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Que Pals

e Este ?

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Beatriz SancovschP

Introdu~ao

Urn curiosa fenorneno contemporaneo tern side a pro­ fusao de diagnosticos psicopatologicos de cunho cognitiv~ e a onipresem,;a dos processos medicalizantes. Tais proces­ sos e.nvolvem desde a produ\ao de saberes que legitimam a interven\ao medica ate a modeliza\ao de terapias e inter­ ven\oes. Como exemplo, citamos

0

emblemMico Transtorno

do Deficit de Aten\ao e Hiperatividade (TDAH) em seu

As questoes tratadas nesse artigo foram objeto de um minicurso oferecido a estu­ dantes de Psicologia durante 0 IV Seminario Salide e £ducar;fio: PSicologial Escola e Universidade, realizado na Universidade Federal de Sao loao Del-Rei (UFSJ), no dia 27 de agosto de 2010. Os objetivos do curso articulavam as pesquisas das autoras nas areas de cogni<;ao contemporimea e medicalizar;ao da vida realizadas atraves do Nucleo Rio de Janeiro/Regional Rio da Abrapso e da Universidade Federal do Rio de laneiro onde atualmente atuam como docentes 2 Adriana Carrijo e Especialista em Psicologia Clinica e Educacional/Escolar. Mestre e Doutora em Psicologia atraves do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenadora do Nuc\eo Rio de Janeiro/Regional Rio de Janeiro da Assocla<;i'io Braslllllrll de Pslcologia Social. I Belltrll SlIncovlchl , PrOfellofa Adlunla do Instituto de Pslcologia de UFRI. Maslrl • Doutorllllm Plicoh~111 plio I'rogrllllld de P61- gflldull~lo 1m Pslcotogl. dll Unl· vlnldldl Flder.1 it • • ,Inllro.

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Debates em psi!
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medi!
Produ~ao social dos processos de medicaliza~ao da vida e do transtornado Atraves dos seculos, 0 corpo humano vem sendo modelizado como espac;o de investimentos, exames e doutrina~oes. Das diferen<;as entre sexos ou fases do desenvolvimento, 0 corpo da crian<;a e 0 cam­ po da infancia vem se afirmando como objeto das mais mirabolantes tecnologias de cuidado, revelando-se como "corpo investimento" aos processos de otimiza<;ao de fun<;oes que atenderiam as demandas de cada sociedade.

A partir dessa afirma<;ao, situamos 0 fenomeno da medicaliza<;i!lo

da vida como correlato a "capitaliza<;ao" das fun<;oes cognitivas, qual o

seja, movimento que reduz comportamentos a escalas de desempe nho e deficit, distinguindo pretensamente aquilo que se produz social· mente como saude ou doenc;a.

Alain Ehrenberg (1991), em sua obra "Le culte de la performan­ ce", analisa a rela<;ao que se estabelece entre as demandas de uma

sociedade potencialmente capitalista e a "hero'{sation" (p. 212) (he­

roiza<;a%timiza<;ao) do indivlduo. A capitalizac;ao como expresslo

polltica de nossa epoca carrega, para esse autor, a marca do con sumo.

Assim, consumir torna-se um vetor de realiza<;ao pessoal estimulando

cultos performaticos de individualiza<;ao, redundando num indivrduo

incerto e sofrido, permeavel aos processos de medicaliza<;ao. A esse respeito, discorre Ehrenberg: Le caractere massif de la consommation de medicaments psychotropes,la multiplicite des problemes auxquels ele est supposee repondre pour les individus suggerent qu'une logique de modification d'etats de consclence a la fois tres etendue et nouvelle soit a I'ouvre dans II societe. (...) Les dopants de la societe concurrentlelle sont des drogues d'integration sociale et relatlonelll (Ibid, p. 259). Quando ancoram05 no campo da InfAncla, observamos qUI da

catequlse eo mape.mlnto cerebrel, regimes d. verd.d.1 • pr'tlcil

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e Este ? Debates em pSi!l!lI!lgia s!l!lial a!ler!la da mediQaliza~aQ dQ !<2tldlang esggllr

de subjetiva(:ao podem ser reve/ados como estrategias de "integra~aO

social e relacional" como mencionara Ehrenberg.

Dispositivos biopolfticos evidenciam a onipresen(:a da ideia de dis­

fun(:ao (e deficit) na constru(:ao da Psicologia como campo cientffico

e a complexidade de uma 'engenharia' assistencial agenciada por seus

'fundamentos'. Nesse sentido, vale a amplia(:ao do conceito de medl.

caliza(:ao. Tal processo nao se sustenta apenas no usode urn medica­

mento, mas pelo abuso do poder Cbiopoder) exercido por medicos e

"terapeutas" clivados pelo modelo cffnico.

Constatando uma prolifera(:ao de discursos psicopatologicos em

varios campos do saber a agenciar interven(:oes cada vez mais pre­

coces, queremos agora refletir sobre a fun(:ao historica e social dessa

engrenagem em torno da infancia, a partir da emergencia de uma ex­

periencia subjetiva e cognitiva de aspecto seriado e produzido. Nossa

escolha pela infancia e justificada pela importancia conferida pela ins­

titui(:ao esco/ar as fun(:oes cognitivas, 0 que acentua a produ(:ao so­

cial do transtornado cognitivo: 0 desatento, 0 impulsivo, 0 dislexico,

dentre tantas outras bioidentidades.

A importancia da educa(:ao escolar na sociedade contemporanea

visa a performance das fun(:oes cognitivas. Trata-se de urn modelo edu­

cacional conteudista e pretensamente acumulativo, modelo esse que

nao preve a plasticidade das fun(:oes cognitivas quando pensadas de

forma indissociC'ivel ao contexto. Nesse sentido, a aten(:ao, a atividade

motora e impulsiva, assim como 0 uso da linguagem de comunica~ao

e de compreensao, convocam-nos as diferentes formas de exercerem.

-se contemporaneamente.

o que nos interessa a partir dessa ideia e a reflexao sobre a mode.

liza(:ao da cogni(:ao, produ(:ao teo rica transversalizada pelo biopoder

exercido inicialmente atraves do discurso medico e tao contempora.

neamente marcado pelos discursos psicopatolOgicos. Assim sendo, em

se tratando de contemporaneidade e cogni(:ao infantil, a propos/to d.

saude mental, da "melhor educa(:ao" e do "melhor desenvolvimento

global", for(:as de subjetiva(:ao incidiriam para construir e serlar a In.

fancia, retroalimentando urn campo de medicaliza~ao da vida ~ gulsl

do controle/otimiza,ao deficltarlos.

Observamos que uma das motiva(:oes para a constru(:ao desse curso/estudo foi a percep(:ao do carater fechado, definitiv~ e, por ve· zes, profetico de alguns textos clfnicos, fundamentados teorica e me· todologicamente na convic(:ao de apreensao da realidade e da cognl. (:ao, seja ele/ela representadoCa) como: fisiologico, neuropsicologico, ou farmacologico. Enfim, todos parecem estruturados para a model!­ za(:ao, para uma logica. Em entrevista recentemente cedida a jornalista brasileira Helorsa Villela (2011), 0 Dr. Allen Frances, psiquiatra e professor emerito da Universidade Duke e urn dos maiores colaboradores da construc;:ao do DSM-IV, alertou medicos e pais sobre 0 deficit de aten(:ao. Acho que de forma geral 0 que aconteceu nos ultimos 15 anos fol uma abertura de mercado massiva de novos remedios para a industria farmaceutica para 0 usa de antipsicoticos, antidepressivos e estimulan· tes para crian(:as e adolescentes. C... ) 0 que a industria farmaciutlc. conseguiu fazer foi "educar" medicos, pais, professores e muitas vezt. as proprias crian(:as para reinterpretar qualquer problema que estelam apresentando como TDAH. Muitas vezes isso pode ser Utili mas em muitos casos, foi bern alem do limite. Existe urn problema mundlel hoje que e do excesso de diagnosticos e de medicaliza~ao da TDAH que 0 DSM-V vai agravar, especialmente no caso dos adultos. Percebemos atraves do que argumenta 0 Dr. Allen uma severa crftica a industria farmaceutica. Essa "maquina", contudo, nilo ope· raria dissociada das ideias de desvio e deficit, tao bern descritas nos manuais de psiquiatria. As clfnicas se entrosam, criam conceitos, estrategias e criam ob· jetos para 0 consumo. No que diz respeito ao sujeito-crjan~a de hole, apontamos a escola como uma pe(:a-chave para que os processos de seria(:ao e cllnica-a<;ao complementem-se e cumpram suas fun~Oes na produ(:ao de subjetividade infantil. o que chamavamos de dispositivo-psi, conteudo psicologico que tomamos como detonador de processos de produc;ao de subjetlvlda­ de infantil, parece-nos que sempre foi secundario aos interesses edu­ cadonals de cada ~poca. A passagem de um mundo letrado • um mundo Imag6tlco corresponde I outra conflgurl~lo d. capecldecle

III

I;H,'I

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atentiva, e a crianc;a passa a ter outros interesses assim como a escola. No bojo desse mundo incrementado pela imagem e pela exteriorida­ de, a psicopatologizac;ao, impoe-se como alternativa para que a escola se recoloque. Na maioria das vezes, ou encaminha muito para atendi­ mentos ou especializa-se para os mesmos. o conteudo psicol6gico ou dispositivo-psi precisa ser pensado em correlac;ao com as exigencias pedag6gicas e 0 lugar que a escola con­ temporanea vem assumindo frente a ausencia das figuras parentais. Nao e a toa que as crianc;as nao gostam da escola, alem de se senti­ rem abandonadas e enclausuradas, nao compreendem grande parte do que aprendem, fracassam, sao legitimadas como transtornadas e deficitarias, e quando adoecidas sao tratadas com remedios. A clfnica infantil de hoje casa com essa engrenagem e necessita repensar sua posic;ao. Receamos que a apropriac;ao do modelo medi­ co enaltecido por criterios diagnosticos, perspectivas de tratamento, prevenc;ao de comorbidades e expectativa de alta contribua para a sedimentac;ao cad a vez maior desse cerco psicopatologico em torno da infancia. Entretanto, sabemos que a ampliac;ao dos processos de medicalizac;ao de nossa sociedade, especialmente da infancia contem­ poranea, e legitimada por uma tipologia cognitiva. Por isso, coloca­ mos, nesse segundo momento, a cognic;ao em questao.

A cogni~ao em questao

Einteressante perceber que, nas recentes discussoes sobre as pato­ logias da cognic;ao, uma pergunta simples, porem fundamental, tem sido deixada de lado. Trata-se daquela que interroga sobre 0 que e a cognic;ao. Ora, como falar em patologia, em deficit ou transtorno da cognic;ao sem definir 0 que estamos entendendo por este processo? Ao nos debruc;armos sobre a historia da psicologia e, principal. mente, sobre as atuais ciencias cognitivas, vamos percebendo que existem ao menos duas grandes orientac;oes no entendimento da cog­ nic;ao. Cognic;ao como um processo abstrato e invariantee, cogni~ao como algo concreto e contextualizado. A opc;ao por uma ou por outra nao e neutra, mas polftica. Ela sera crucial para a avaliaC;ao daqullo que Estel acontecendo com a cogni~ao na contemporaneldade. Trl'ltl'l-se de d~flclt ou de dlferen~a?

Debates em PSi!H!lggia sQ!:
dilltldllni ••••,.,

No que diz respeito a hist6ria da psicologla, podemos locallzar I. diferenc;as entre estas duas orientac;oes, por exemplo, no exame da epistemologia genetica de Jean Piaget e da psicologia hist6rico·cultu­ ral de L. S. Vigotski. Embora os dois teoricos sejam classificados como construtivistas, 0 entendimento do que seja a construc;ao da cogni~!o e bastante singular em cad a um. Piaget pensa a constrw;ao da cognic;ao a partir do mecanismo ac;ao-assimilac;;:ao-acomodac;ao, sendo estes orientados pela equilibra. c;ao. Isto que, a prindpio, abriria a cognic;;:ao para a dimensao contex­ tual, que implicaria na sua transformac;;:ao e diferenciac;ao, acaba sendo limitado pela forma como 0 pensador sufc;;:o coloca 0 problema. Partindo da biologia e tendo como horizonte a epistemologla, Piaget afirma que as estruturas necessarias ao conhecimento cientfflco nao estao presentes na crianc;a. Lanc;a assim 0 projeto da epistemolo­ gia genetica que, atraves da psicologia genetica, procura explicar 0 desenvolvimento cognitivo. Colocar 0 problema do conhecimento a partir do conhecimento cientffico faz com que a cognic;;:ao seja entendida como intelig~ncla, caracterizando-se, sobretudo, pela logica. 0 desenvolvimento cog­ nitivo torna-se sinonimo de desenvolvimento da inteligencia, sen do pensado como uma sucessao de estagios necessarios que vao do mals concreto ao abstrato, do sensorio-motor ao 16gico formal (Piaget, 2001). Kastrup (1999) argumenta que ao submeter 0 problema do conhecimento a logica, Piaget deixa de enxergar a invenc;ao na trans· formac;ao, concluindo que 0 construtivismo piagetiano e no fundo um "construtivismo de caminho necessario" (Ibid, p. 95). Assim, nest.

construtivismo, os aspectos contextuais e concretos acabam sendo

deixados de lade em func;ao de uma orientac;ao pressuposta, a 16gl­

ca. A cognic;;:ao tende sempre para a mesma direc;ao. Seguindo est. concepc;ao, tudo aquilo que se desvie do caminho pressuposto sari. patologia, desvio ou deficit. Vigotski, por outro lado, esta interessado no desenvolvimento cul­ tural, sendo a constru~ao da cogni~ao consequencia deste desenvol­ vimento. A constru~lo .qui nao resulta de uma 16gica Invarlante au

II

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de um amadurecimento biologico, mas se faz ao longo da vida, co a vida e, principalmente, no encontro com os outros (SANCOVSC 2005). A a~ao mediada e condi~ao para a constru~ao da cogn ou para sermos fh§is ao vocabulario vigotskiano, a a~ao mediada condi~ao para a constru~ao do psiquismo. Vigotski explica a constru­ ~ao do psiquismo atraves do exemplo do gesto indicativo (VYGOTSKI, 1931/2000).

o

gesto indicativo e, em prindpio, uma tentativa fracassada da agarrar algo. A crian~a, em fun~ao de seus reflexos, estende 0 bra~o, A mae aparece e interpreta 0 gesto da crian~a, atribuindo a ele um significado: Ah, bebe, voce esta querendo pegar a mamadeira". A crian~a passa, entao, a se relacionar com 0 mundo a partir da signifl. ca~ao do gesto conferida pela mae. So mais tarde a crian~a internaliza a significa~ao. Atraves do desenvolvimento cultural, portanto, Vigotski abre uma brecha para outra forma de conceber a cogni~ao. Esta e resultado de um processo de constru~ao que se efetua a partir da media~ao e in­ ternaliza~ao. Dessa forma, destaca a importancia dos encontros com os outros e, conseqOentemente, torna imposslvel definir a priori qual a dire~ao que esta constru~ao vai assumir. Nao haveria um caminho unico, dado de antemao, mas caminhos realizadosa partir dos encon­ tros. Em outras palavras, vemos emergir uma defini~ao de cogni~ao mais concreta e contextualizada. Para 0 psicologo russo, a forma da cogni~ao hoje depende dos encontros estabelecidos ao longo da his­ toria. Neste contexto, torna-se mais complexo definir 0 que e e 0 que nao e patologia. Se com Vigotski ja e posslvel pensar numa cogni~ao concreta e contextualizada, 0 atual campo das ciencias cognitivas exige, cada vez mais, que atentemos para esta outra orienta~ao no entendimento da cogni~ao. Trata-se af do problema do conhecimento corporificado (em­ bodied). Se para alguns teoricos das ciencias cognitivas, como e 0 caso de Francisco Varela e Humberto Maturana, 0 caniter corporlficado sem­ pre foi fundamental para a compreensao da cogni~ao • vide 0 desenvol­ vimento da abordagem autopoletlca-enatlva (MATURANA & VARELA, /I

Debates em psi£QlQgia SQ£ial a£er2a da

medlgallza~ID dg utldllnll lIullr

III

1995; VARELA, 1990; VARELA, THOMPSON &: ROSCH, 2003; VARELA, 2003) - para outros, ele se torna uma quesUio a partir das investiga­ ~oes sobre a consciencia, nos anos de 1990 (SEARLE, 1998; CHALMERS, 1995).

Segundo Ceruti (1986), e com F. Varela e H. Maturana que 0 construtivismo assume formula~ao radical. Gra~as a crftica a repre­ senta~ao, ou seja, a ideia de que conhecer e representar 0 mundo, a a~ao e enfatizada como unica condi~ao para 0 conhecer. Os teoricos chilenos ressaltam a circularidade do conhecimento. Em vez de 0 co­ nhecer ser a rela~ao entre um sujeito e um mundo pressupostos, su­ jeito e mundo passam a ser efeitos de pnHicas cognitivas (MATURANA &: VARELA, 1995). Apesar da aparente semelhan~a com as formula­ c;oes piagetianas, inclusive sinalizadas por Varela (2003), a abordagem autopoietica-enativa nao estabelece um horizonte predefinido ao co­ nhecer. A cogni~ao e efeito de uma autoproduc;ao constante, nao , jamais garantida ou predefinida. Nao existe nada para alem da dr­ cularidade. Tudo depende da ac;ao. A a~ao determina os encontros e desencontros - acoplamentos estruturais (MATURANA &: VARELA, 1995) e breakdowns (VARELA 1990; 2003) - que serao respons8vels pelas transforma~6es do sujeito cognoscente e do mundo conhecido. Temos assim uma concepc;ao de cogni~ao radicalmente concreta e contextualizada. Embora esta discussao teorica pudesse ser aprofundada e de· senvolvida, acreditamos que 0 que dissemos ja e suficiente para de­ fendermos nossa tese. Existem ao menos duas orienta~oes para 0 entendimento da cognic;ao. Para alguns a cogni~ao e um processo invariante e abstrato, podendo ser predefinida. Neste caso, tudo 0 que se desvie do caminho pressuposto poderia ser encarado como transtorno, patologia ou deficit. Vale notar que esta tem side a con· cepc;ao hegemonica da escola/educac;ao. Isto que na primeira parte do texto chamamos de concepc;ao etapista/desenvolvimentista. Para outros, porem, a cognic;ao so pode ser pensada de maneira concreta e contextualizada. Neste caso, haveria tantas cognic;oes quantos fos­ sem os contextos. Ou, dito de outra forma, nao haveria um camlnho ~';"'-"-oo~0"=\."'_i;;~,,,,~~~~.---'--~·--·;::-'~iot.,f~n

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unico para a

cogni~ao.

ou deficit? Se a

Assim, como falar em transtorno, patolo

cogni~ao

longo da vida, de

co-transforma~6es,

a existencia de diferentes serva~ao

e resultado dos encontros estabelecidos cogni~6es.

entao precisarfamos conside

Na contemporaneidade, esta ob­

nos coloca diante de uma importante questao. Sera que, tal.

vez, as formas cognitivas que freqOentemente sao classificadas como deficitarias, transtornadas ou patologicas nao poderiam simplesmentf constituir novas ou diferentes

cogni~6es?

Convocamos todos a olhar para do. A

presen~a

0

mundo em que estamos viven·

de computadores, internet, celulares, ou seja, daqul.

10 que tem sido nomeado como Novas Tecnologias da e

Comunica~ao

cos, como e

0

Informa~ao

(NTIC) tem se tornado constante. Diversos te6rl· caso de Berardi (2009), Nicolaci-da-Costa (2006) •

Sancovschi e Kastrup (no prelo), inclusive, buscam em suas reflexoes, examinar as ni~6es5.

altera~6es

que as NTIC tem produzido em nossas cog·

Por tudo isto, insistimos na pergunta: Sera que os inumeros

diagnosticos que cada vez mais classificam as

cogni~6es

como trans­

Conclusao Os processos de medicaliza~ao da vida ancoram num certo mo­ delo de cogni~ao que tem sido hegemonico, sobretudo no contexto da educa~ao e, em especial no universo escolar. Trata-se da cogni~ao abstrata e invariante. Tal fato acaba por produzir uma concep~ao de cogni<;ao etapista/desenvolvimentista que, por sua vez, impede que vejamos as transforma~6es como diferen~as. Tudo 0 que se desvia do previsto passa a ser lido como deficit ou transtorno. Urge a mobiliza~ao de discussoes teoricas e debates sobre as praticas (educacionais, psicologicas/psicoterapicas, medicas) que se coloquem como alternativas a esse modelo abstrato e invariante de cogni~ao. A ciencia psicologica requer essa re-trata~ao em busca de novos problemas (nao necessariamente de solu~6es) que evidenciem a complexidade da constru~ao subjetiva, constru<;ao essa agenda­ da pel a inevitavel abertura para um mundo interativo e social. Um mundo marcado pelos imperativos politicos de cada sociedade. Um mundo onde a cogni~ao apresenta-se com e atraves de intensidades, velocidades e densidades.

tornadas, deficitarias ou patologicas nao merecem ser repensados? Sera que se trata efetivamente de funcionamentos deficitarios, ou ser' que se trata simplesmente de funcionamentos cognitivos diferentes que merecem ser analisados mais de perto?

5 Sobre isso sugerimos a leitura da tese defendida em 2010 "Sobre as pratlcas de estudo dos estudantes de psicologia: uma cartografia da cogni~ao contempor~neatl (SANCOVSCHI, 2010). AI, atraves da investiga~ao das praticas de estudo dos estudantes de psicologlll, deline­ amos funcionamentos cognitivos bastante singulares, sobretudo no que dlz respelto AIIten­ ~ao. Nesta ocasiao, foram "diagnosticadas" as presen~as entre os estudantes contemporAneOI de uma aten~ao saltitante e sem rltmo, de uma aten~ilo dlvldld~ e de umllllten~fto luflclentl. No entanto, menos do que consldeni-Ias como plltologills au mesmo ldiossincrillllli dOl IIlu· dantes, com II ajudil de autores como Sennett (2001, 2006), Ehertlnblrg (199',2000), Cilla'a (2000) e Larrosl (2004, 20031, 2003b, 2001), mOltrlmOI como 11.1 conlUlulm um certo funelonllmlnto cognltlvo comum 1m nOI.1 eontlmporln,ldld••

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