MONTESQUIEU E A CORRUPÇÃO DA REPÚBLICA Fernando Filgueiras Doutorando em Ciência Política no IUPERJ Mestre em Ciência Política pela UFMG Prof. de Sociologia Jurídica da Faculdade Metodista Granbery Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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Toda construção normativa de uma ordem política demanda uma preocupação especial com a possibilidade de sua corrupção. Tomando como pressuposto a idéia de que seu significado é a degeneração dos princípios, os quais permitem alongar a vida institucional, o livro oitavo de O Espírito das Leis destaca um marco conceitual mediante o qual o problema da corrupção na política pode ser entendido. Este marco conceitual para o problema da corrupção, todavia, surge da recepção e da inovação de conceitos políticos, que estão contextualizados em uma linguagem que tem uma historicidade particular, caracterizada pelos problemas e dilemas práticos de uma determinada época e local. Especialmente pela leitura crítica em relação aos termos do aristotelismo e do republicanismo renascentista, Montesquieu proporcionou uma inovação conceitual no que tange ao problema da corrupção, tendo em vista a problemática de uma engenharia institucional derivada de sociedades comerciais marcadas pelo declínio das virtudes cívicas e pelas desigualdades.
As filosofias políticas dos séculos XVII e XVIII modificaram os termos do conhecimento pela aplicação de mecanismos das consideradas ciências naturais para a derivação de conclusões a respeito da política e da sociedade. O que animou esta nova
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concepção filosófica não foi a obtenção de concepções ideais de mundo deslocadas da história, mas ter ocasião de derivar princípios normativos capazes de mudar a política por dentro da história. Os séculos XVII e XVIII assistiram ao nascimento da ciência moderna, atrelada a uma concepção naturalizada e sustentada em juízos empíricos. Ademais, quanto ao conceito de corrupção, o domínio da ciência moderna proporcionou uma virada em seu sentido lingüístico, criando inovações no plano conceitual ao desatrelar o problema da corrupção do problema moral das virtudes. Nos diferentes aspectos da vida política, ocorreu essa separação entre a moral e a lei, proporcionando uma inovação conceitual no que tange à compreensão da corrupção enquanto fenômeno.
A primeira experiência ou momento de passagem para a inovação do conceito de corrupção, certamente, é encontrada em Montesquieu. No espírito de sua época, Montesquieu1 ocupa no pensamento político um lugar de transição entre a antigüidade clássica e a modernidade, mediante o qual ele fará uma tentativa de amalgamar o novo com o tradicional. Como assevera Raymond Aron2, O Espírito das Leis constitui uma narrativa histórica com o objetivo de tornar o mundo inteligível, na medida em que o autor substituiu uma diversidade caótica por uma ordem conceitual generalizante, que organiza o processo de entendimento da realidade. De outro lado, Louis Althusser3 aponta que Montesquieu lançou, com sua obra magna, as bases para a ciência social moderna, tendo em vista uma epistemologia decorrente da realidade concreta que cerca o observador. Aqui certamente nos aproximamos muito da linguagem de acordo com a qual a ciência social trata o problema da corrupção.
O Espírito das Leis tem o objetivo de conjugar o tradicional com o moderno, derivando uma teoria de transição que assenta suas bases, primeiro, na tentativa de construir um modelo ideal normativo a partir do qual o autor buscará as fontes éticas e morais da política; e segundo, no uso recorrente dos elementos empíricos da ciência de sua época. No que tange ao tradicional, Montesquieu desenvolveu uma tipologia das formas de governo a partir de uma inspiração aristotélica, predominando um viés normativo, isto é, um “dever ser” que organiza os modos de pensar e de agir do político. 1
Montesquieu, O Espírito das Leis, São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores). Raymond Aron, As Etapas do Pensamento Sociológico, São Paulo: Martins Fontes, 1990. 3 Louis Althusser, Montesquieu: a Política e a História, Lisboa: Editorial Presença, 1972. 2
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Em outra esfera, no que tange ao moderno, o autor está preocupado com a realidade efetiva das coisas, investigando as causas reais dos acontecimentos, formando um sistema conceitual generalizável4.
Montesquieu abordará o problema da política a partir da conjunção da natureza, conforme os objetivos da ciência moderna, e dos princípios, que organizam os diferentes tipos de governo. Por natureza, Montesquieu entende a característica primordial que seja verificada e previsível no tempo em relação à existência da forma de governo. Nesse caso, a natureza é o número de pessoas de um dado Estado que detêm a soberania, fazendo com que o governo seja o que ele realmente é. Em outras palavras, a natureza do governo é a forma como se dá a organização institucional do Estado, derivando, a partir daí, como serão as relações da sociedade com o poder. De outro lado, Montesquieu entende por princípio do governo aqueles sentimentos recorrentes na ordem social, que fundamentam a organização da natureza a partir da harmonia e da obediência dos homens em relação às leis. O princípio do governo é a paixão, e não a virtude, que orienta as atitudes dos homens em relação ao aparato institucional do Estado.
A conjunção entre natureza e princípios permitiu a Montesquieu criar uma nova linguagem para a temática da corrupção, atrelada ao papel da economia na vivência dos modernos, moralizando, desse modo, a representação do eu mediante seus interesses. Ego representa a si mesmo pela via de seus interesses junto à ordem política, configurando a articulação dos desejos com o controle imposto por uma consciência do tempo, a qual está ligada à proeminência do mundo comercial e acumulador de riquezas.
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Aron destaca a maneira segundo a qual Montesquieu utilizou elementos da física newtoniana para reconstruir o mundo temporal a partir de artifícios teóricos que elevem as relações de causas e efeitos. Críticos de Montesquieu, como Cassirer, atribuirão a este fato uma tentativa de entender o mundo a partir de uma forma mecânica que muitas das vezes recaem numa não explicação dos fatos do mundo dos homens. Isto pode ser verificado principalmente quando o autor trata os fenômenos do meio social como fenômenos “naturais”, pertencentes a uma ordem do universo que organiza desde os comportamentos até as paixões. A esse respeito, ver Ernest Cassirer, La Filosofia de la Ilustracción, México: Fondo de Cultura Económica, 1943.
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A moralização dos interesses, como destaca Albert Hirschman5, possibilitou uma virada epistemológica e conceitual da política, que passou a estar assentada na sobreposição maciça do Estado sobre a república. A lógica dos interesses é constituída na modernidade com o intuito de envolver os desejos e mantê-los sobre controle, possibilitando uma ordenação da política independentemente do tema das virtudes do corpo político ou da moralidade da ação política em arenas públicas. A constituição da boa ordem sai da república e encontra assento no Estado, tendo em vista o princípio da representação dos interesses e a crescente tutela por parte do Estado em face do sistema moderno de produção6. Montesquieu argumenta que a moralização dos interesses é necessária porque a democracia, no colorido republicano, não pode sobreviver quando a riqueza seja excessiva e excessiva seja a desigualdade de sua distribuição.
Para Montesquieu, portanto, a república é uma forma de governo que não condiz mais com os tempos modernos. É uma forma de governo muito frágil, na medida em que pressupõe que todos os cidadãos sejam virtuosos e que devotem seus espíritos ao bem da coletividade. Para Montesquieu, a república é um regime que pertence ao passado, no qual pequenos grupos de homens virtuosos se reuniam em uma esfera pública para deliberarem os negócios do governo, tendo em vista uma certa igualdade de riquezas e de valores, condizentes com um pequeno território. O contexto da produção intelectual presente em O Espírito das Leis, por outro lado, é um ciclo de crescimento das populações, do comércio e da diversificação das riquezas, ensejando um processo de fissura da sociedade em classes sociais,
a qual resultará na não
possibilidade das virtudes cívicas. Uma vez que a virtude necessita, para se tornar efetiva, de uma ampla igualdade de condições entre os cidadãos, a diferença provoca o surgimento da inveja e da cólera, sobrepondo as paixões a qualquer tipo de virtude moral que se coloque como a base da organização política.
Montesquieu, portanto, observa no mundo moderno a supremacia do interesse, na medida em que não é possível mais a manutenção das virtudes num mundo que busca,
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Ver, a esse respeito, Albert O. Hirschman, As Paixões e os Interesses, Argumentos Políticos para o Capitalismo Antes de seu Triunfo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 6 Ver, a esse respeito, Cícero Araújo, Quod Omnes Tangit, Fundações da República e do Estado, São Paulo: Tese de Livre Docência, FFLCH-USP, 2004.
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incessantemente, a acumulação do capital. Os atores políticos se fazem representar na esfera pública por seus interesses, fazendo com que o ordenamento político não possa ser sustentado no princípio da virtude e nem na precedência da idéia de bem comum como horizontes da ação humana. A solução do autor, por conseguinte, é buscar leis positivas decorrentes das relações políticas, mediante as quais ocorra a intermediação entre os homens e suas necessidades, distribuindo e organizando o poder com o intuito de assegurar a paz social e a liberdade. De acordo com Althusser7, é a partir desta compreensão que Montesquieu irá romper com a tradição do aristotelismo e do republicanismo ao considerar que o problema da política não é um problema de paidéia ⎯ educação cívica. Porém, Montesquieu está preocupado com a maneira pela qual será possível à humanidade criar leis positivas, que exprimam penalidades, por meio das quais se processará constrangimentos morais às paixões dos homens. Ou seja, Montesquieu está preocupado com a forma como os homens criarão artifícios nomológicos que exprimam, por meio da coerção, constrangimentos aos próprios homens em relação à coisa pública. As leis podem corrigir um desvio de moralidade, no que diz respeito ao interesse, por meio da coerção, tornando a ação humana reta no sentido de uma ética derivada da realidade efetiva das coisas e que opera no plano externo à consciência.
Para Montesquieu é o Estado monárquico que melhor condiz com a realidade efetiva das coisas. O Espírito das Leis rompeu com o civismo republicano, acreditando que o desenvolvimento das sociedades leva ao declínio das virtudes, fazendo emergir um mundo marcado pelos interesses particulares e pela desigualdade. De outro lado, nenhum procedimento de justiça pode ser configurado consensualmente pelos homens, uma vez que eles caminham apenas em direção a seus interesses. As leis positivas, nestes termos, cumprem o papel de assegurar a liberdade, a qual, segundo o autor, significa a prerrogativa de cada cidadão “poder fazer o que se deve querer e em não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar”8. Isto é, os cidadãos devem fazer o que as leis prescrevem com base nos costumes e nos valores presentes nas sociedades, sofrendo penalidades caso desviem dos preceitos legais acordados coletivamente. Desse
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L. Althusser, op. cit. Montesquieu, op. cit., pág. 156.
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modo, além do rompimento com o tema das virtudes, característico da linguagem do aristotelismo e do republicanismo antigos, Montesquieu romperá também com a tradicional concepção de liberdade, estando ela, desse modo, assentada na ausência de constrangimento e na possibilidade de autonomia, prescindindo da comunidade ou da vida ativa como mecanismos que venham a assegurar uma vida livre por parte dos atores políticos.
Já que a liberdade é garantida por uma engenharia institucional assentada nas leis, a qual absorve os diferentes interesses representados na esfera pública, e que estes interesses significam uma forma de moralização dos desejos, a melhor maneira de criar uma engenharia institucional é fazer com que a ambição contrarie a ambição. O arranjo institucional da monarquia deve ensejar a separação dos poderes, mediante a qual seja possível a representação dos interesses do monarca, da aristocracia e do povo, visando a moderar os apetites humanos e a evitar que ela caia no despotismo e na corrupção. Montesquieu assevera que a condição para a manutenção da liberdade é o arranjo institucional da monarquia prever freios e contrapesos do poder, moderando uma natureza desejosa do homem mediante sua representação perante o poder do Estado. Além disso, é a partir do surgimento das classes sociais que o autor falará dos organismos intermediários enquanto força social capaz de moderar os apetites dos governantes, além da criação de canais de representação, ligando Estado e sociedade. Sobre esse ponto, Althusser9 observou que a teoria da separação de poderes de Montesquieu não é apenas um problema jurídico-administrativo da organização do governo, como muitos doutrinadores jurídicos observaram, mas um problema de se criar correlações de força que moderem as paixões e os interesses das diferentes classes sociais, mantendo intacta a liberdade política10.
Se a liberdade política somente pode ser alcançada pelo princípio da moderação, qualquer forma de governo, segundo Montesquieu, corrompe-se quando seus princípios 9
L. Althusser, op. cit. No seu famoso estudo da constituição da Inglaterra, Montesquieu observou como a separação de poderes serviu para frear os apetites dos ingleses. O autor mostra como a separação entre o monarca ⎯ poder executivo ⎯ as duas assembléias do povo ⎯ a câmara dos lordes e a câmara baixa ⎯ e o judiciário serviu para implementar a moderação entre os ingleses, impedindo que eles caíssem no despotismo e assegurando a liberdade de todos os cidadãos e a prosperidade mediante os interesses particulares. 10
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normativos degeneram-se. No Espírito das Leis, “[A] corrupção de cada governo começa quase sempre pela dos princípios”11. A corrupção do governo ocorre quando o móvel psicológico dos comportamentos políticos não mais assegura a moderação dos apetites, fazendo com que as instituições políticas não mais consigam efetuar suas responsabilidades e que a harmonia dê lugar à discórdia entre os cidadãos, esmaecendo a solidariedade entre os homens e implementando a potencial desordem.
Desta forma, a república democrática é corrompida quando as virtudes cívicas dão lugar aos interesses, cuja igualdade leva ao espírito de igualdade extrema, em que cada cidadão não mais quer obedecer à autoridade legítima do Estado, mas às suas próprias convicções, resultando na desordem, tal como ocorreu em Roma. O efeito da corrupção da democracia é sua condução ao despotismo de um só em decorrência do espírito de igualdade extrema. O não devotamento à comunidade conduz, de acordo com Montesquieu, à licenciosidade e à libertinagem, redundando na supremacia dos interesses privados sobre o bem comum. Na medida em que a república não precisa de leis positivas, ela facilmente se corrompe, dado que seu princípio organizador é a virtude.
A república aristocrática é corrompida quando os nobres da sociedade não mais se orientam pelo espírito público, a partir do momento que seu poder se torna arbitrário, transformando a obediência dos súditos em submissão, ou seja, a aristocracia transforma-se em oligarquia12. Montesquieu observou que um dos principais fatores de corrupção da aristocracia é ela tornar-se hereditária, promovendo um total espírito de negligência, preguiça e abandono e fomentando um declínio da obediência ao Estado.
A monarquia se corrompe quando o monarca não mais obedece às leis, em função de que a honra, manifestada na ambição do corpo político por prerrogativas e dignidades, se converte em opressão dos súditos, transformando-se em poder arbitrário. Por outras palavras, Montesquieu assevera que a ambição não mais contraria a ambição, 11
Montesquieu, op. cit., pág. 121. O autor em momento algum trata da oligarquia enquanto forma de governo. Este termo somente aparece em uma nota de rodapé ⎯ nota 313 do livro oitavo da edição brasileira de O Espírito das Leis ⎯ que apesar de não explícito, certamente se refere à tipologia de Políbios, com quem o autor debate a todo o momento no decorrer de sua obra.
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levando à concentração dos poderes e ao seu abuso no contexto da ordem econômica. Assim, a concentração do poder, que é um mal natural, em uma ou poucas mãos é o que caracteriza para o autor a corrupção da monarquia, já que suas instituições não efetivam a obediência dos súditos em relação ao aparato administrativo da sociedade. Uma vez que os súditos não têm a garantia de que a obediência resultará na harmonia das coisas, eles se orientam por seus exclusivos apetites, violentando os demais concidadãos para saciar suas necessidades.
Finalmente, o governo despótico é corrompido por natureza, porque seu princípio leva a uma constante discórdia entre os cidadãos, uma vez que não há nem leis e nem virtudes que assegurem a liberdade, devido a circunstâncias que levam os indivíduos a se submeterem cegamente: o medo. O despotismo perverte a conduta humana, fomentando uma radical indeterminação à vida humana pela total ausência de uma ordem. Como relata Montesquieu, no livro III, no capítulo 13, “Quando os selvagens da Luisiana querem colher uma fruta, cortam a árvore embaixo e apanham-na. Eis o governo despótico”.
O significado da corrupção, como opera os termos lingüísticos presentes em O Espírito das Leis, transpõe o seu conceito de um mal natural atrelado aos vícios, no plano moral, para o poder arbitrário do corpo político, que deve ser moderado através da tutela jurídica no plano formal das normas. Ocorre, desse modo, uma mudança conceitual da corrupção de um problema moral para um problema jurídico, traçado em torno da questão da arbitrariedade do poder em função da impossibilidade das virtudes no plano da política. O fundo ético é a moderação promovida pelos interesses, através dos quais as instituições se tornam responsáveis por implementar normas coercitivas em um mundo de desiguais, não havendo nem virtudes e nem procedimento, ou seja, não havendo nem a antecedência do bem comum, nem a antecedência do procedimento de formação dos princípios de justiça. No seu lugar, é o princípio da honra ⎯ entendida como um amalgama do interesse ⎯ e a formação de instituições que podem moderar os apetites e evitar a corrupção do corpo político. O bem comum apenas pode ser alcançado regulamentando crescentemente o mundo dos homens desiguais da
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modernidade, criando jurisdições coercitivas destinadas a combater qualquer forma de arbitrariedade, tanto por parte do legislador, quanto por parte do governo.
Corrupção, desse modo, passa a ser concebida como qualquer forma de uso arbitrário do poder, relevando mais os aspectos formais do plano jurídico do que os aspectos morais presentes na esfera pública, confundindo, muitas vezes, corrupção com ilegalidade, além do fato de essa concepção prescindir da idéia de que a corrupção seja um problema de vícios do político. Em vista das diferentes formas com que o conceito de corrupção foi recebido ao longo do pensamento político, podemos derivar desse processo três modulações distintas, no plano conceitual: (a) – o problema do arranjo das instituições para controlar a corrupção do corpo político; (b) – o problema do espírito público e das virtudes do corpo político; e, (c) – o problema das leis e do controle da arbitrariedade.
Essencialmente, a abordagem do conceito de corrupção em O Espírito das Leis ocorre no contexto de uma modernidade em construção, em que o problema da criação de instituições estáveis e capazes de frear as paixões humanas passa, necessariamente, por uma engenharia que evite a arbitrariedade no jogo marcado pela conjunção da natureza e dos princípios motivadores da ordem. A virada lingüística do conceito de corrupção proporcionada por Montesquieu desatrela seu controle das virtudes cívicas, tendo em vista sociedades marcadas por laços de uma desigualdade permanente, a qual atiça os desejos pela via da riqueza. O controle da corrupção depende de uma engenharia institucional destinada a prolongar a existência da ordem em uma sociedade desprovida de virtudes. Ordem esta que está em permanente movimento pelas mudanças promovidas pelo comércio e pela acumulação de riqueza. Porém, que depende de um outro tipo de moralização que não esteja assentada na proeminência de virtudes do corpo político, mas na representação dos interesses como moderador dos apetites.
Toda a discussão em torno do problema da corrupção está na conjunção de uma natural relação de poder, especialmente fomentada pelo dinheiro, com a formação de princípios normativos que orientem o agir do político. A engenharia política, fundamentada por um estatuto epistemológico traçado nos contornos da ciência natural,
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permitiu a Montesquieu conjugar a natureza do político com os princípios norteadores da ação. O controle da corrupção depende, essencialmente, da configuração de uma ordem que, através de seu plano jurídico, saiba comungar a natureza com os valores, o direito com a moral e, finalmente, a conservação com a mudança. _______________________________________