Oficina didática de integração dos sentidos José Paulo Felici, Luisa Truffi, Maria Gabriela Valeriano, Marina Marins, Tarsila Ceruci, Thiago Marchini e Vanessa Goulart Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo
I - Introdução: Este projeto visa apresentar um material didático de apoio a professores e alunos do ensino médio e fundamental no estudo da fisiologia e evolução do sistema sensorial. Sabemos que a experimentação é essencial na aprendizagem da ciência uma vez que permite extrapolar os conhecimentos teóricos para a realidade [1]. Dessa forma, o objetivo principal é sanar dois aspectos deficientes no ensino da biologia: a ausência da experimentação e a dificuldade dos professores em implementá-la, devido a falta de estrutura e materiais adequados. O objetivo do material em si é ser um apoio para professores do ensino médio no estudo da evolução do sistema sensorial, buscando apontar que as sensações e a percepção do mundo são o produto da integração dos sentidos (visão, gustativo, olfato, somatossensorial, audição e vestibular) e que a percepção em cada um deles não se dá sem a influência dos outros. Nos materiais didáticos atuais [2,3] a integração dos sentidos é apresentada de maneira breve e pouco aprofundada. Esse aspecto contribui para a disseminação do conceito equivocado de que a percepção é resultado da ação separada dos sentidos. Desse modo, propomos atividades de experimentação empírica para que os alunos sejam desafiados a compreender a integração do sistema sensorial. O material consiste em dois experimentos, um apresenta a associação entre o paladar e o olfato, e outro entre a visão e o equilibrio. A proposta é que os alunos sejam levados a se questionar, resolver problemas e discutir soluções com seus colegas, se tornando protagonistas em seu aprendizado, explorando o conhecimento de uma maneira diferente das habituais aulas expositivas.
Os sentidos abordados:
A visão é o sentido que nos dá a habilidade de ver o que ocorre a nossa volta, a partir da luz. A imagem é formada na retina atráves dos fotorreceptores: cones, que são responsáveis por detectar a intensidade luminosa, e bastonetes, capazes de diferenciar cores. A informação é então levada ao córtex através do nervo óptico, onde é interpretada, permitindo que tenhamos as noções de profundidade e distância O sistema vestibular é o conjunto de órgãos responsáveis pela manutenção do equilíbrio do corpo. Esse sistema responde a variações na velocidade fornecendo, junto com a visão, a informação necessária ao cérebro para o reajuste do centro de gravidade durante o deslocamento. Em geral, os livros didáticos trazem apenas cinco sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato), sendo o sistema vestibular tratado brevemente dentro do estudo da audição, devido a proximidade dos orgãos receptores. Assim, caberá ao professor apresentar o aparelho vestibular como um sistema separado ou não, e até mesmo analisar se o conhecimento dos alunos sobre esse ele é suficiente ou se é preciso aprofundá-lo antes de aplicar esta ferramenta. Os outros dois sentidos trabalhados, bastante dependentes, são o paladar e o olfato. Não havendo um consenso na literatura e sendo uma questão passível de confusão, adotaremos aqui a palavra paladar para referir à informação advinda dos botões gustativos, ou seja, a percepção de salgado, doce, azedo, umami e amargo. Por outro lado a palavra sabor denotará a percepção conjunta do paladar e do olfato. O paladar se refere à capacidade de reconhecer gostos. Os seres humanos tem 5 percepções possíveis a partir das papilas gustativas, em sua maioria, na língua: doce, salgado, amargo, azedo e umami, para cada um deles há um tipo de receptor nos botões gustativos na lingua. O olfato é um sentido mais apurado, e reconhece inúmeros odores. As partículas são dissolvidas no muco da cavidade nasal, e a informação é passada através do nervo olfativo até o sistema nervoso central, onde será interpretada. O olfato permite uma diferenciação maior entre o sabor dos alimentos, além daquela permitida apenas pelo paladar.
II - Materiais: Experimento 1: paladar e olfato; ○
Vendas para olhos;
○
Prendedor de roupas para tapar o nariz;
○
Sucos em pó de sabores diversos.
Experimento 2: visão e equilíbrio;
○
Lentes biconvexas de vidro óptico;
○
Moldes para a base de papelão;
○
Base de papelão para os óculos;
○
Aplicativo de realidade virtual em um smartphone.
(link
para
aquisção
de
lentes
biconvexas
de
vidro
óptico:
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-683756244-05-pares-de-lentes-google-cardboard-3dvidro-optico-_JM); (link das folhas molde para a base de papelão: http://mdmundo.s3-us-west2.amazonaws.com/wp-content/uploads/Scissor-cut_template.pdf).
III - Aplicação: Contextualização do uso da ferramenta nos moldes propostos: No presente trabalho, propomos uma oficina com o intuito de levar aos educandos a noção de que os sentidos atuam de maneira integrada para gerar a percepção que cada animal possui sobre o mundo. Neste sentido, avaliamos que o momento ideal para a aplicação da ferramenta como proposta aqui seria em uma oficina que ocorresse logo após a sequência de aulas abordando a fisiologia dos sentidos. Isso garantiria que os conceitos estivessem recém trabalhados com eles, e dessa forma, a oficina poderia abordar questões mais profundas, por exemplo: “como a influência direta de um estímulo sobre outro afeta a percepção do mundo ao redor?” ou “por que esta forma de atuação integrada dos sentidos configura uma vantagem adaptativa quando pensamos nos desafios que os animais enfrentam para resguardar suas vidas?”. Assim, propomos a oficina como forma de complementar o conteúdo já abordado, estimulando mais a visão da integração dos sentidos e suas vantagens evolutivas. Entretanto, nada impede que as ferramentas aqui propostas possam ser adaptadas para o uso em sala de aula, no momento em que o educador está abordando a Fisiologia dos Sentidos, como um complemento para a aprendizagem dos alunos ou mesmo como uma introdução ao tema. Outra alternativa seria empregar estes experimentos em uma feira de ciências, propondo uma atividade que crie o ambiente necessário para que os educandos se tornem mais ativos na pesquisa dos assuntos e no processo de elaboração das perguntas e respostas.
Roteiro de aplicação:
1. Paladar e olfato:
A primeira parte da oficina, tratando dos sentidos paladar e olfato, pode ser realizada em 2 horas, sendo dividida em três partes: i. Apresentação do problema e do experimento; ii. Execução do experimento pelos alunos e iii. Análise e discussão sobre os resultados obtidos. i. Apresentação do problema (40 min): o professor conduz uma discussão em torno do tema percepção de sabor, abordando questões como: “se através do paladar sentimos apenas 5 sabores, como percebemos gostos tão diferentes” ou “porque quando estamos com gripe não sentimos o gosto dos alimentos?”. A proposta é que o professor conduza a discussão de modo que os alunos formulem por si a hipótese de que olfato e paladar atuam em conjunto para a percepção dos sabores. Para testar esta hipótese propõe-se que a turma se divida em trios para realizar o experimento. ii. Execução do experimento (25 min): Em cada trio, um aluno deve vendar os olhos e o nariz, o segundo apenas os olhos e o terceiro anotará os resultados. Os alunos seguem o protocolo (anexo A), anotando os resultados. Os alunos devem então inverter, quem apenas vendou os olhos agora veda também o nariz, e o outro tira a venda do nariz e repete-se o experimento, aleatorizando a ordem de apresentação dos sabores. Assim, além de um número maior de dados, pode-se aproveitar a oportunidade para discutir questões como a variação individual de percepção e tamanho amostral em um experimento. iii. Análise e discussão dos resultados (55 min): os resultados obtidos por todos os grupos são reunidos e inicia-se uma nova discussão em torno dos resultados. Comparando o número de acertos, é possível saber se aqueles que vedaram o olfato tiveram mais dificuldade para saber qual o sabor do suco. A discussão aqui, além dos dados quantitativos, pode contar também com a descrição dos alunos sobre como sentiram que sua percepção foi alterada pela ausência do olfato. Pode-se integrar aqui a influência da visão na percepção dos sabores, como a aparência dos alimentos é importante, afetando as expectativas em relação à comida. 2. Visão e equilíbrio: A atividade abordando os sentidos da visão e do equilíbrio foi pensada para durar o tempo de 3 aulas (180 minutos), sendo dividida em quatro partes: i. Apresentação do problema e do experimento; ii. Montagem do Google Cardboard; iii. Execução do experimento pelos alunos, com o auxílio do professor e iv. Análise e discussão sobre os resultados obtidos. i. Apresentação do problema (45 min): Será iniciada uma discussão pelo educador abordando questões como: “como seria para um macaco que vive na copa das árvores de uma floresta se equilibrar nos galhos desta se não conseguisse enxergar?” ou “como um mamífero aquático, como uma baleia, consegue saber se está orientado corretamente (com o dorso para
voltado para a cima) a noite, ou seja, sem estímulo visual?”. Com estas perguntas espera-se respostas que consigam fazer um link entre os sentidos do equilíbrio e da visão. Os macacos, por exemplo, são primatas e, portanto, essencialmente visuais, assim, além do sistema vestibular (fornecendo informações sobre a aceleração do animal e o ângulo que o seu corpo apresenta em relação à sua força peso), ele necessita da visão para saber com mais facilidade a orientação correta do corpo e prever cada movimento de acordo com a posição dos galhos. Já as baleias vivem na água, onde podem flutuar, e sem nenhuma informação visual poderiam perder a orientação correta dos seus corpos, mas para isso elas contam com o sistema vestibular, que dá a noção correta da orientação do animal em relação à posição vertical, ou à sua força peso. Tendo estimulado os alunos a pensar na visão e no equilíbrio como dois sistemas que se complementam, o educador pode partir para a explicação do experimento. Antes de qualquer coisa é necessário especificar os objetivos de realizar tal prática: neste caso, o objetivo é mostrar como a visão pode influenciar nosso equilíbrio. Com isso em mente, o professor pode iniciar o experimento, sempre enfatizando a importância de ter um grupo controle para comparar tratamentos e posteriormente debater quais são as hipóteses preliminares para o experimento. É importante ressaltar que o rigor científico deve ser apresentado aos alunos como a forma de se fazer ciência, mas não devem ser cobrados nesse sentido pois não são cientistas, e sim alunos num processo de aprendizagem. ii. Montagem do Google Cardboard (50 min): Para a montagem do Google Cardboard e execução do experimento, os educandos devem formar grupos de 5 pessoas que devem possuir, além do material necessário, um protocolo para a construção dos óculos de realidade virtual, realização do experimento e discussão dos resultados. Neste momento o professor tem duas opções: a primeira é passar um vídeo-tutorial do Youtube para auxiliar na construção dos óculos (tutorial de construção dos óculos: https://youtu.be/nXp150UnLw0), que possui além das instruções básicas, explicações e outras curiosidades; e a segunda é explicar o tutorial na sala de aula, não perdendo as oportunidades de relembrar conceitos importantes sobre o funcionamento dos sistemas, como a binocularidade. iii. Execução do experimento (35 min): Cada grupo de cinco pessoas irá seguir as instruções do protocolo. Enquanto um aluno é testado com a ajuda de outros dois (se necessário), os dois alunos restantes podem anotar os resultados. Será anotada uma avaliação subjetiva (qualitativa) para indicar o nível de desconforto gerado no sujeito que está sendo experimentado. Cada aluno do grupo participa duas vezes do experimento, uma vez em cada
tratamento (condizente e não condizente), sendo que o mesmo indivíduo não pode ser testado duas vezes seguidas para não haver influência de um teste sobre o outro. iv. Análise e discussão dos resultados (50 min): Com os dados tabelados o educador pode agora gerar uma discussão acerca deles. Comparando os resultados da avaliação subjetiva de desconforto entre os dois tratamentos poderá ser discutido com a turma questões que abordem a integração entre estes dois sentidos, as razões evolutivas que podem estar por trás desta integração, aspectos da organização anatômica das áreas do encéfalo que recebem os sinais dos estimulos para interpretá-los, entre outros assuntos.
IV - Referências 1- Giordan, Marcelo. "O papel da experimentação no ensino de ciências." Química nova na escola 2-
10.10
Amabis
e
Martho
“Biologia
(1999): dos
organismos
2”
Moderna
43-49. (2004):
555-565.
3- Lopes e Rosso “BIO volume único” Saraiva.
V - Anexos Anexo A: Como percebemos o sabor dos alimentos? Material: ○
Vendas para olhos;
○
Prendedor de roupas para tapar o nariz;
○
Sucos em pó de seis sabores diversos.
Procedimento: 1- Preparar os sucos conforme as especificações da embalagem; 2- Dividir-se em grupos de três alunos, cada grupo deve ter 4 porções de cada sabor de suco; 3- Dois alunos do grupo vendam os olhos e desses um venda também o nariz; 4- O terceiro aluno escolhe qual sabor do suco será o primeiro e entrega para os outros; 5- Após provarem o suco, os alunos tentam adivinhar qual era o sabor; 6- Aquele que está entregando o suco deve também anotar na tabela abaixo os acertos; 7- Repete-se esse procedimento até que os alunos tenham provado todos os sabores;
8- Os alunos trocam, aquele que estava apenas com os olhos vendados, venda também o nariz e outro tira a venda do nariz; 9- Repetem-se todos os sabores; 10- Reunem-se os resultados de toda a sala e Os alunos que experimentaram os sucos podem descrever como sentiram sua percepção alterada.
Aluno 1 (apenas olhos vendados)
Aluno 2 (olhos e nariz vendados)
Aluno 1 (olhos e nariz vendados)
Aluno 2 (apenas olhos vendados)
Sabor 1 Sabor 2 Sabor 3 Sabor 4 Sabor 5 Sabor 6 Questões para discussão: 1- Como percebemos sabores diferentes se o nosso paladar só detecta 5 gostos? 2- Porque quando estamos gripados a nossa percepção do sabor é alterada? 3- Além do olfato e paladar, que outros sentidos atuam na nossa percepção do sabor? Pense no seguinte: - Alguns sucos em pó possuem diferentes texturas, o de manga por exemplo é mais espesso; - Não há alimentos naturais na cor azul, imagine como seriam nossos alimentos na cor azul, eles pareciam apetitosos? 4- O número de acertos é variável entre as pessoas? (se as pessoas tem percepções diferentes, o fato de a mesma pessoa participar do experimento com e sem o olfato foi de alguma importância?)
Esse experimento também pode ser realizado com alguns outros alimentos industrializados como algumas balas e gelatina.
Anexo B:
Como a informação visual contribui para dar a sensação de equilíbrio?
Materiais: ○
Folhas de molde para a armação de papelão do Google Cardboard;
○
Folhas (ao menos 3 por grupo) de papelão finas (tamanho aprox. A4);
○
Tesoura, estilete, cola e cola quente (se necessário, use com a ajuda do professor);
○
Ímãs de ferrite e neodímio (caso façam a opção com click na tela);
○
Duas lentes de vidro óptico (f = 45 mm);
○
Velcro.
Como montar um óculos de realidade virtual em dez passos?: 1- Recorte gresseiramente ao redor das folhas com os moldes para a armação do Google Cardboard e cole os pares referidos pelos círculos enumerados (cada par é representado por um preto e um branco); 2- Cole os 3 moldes para a armação nas folhas de papelão e corte com a ajuda da tesoura de do estilete. Corte as linhas pretas, as vermelhas significam dobras; 3- Com a ajuda de uma régua e uma caneta, faça vincos nas linhas vermelhas, isto ajudará a dobrar o papelão; 4- Começando com o suporte para as lentes, posicione estas no local indicado pelo molde e faça a dobra em forma de Z para prendêlas no suporte, colando as partes de papelão com cola quente; 5- Posicione a peça que divide as duas imagens, encaixando-a no vinco existente entre as lentes, cole com cola quente; 6- Encaixe o conjunto no apoio para o nariz da peça maior e cole com cola quente; 7- Na extremidade distal em relação às lentes existe um furo circular. Faça a dobra de modo que o furo se torne um encaixe circular sobre o papelão e cole com cola quente. Posicione o ímã de ferrite nesse encaixe; 8- Leve todo o braço maior ao redor do molde das lentes por cima, encaixando cada parede e colando com cola quente. Na extremidade que sobrou, debre de modo que os dois furos se sobreponham; 9- Faça a última dobradura, formando um encaixe oval, onde será posicionado o íma de neodímio; 10- Cole a parte macia do velcro no suporte para o celular e a parte áspera no suporte dos óculos e assim ele está pronto para ser usado!
Metodologia: 1- Cada grupo de cinco alunos deve experimentar cada um dos dois tratamentos, por ordem de sorteio, sendo que o primeiro tratamento deve ser condizente (A) com as informações do sistema vestibular e o segundo, não condizente (B); 2- Após experimentar o primeiro tratamento, o próximo auno ira prosseguir fazendo o mesmo e o aluno que acabou de experimentar irá realizar o segundo tratamento após uma rodada; 3- Se necessário, dois colegas podem auxiliar quem estiver realizando o experimento; 4- Dois outros alunos vão fazer a avaliação de desconforto de quem está sendo experimentado. Esta avaliação baseia-se em uma classificação subjetiva desconforto ao usar o Google Cardboard e é uma escala simples de 0 a 10, sendo que zero representa ausência de desconforto e 10 um desconforto extremo; 5- O resultado será representado em forma de barras pintadas. Quando o aluno sentir desconforto 0, nenhuma barra será pintada, já se o desconforto for 10, todas serão. Anotem os resultado e compartilhem com os colegas para a discussão.
Aluno 1: Tratamento A:
Tratamento B:
Aluno 2: Tratamento A:
Tratamento B:
Aluno 3: Tratamento A:
Tratamento B:
Aluno 4: Tratamento A:
Tratamento B:
Aluno 5: Tratamento A:
Tratamento B:
Questões para discussão: 1- Compare os dados dos tratamentos A e B. Há diferença na sensação de desconforto média? Formule uma hipótese para explicar o resultado obtido. 2- Quais sentidos são necessários para a sensação de equilíbrio? Lembre que a posição de cada membro do seu corpo influencia diretamente no balanço de seu peso. 3- Qual é a via que integra os sistemas visual e vestibular no cérebro? Qual é a implicação disto, do ponto de vista de processamento e armazenagem (criação de memórias) das diversas informações obtidas? 4- Qual foi o papel da memória na criação da sensação de desconforto ao experimentar o tratamento B? 5- Pense em quais outros sistemas sensoriais atuam de maneira integrada para nos dar sensações do mundo a nossa volta. 6- Como vocês testariam esta hipótese?
7- Como a atuação conjunta do sistema sensorial pode conferir a um animal selvagem uma vantagem adaptativa?