II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR
UMA PROPOSTA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA A PARTIR DO GÊNERO TEXTUAL RESENHA CRÍTICA: A PRODUÇÃO DO ALUNO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO COM A LINGUAGEM
COSTA-HUBES, Terezinha Conceição (UNIOESTE) NATH-BRAGA, Margarete Aparecida (UNIPAN - UDC) RODRIGUES, Selma França (SEED) RESUMO: O trabalho com os gêneros textuais (Bronckart, 2003) ou gêneros discursivos (Bakhtin, 2003) implica na compreensão da função social que esse gênero desempenha na sociedade. Os gêneros, no dizer de Bakhtin (2003), são relativamente estáveis e só existem em função de um contexto imediato de interação verbal. Partindo dessa compreensão, a análise ora proposta apresenta uma reflexão acerca do trabalho com o gênero textual resenha crítica, desenvolvido por uma professora de 4ª série do município de Cascavel/PR. Para isso, além dos pressupostos bakhtinianos, consideramos, nessa análise, estudos relacionados à produção textual como instrumento de trabalho, numa perspectiva dialógica e interacional e focalizamos, mais especificamente, a análise linguística que, segundo Bakhtin (2003), constitui o estilo do texto, o qual deve estar em conformidade com o gênero, o conteúdo temático e a sua estrutura composicional, assim como com o seu suporte de circulação. A resenha crítica implica na construção da argumentatividade que, conforme Souza (2003), está diretamente relacionada com o posicionamento crítico-valorativo do sujeito que enuncia. Dessa forma, ao argumentar o aluno revela atitudes e crenças, situando-se no seu contexto histórico, social e cultural. Esse trabalho mostra, portanto, um encaminhamento de atividade com o Gênero Resenha crítica, a partir de textos produzidos pelos alunos, e uma proposta de atividade de análise linguística a partir dessa produção. PALAVRAS-CHAVE: Produção textual, Resenha crítica, Gêneros textuais
Introdução Mais do que uma atividade de produção de texto, trabalhar com resenha crítica no ensino fundamental torna-se um desafio por ser este um gênero muito difundido em nossa sociedade. Assim, ao refletir sobre como se elaboram os argumentos para a defesa de uma opinião, espera-se do aluno, uma compreensão de como os discursos são elaborados socialmente. Nesse sentido, este texto tem, como objetivo, inicialmente, relatar uma aplicação didática com o gênero resenha crítica, ocorrida em uma turma de 4ª série do Ensino Fundamental, numa escola da periferia de Cascavel. Posteriormente, descrever o percurso investigativo no qual nos inscrevemos, a partir dos textos produzidos pelos alunos, na perspectiva de diagnosticar os aspectos dominados e não dominados em
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relação ao gênero selecionado, à situação de produção, aos aspectos textuais e ortográficos. Finalmente, em função dos dados coletados no diagnóstico, apresentar proposta de atividade de análise linguística, focalizando o conteúdo não dominado pela maioria dos alunos.
1 Contexto de produção da resenha crítica O encaminhamento de produção textual do gênero resenha crítica foi realizado com 30 alunos da 4ª série do Ensino Fundamental que frequentavam uma escola municipal da zona urbana de Cascavel/PR. A professora iniciou o trabalho com o gênero resenha crítica em novembro de 2009, utilizando-se, parcialmente, da sequência didática (SD) disponível no Caderno Pedagógico 1 (AMOP, 2007a, p.119-132). Segundo essa produção didática, o gênero resenha crítica,
[...] tem, como finalidade, apresentar obras completas (livros, artigos, filmes, dentre outras), a leitores ou telespectadores que ainda não leram (ou assistiram) tal obra. Nesse sentido, a resenha tem a função de apresentar a obra, descrevendo-a e traçando uma crítica sobre a mesma. Assim, aprender a escrever resenhas significa saber se colocar na posição de um leitor crítico e o exercício da criticidade, hoje, é muito importante, tendo em vista a invasão da mídia em nossa vida. É preciso saber avaliar o que há de bom e o que há de ruim diante de tantas obras divulgadas (AMOP, 2007a, p. 119).
A resenha, portanto, é um gênero que circula em revistas, sites, academias, escolas, com o propósito de comentar uma obra (livro, filme, CD etc.) recém publicada, divulgando-a positivamente ou destacando seus aspectos negativos. Para isso, geralmente apresenta o conteúdo e a finalidade da obra, resumindo-a e/ou apresentando sua organização, incluindo as ideias principais do ponto de vista do resenhista, seguidas de uma avaliação criteriosa. Basicamente, a resenha crítica é constituída de três partes: “apresentação da obra, resumo e apreciação crítica” (AMOP, 2007a, p. 121). Sendo assim, ao selecionar esse gênero para ser trabalhado com os alunos de 4ª série, a professora tinha, como objetivo, propiciar reflexões e reconhecimento do gênero para, posteriormente, produzirem uma resenha crítica de um livro da literatura infantojuvenil, divulgando-a para os colegas de outra turma.
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Para isso, as atividades que antecederam a escrita foram introduzidas a partir da apresentação de uma situação de produção, primeiro passo de uma SD, segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) e adaptações de Costa-Hübes (apud AMOP, 2007a), encaminhada pela professora aos alunos, conforme consta na SD do Caderno 1 (AMOP, 2007a, p. 119), ou seja, a professora apresentou o objetivo do trabalho com o gênero selecionado, destacando os propósitos da produção escrita de um texto desse gênero. Depois de estabelecer esse acordo com os alunos, o passo seguinte consistiu em favorecer o reconhecimento do gênero, segundo passo da SD, acrescentado por CostaHübes (apud AMOP, 2007a), que consiste em criar situações de pesquisa, leitura e análise linguística de textos do gênero que já se encontram em circulação na sociedade, a fim de que o aluno se aproxime e reconheça melhor o gênero em foco. Para isso, utilizou-se de duas resenhas: “A fuga das galinhas”, resenhada por Kleber Mendonça Filho e “Pele de Asno”, obra de Ruth Rocha1. Os textos foram lidos e discutidos pelos alunos e professora que chamou a atenção para o conteúdo do texto, o formato do gênero, destacando suas características. Esse momento foi muito importante, pois por meio da leitura de textos do gênero o aluno pode se familiarizar e perceber melhor como os textos se organizam. Lopes-Rossi explica que as etapas de leitura de textos do gênero “devem levar os alunos a perceber que a composição do gênero (...) é planejada de acordo com a sua função social e seus propósitos comunicativos” (LOPES-ROSSI, 2006, p. 75). É através das atividades de leitura que os alunos se apropriarão das características e da forma composicional dos gêneros trabalhados, assim como dos conteúdos temáticos possíveis de circularem por meio dos textos desse gênero. Como a aprendizagem da resenha requer a compreensão do gênero resumo, a professora trabalhou com este gênero paralelamente, destacando a necessidade de se resumir a obra resenhada. Abordou também os recursos argumentativos empregados pelo autor ao tecer suas considerações em relação à obra e, para isso, destacou a importância de conter sequências ou tipologias argumentativas bem elaboradas. Quanto à argumentação, Bronckart considera que
O raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, a existência de uma tese, supostamente admitida, a respeito de um dado tema (...). 1
Em contato com a professora, a mesma não recorda o autor da resenha dessa obra de literatura infantil.
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Sobre o pano de fundo dessa tese anterior, são então propostos dados novos (...), que são objeto de um processo de inferência (...), que orienta para uma conclusão ou nova tese (BRONCKART, 2003, p. 226).
Assim, em uma resenha, o aluno pode inicialmente apresentar a obra a ser resenhada; depois, construir a argumentação a respeito do conteúdo, expondo seu ponto de vista, em forma de argumentos, indicando-a ou não para leitura e justificando por quê. Portanto, isso implica na construção e defesa de argumentos, num processo de validação ou não de ideias construídas sob o ponto de vista de um leitor da obra. Para isso, saber, antecipadamente, para quem se destina o texto resenhado, é fundamental para tecer os argumentos de forma a persuadir, convencer o outro. O argumentador deve saber que o destinatário é o elemento regulador do discurso argumentativo, uma vez que ele não consegue mudar a opinião de alguém sem conhecer a sua posição e seus interesses; ele deve dar ênfase ao lugar social em que se realiza o discurso, porque esse condiciona os papéis, tanto do argumentador, como do destinatário (SOUZA, 2003, p. 73).
No caso das produções dos alunos da 4ª série, a resenha produzida seria destinada aos demais alunos da escola. Sendo assim, os resenhistas deveriam ocupar o lugar social de estudante daquela turma e escola, e produzir uma resenha com a finalidade de convencê-los a ler (ou não) a obra que seria resenhada. Para isso, os alunos teriam que se utilizar de recursos argumentativos, que, segundo Golder, “são sempre permeados de valores, atitudes e crenças” (apud SOUZA, 2003, p. 72), pois, por mais que o enunciador seja cerceado pelo seu contexto de produção, nesse caso a sala de aula, ele tentará deixar sempre a sua marca na construção do seu discurso. Antes, porém, de iniciar a produção textual, a professora encaminhou as atividades de reconhecimento do gênero, focalizando suas características e forma de organização, que Bakhtin (2003) chama de estrutura composicional. Além deste enfoque, os alunos foram envolvidos em práticas de leitura, com questões correspondentes às marcas discursivas desse gênero, como: contexto de produção, posição social dos interlocutores, a função social do gênero, suporte, espaço de circulação etc. Tais aspectos foram abordados porque havia o entendimento de que a compreensão do contexto de produção permite ao sujeito-autor uma série de inferências
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que possibilitam, por exemplo, a escolha do vocabulário e das construções linguísticas que melhor respondem ao conteúdo temático do gênero escolhido. Ao propor atividades de leitura, estas “devem levar os alunos a perceberem: a temática desenvolvida pelo gênero discursivo em questão; sua forma de organização (...); e sua composição geral” (LOPES-ROSSI, 2006, p. 77). Rojo argumenta ainda que, aqueles que adotam os gêneros do discurso, numa perspectiva bakhtiniana, “partirão sempre de uma análise em detalhe dos aspectos sóciohistóricos da situação enunciativa, privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa do locutor” (ROJO, 2007, p. 199). As marcas linguísticas utilizadas pelo autor também revelarão esses aspectos da produção. Trabalhando dessa forma, a professora demonstrou entender a gramática em seu funcionamento na produção de sentidos de um texto e que ela não existe senão na relação gênero/texto, pois não interagimos com o outro senão por meio de gêneros, materializados em textos, que se definem em vista dos objetivos que estabelecemos na interação. Depois das atividades de reconhecimento do gênero os alunos foram encaminhados para a produção escrita do texto, sobre a qual discorreremos a seguir.
1.1 Primeira produção Somente após garantir um contato maior com o gênero selecionado, é que foi (re)apresentada a proposta de produção, conduzida da seguinte forma: a professora explicou, oralmente, que os alunos deveriam produzir um texto do gênero resenha crítica, o qual seria disponibilizado no mural da escola para que todos os alunos lessem. Essa resenha seria produzida em dois momentos, a partir de livros de literatura infantojuvenil que seriam lidos e resenhados pelos alunos: num primeiro momento produziriam e entregariam à professora, que faria as observações necessárias; num segundo momento, o aluno trabalharia a partir das orientações da professora, reescrevendo o texto. Na produção da resenha, primeiramente, os alunos fizeram uma apresentação da obra, com auxílio da professora, destacando seu título, autoria, ilustrador, local e ano de publicação, editora e total de páginas. Esta etapa do trabalho foi realizada em um dia de aula.
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No dia seguinte, de posse dessa apresentação, os alunos retomaram o livro que seria resenhado, leram novamente e iniciaram o resumo da obra. Nesta fase do trabalho, a professora delimitou a quantidade de linhas e auxiliou individualmente no trabalho a ser realizado, orientando-os na síntese e, posteriormente, no desenvolvimento das ideias que resultariam nos aspectos argumentativos, por meio dos quais deveriam se posicionar em relação à obra lida. A professora fez indicações, também, quanto à escrita ortográfica, aos sinais de pontuação, aos recursos coesivos etc. Ao diagnosticar os 25 textos produzidos nessa primeira produção, destacamos que os alunos desta turma tinham um bom domínio da escrita, porque, além de conseguiram distinguir a diferença de resenha e resumo, apresentaram desvios da norma padrão comuns para a série que frequentam. Por outro lado, apresentaram dificuldades quanto: ao uso da clareza e coerência (cinco textos), da coesão sequencial (sete textos), da coesão referencial (dez textos), uso de maiúsculas (cinco textos), da ortografia (quatorze textos) e da pontuação (dezesseis textos). Julgamos serem esses os problemas de escrita que necessitariam de um trabalho mais consistente em relação ao domínio da linguagem, necessária para esse gênero.
1.2 Segunda produção (primeira reescrita) Os textos foram retomados cinco dias após a primeira produção. A professora fez um levantamento dos aspectos que precisariam ser melhorados nas resenhas, retomou a estrutura do gênero, relembrando suas características, o seu lugar de circulação que seria o mural da escola, assim como os interlocutores reais aos quais o texto seria direcionado. Depois dessa retomada, solicitou a reescrita dos textos, orientando para que observassem os aspectos destacados (na correção da professora). Nessa perspectiva, o propósito da reescrita consiste em apresentar a escrita como trabalho, pois o seu ensino deve ser proposto como aprendizagem do trabalho de reescrita. Para auxiliar no trabalho da reescrita ortográfica, a professora fez um levantamento de palavras incorretas. Após selecioná-las, solicitou aos alunos que verificassem se seus textos possuíam tais problemas ou não e, em caso afirmativo, deveriam realizar a correção.
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Da primeira produção para a segunda, os alunos conseguiram progredir em relação ao domínio do gênero e da linguagem necessária para essa produção textual. No entanto, problemas como os de ortografia, de pontuação e de argumentação persistiram. Outra dificuldade que alguns alunos ainda apresentaram, na segunda produção, foi acerca do resumo e da análise crítica. Diante dos problemas que ainda persistiram, destacamos aqueles que ainda precisariam ser trabalhados como: pontuação, ortografia e argumentatividade. Todavia, julgamos ser compreensível o fato de ainda não apresentarem um domínio maior desses conteúdos, pois não podemos esquecer que se tratam de alunos da 4ª série, que estavam produzindo pela primeira vez uma resenha crítica e fazendo tentativas de traçar sequências argumentativas em relação à obra lida. Por outro lado, é importante ressaltarmos que, da primeira para a segunda produção, eles conseguiram superar algumas das dificuldades que foram encontradas na produção anterior, como a clareza e a coerência, a coesão referencial e sequencial, o uso de letras maiúsculas. A título de exemplo, destacamos um texto para confirmar a importância da reescrita, tendo em vista os aspectos reestruturados pelos alunos e revelados na segunda produção. Passemos à análise de uma amostra dos textos:
PRIMEIRA PRODUÇÃO (ALUNO 10) Resenha do livro “O que os olhos não vêem” Ruth Rocha escreveu o livro O que os olhos não vêem, é uma história legal de ler. Ele foi lançado pela editora Salamandra em 1983. Esse livro é uma história curta de literatura Infantil. Um rei que morava em um palácio muito distante, esse rei teve uma doença estranha: nessa doença ele não conseguia ver as pessoas que eram pequenas mas as pessoas que eram grandes e fortes o rei ouvia e enxergava bem. As pessoas que eram pequenas e que falavam muito fraco iam falar com o rei sobre a doença mais o rei não enxergava e nem escutava as reclamações sobre a doença. Eu gostei do livro, por que fala que as pessoas que não tem poder, devem permanecer unidas, e se as pessoas permanecerem unidas elas serão mais fortes e juntas elas podem pedir um bairro melhor, uma cidade melhor.
SEGUNDA PRODUÇÃO (ALUNO 10) Resenha do livro “O que os olhos não vêem” Ruth Rocha escreveu o livro O que os olhos não vêem, é uma história legal de ler. Ele foi lançado pela editora Salamandra em 1983. Esse livro é uma história curta de literatura Infantil. Um rei que morava em um palácio muito distante, teve uma doença estranha: nessa doença ele não conseguia ver nem ouvir as pessoas que eram pequenas, mas as pessoas que eram grandes e fortes o rei ouvia e enxergava bem. Um dia as pessoas se uniram, construindo pernas de pau e juntaram suas vozes e o rei viu e ouviu, e o rei se curou da doença. Eu gostei do livro por que fala que as pessoas que não tem poder devem permanecer unidas, e se as pessoas permanecerem unidas elas serão mais fortes e juntas elas podem viver em um bairro melhor, e uma cidade melhor.
Da primeira produção para a segunda, percebemos que o aluno eliminou, da parte do resumo do texto, uma informação que, após o trabalho feito pela professora, a
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resenhista julgou ser irrelevante “As pessoas que eram pequenas e que falavam muito fraco iam falar com o rei sobre a doença mais o rei não enxergava e nem escutava as reclamações sobre a doença.” Afinal, essa informação já constava no parágrafo anterior. Conseguiu, também, reelaborar o resumo, acrescentando uma outra informação acerca da história, que auxilia não só na compreensão do texto original, como também na sua criticidade, mostrando ao leitor que no final da história as pessoas se fazem ouvir, pois “se uniram, construindo pernas de pau e juntaram suas vozes e o rei viu e ouviu, e o rei se curou da doença.” Esse fragmento revela a voz da autora do livro e, ao mesmo tempo, da resenhista que dá o seu recado ao leitor, qual seja, pela união é que o povo se faz ouvir. No quarto parágrafo, o resenhista afirma que “ele não conseguia ver as pessoas que eram pequenas mas as pessoas que eram grandes e fortes o rei ouvia e enxergava bem”. Este trecho foi reelaborado, destacando-se o ouvir e o enxergar, como podemos confirmar na passagem “nessa doença ele não conseguia ver nem ouvir as pessoas que eram pequenas, mas as pessoas que eram grandes e fortes o rei ouvia e enxergava bem.” O uso da vírgula na segunda produção, acompanhada pela conjunção adversativa “mas”, reforça a ideia pretendida pelo resenhista, ou seja, que o rei só percebia àqueles que eram grandes e fortes. No último parágrafo, a substituição do verbo pedir pelo verbo viver, auxilia na construção da coerência do texto, afinal a população não pedia um bairro melhor, e sim, para que o prefeito melhorasse as condições do lugar em que viviam. Ainda nesse mesmo parágrafo, houve o acréscimo do conectivo e, dando maior ênfase à ideia de se ter uma cidade melhor para viver. Conforme foi possível verificar, da primeira para a segunda produção o aluno teve um avanço significativo.
2
Encaminhamentos de análise linguística Uma vez que o diagnóstico dos textos produzidos apontou para a necessidade de
trabalhar, principalmente, com a pontuação, a ortografia e a argumentatividade, optamos por abordar, nesse estudo, a argumentatividade. A partir de reflexões sobre esse conteúdo, propomos exemplos de atividades de análise linguística (AL) que poderão ser
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trabalhadas com os alunos, considerando os textos produzidos, a fim de propiciar maior compreensão sobre o conteúdo em foco. Trata-se de pensar sobre o estilo do texto, confirmando escolhas lexicais, sintáticas e formais, em função do gênero e da situação de interlocução estabelecida. Bakhtin nos auxilia nessa compreensão ao postular que A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada (...), mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2003, p. 123).
As atividades que envolvem a AL devem provocar uma reflexão sobre a língua. É por meio dessas atividades que o aluno compreenderá “o processo de constituição da língua na situação de interação em foco” (COSTA-HÜBES; BAUMGARTNER, 2009, p. 14). É somente nessa interação, na constituição do gênero em estudo, que o aluno conseguirá ter uma compreensão do funcionamento da língua porque o gênero remete a uma situação real, sendo um meio de ação e de interação social com o outro e, para que isso aconteça, precisa estar organizado de acordo com as convenções socialmente estabelecidas. Machado e Cristóvão discutem o estilo particular do gênero como envolvendo “as características da situação de produção(...), os conteúdos típicos do gênero, as diferentes formas de mobilizar esses conteúdos, a construção composicional característica do gênero (...), o seu estilo particular” (Apud COSTA-HÜBES; BAUMGARTNER, 2009, p. 17). Neste último item, destacam-se os aspectos linguísticos que atuam na construção de um gênero, como, por exemplo, os mecanismos de coesão nominal e verbal, mecanismos de conexão, períodos sintáticos, características lexicais, uso de pronomes, dêiticos, tempos verbais, modalizadores, entre outros Porém, salientamos, em conformidade com os autores, que o estudo e a análise desses elementos só terão sentido se a proposta de trabalho eleita estiver pautada nos gêneros do discurso; se os elementos linguísticos forem analisados enquanto constituídores do gênero que é um objeto real de interação verbal. Tendo em vista, como já mencionado, que a proposta de AL adotada neste encaminhamento teórico-metodológico tem o texto do aluno como unidade de estudo, procederemos à análise a partir de alguns textos produzidos pelos alunos, encaminhando
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atividades sobre a argumentatividade, pois julgamos o trabalho com esse recurso necessário para a compreensão e utilização desse gênero na sociedade. As atividades serão elaboradas a partir de fragmentos de diversos textos produzidos pelos alunos. O objetivo
é,
portanto,
de
trabalhar/ensinar/aprofundar/sistematizar
determinado
conhecimento, através da reescrita individual após uma discussão coletiva. Entendemos ser essa uma das metodologias que melhor atende ao trabalho e à compreensão de como se constrói o posicionamento crítico do sujeito-autor. Nesse sentido, a leitura e a produção de textos necessitam ter como eixo principal, para essa proposta de trabalho, a argumentatividade, pois, como Souza destaca: “na prática social, a todo o momento somos chamados a tomar decisões, julgar e influenciar o outro, avaliar, justificar, expor um ponto de vista, contrapor uma opinião, etc.” (SOUZA, 2003, p. 16). Nessa produção escrita, os alunos foram convidados a posicionarem-se a respeito do livro lido, avaliando-o com criticidade. A língua, segundo Koch (1996), apresenta um valor argumentativo já inscrito na própria língua. Para a concepção sociointeracionista da linguagem, a interação com o outro se constrói em vista da argumentatividade. Conforme Koch (1996) não há discurso sem ideologia, pois “A valorização da fala e do discurso representou o fim das análises lingüísticas pautadas num modelo abstrato e ideal de língua (...) investiga-se a linguagem em seu caráter discursivo” (SUASSUNA, 1995, p. 78). O sentido, portanto, se constrói nas relações entre o texto produzido, o contexto ou exterioridade e os interlocutores que dialogam nesse processo. Considerando essa base teórica, apresentamos, a seguir, atividades de reescrita a respeito do trabalho com a construção da argumentatividade com os alunos.
2.1 Reescrita Um dos problemas apresentados pela maioria dos alunos, como já foi dito, está relacionado ao posicionamento crítico, pouco desenvolvido nos textos apresentados. Acreditamos que, por meio de uma discussão coletiva, os alunos compreenderão melhor como se posicionar a respeito de uma determinada obra.
Para a realização desse
trabalho, utilizaremos fragmentos dos textos produzidos e trabalharemos apenas com a avaliação crítica. Nesse sentido, elaboramos algumas atividades, que podem ser
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aplicadas aos alunos, no sentido de provocar o desenvolvimento do raciocínio argumentativo. Caso as atividades propostas sejam trabalhadas em outras turmas, lembramos a importância de (re)lerem a obra resenhada, pois a argumentação só pode ser construída quando se tem conhecimento do que se está defendendo. A) Resenha crítica do livro “Armandinho, o juiz”, de Ruth Rocha.
Veja como este aluno apresentou a sua avaliação crítica da obra: A Editora FTD lançou em 1992 o livro Armandinho, o juiz, escrito por Ruth Rocha da coleção “A turma da nossa rua”. As ilustrações feitas por Ivan Zigg são muito bem definidas. O livro foi feito para crianças e tem poucas páginas. Armandinho era juiz de futebol. Toda vez que ele parava o jogo, era xingado e ofendido. Até que um dia a torcida a invadiu o campo e começou a brigar. Armandinho saiu ferido e parou de apitar. O jogo virou uma bagunça e ninguém se entendia. Então mandaram o Catapimba pedir a ele que voltasse a apitar os jogos. Armandinho aceitou o convite com satisfação. Eu gostei do livro, porém tem muitas brigas e palavrões. O personagem Armandinho pode ser comparado às nossas leis. Se elas não são respeitadas vira bagunça ou comparado com juiz de tribunal. Então temos que respeitar os juizes, não importa se é juiz de futebol ou de tribunal.
1) Vamos refletir sobre as ideias apresentadas pelo(a) autor(a), respondendo as questões abaixo a) “Eu gostei do livro”. Como poderíamos expandir essa ideia? Destacando o que gostou no livro. Para isso, responda: - O que há de positivo nesse livro? - O que é interessante na história? - Esse livro se parece com a nossa vida? Por quê? b) Quando as leis não são respeitadas? c) Todas as leis devem ser cumpridas? d) É interessante que as pessoas leiam esse livro? Justifique.
2) Após responder a essas questões, reescreva essa avaliação crítica, acrescentando os argumentos apresentados nas respostas e deixando evidente a sua apreciação crítica sobre o livro. B) Resenha crítica do livro “Eugênio, o gênio”, de Ruth Rocha.
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Eugênio, o gênio foi escrito por Ruth Rocha e ilustrado por Mariana Massarini que fez desenhos bem coloridos e que chamam a atenção. Esse livro foi editado pela editora Ática em 1992. Ele conta a história, de um burrinho muito inteligente que tinha um defeito: empacava com tudo. Um dia o auto-falante da floresta anunciou que haveria um concurso de perguntas e respostas. Eugênio participou, mas no final ele empacou. Quando viu que estava acabando o tempo gritou a resposta certa. A partir desse dia Eugênio nunca mais empacou, pois se ele empacasse perderia um grande prêmio. Eu gostei desse livro, porque ele mostra como se fosse na vida real, que tem pessoas que são teimosas e por isso perdem uma grande oportunidade.
a) A frase que expressa uma opinião é: “tem pessoas que são teimosas e por isso perdem
uma grande oportunidade.” O que seria perder “uma grande oportunidade”? b) Qual a relação que existe entre esse livro e a vida real? Comente sobre isso. c) Em geral, quais são as pessoas “teimosas” na sociedade? d) Agora reelabore a avaliação crítica dessa obra, acrescentando os argumentos das questões:
Considerações Finais Realizar um trabalho com resenha crítica requer do professor conhecimento teórico sobre a importância deste gênero para a difusão de opiniões que circulam na sociedade. Já, para aluno, é uma oportunidade de expor seus argumentos sobre uma obra que demanda uma análise. Para tanto, quanto antes iniciarmos o exercício com este gênero, mais chances terão os alunos para lapidarem os seus discursos. Por outro lado, a prática de AL a partir de textos produzidos é uma oportunidade impar de os alunos refletirem sobre as diferentes possibilidades de uso da língua, bem como de compreender determinadas regras gramáticas, necessárias também no gênero em foco. Assim, com essa abordagem intencionamos apresentar uma possibilidade de AL de um conteúdo da língua, mas lembramos que outros conteúdos podem e devem ser trabalhados ao encaminhar a reescrita de um texto.
Referências AMOP. Associação dos Municípios do Oeste do Paraná. Seqüência didática: uma proposta para o ensino da Língua Portuguesa nas séries iniciais. [Organizadora: Terezinha da Conceição Costa-Hübes]. Cascavel: Assoeste, 2007a. Caderno Pedagógico 01.
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BAKHTIN, Mikhail. O problema do texto na lingüística, na filologia e em outras ciências. In.: BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BONCKART, J. P. Atividade de linguagem, texto e discurso. São Paulo: EDUC, 2003. COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição; BAUMGARTNER, Carmen Teresinha. Sequência didática: uma proposta para o ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais – ensino fundamental. Cascavel – PR: Assoeste, 2009. DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Seqüências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: DOLZ, J; SCHNEUWLY, B; e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2004. p. 95-147 KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1996. LOPES-ROSSI, M. A. G. Práticas de leitura de gêneros discursivos. A leitura de rótulos em sala de sala: outras linguagens, outras temáticas. In: CASTRO, S. T.R. de; SILVA, E. R. (org.). Formação do profissional docente: contribuições de pesquisas em Linguística Aplicada. Taubaté: Cabral, 2006. ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: Questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI Adair, MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros: teoria, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2007. SOUZA, Lusinete Vasconcelos de. As proezas das crianças em textos de opinião. São Paulo: Mercado de Letras, 2003 SUASSUNA, Lívia. Ensino de Língua Portuguesa: Uma abordagem pragmática. São Paulo: Papirus, 1995.
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