanda vai mais além e diz que “tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as idéias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem uma espécie de atonia da inteligência, parecem-nos constituir a verdadeira essência da sabedoria”. É a velha história do “jeitinho brasileiro” e a eternizada fala de Macunaíma, de Mário de Andrade, “Ai, que preguiça”. O modo mais fácil é sempre o modo preferido. No Brasil, há a ideologia de que não se consegue resolver nada pela Lei. “O ‘jeitinho’ é o lado inovador do brasileiro, que dá um jeito porque o sistema, muitas vezes, o conduz para isso”, explica o antropólogo e mestre em antropologia social, Marko Monteiro. A dificuldade em seguir as normas técnicas e a legislação, de modo geral, é amparada na “cordialidade” do brasileiro.

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Vale lembrar que a palavra “cordial”, vem da palavra latina cor, cordis, que significa coração. Portanto, como Sergio Buarque de Holanda discute em seu livro, o homem cordial é aquele que age pela emoção, inspirado nos laços afetivos, na amizade, na camaradagem. “É uma característica cultural e sistêmica, que já está consolidada. A solução é criar um ambiente de forma que seguir a lei ou a norma compense”, diz. A questão é como fazer isso.

Cultura de atraso O fato é que, no Brasil, a organização dos ofícios deu-se em função dos moldes trazidos do Reino português em condição de dominante: trabalho escravo; escassez de artífices livres na maior parte das vilas e cidades; indústria caseira para garantir relativa independência aos ricos, entravando o comércio. Holanda conclui que, de certa forma, a repulsa a todas as modalidades de racionalização se configura, até hoje, em um dos traços mais constantes dos povos de estirpe ibérica, isto é, de origem portuguesa ou espanhola. A colonização inglesa, por exemplo, deu-se de maneira diferente. As colônias inglesas, até pelo motivo de não terem terras propícias para as culturas tropicais, prosperaram especialmente devido ao comércio. O trabalho livre e a religião protestante – da mesma maneira que, na Europa, o calvinismo, com sua ética baseada no trabalho e na legitimação do lucro – contribuíram para o desenvolvimento dessas regiões. O antropólogo conta que, até o século XIX, no Brasil, era proibida a existência de tecelagens e de indústrias, para não concorrer com os portugueses. O quadro só muda quando a Corte se muda definitivamente para o Brasil, em 1808, trazendo artistas, escolas e a liberação para o desenvolvimento da cultura e economia brasileiras. Diferentemente dos portugueses, os holandeses promoveram

“O ‘jeitinho’ é o lado inovador do brasileiro, que dá um jeito porque o sistema, muitas vezes, o conduz para isso” Antropólogo Marko Monteiro

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algumas transformações no período em que ocuparam a região de Recife (PE), de 1637 a 1644. Além da tolerância religiosa, os holandeses trouxeram pintores, comerciantes e pesquisadores, que estudaram a fauna e a flora locais, trazendo prosperidade à vila. De qualquer modo, a forma subordinada com a qual nos habituamos é uma das razões de sermos, ainda, supridores de matériasprimas e commoditties para o exterior para que sejam industrializados e, por nós, importados a custos muito mais dispendiosos. Embora em um nível muito mais ameno, a propensão à subordinação e a aversão à novidade são características que acompanham os setores da economia, da política, da educação, e todos os outros segmentos de atuação do Brasil. No tocante à energia elétrica e, mais especificamente, às instalações elétricas, a situação não seria diferente. “O brasileiro está acostumado sim a viver atrasado, acha que o que é importado é melhor por definição”, afirma Marko Monteiro. E, de certa forma, adotamos essa premissa no nosso dia-a-dia, quando nos comparamos com outras culturas e nos posicionamos em condição inferior. Ele cita o caso do ciclo da borracha. Por que não deu certo? Porque as mudas da árvore foram levadas para a Ásia, em um momento em que o País tinha capital e matéria-prima, levando-nos a, mais uma vez, perder a oportunidade de desenvolver a nossa indústria para apenas suprir matéria-prima para que outros o fizessem. E a prova de que as coisas mudam é a nova chance que temos com o etanol. “Temos a oportunidade de termos outra atitude, de sermos grandes exportadores e de desenvolvermos novas tecnologias que empreguem o etanol como combustível”, opina. A cultura do desperdício é outro ponto com o qual nos acostumamos. É difícil para o brasileiro economizar água, energia e outras fontes, pois estamos habituados a tê-las em abundância. “A questão é como as pessoas se relacionam com essa abundância”, explica Monteiro. Hoje, o tema eficiência energética é algo que começa a fazer parte da vida das indústrias e da população, de modo geral, mas ainda é uma questão de mentalidade. Aos poucos, vamos adquirindo uma

consciência de desperdício, assim como muitos países já têm. Para o antropólogo, a sofisticação do mercado de consumo brasileiro é baixa por causa da concentração de rendas e do nível educacional. Ele enfatiza, entretanto, que o conservadorismo brasileiro e esse atraso cultural não têm uma única justificativa, mas deve-se considerar uma série de fatores que, juntos, contribuíram para a formação dessa natureza. Com o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, percebemos um progresso à medida que o consumidor encontrou na legislação uma proteção, mas ele mal conhece esse recurso, porque não está habituado a buscar seus direitos, a recorrer à Justiça e também porque não confia nela. Na opinião de Monteiro, o processo de desenvolvimento é lento, mas vem acontecendo. Temos uma base tecnológica criada, mas há ainda muita resistência. Nossa cultura e economia ainda são muito subordinadas.

Aversão a novidades É comum ouvir de empresários que novidades são apresentadas o tempo todo ao mercado, mas elas, muitas vezes, não encontram interesse do outro lado. Mesmo tratando-se de equipamentos considerados indispensáveis à segurança de uma instalação elétrica, por exemplo, o desinteresse é evidente. A NBR 5410 passou a exigir o uso do DR e do DPS, nas revisões de 1997 e de 2004, respectivamente. Os profissionais mais atentos passaram, gradativamente, a empregar esses equipamentos, mas a informação encontra dificuldade para chegar ao público comum. “As pessoas reclamam do custo do DPS, mas se esquecem que ele é responsável por proteger equipamentos elétricos e eletrônicos contra sobrecargas

e que, sem o DPS, o barato pode sair caro”, compara Luiz Eustáquio, da Siemens. Segundo ele, há apartamentos novos de alto padrão que ainda não empregam o DPS. “Certamente, seus moradores têm sofisticados equipamentos de som, vídeo e outros, que estão completamente desprotegidos”, diz. Trata-se de uma mentalidade tacanha que não reconhece a importância da proteção, mesmo, nesse caso, tendo projetos provavelmente elaborados por profissionais renomados. O também gerente de produto da Siemens, Julio Carpanez, acrescenta que muitos empreendedores não utilizam os benefícios de dispositivos como o DR e o DPS como argumentos de vendas. “Fala-se do mármore, do piso, mas não se menciona a proteção contra choque elétrico e contra sobretensão”, admira-se. Outro ponto importante refere-se às instalações antigas. Apesar de inúmeros empreendimentos serem erguidos a todo instante no País, a maioria das edificações possui mais de 20 anos e, muito raramente, as suas instalações elétricas passam por alguma revisão técnica. É comum a troca de equipamentos por outros mais modernos, as pessoas fazem diversas reformas na arquitetura de interiores, mas a instalação elétrica sequer é lembrada. É esquecido que os materiais envelhecem e que a demanda de energia cresce, até pelo aumento de equipamentos elétricos e eletrônicos, adquiridos ao longo do tempo. Isso porque os problemas nas instalações elétricas, na maioria das vezes, não são aparentes e são percebidos apenas quando algum acidente acontece em virtude de um curto-circuito, da fuga de corrente elétrica ou de outro fenômeno. Falta, na opinião dos especialistas, fiscalização e conscientização. Mesmo com a exigência do DR, o dispositivo é pouco empregado e o usuário final desconhece a sua existência. Incêndios e outros acidentes envolvendo eletricidade são vistos como fatalidades. Não se fala em imprudência. Para Carpanez, não obstante os órgãos de defesa do consumidor, as associações de

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classe e as ações de empresas no sentido de divulgar informações de segurança, falta o papel do governo. “Todos – do engenheiro ao consumidor final – devem ter acesso a essas informações, para que um cobre o outro”, afirma. Casos isolados evidenciam que, aos poucos, algumas atitudes têm sido tomadas a fim de mitigar os problemas com a eletricidade. Em Pernambuco, por exemplo, é obrigatório o emprego de dispositivos diferenciais residuais (DRs) em canteiros de obras, fato que só se tornou realidade em razão do falecimento de dois engenheiros. Em São Paulo, uma Instrução Técnica do Corpo de Bombeiros do Estado, com o apoio com a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos NEMA Brasil e com o Instituto Brasileiro do Cobre (Procobre), a ser publicada em 2009, definiu procedimentos para que os bombeiros vistoriem as instalações elétricas de todas as novas obras no Estado de São Paulo (e também as que renovarem seus autos de vistoria), garantindo condições mínimas de segurança das pessoas, do meio ambiente e do patrimônio, além do funcionamento adequado dos equipamentos. Na opinião de Tost Gomez, o Brasil precisa de uma instituição dedicada exclusivamente às certificações das instalações elétricas, começando pelas residenciais e partindo, progressivamente, para outras instalações. Em alguns países da Europa, as distribuidoras de energia não levam eletricidade à instalação enquanto ela não for fiscalizada. Nos Estados Unidos, segundo Hilton Moreno, presidente da NEMA Brasil, as autoridades (prefeituras ou bombeiros) também não liberam as obras para ocupação sem que elas tenham passado por inspeções das instalações elétricas. O Estado tem, nesse sentido, um papel regulador e fiscalizador importante para impedir que produtos e instalações elétricas em desacordo com os requisitos mínimos de desempenho e de segurança sejam disponibilizados ao público, pelo menos, até adquirirmos o hábito de viver uma boa técnica e obtermos – profissionais e consumidores – um nível razoável de conhecimento e de bom senso para fazermos, nós mesmos, as escolhas.

descontração

Jogo dos 7 erros

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Ilustrações: Mauro Jr.

A figura a seguir ilustra dois ambientes residenciais com sete erros de instalação elétrica. Identifique-os.

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