CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Buck, ... LTr para atualizar a obra original em virtude da atual mudança do ... risco sua vida e/ou integrida...

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CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

DEDICATÓRIA A todos os trabalhadores que laboram expostos, simultaneamente, a agentes insalubres e perigosos. A todos os juristas e operadores do Direito que evoluíram na interpretação e aplicação da legislação relativa à cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade.

AGRADECIMENTOS Aos meus pais Pedro (in memorian) e Leonor, que sempre apoiaram e incentivaram meus estudos. À minha filha Letícia que é a razão da minha vida, minha alegria e inspiração.

REGINA CÉLIA BUCK Advogada. Consultora Jurídica. Professora de Direito. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e Mestra em Direito do Trabalho pela UNIMEP. Cursando Pós-Graduação em Direito Processual Civil na Escola Paulista da Magistratura (conclusão 2015).

CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE 2ª edição

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EDITORA LTDA.

 Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Agosto, 2015 Versão impressa — LTr 5292.6 — ISBN 978-85-361-8552-1 Versão digital — LTr 8776.9 — ISBN 978-85-361-8537-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Buck, Regina Célia Cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade / Regina Célia Buck. — 2. ed. — São Paulo : LTr, 2015. Bibliografia. 1. Adicionais de insalubridade — Brasil 2. Adicionais de periculosidade I. Título.

15-05507

CDU-34:331.225(81) Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Adicionais de insalubridade : Cumulatividade : Direito do trabalho 34:331.225(81) 2. Brasil : Adicionais de periculosidade : Cumulatividade : Direito do trabalho 34:331.225(81)

Sumário PREFÁCIO................................................................................................................. 9 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11 1. QUESTÕES PRELIMINARES RELACIONADAS À INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS............................................................................................................ 17 2. SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO........................................................ 42 2.1. Evolução histórica do direito à saúde do trabalhador.......................................... 42 2.1.1. No âmbito internacional........................................................................... 42 2.1.2. Mercosul.................................................................................................. 50 2.1.2.1. Argentina.................................................................................... 52 2.1.2.2. Paraguai ..................................................................................... 55 2.1.2.3. Uruguai....................................................................................... 57 2.1.2.4. Venezuela................................................................................... 59 2.1.3. No âmbito nacional (Brasil)....................................................................... 61 2.2. Conceito............................................................................................................. 67 2.3. Obrigações. Regra geral..................................................................................... 68 2.3.1. Obrigações das empresas......................................................................... 68 2.3.2. Obrigações dos empregados.................................................................... 69 2.3.3. Obrigações das Delegacias do Trabalho e Ministério do Trabalho............. 70 3. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE....................................................................... 71 3.1. Conceito............................................................................................................. 71 3.2. Embasamento legal............................................................................................ 73 3.3. Caracterização do adicional................................................................................ 75 3.4. Efeitos pecuniários.............................................................................................. 78 3.5. Origem. Histórico do percentual do adicional..................................................... 78 3.6. Trabalho insalubre. Ruídos.................................................................................. 80 3.7. Base de cálculo do adicional de insalubridade..................................................... 83 3.8. Integrações e reflexos ........................................................................................ 87 3.9. Eliminação ou neutralização do adicional............................................................ 87 5

4. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE..................................................................... 91 4.1. Conceito............................................................................................................. 91 4.1.1. Agentes perigosos, inflamáveis ou explosivos........................................... 92 4.1.2. Periculosidade elétrica.............................................................................. 93 4.2. Embasamento legal............................................................................................ 95 4.3. Caracterização do adicional................................................................................ 97 4.3.1. Critério para caracterização da periculosidade por contato com explosivos.. 97 4.3.2. Critério para caracterização da periculosidade por exposição em área de risco......................................................................................................... 98 4.3.3. Critério para caracterização da periculosidade por contato com inflamáveis...................................................................................................... 100 4.3.4. Critério para a caracterização das atividades e operações perigosas com exposição a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.................................... 109 4.3.5. Critério para caracterização das atividades e operações perigosas com energia elétrica......................................................................................... 111 4.3.6. Critério para caracterização das atividades perigosas em motocicleta....... 114 4.3.7. Critério para caracterização da periculosidade por atividades e operações perigosas com radiações ionizantes ou substâncias radioativas................. 115 4.4. Efeitos pecuniários.............................................................................................. 119 4.5. Base de cálculo do adicional de periculosidade................................................... 119 4.6. Cálculo do adicional devido................................................................................ 120 4.7. Eliminação ou neutralização............................................................................... 121 5. CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS............................................................... 122 5.1. Da legislação em vigor e da doutrina.................................................................. 122 5.2. Do entendimento jurisprudencial........................................................................ 125 5.3. Perícia e verificação judicial ................................................................................ 127 5.4. Estudo de casos práticos..................................................................................... 129 5.5. Justificativa da cumulatividade dos adicionais..................................................... 135 5.5.1. Dos outros adicionais................................................................................ 139 5.5.2. Cumulatividade do adicional de insalubridade por vários agentes insalubres.......................................................................................................... 141 5.5.3. Cumulatividade do adicional de insalubridade com o de periculosidade.... 143

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6. EVOLUÇÃO NA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO RELATIVA A CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE................................................................................................................ 146 6.1. Do recente entendimento do TST....................................................................... 146 6.2. Acórdãos do TST favoráveis a cumulatividade dos adicionais.............................. 148 6.3. Acórdãos de nossos Tribunais Regionais do Trabalho favoráveis a cumulatividade dos adicionais................................................................................................ 150 6.4. Acórdãos do TST contrários a cumulação dos adicionais..................................... 151 6.5. Do projeto de Lei n. 4.983/2013........................................................................ 153 CONCLUSÃO............................................................................................................ 155 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 159

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PREFÁCIO De início, há que se ressaltar a nobre missão a mim confiada, — o que muito me honra —, que é a de prefaciar a 2ª edição deste livro, fruto de longos e exaustivos estudos desta jovem jurista, Dra. Regina Célia Buck. Por oportuno, registro que a advogada Regina, ao elaborar este alentado trabalho jurídico, optou deliberadamente pelo caminho inóspito e insólito de desafiar toda uma longa e interminável doutrina e jurisprudência, mansa e remansosa, que entende pela não cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Tal tarefa coloca a novel jurista no restrito rol daqueles que, não se conformando com o status quo vigente, ousam contestá-lo, uma vez que fácil é se colocar ao lado da ampla corrente dominante, e poucos têm a coragem de desafiála, conforme a célebre frase cáustica de Cujácio, ao se referir aos hermeneutas: “verbosos em se tratando de coisas fáceis, mudos quanto às difíceis, difusos acerca de assuntos de estreitas proporções” (1) Ao abordar as normas nacionais e internacionais sobre a saúde, a vida e o bem estar dos trabalhadores em seu ambiente de trabalho, a autora, em diversas passagens, deixa patente que o ideal a ser buscado não é simplesmente a monetarização desses bens mediante o pagamento deste ou daquele adicional, mas sim que todos possam usufruir de um meio ambiente do trabalho sadio. Nesse aspecto, e no mesmo sentido são as palavras da saudosa jurista Alice Monteiro de Barros: “o empregador deverá manter os locais de trabalho e suas instalações de modo que não ocasionem perigo à vida e à saúde do empregado” (2) , visto que ao ingressar no emprego, aquele trabalhador tinha ótima saúde e plena capacidade de trabalho. Entretanto, como entre este ideal ainda a ser alcançado e a dura realidade em grande número de postos de trabalho com condições insalubres e perigosas, a autora, em notável exposição, deixa claro que o art. 193, § 2º, da CLT pode e deve ser interpretado no sentido amplo da permissividade da cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. A autora aborda com maestria quais são os inúmeros embasamentos jurídicos e fáticos que respaldam, com fartura de argumentos, a razão pela qual devem ser (1) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 34. (2) BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 1065.

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pagos de forma cumulativa — e não optativa — os correspondentes adicionais de insalubridade e periculosidade, pois trata-se de realidades distintas. E indo além, também fundamenta que não há qualquer óbice legal para o pagamento concomitante de duas ou mais causas insalubres, e assim, se o trabalhador a um só tempo estiver exposto, por exemplo, a ruído excessivo e a produtos químicos, deve receber dois adicionais de insalubridade, e não apenas um deles, como ainda é pago nos dias atuais. Na atualização procedida para esta 2ª edição, a autora, de forma perspicaz, apresenta os dissensos jurisprudenciais do C. TST por meio de decisões recentes dos Ministros Maurício Godinho Delgado e Cláudio Brandão, além de diversos TRTs, mostrando que há uma clara ruptura no arcabouço jurídico que não permitia a cumulatividade no pagamento dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Para a Dra. Regina, conforme bafejam os ventos desta guinada jurisprudencial, a mesma se sentiu motivada a reforçar e atualizar a sua robusta argumentação no sentido da cumulatividade destes adicionais. Obra que justifica a sua leitura pelos aplicadores do direito, seja qual for o posicionamento final de cada um, ainda mais porque se propõe, com fartos e sólidos argumentos jurídicos, a desconstituir o que estava sedimentado há décadas. Campinas, 23 de março de 2015. Luiz Roberto Nunes Desembargador do Trabalho – TRT 15ª Região (Campinas — SP) Mestre em Direito pela UNIVEM — Marilia — SP

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INTRODUÇÃO Primeiramente deixamos registrado que recebemos o convite da Editora LTr para atualizar a obra original em virtude da atual mudança do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto à cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Aceitamos o desafio e ficamos lisonjeadas e enaltecidas pela solicitação e confiança depositados. Assim, destacamos que mantivemos o estudo anterior e introduzimos nele as atualizações ocorridas. O primeiro estudo não pode ser desconsiderado, posto que é rico e de grande relevância jurídica, pois foi o criador de toda a tese defendida há mais de 15 anos por esta autora. Ademais, registramos que o contemporâneo entendimento do TST quanto à cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade ainda não é unânime, indicando a importância deste trabalho que tem o objetivo de fazer pensar os doutrinadores e aplicadores do direito, almejando que a tese defendida sobre a cumulatividade venha a se tornar unânime no TST. No âmbito do Direito do Trabalho, uma das questões problemáticas encontradas por esta pesquisa é quanto à possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. O adicional de insalubridade visa compensar eventuais danos causados à saúde do trabalhador. As atividades ou operações insalubres são aquelas que, por sua natureza, condições, ou métodos de execução, colocam o obreiro diretamente em contato com os efeitos de agentes nocivos à sua saúde. Como exemplos, citamos o trabalhador que fica exposto em ambiente com ruído excessivo, além do permitido pela legislação, entre outros agentes físicos, químicos e biológicos, nocivos à saúde do ser humano. Já o adicional de periculosidade visa compensar os danos ocasionados à integridade física do trabalhador que fica exposto a agentes e local perigosos como: eletricidade, produtos químicos inflamáveis e explosivos que colocam em risco sua vida e/ou integridade física. A Constituição Federal vigente estabelece, em seu art. 7º, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: — “XXII — redução dos riscos inerentes do trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII — adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei...” Quanto às atividades penosas não adentramos no mérito, uma vez que ainda não há qualquer previsão legal para definir ou caracterizar tal atividade, sendo que a ausência de regulamentação do instituto prejudica a efetivação do direito. 11

No Senado tramita o projeto de lei n. 552/2009(3), que acrescenta normas especiais de tutela do trabalho na CLT, regulamentando as atividades exercidas por trabalhadores sob radiação solar a céu aberto, as quais serão consideradas penosas. O trabalho exercido nessas condições poderá acarretar o pagamento do adicional de penosidade ao trabalhador, no valor de 30% sobre o salário, sem as incorporações resultantes de gratificações e prêmios. O referido projeto acrescenta a Seção VI-A, no capítulo I, Das disposições Especiais sobre duração e condições do Trabalho, do Título III das Normas Especiais de Tutela do Trabalho. No entanto, o direito do obreiro em receber os adicionais de insalubridade e periculosidade é garantido pelos arts. 189 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho — CLT. Ocorre que o § 2º, do art. 193, estabelece que o trabalhador poderá optar pelo adicional de insalubridade que, por ventura, lhe seja devido. Neste caso, o objetivo do presente estudo foi demonstrar que, ocorrendo o concurso dos agentes lesivos que, além de colocarem em risco a vida e a integridade física do trabalhador (periculosidade), também afetam a sua saúde (insalubridade), deverá lhe ser concedido o direito da cumulatividade dos dois adicionais, diante das circunstâncias especiais que revestem o caso deste obreiro. O direito atribuído ao trabalhador de optar por um adicional não exclui, necessariamente, o de cumular o recebimento, vez que fundados os adicionais em pressupostos fáticos diversos. Não permite a Constituição, em nossa hipótese, que o obreiro que trabalha em um ambiente insalubre, nocivo à sua saúde e, também, perigoso, sujeito a riscos, fique desprotegido. Cada adicional atende a uma situação específica: o de insalubridade visa compensar o trabalhador dos riscos que os agentes insalubres possam acarretar à sua saúde; o de periculosidade, dos riscos a que está sujeito por trabalhar em local no qual interagem os agentes, colocando-o em situação de perigo, expondo sua vida e integridade física. Um adicional, portanto, não pode excluir o outro. (3) “Seção VI-A — Das atividades sob radiação solar a céu aberto. Art. 248-A. A duração da jornada de trabalho em atividades sob radiação solar a céu aberto é de seis horas diárias ou trinta e seis horas semanais. Parágrafo único. A cada noventa minutos de trabalho consecutivo, haverá um intervalo de dez minutos para repouso, não computado na jornada de trabalho. Art. 248-B. O trabalho realizado sob as condições de que trata esta seção é considerado penoso e, quando sem a proteção adequada, insalubre. § 1º O trabalho em condições de penosidade assegura ao empregado um adicional de trinta por cento sobre o salário, sem as incorporações resultantes de gratificações e prêmios. § 2º O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que por ventura lhe seja devido. Art. 248-C. O direito do empregado ao adicional de penosidade ou insalubridade de que trata esta Seção cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.” Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2015.

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Do mesmo modo, entendemos que a cumulatividade também pode ocorrer quando dois ou mais agentes insalubres estão presentes no mesmo ambiente de trabalho. Demonstramos com isso que é possível a cumulatividade de vários adicionais de insalubridade ao trabalhador cuja saúde é afetada por agentes nocivos diferentes. Neste estudo, evidenciamos também a necessidade, social e econômica, de assegurar ao trabalhador o direito de acumular os adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando estiver exposto, ao mesmo tempo, a agentes insalubres que acarretam prejuízo à sua saúde, e a agentes perigosos, que possam colocar em risco sua vida e/ou sua integridade física. Importante destacar que outra preocupação é a que visa eliminar os riscos para a saúde do trabalhador na origem, em vez de apenas tentar neutralizá-los com a utilização de equipamentos de proteção(4) ou, ainda, de somente compensálos com o pagamento de adicionais. Nosso intuito foi no sentido de garantir ao trabalhador benefícios social e econômico, procurando, desta forma, amenizar e compensar os riscos a que está exposto e os prejuízos sofridos, ou que poderão sofrer, quando trabalham em ambientes perigosos e/ou insalubres. Vale destacar que o trabalho humano não pode ser subordinado ao capital e, pela mesma razão, a pessoa não pode se subordinar ao trabalho. A pessoa humana é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais. Todo homem tem direito ao trabalho, à possibilidade de desenvolver as próprias qualidades e a sua personalidade no exercício de sua profissão.(5) O capital não pode existir sem o trabalho; nem o trabalho, sem o capital.(6) Todavia, o homem é tratado como instrumento, e não segundo a dignidade de seu trabalho. Embora seja verdade que o homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo, antes de qualquer coisa, o trabalho é “para o homem” e não, o homem “para o trabalho”.(7) Não se pode permitir que os meios de produção sejam servidos contra o trabalho, mas sim, devem servir ao trabalho, a fim de garantir a destinação universal de todos os bens e o direito de todos ao seu uso. ����������������������������������� OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 107-108. ����������������������������������� SANCTIS, Frei Antonio de. (Org.). Encíclicas e documentos sociais; da Rerum Novarum à octogésima adveniens. De Leão XIII, Pio XI, Pio XII, João XXIII, Concílio Vaticano II e Paulo VI. São Paulo: LTr, 1971. p. 441. ���Ibidem, p. 69 ������������������������������������������������������������� JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Laborem Exercens, item 6 — O trabalho no sentido subjetivo: o homem-sujeito do trabalho. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2001.

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Em uma perspectiva cristã, o trabalho é visto como um dos valores humanos fundamentais: “O homem nasce para trabalhar como a ave para voar” (JÓ 5,7).(8) A hierarquia de valores e o sentido profundo do próprio trabalho exigem que o capital esteja em função do trabalho, e não o trabalho em função do capital.(9) Mister se faz restituir ao trabalhador a sua dignidade, a sua capacidade humanizante e o seu bem-estar. É necessário resgatar a humanização do trabalho, posto que as inovações técnicas se tornaram formas de dominação do trabalhador. Apesar dessas inovações técnicas, de um lado, serem benéficas para o aumento da produção, de outro, são desumanas, tornando o homem escravo de seu trabalho. O trabalho é um direito e uma obrigação do homem. O dever de trabalhar não é somente imposto pela necessidade econômica, mas faz parte da condição humana, pois, por meio dele, o trabalhador se aperfeiçoa em sua humanidade. Por causa do trabalho o homem se torna útil aos outros, dando sua contribuição pessoal ao progresso e à melhoria das condições de vida da sociedade da qual faz parte. É em função do trabalho que o homem exprime e leva à perfeição a sua natureza de ser pessoa. É por isso que entendemos que, sendo admitida a cumulatividade do adicional de insalubridade com o adicional de periculosidade, e do adicional de insalubridade por diversos agentes, estariam os doutrinadores e os aplicadores do direito colaborando para que as empresas estudem e elaborem maneiras de se eliminar ou neutralizar os agentes agressivos (insalubres e perigosos) — que é o objetivo primeiro da norma —, contribuindo, desta forma, para um ambiente de trabalho mais saudável, bem como para a saúde e integridade física do trabalhador e de toda a sociedade que, com isso, se beneficiaria. Estaria sendo resgatada, desta maneira, a dignidade humana do trabalhador fazendo com que este, ao ter um ambiente saudável ou, em última hipótese, sendo recompensado pelo trabalho em condições insalubres e/ou perigosas, colabore ainda mais para o crescimento humano e social. Levaria os empregadores a respeitar a dignidade do homem, pois não seria mais admissível que os trabalhadores fossem utilizados como meros instrumentos de lucro, devendo ser recompensados por exercerem trabalho desumano, em ambiente de risco à saúde e à vida, no caso de não ser possível estabelecerem condições saudáveis para o exercício dessa atividade. (8) MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Os direitos fundamentais e os direitos sociais na Constituição de 1988 e sua defesa. Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2001. �������������������������������������������������������� JOÃO PAULO II. Encíclica Laborem Exercens, item 13 — Economismo e materialismo. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2001.

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Deve-se procurar um meio eficaz de recompensar o trabalhador por exercer suas atividades laborais em condições perigosas e/ou insalubres, ou seja, em um meio ambiente não salubre. No decorrer dessa década, após a publicação deste estudo, constatamos na prática que os aplicadores do direito foram amadurecendo o entendimento de que a cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade têm a importância que almejamos destacar neste trabalho, ou seja, a aplicação da Constituição Federal visando resgatar a dignidade do trabalhador compensando os riscos que o ambiente de trabalho acarreta à sua vida e à sua saúde ao mesmo tempo. Cumpre salientar que foram abordados, neste trabalho, especialmente os trabalhadores que ficam expostos a ruídos excessivos e que trabalham em locais considerados perigosos, explosivos e/ou inflamáveis. Para uma maior compreensão, apresentamos um breve relato sobre a evolução histórica e origem da Segurança e Medicina do Trabalho, a denominação correta desta disciplina, o conceito e obrigações impostas pela mesma, bem como, quando foi incluída na Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, e em nossa Constituição Federal. Foi realizado também um estudo sobre os adicionais de insalubridade e periculosidade, abordando desde sua evolução histórica, embasamento legal, origem e outros aspectos relevantes, tratados nos capítulos seguintes. Abordamos, ainda que resumidamente, o direito à saúde dos trabalhadores nos países do Mercosul, apresentando as legislações pertinentes. Interessante e de grande importância foi a necessidade de se demonstrar, na prática e por meio de casos concretos, a possibilidade de se cumular os adicionais de periculosidade e de insalubridade apresentados nos estudos de casos de trabalhadores que laboraram em locais insalubres (em virtude de exposição a ruídos excessivos, além dos índices permitidos pela legislação) e perigosos (produtos inflamáveis e explosivos). Ressaltamos ainda que, após um salto quântico de mais de 10 anos, trazemos a este estudo a evolução da aplicação da legislação pelos aplicadores do direito que foram amadurecendo e compreendendo a intenção do legislador na importância de ser deferido ao trabalhador tanto o adicional de insalubridade quanto o adicional de periculosidade, quando este estiver exposto em seu ambiente de trabalho, aos agentes insalubres e perigosos, ao mesmo tempo que lhe causem danos à saúde ou riscos à sua vida. Independente da demora na evolução deste entendimento até que chegamos ao ápice, ou seja, até que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) também aderiu 15

a este entendimento, anos se passaram, mas o que mais enobrece a classe trabalhadora é que esta nunca desistiu da luta pelos seus direitos constitucionais. E, em uma batalha quem ganha não é quem chega ao topo sem esforços, mas quem nunca desiste de ver seu direito reconhecido. Vale ressaltar que o objetivo da cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade não é somente para que se remunerem os efeitos destruidores do trabalho, mas que o trabalho se organize, para ser uma “atividade criadora e não destruidora”(10) e, sobretudo, que procure resgatar a dignidade humana, e não apenas assegurar uma indenização ou adicional mensal ao obreiro. Quanto a este ponto, esperamos que com a maturidade ocorrida no judiciário e o deferimento da cumulatividade dos adicionais de insalubridade e cumulatividade cada vez mais pelos aplicadores do direito, façam com que os empregadores busquem gerar um meio ambiente de trabalho saudável, o que acreditamos ocorrerá com o passar dos tempos. Para alcançar os objetivos do presente estudo, foram utilizadas bibliografias de autores do Direito pátrio e internacional que trataram da matéria, quer na área do Direito, quer nas demais áreas envolvidas, especialmente Engenharia, Segurança e Medicina do Trabalho, História, etc... Foram realizadas pesquisas de campo, com levantamentos de laudos periciais relativos a reclamações trabalhistas, envolvendo adicionais de insalubridade e periculosidade, bem como coletânea de jurisprudências relativas a ambos adicionais e de legislações entre outras.

��������������������������������������������� LAURELL, Asa Cristina; NORIEGA, Mariano. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. Tradução de Amélia Cohn, Ana Pitta-Hoisel, Ana Isabel Paraguay, Lucia Helena Barbosa. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 90.

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1. QUESTÕES PRELIMINARES RELACIONADAS À INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS A lei é uma regra social imposta a todos os cidadãos. É à vontade dos particulares que o legislador fala e não à sua inteligência e, quando se dirige a essa, é para alcançar a vontade.(11) A interpretação é uma atividade criadora, na qual existe uma ideia de direito destinada a expor o significado de uma expressão. É um processo no qual entra a vontade humana. O intérprete procura determinar o conteúdo exato das palavras e imputar um significado à lei. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, medindo-lhe a exata extensão e a possibilidade de sua aplicação a um caso concreto. Consiste, portanto, em determinarlhe o sentido, chamado também de pensamento, espírito ou vontade da lei.(12) Nesse sentido, a interpretação é uma escolha entre múltiplas opções e, por mais bem formuladas que sejam as prescrições legais, ela sempre é necessária. A atividade interpretativa busca, sobretudo, reconstruir o conteúdo normativo, explicitando a norma em concreto, em face de determinado caso. Interpretar, no dicionário, significa ajuizar a intenção, o sentido de explicar ou aclarar; o sentido de traduzir, decifrar, esclarecer.(13) É descobrir o sentido e o alcance da norma, procurando o significado dos conceitos jurídicos. O magistrado a todo instante, ao aplicar a legislação ao caso sub judice, a interpreta, pesquisando o seu significado. É explicar, esclarecer; dar o verdadeiro significado do vocábulo; extrair da norma tudo o que nela contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão.(14) É um momento de intersubjetividade: o ato interpretativo do juiz, procurando captar e trazer a ele o ato de outrem, no sentido de se apoderar de um significado objetivamente válido.(15) ����������������������� BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1972. p. 16. (12) SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. atualizada por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 2000. v. 1, p. 196. ������������������������������������� FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1988. p. 367. ������������������������� DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 144. ������������������� REALE, Miguel. O direito como experiência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 240.

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Para o intérprete, aquilo que se compreende da lei consiste em algo objetivo; mas, o aplicador da norma não a reproduz, mas contribui, de certo modo, para constituí-la em seus valores expressivos, visto que lhe compete a tarefa de enquadrar o fato humano dentro de uma norma jurídica.(16) O intérprete, ao realizar a sua função, deve sempre iniciá-la pelos princípios constitucionais, partindo do princípio maior que rege a matéria em questão, voltando-se em seguida para o mais genérico, depois o mais específico, até encontrar-se a regra concreta que vai orientar a espécie. Ao intérprete constitucional caberá visualizá-los em cada caso e seguir-lhes as prescrições. A generalidade, a abstração e a capacidade de expansão dos princípios permitem ao intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa, superadora do summum ius, summa iniuria. Mas são esses mesmos princípios que funcionam como limites interpretativos máximos, neutralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais e das conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do aplicador da norma e impondo-lhe o dever de justificar seu convencimento.(17) Além disso, ao se aplicar a legislação, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5º). É de grande utilidade prática o art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, pois a técnica da decisão requer uma solução justa ao caso singular sub judice, sem conflitar com o direito positivo e com o meio social.(18) Não existe lei que não tenha uma finalidade social imediata. Por isso, o conhecimento do fim(19) é uma das preocupações precípuas da ciência jurídica e do órgão aplicador do direito.(20) Os fins sociais são do direito, pois a ordem jurídica, como um todo, é um conjunto de normas para tornar possível a sociabilidade humana; logo, dever-se-á encontrar nestas normas o seu fim, que não poderá ser antissocial.(21) O juiz, ao aplicar a lei, entregar-se-á a uma delicada operação de harmonização desses elementos, em face das circunstâncias reais do caso concreto. Quando ����Ibidem, p. 241. (17) BARROSO, Luiz Roberto. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 150. ������������������������� DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 148. ����������������������� Para Aristóteles: “O fim é a causa final ou aquilo em razão do qual algo se faz”. In: ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de KURY, Mário de Gama. 2. ed. Brasília: Edunb, 1993. p. 73. ������������������������� DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 162. ��������������������������������� FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 265.

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o texto legal se apresentar obscuro ou duvidoso, em função das exigências das modernas condições sociais, o magistrado, ao balancear os elementos do bem comum, exercerá uma função criadora ao adaptar a lei às condições evoluídas da realidade social, para decidir o caso sub judice.(22) As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o direito. Para consegui-lo, se faz necessário um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.(23) É importante salientar que a hermenêutica visa revelar, descobrir, perceber qual o significado mais profundo daquilo que está na realidade manifesta. Pela interpretação, descobre-se o significado oculto, não manifesto, não só de um texto (estrito senso), mas também da linguagem. Em verdade, pode-se dizer que, por meio do entendimento, chegamos a conhecer realmente o próprio homem, a realidade em que vive, a sua história e a sua própria existência. O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica do Direito.(24) O direito deve acompanhar a evolução cultural. Necessariamente, o ordenamento jurídico deve interagir-se com os acontecimentos sociais, visando buscar a realização de necessidades humanas reais. Há que se evitar o vezo persistente de apresentar doutrinas e teorias jurídicas desligadas de suas condicionantes sociais e políticas, para que não apareçam como puras construções do espírito entre as quais é difícil escolher. Não há como cultivar o direito, isolando-o da vida, que, em nossa época, se caracteriza pela rápida mobilidade, determinada pelo progresso científico e tecnológico, pelo crescimento econômico e industrial, pelo influxo de novas concepções sociais e políticas e por modificações culturais.(25) A interpretação da norma jurídica em desconformidade com o bem comum, com a evolução cultural, ou ainda, em desacato à própria estrutura de ������������������������� DINIZ, Maria Helena. Op. cit., 165 (23) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 1. ����Ibidem, p. 12. ������������������������������� AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. São Paulo: RT, 1996. p. 63-64.

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um ordenamento jurídico geram injustiças, desigualdade social ou, no mínimo, situação de desrespeito em relação ao Judiciário. Ao julgar o caso concreto, o juiz adapta a lei às necessidades atuais, o que não implica, necessariamente, em uma tradução arbitrária da lei. O juiz deve estar em sintonia não somente com o direito, mas também ter um profundo conhecimento da natureza humana. Compreender e interpretar significam conhecer e reconhecer um sentido vigente. O juiz procura corresponder à ideia jurídica da lei, intermediando-a com o presente. É evidente, ali, uma mediação jurídica. O que tenta reconhecer é o significado jurídico da lei, não o significado histórico de sua promulgação ou certos casos quaisquer de sua aplicação. Assim, o juiz não se comporta, como historiador, mas se ocupa de sua própria história, que é seu próprio presente. Por consequência, pode, a cada momento, assumir a posição do historiador, face às questões que implicitamente já o ocuparam como juiz.(26) O magistrado tem a tarefa prática de decretar a sentença e, nisso, podem entrar em jogo também muitas e diversas considerações político-jurídicas, as quais o historiador jurídico, que tem diante de si a mesma lei, não faz. Com efeito, para que haja a possibilidade de uma verdadeira hermenêutica jurídica, faz-se necessário que a lei estabeleça a igualdade entre todos os membros da comunidade jurídica. Caso contrário, não será possível nenhuma interpretação; a vontade do senhor absoluto estará acima da lei onde, por ser superior, o soberano poderá explicar suas próprias palavras, mesmo em contradição com as regras da interpretação. Assim como no absolutismo(27), o rei pode impor o que lhe parece justo, sem interpretar a lei, ou até mesmo a contrariando.(28) Sendo a existência do ordenamento jurídico uma constante em toda sociedade, deverá, sempre e necessariamente, sujeitar-se a regras de interpretação jurídica visando conferir a aplicabilidade da norma legal às relações sociais que lhe deram origem, estender o sentido da norma às relações novas, inéditas ao ������������������������� GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 487. ����������������������������������������������������������������������������������������������������� No absolutismo esclarecido o “soberano” explica as suas palavras de forma a não se abolir a lei, mas de maneira a interpretá-la de outra forma, tal que venha a corresponder à sua vontade. Ibidem, p. 487. ����Idem.

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tempo de sua criação, e temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social.(29) Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou comportamento; reproduzir, por outras palavras, um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão, extrair, da frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.(30) Assim, interpretar uma expressão de direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e que nos conduz e a uma decisão reta. Interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as palavras.(31) Embora a intenção da lei seja um ponto importante para o intérprete, o essencial é escolher, entre os pensamentos possíveis da lei, o sentido mais racional, mais salutar e de efeito mais benéfico. Por isso que a lei admite mais de uma interpretação no decorrer do curso.(32) A experiência da realidade história resultou na formulação do axioma: summum ius, summa iniuria, ou seja, o sumo direito é a suma injustiça. Esclareceu também que as experiências do passado e do nosso tempo demonstraram que a justiça, por si só, não basta e que até pode levar à negação e ao aniquilamento de si própria, caso não se permitir àquela força mais profunda, que é o amor plasmar a vida humana nas suas várias dimensões.(33) A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua aplicação. A complementação produtiva do direito, que ocorre com isso, está obviamente reservada ao juiz, mas este se encontra sujeito à lei, exatamente como qualquer outro membro da comunidade jurídica. Na ideia de uma ordem judicial, supõe-se o fato de que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa de conjunto.(34) O entendimento do que se diz deve estabelecer-se a partir das causas do dizer: “não é a coisa que deve sujeitar-se à palavra, mas a palavra à coisa”.(35) Assim, deve-se dar mais atenção à causa que move o legislador do que às palavras da lei. ������������������������� GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 320. ������������������������� MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., p. 9. ����������������������� BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1972. p. 39. ����Ibidem, p. 45. ����������������������������������������������������� Carta Encíclica Dives in misericórdia, item 12 —� ��Bastará a Justiça?, São Paulo: LTr, 1996. ������������������������� GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 489 ��������������������������� AQUINO, Santo Tomás de. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução de Francisco Benjamim de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 172

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