A INDISCIPLINA NO COTIDIANO ESCOLAR - Unijorge

C. F. dos Santos. A indisciplina no cotidiano escolar 17 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 1, p. 14–23, jan – jun 2006 A escola e a família são d...

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ISSN 1809-0362

A INDISCIPLINA NO COTIDIANO ESCOLAR1 Claudevone Ferreira dos Santos* Marinildes Figueredo Nunes** * Licenciada em Ciências Biológicas pelas Faculdades Jorge Amado – Salvador – BA e p rofessora da Rede Estadual de Educa ção do Estado da Bahia. E-mail: [email protected] **Licenciada em Ciências Biológicas pelas Faculdades Jorge Amado – Salvador – BA e p rofessora da Rede Municipal de Educação do Município de Salvador. E-mail: [email protected], Resumo: Este artigo traz uma reflexão sobre a indi sciplina no cotidiano da escola atual, que tem sido vis ta como problema , como desvio das normas disseminadas nos sistemas escolares, que inviabiliza a prática educacional. Associada à desordem, ao desrespeito a regras de conduta e à falta de limites, a indisciplina é, freqüentemente, centralizada no aluno, o que evidencia um modo individualizante de lidar com questões produto ras/produzidas do/no cotidiano escola r. Inic ialmente, coloca-se em discu ssão o próprio conceito de indiscipli na, explorando-se, a seguir, algumas das suas causas. Destaca-se o enfoque preventivo como estratégia mais adequada para enfrentar o p roblema e enfatiza-se a necessidade de uma postu ra comparti lhada em relação à i ndiscipl ina, na forma de uma política definida em bases democráticas. Palavras-chave: indisc iplina; cotidiano escolar; prevenção; soluções. Abstract: This article brings a reflection about indisc ipline in the daily rout ine of the school nowadays. Indiscipline has been seen as a problem, as a transgression of the rules spread in the school system, which makes impossible an effective educational practice. Associated to disorder, to the disrespect of the rules of behavior, and lack of limits, indiscipline is frequently centered on the student, what shows an individual way of dealing with p roblems that produce and a re produced f rom and in the school daily rou tine. In th e beginning, we put in discuss ion the concept of indiscipl ine, exploring next, some of its causes. It is p rominent the preventive focus, as a more adequate strategy to face the problem, and it is emphasized the necessity of a shared attitude in relation to indiscipline, in the form of a politics defined in a more democratic basis. Keywords: indiscipline; school daily routine; prevention; solutions.

1 A IMA GEM SOCIA L DA ESCOLA

A educação, num sentido mais amplo, não de ixa dúvida da sua função social, sendo um fator de cisivo da hominização e , em e spe cial, da humanização do homem. Os grupos humanos, constituídos culturalmente como tal, e laboraram, ao longo do tempo, instrumentos, artefatos, costumes, normas, códigos de comunicação e convivência como me canismos imprescindíve is para sua sobre vivência. Esses me canismos não se fixam biologicamente nem se transmitem através da he rança gené tica. Os grupos humanos põem em andamento processos ex te rnos de transm issão para garantir a sobre vivência das novas ge rações e de suas conquistas sociais. Esse processo costuma se r gene ricamente de nominado de educação. A educação não pode se r conside rada como um processo linear, me cânico. Pelo contrário, é um processo complexo e sutil, marcado por profundas contradições e por proce ssos cole tivos, contínuos e pe rmanentes de formação de cada indivíduo, o que se dá na relação entre os indivíduos e e ntre estes e a natureza. A escola é o local privile giado dessa formação porque realiza um trabalho sistemático e plane jado com o conhe cimento, com valores, com atitudes e com a formação de hábitos. Em muitos

1 Artigo ela borado com base no Trabal ho de C onclusão de Curso a presentado pelas a utoras como re quisito para co nclusão do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, desenvolvi do so b orie ntação da Professora Rosiléia Oliveira de Almeida.

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momentos a atuação da escola foi associada à função de formar a classe subalte rna, o cidadão dócil e o ope rário compe tente, por priorizar a dimensão té cnica, ensinando álgebra, ciências e outros conteúdos, sem os quais a força de trabalho não se ria capaz, supostamente , de desempenhar de forma satisfatória o seu pape l na indústria mode rna. A e scola é uma instituição ex tremamente complexa. Sua função tradicional é a de facilitar a inse rção do indivíduo no mundo social. O indivíduo de ve aprende r as formas de conduta social, os rituais e as té cnicas para sobre vive r. Ao longo do tempo as funções da e scola foram se ndo ampliadas, passando a abrange r outras, tais como: cuidar das crianças enquanto os pais trabalham ; socialização, colocando as crianças em contato com outras e ensinando normas básicas de conduta; aquisição de habilidades básicas como le r, escre ve r, expressar-se , lidar com a aritmética, os conhe cimentos cie ntíficos; orientação às crianças nos ritos de passagem para a adole scência, visto que é uma fase bastante difícil de vido às mudanças biológicas e psicológicas que ocorrem no organismo. A escola também promove ritos de iniciação de um nível escolar para outro, que às veze s subme tem os indivíduos “a provas que se rvem de se le ção para a vida social, que estabe le cem discrim inações entre e las, pois só as que adquirem as compe tências estabe le cidas pe la sociedade se rão aceitas”. (FR EITAG, 1980, p. 32). Então, a e scola tem mais funções do que pare ce, sendo que o atendimento a tantas e tão dive rsificadas funções faz com que as crianças acabem pe rmane ce ndo mais tempo na escola do que em companhia de seus pais. A possibilidade de formar o cidadão para o me rcado de trabalho e para a vida está diretamente ligada à freqüê ncia escolar, à supe ração das ex igê ncias impostas nas instituições, às adaptações aos ritos de passagem . Portanto, as escolas contribuem para que as sociedades se pe rpe tuem, pois transm item valores morais que integram as sociedades. Mas e las também podem exe rce r um pape l de cisivo nas mudanças sociais. Inte gra o conce ito social da e scola também um conjunto de imagens e re presentações que a re ve lam como uma peque na comunidade que realiza o trânsito entre o aconche go do núcleo familiar e a vida “lá fora”. Segundo Arroyo (1995, p. 36): A educação moderna vai se configurando nos confrontos sociais e políticos, o ra como um dos instrumentos de conquista da liberdade, da participação e da cidadania, ora como um dos mecanismos para controlar e dosar os graus de liberdade, de civilização, de racionalidade e de submissão suportáveis pelas novas relações sociais entre os homens.

Ne ste contex to, a escola, como espaço de ope racionalização da educação, re vela-se um campo privilegiado de produção/difusão de novas práticas/te cnologias.

2 O A LUNO E O SEU MUNDO

Conside rando-se que o aluno e labora o seu conhe cimento a partir da atribuição de um sentido próprio e genuíno às situações que vive ncia e com as quais apre nde , processo no qual exe rce pape l 15 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 1, p. 14–23, jan – jun 2006

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primordial a capacidade de autonomia, de reflexão e de inte ração constante com os outros suje itos e com seu e ntorno, as separações mente/corpo, cé rebro/espírito, homem/natureza não mais se sustentam. Este novo paradigma traz a pe rcepção holística do mundo, a visão de contex to global, a compreensão sistêm ica, enfatizando o todo em vez de uma parte . Para Antune s (2002b, p. 38), “somente se apre nde quando o novo que chega se associa ao antigo que a mente guarda, e desta maneira nenhum aluno é tabula rasa, mente vazia”. O aluno desenvolve -se em um ambiente familiar em que pe rsonalidades dife rente s encontram-se inte rligadas, na busca da satisfação de suas ne cessidade s, se jam mate riais ou afe tivas. Como lembra Buscaglia (1993, p. 79) “a fam ília é definida como um sistema social pe queno e inte rdepe ndente , de ntro do qual podem se r e ncontrados subsistemas ainda menore s, de pendendo do tamanho da fam ília e das de finições de papéis”. Os membros da família exe rcem forte influência no comportamento dos indivíduos em fase de amadure cimento emocional, pois este depe nde rá, em grande escala, de suas expe riê ncias emocionais ante riores, ou se ja, aquilo que foi expe rimentado na infância desempenha importante pape l durante os anos de adolescê ncia. É significativa a influência fam iliar sobre as atitudes e me tas dos jove ns. Cada família, como todo sistema, possui uma estrutura de te rm inada, que se organiza a partir das demandas, inte rações e comunicações que ocorrem em se u inte rior e com o exte rior. Esta estrutura forma-se a partir das normas transacionais da família, que informam sobre o modo e com quem de ve re lacionar-se cada um dos seus membros. Até hoje a família transm ite, avalia e inte rpre ta a cultura para a criança. Inse rida em um contex to social bem mais amplo, a família, numa ce rta pe rspe ctiva, trata-se de uma cultura dentro de outra mais exte nsa, sobre a qual age e em re lação a qual reage . Diante disso, a família não transmite todos os valores sociais, pois a formação de um jovem é fortemente influenciada pe la estrutura das escolas e por uma socie dade conflituosa, instáve l, atingida por constantes mudanças. Ne sse cenário, a família de ve assum ir sua responsabilidade educativa, pois é ne la que cada jovem aprende a dese nvolve r a individualidade , a tornar-se pessoa criativa em busca da auto-realização e a manifestar as qualidades fundamentais para o convívio social. A fam ília, nos tempos atuais, é fortemente influe nciada pelo fator e conômico. A falta de estabilidade e conômica de sestrutura psicologicamente seus membros. A figura do pai, associada ao pode r de sustento do lar, de ixa de ex istir à me dida que a crise e conôm ica re duz os salários, condicionando fam ílias a uma total mudança de comportamentos de vido à redução do padrão de vida. Para Aquino (1996a, p. 98), “é impossíve l negar, portanto, a importância e o impacto que a educação fam iliar tem (do ponto de vista cognitivo, afe tivo e moral) sobre o indivíduo. Entre tanto, seu pode r não é absoluto e irre strito”. Para resguardar a e fe tividade de sua função educativa, a e strutura familiar pre cisa adaptar-se às circunstâncias novas e transformar de te rm inadas normas, sem de ixar, no entanto, de constituir um mode lo de refe rê ncia para os seus membros.

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A escola e a família são dois sistemas que , tradicionalmente, têm e stado bastante afastados, apesar de possuírem freqüe ntes re lações ou inte raçõe s, se ja em níve l institucional (associação de pais, conselho escolar, e tc.) ou em nível individual (re lação fam ília /professor). A escola, como sistema abe rto que compartilha funções e que se inte r-re laciona com outros sistemas que integram todo o contex to social, torna-se uma instituição que re cebe ex igências de outras instituições e na qual convivem formas de agir diversas, muitas veze s desordenadas e frequentemente contraditórias. Também os pais, com dife re nte s condições sócio-culturais, costumam espe rar da escola tare fas educativas muito dive rsas e, até mesmo, que a escola assuma ações que se riam próprias da família. É importante que a família defina que tipo de e scola dese ja para seu filho, no que conce rne a aspe ctos como filosofia, métodos e regras disciplinares. A escola também pre cisa conhe ce r quais os valores e expe ctativas dos pais, para que possa sabe r se as concepções que pe rmeiam tais expe ctativas favore cem o entendimento entre ambos, uma vez que a escola e fam ília são duas instâncias nas quais os jove ns passam a maior parte de suas vidas.

3 A INDISCIPLINA NO CONTEXTO ESCOLA R

A disciplina pode se r conce bida como uma té cnica de exe rcício de pode r, não inte iramente inventada, mas e laborada em seus princípios fundamentais durante o sé culo XVIII. Nesse sentido, falar de indisciplina é e videnciar o não cumprimento de regras estabe le cidas. A disciplina também pode se r vista como o controle do indivíduo no tempo. No entanto, aplicar esse conce ito em e ducação é um tanto quanto pe rigoso. É freqüente a afirmação, por parte dos professores, que os alunos de hoje são indisciplinados, e vocando um saudosismo de uma suposta educação de antigamente , que e stabele cia parâme tros rígidos para o uso do corpo e da mente . Por outro lado, ce rtos comportamentos podem se r conside rados por alguns professores como indisciplina, enquanto que , para outros, correspondem apenas a um ex cesso de vitalidade . Assim , a suposta indisciplina não estaria no aluno, sendo na realidade um sintoma de uma escola incapaz de ge rir e administrar novas formas de existência social concre ta, que surgem no seu inte rior, em de corrência das transformações do pe rfil de sua clientela.

3.1 Possíveis fatores que contribuem para a indisciplina no contexto escolar

A indisciplina na e scola está na ordem do dia. As preocupaçõe s de professores, pais e educadores em ge ral, re lativos aos comportamentos escolares dos alunos, têm sido conside ráve is nos últimos anos. Constata-se que no contex to educativo, a indisciplina contribui para a ex clusão escolar, ge rando um

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problema social grave. Para Aquino (1996a, p. 40), “embora o fe nômeno da indisciplina se ja um ve lho conhe cido de todos, sua re le vância teórica não é tão nítida”. A origem dos comportamentos ditos indisciplinares pode estar em dive rsos fatore s: uns ligados a questões re lacionadas ao professor, principalmente na sala de aula; outros centrados nas famílias dos alunos; outros ve rificados nos alunos; outros ge rados no processo pedagógico escolar; e outros alhe ios ao contexto escolar.

3.1.1 Fatores relacionados ao professor

O papel do professor é importante não como figura ce ntral, mas como coordenador do processo educativo, já que , usando de autoridade democrática, cria, em conjunto com os alunos, espaços pedagógicos inte ressantes, estimulantes e desafiadores, para que ne les ocorra a construção de um conhe cimento e scolar significativo. É ne cessário que entre os pares estabe le ça-se a forma de comunicação ne ce ssária para que a apre ndizagem significativa ocorra realmente. Vasconcellos (2003, p. 58) diz que : O professor desempenha neste processo o papel de modelo, guia, referência (seja para ser seguido ou contestado); mas os alunos podem aprender a lidar com o conhecimento também com os colegas. Uma coisa é o conhecimento “pronto”, sistematizado, outro, bem diferente, é este conhecimento em movimento, tencionado pelas questões da existência, sendo montado e desmontado (engenharia conceitual). Aprende-se a pensar, ou, se quiserem, aprende-se a aprender.

Em suma, o ofício doce nte ex ige a negociação constante , que r com re lação à definição de obje tivos e às estratégias de ensino e de avaliação, que r com re lação à disciplina, pois esta, se imposta autoritariamente , jamais se rá ace ita pelos alunos.

3.1.2 A indisciplina centrada no aluno

A indisciplina na escola pode te r re lação com o fraco rendimento escolar dos alunos. O seu insucesso pode le vá-los a inve stir pouco nas tarefas escolares e a de sinte ressarem -se pe la escola, desencadeando, e ventualmente , emoções negativas, traduzidas em comportamentos inadequados. O jovem que não se dese nvolve u normalmente manifesta (na escola ou fora dela) comportamentos inadequados, que são muitas vezes julgados como se ndo comportamentos indisciplinados. Isso indica, então, a corre lação entre indisciplina e moralidade .

3.1.3 A indisciplina centrada na família

A importância da colaboração escola-fam ília é notória, pois, quando as famílias participam da vida escolar, torna-se mais fácil a integração dos alunos e me lhora a qualidade do processo de ensino18 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 1, p. 14–23, jan – jun 2006

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apre ndizagem . Há

estudos que

e videnciam

que

o

envolvimento

dos

pais e stá

positivamente

corre lacionado com os resultados e scolares dos alunos. O envolvimento dos familiares me lhora a imagem da escola e o seu vínculo com a comunidade. Tal envolvimento significa uma educação de sucesso apoiada no binômio escola-família, já que não se apre nde só na escola. Nesta, aprende -se a aprende r, mas para aprende r o indivíduo deve rá se r estimulado por um meio ambie nte favoráve l, sendo que é na família que os alunos adquirem os mode los de comportamentos que ex te riorizam na sala de aula.

3.1.4 A indisciplina centrada na instituição educativa

Ao come çar sua vida escolar a criança vai iniciar um intenso processo de socialização, de parando-se com uma organização escolar que lhe é desconhe cida e com uma sé rie de regras que se rão inte riorizadas e cumpridas a fim de possibilitar uma relação de convivência. Assim, o aluno te rá que aprende r as novas regras da organização em que acaba de e ntrar a fim de se comportar adequadamente nas dive rsas situações. Contudo, nem todos os alunos que passam pe la escola se comportam conforme as normas estabe le cidas. Muitos alunos re je itam os obje tivos ou os procedimentos valorizados pela escola e pela sociedade, sendo o seu comportamento visto como indisciplinado. Desse modo, a e scola, ao não conseguir realizar a socialização comportamental, cria situações de indisciplina nos seus alunos.

As crianças populares brasi leiras não se evadem da escola, não a deixam porque querem. As crianças populares brasileiras são expulsas da escola, não, obviamente, porque esta ou aquela professora, por uma questão de pura antipatia pessoal expulse estes ou aqueles alunos ou reprove. É a estrutura mesma da sociedade que cria uma série de impasses e de dificuldades, uns em solidariedade com os outros, de que resultam obstáculos enormes para as c rianças populares não só chegarem à escola, mas também, quando chegam, nela ficarem e nela fazerem o percurso que têm direito. (FREIRE, 1998a, p. 35).

Para Freire (1997), um proje to de escola que busque a formação da cidadania pre cisa te r como obje tivos: tratar todos os indivíduos com dignidade, com respe ito à dive rgência, valorizando o que cada um tem de bom; faze r com que a escola se torne mais atualizada para que os alunos gostem dela; e , ainda, garantir espaço para a construção de conhe cimentos científicos significativos, que contribuam para uma análise crítica da realidade.

3.1.5 A influência dos grupos e da turma na indisciplina

Enquanto conjunto e struturado de pessoas, o grupo exe rce uma e norme importância nos processos de socialização e de aprendizagem dos jove ns. A sua influê ncia acaba por se r de cisiva para explicar certos comportamentos que os jovens demonstram e que re sultam de processos de imitação de outros membros 19 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 1, p. 14–23, jan – jun 2006

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do grupo. Ce rtas manifestações de indisciplina não passam, muitas ve zes, de me ras manifestações públicas de ide ntificação com modelos de comportamento caracte rísticos de ce rtos grupos. Através de las os jovens procuram obte r a se gurança e a força que lhes são dadas pelos respe ctivos grupos, adquirindo ce rto pre stígio no se io da comunidade escolar. A turma é também um grupo, sem que, todavia, faça desapare ce r todos os outros aos quais os alunos se encontram ligados dentro e fora da escola. Numa sociedade em que os grupos familiares estão desagregados, o seu espaço é cada vez mais pree nchido por esse s grupos formados a partir de inte resses e motivações muito dive rsas.

4 POSSÍVEIS SOLUÇÕES E INTERFÊNCIA S NA INDISCIPLINA

A indisciplina escolar não é um fenômeno estático, que tem mantido as mesmas caracte rísticas ao longo das últimas dé cadas. Não há “re ceitas”, “fórmulas” já prontas para as situaçõe s de indisciplina, dado estas se rem re lacionais e circunstanciais. É pre ciso situá-la em seus te rmos, isto é , de acordo com as caracte rísticas e com os condicionamentos do aluno que a provoca ou da situação na qual se manifesta. Antunes (2002a, p. 25) salienta que “ensinar não é fácil e educar mais difícil ainda; mas não ensina quem não constrói democraticamente as linhas do que é e do que não é pe rm itido”. Os encam inhamentos disciplinare s pre ventivos em níve l de escola têm se mostrado e fe tivos, de acordo com a literatura espe cializada. Estudos indicam que uma dire triz disciplinar ampla, de base pre ve ntiva, é o melhor posicionamento que uma escola pode desenvolve r para garantir a disciplina. (GOTZENS, 2003; AQUINO , 1996a, 1996b, 2000, 2003; VASCO NC ELLOS, 2004; ANTUNES, 2002a, 2002b). Se o que se dese ja é uma escola disciplinada, é importante compartilhar com os estudantes expe ctativas que re flitam uma apre ciação quanto as suas pote ncialidades e que expre ssem a visão de que e les devem assum ir suas próprias responsabilidades junto à escola. Um outro e lemento pre ventivo re le vante na indisciplina é a adoção da modalidade de tutoria. É uma via polivalente de enorme inte re sse em que cada professor adota como tutor uma turma ou indivíduos de uma sala de aula ou da escola. Gotze n (2003, p. 66) afirma que “as tutorias são aplicadas mediante a ação cole tiva e individual dirigida aos alunos ao longo da sua escolaridade, que incumbe logicamente a e les e a seu tutor, se ndo que e ste último de ve ze lar pela harmonia entre alunos, professore s e pais”.

4.1 A spectos relacionados ao ambiente da escola

Dese ja-se que a escola se ja um espaço humanizado, democrático, onde se cultiva o diálogo e a afetividade , onde se pratica a obse rvação e a garantia dos dire itos humanos. Na prática, o que se espera é que a escola assuma um pape l e ducativo e proporcione , atravé s de uma visão sistêmica, a integração de todos os age ntes envolvidos no proce sso, bem como o acesso das novas ge rações à he rança cultural 20 | Candombá – Revista Virtual, v. 2, n. 1, p. 14–23, jan – jun 2006

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acumulada, vista como instrumento para desenvolve r compe tências, aguçar sensibilidades e transformar o se r humano. Para que essa e ducação repre sente mudança de ve -se cultivar, sobre tudo entre os professores, uma postura de inte resse pelas metas, realizações e problemas dos e studante s. Para Montoan (2003, p. 16), “nosso mode lo educacional mostra há algum tempo sinais de esgotamento e nesse vazio de idé ias que acompanha a crise paradigmática é que surge o momento oportuno das transformações”. Essas transformações na escola não ocorrem por acaso ou por de cre to, mas pe la postura reflex iva e pe la vontade cole tiva da sua comunidade.

4.2 A spectos referentes ao papel da direção escolar

É importante que a dire ção escolar atue de modo a ofe re ce r apoio aos professore s e aos alunos, tendo uma presença constante nos dive rsos espaços escolares, onde de ve mante r o relacionamento informal com professore s e alunos. Espe ra-se que a dire ção escolar: expresse inte resse pe las suas atividades, adotando uma postura de adm inistrador-ge stor que busca parce rias com outros espaços educativos; implemente inovaçõe s e ducacionais que melhor qualifiquem alunos e professores; desenvolva novas habilidades de estudo nos alunos; e introduza estratégias de aprendizagem coope rativas. Para Castro e Carvalho (2005, p. 41): [...] Uma escola, diferentemente de uma empresa comercial, não pode se contentar apenas com um administrador, mas precisa de um educador que lidere e crie l iderança no percurso de reali zações do projeto. Se assim forem conduzidas a definição e a realização de um projeto pedagógico, então, ele será sempre coletivo. Ou o projeto pedagógico será coletivo ou ele não será pedagógico. Neste caso a forç a para a sua realização estará enfraquecida. [...] Um projeto pedagógico bem definido, com as prioridades colocadas de forma consensual, facilitará s ua partilha pa ra além dos profissionais da educação, envolvendo os alunos, os pais e mesmo a comunidade local.

Além disso, é importante ge rar modificações no clima e na imagem da escola, através de atividades ex tracurriculare s envolventes que valorizem o pape l da escola diante dos seus alunos.

4.3 A spectos referentes à postura do professor na sala de aula

É ne cessário que o professor desenvolva e conquiste maior autonom ia para lidar com a indisciplina na sala de aula. Isso não significa deixar o professor sozinho com a indisciplina, mas fomentar um trabalho em parce ria, baseado em responsabilidades claramente definidas e no aux ílio estraté gico da equipe de apoio pedagógico em situações que re que rem inte rvenção. Para Gómez (2000, p. 81): O ensino é uma atividade prática que se propõe dirigir as trocas educativas para orientar num sentido determinado as influências que se exercem sobre as novas gerações. Compreender a vida da sala de aula é um requisito necessário para evitar a arbitrariedade na intervenção. Mas nesta atividade, como noutras práticas sociais, como a medicina, a justiça, a política, a economia, etc., não se pode evitar o compromisso com a ação, a dimensão projetiva e normativa deste âmbito do conhecimento e atuação.

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Assim, se no início do ano le tivo há um e ncontro de de sconhe cidos, que se comportam com apree nsão e que fazem avaliações mútuas, com o tempo, ocorre uma e volução educativa do indivíduo e do grupo, já que são realidades inacabadas que se constroem no processo de desenvolvimento e inte rvenção.

CONSIDERA ÇÕES FINAIS

De vido à complex idade do tema desse trabalho e a intensidade com que os problemas de indisciplina têm sido vivenciados nas e scolas, nossa ex pe ctativa é de que essa re visão de lite ratura se enrique ça no confronto dos e ducadores com o rico e dive rsificado cotidiano das instituições e scolares de nosso país. Segundo Gotze ns ( 2003, p. 22): A discip lina escolar não consiste em um receituário de p ropostas para enfrenta r os p roblemas de comportamentos dos alunos, mas em um enfoque global da organização e da dinâmica do comportamento na escola e na sala de aula, coerente com os propósitos de ens ino. [...] Para isso é preciso, sempre que possível, antecipar-se ao aparecimento de p roblemas e só em ú ltimo caso repara r os que inevitavelmente tiverem surgidos, seja por causa da p rópria s ituação de ensino, seja por fatore s alheios à dinâmica escolar.

Conclui-se que as escolas pre cisam desenvolve r políticas inte rnas para lidar de forma pre ve ntiva com a indisciplina, havendo também a ne cessidade de programas de formação de professores em se rviço voltados para a discussão de problemas vive nciados nas rotinas das escolas, para a idealização de soluções e para sua implementação.

A educação sem esperança não é educação. Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para se tornar concretude histó rica. É por isso que não há esperança na pura esperança, nem tampouco se alcança o que se espera na esper ança pura, que vira, assim, esperança vã. (FREIR E, 1998b, p. 11).

Embora se ja difícil e complexo lidar com o problema da indisciplina, o professor não pode desistir e nem se acomodar. Não pode de ixar que a educação silencie e limite os alunos e que impe ça seu dese nvolvimento criativo e participativo em sala de aula. Pre cisa-se de uma educação que valorize as organizações cole tivas e que contribua para a construção da autonomia e para o desenvolvimento inte le ctual dos alunos, a fim de que se conquiste uma sociedade democrática.

REFÊRENCIA S

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