NOÇÃO E OBJETIVO DA FILOSOFIA DO DIREITO 1. Considerações

NOÇÃO E OBJETIVO DA FILOSOFIA DO DIREITO 1. Considerações Prévias Ao se pretender investigar o conhecimento jurídico pela via filosófica é necessário,...

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NOÇÃO E OBJETIVO DA FILOSOFIA DO DIREITO

1. Considerações Prévias Ao se pretender investigar o conhecimento jurídico pela via filosófica é necessário, primeiramente, que este caminho seja familiar ao pesquisador, enquadrando-se nos limites de sua experiência. Sem a prévia noção da Filosofia geral, por seus métodos e funções, não é possível alcançar a plena compreensão da Filosofia do Direito, pois, enquanto aquela é gênero, esta é espécie, e tudo quanto predicamos à primeira estamos, igualmente, predicando à segunda. A cultura filosófica somente prospera no espírito afeito à reflexão e aberto aos grandes temas que envolvem a natureza e o homem. Se é verdade que a condição de iusfilósofo não se adquire por título universitário, senão pela constância do pensamento dialético, também é certo que somente atinge a situação de jurisfilósofo o jurista que exercita, como hábito, a atitude filosófica. E que a cultura superior do ius não se forma com o simples acúmulo de informações que os tratados apresentam; ela é, ao mesmo tempo, saber jurídico organizado e aptidão para alcançar a verdade. O acervo de conhecimentos que a Filosofia do Direito proporciona provém de três classes de pensadores: filósofos, juristas e jurisfilósofos. Como a Filosofia é uma visão universal da realidade e o Direito se inscreve no quadro de uma ontologia regional, um sistema filosófico, para ser abrangente, há de considerar temas jurídicos básicos, como os problemas da justiça e da lei. Assim, consagrados filósofos, como Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Hegel, trouxeram valiosas contribuições à Filosofia do Direito. Em contrapartida, os juristas nem sempre se fixam na perspectiva da Ciência do Direito, indo além do simples trabalho de exegese e sistematização do Direito vigente. Ora colocam em discussão os postulados da Jurisprudência, ora submetem os institutos jurídicos a uma crítica em seus fundamentos, situando a sua preocupação no âmbito da Filosofia do Direito. O grande veio, porém, que sedimenta e enriquece a nossa disciplina, localiza-se na atividade dos jurisfilósofos, daqueles que, genuinamente filósofos, conhecem a ciência jurídica. Enquanto filósofos e juristas desenvolvem a reflexão jurídica em campo restrito, com visão parcial e preponderância de enfoque, os jurisfilósofos, associando o conhecimento das correntes filosóficas à noção das categorias lógicas do Direito, atuam nos domínios da iusfilosofia sem reservas culturais, objetivando o rigor lógico dos conceitos jurídicos e a adequação do Direito Positivo aos valores humanos fundamentais. 2. Graus do Conhecimento O a priori fundamental à formação da cultura é a aptidão que o homem possui de conhecer e que exerce através da discriminação- faculdade de distinguir e relacionar as coisas. Estas podem ser assimiladas pela mente, em um processo de cognição, por seus traços mais elementares de entendimento, por seus caracteres gerais ou ainda por seus fundamentos e implicações com outros objetos e fenômenos. O saber comporta, pois, diversos níveis, que variam conforme o grau de relação que se faz entre o objeto do conhecimento e outros fatos e fenômenos. De acordo com a escala crescente de relação o conhecimento pode ser vulgar, científico e filosófico.

2.1 - Conhecimento Vulgar O simples ato de viver proporciona ao homem algumas noções fundamentais sobre as coisas. Ao verificar os fatos da natureza e os atos humanos, ao conviver ou utilizar-se dos meios de comunicação, ele recebe um complexo de informações ligadas a múltiplas áreas do saber. Assim, a leitura de um periódico, a consulta a um especialista, a observação do trabalho alheio levam-no a adquirir o chamado conhecimento vulgar, que se caracteriza por ser fragmentário, assistemático e por revelar a posse intelectual das coisas por seus aspectos meramente exteriores e superficiais. É o conhecimento que temos, por exemplo, de que a Terra desenvolve, no espaço, os movimentos de rotação e de translação e que os corpos mais pesados do que o ar são atraídos ao solo. É um saber no reflexivo, que alcança exclusivamente a noção de um fenômeno isolado, sem mostrar a sua relação com outra série de fatos e fenômenos. No âmbito do Direito corresponde ao saber do rábula, que conhece apenas pela experiência, despercebendo a harmonia do sistema e dos princípios que lhe informam e dão consistência. A natureza empírica desse saber não indica, por outro lado, que toda noção adquirida pela experiência seja do tipo vulgar, pois o conhecimento científico, além de orientar-se pela razão, também recorre a essa rica fonte. Em face da amplidão de conceitos, princípios e teorias que a ciência e a tecnologia moderna apresentam e que impedem ao homem o absoluto domínio intelectual da realidade, o saber vulgar reveste-se também de importância, pois supre, de alguma forma, lacunas culturais que não podem ser preenchidas cientificamente. 2.2 - Conhecimento Científico. Mais amplo que o saber vulgar e menos abrangente que o filosófico, o conhecimento científico consiste na apreensão mental das coisas por suas causas ou razões, através de métodos especiais de investigação. Ele não se ocupa de acontecimentos isolados, mas supõe a visão ampla de uma determinada área do saber e ao contrário do conhecimento vulgar é reflexivo. No dizer de Icilio Vanni, é "uma cognição sistemática dos fatos e dos fenômenos, em que se coloca um fato em relação com outros, de modo a descobrir as suas uniformidades e a determinar as suas leis".'Na esfera jurídica, o conhecimento científico não se caracteriza pela simples noção do conteúdo e significado da lei. Pressupõe o conceito do objeto Direito e compreende a visão unitária do sistema jurídico. Os princípios que regem a natureza em geral e as coisas do homem constituem um todo harmônico e uno, que não impõe, r si, qualquer divisão. Os destaques que os cientistas fazem, ao fracionar o mundo fenomênico em setores especializados, criam a multiplicidade das ciências. O zoneamento científico é sempre voluntarioso e até mesmo arbitrário. Para o mestre Alessandro Groppali, as limitações da mente humana é que geram a divisão do campo científico, que "constitui um todo orgânico, uma cadeia que não pode partir-se, sem implicitamente transformar a sua fisionomia." O jurisfilósofo italiano compara a necessidade de se dividir o saber humano em ciências, e com a necessidade de se dividir a História em períodos e idades. 2.3 Conhecimento Filosófico. O conhecimento filosófico representa um grau a mais em abstração e em generalidade. O espírito humano não se satisfaz, em um plano de existência, com as explicações parciais dadas pelas diversas ciências isoladas. Os fenômenos científicos não se dispõem em compartimentos incomunicáveis, estranhos entre si, e, por isso, o homem quer descobrir a harmonia, a concatenação lógica, os nexos de adaptação e de complementação que governam toda a trama do real. Visando a estabelecer princípios e conclusões, ele toma por

base de análise a universalidade dos fatos e dos fenômenos e, com fundamental importância, a própria vida humana. Esse objetivo é alcançado através do saber filosófico. Spencer, ao comparar este conhecimento com os de segundo e primeiro graus, considera-o "um saber totalmente unificado, em contraposição ao saber parcialmente unificado (científico), e ao saber não unificado (vulgar)." Na Jurisprudência, o conhecimento filosófico tem por objeto de reflexão o conceito do Direito, os elementos constitutivos deste, seus postulados básicos, métodos de cognição, teleologia e o estudo crítico-valorativo de suas leis e institutos fundamentais. 3. Conceito de Filosofia - A estrutura do homem, revelada por seu cérebro e membros, mostra a condição de sua existência: conhecimento e ação. As circunstâncias que o envolvem, levam-no a conhecer; conhecer a si próprio, a realidade exterior e a relação que se estabelece entre si e o mundo objetivo. Do pensamento transporta-se à ação: adapta o meio natural às suas condições e organiza a vida gregária. Ao mesmo tempo em que atua, penetra nos segredos da natureza e sonda os mistérios que pesam no horizonte de sua experiência. No seu pensar e no seu fazer abrem-se os caminhos para a Ciência e para a Filosofia. Enquanto que a primeira vai reunir um conjunto sistemático de conhecimentos, a segunda vai identificar-se como exercício da razão na busca perene da ordem do universo. 3.1 Definição Etimológica e Semântia. Nas diversas fases da História, a interpretação do quadro geral da existência sempre foi objetivo intelectual do homem. A perplexidade diante do real o induziu à reflexão, na tentativa de descobrir a verdade das coisas. Já os antigos procuravam as explicações referentes à matéria, à vida e aos fenômenos que testemunhavam. Mas, se a prática da Filosofia é coeva ao homem, o vocábulo que a designa surgiu apenas no séc. VI a.C., formado pela junção das palavras gregas philos e sophia - "amigo da sabedoria". Atribui-se ao filósofo e matemático grego Pitágoras de Samos, a criação do neologismo. Ao ser indagado quanto à sua condição de pensador, teria evitado apresentar-se como sábio - fato comum em sua época - preferindo, modestamente, dizer-se filósofo. A palavra filosofia, de Pitágoras aos dias atuais, sofreu variação semântica. De amizade à sabedoria, passou a designar, entre os gregos, a própria sabedoria. Com Platão (497-347 a.C.), expressou o conhecimento adquirido pela reflexão: o saber depurado pelo método dialético, em que o espírito não assimila direta e imediatamente o conhecimento, mas se utiliza do processo de autodiscussão, de diálogo consigo próprio. Em Aristóteles (384-322 a.C.), o vocábulo significou o conjunto de conhecimentos do homem, compreendendo os domínios da Lógica, Física, Metafísica e Ética. Filósofo, por conseguinte, era a pessoa que dominava todas as áreas do saber, possuindo a macrovisão das coisas. Não há, em rigor, mudança de qualidade entre a concepção de Platão e a de seu discípulo. O que ocorre, observa García Morente, "é que Aristóteles é um grande espírito que faz avançar extraordinariamente o cabedal dos conhecimentos adquiridos reflexivamente. A Filosofia começa a perder o seu caráter enciclopédico quando a Geometria, na Era Antiga, adquire autonomia científica. Na Idade Média, a Teologia se desprende da scientia altior, o mesmo ocorrendo com a Aritmética, em face do avançado estudo efetuado pelos árabes. A partir do séc. XVII, com o desenvolvimento que se opera em diversas áreas do saber, surgem as especializações e, em conseqüência, algumas ciências se destacam do tronco filosófico. Pelo esforço de Galileu e, posteriormente, de Newton, a Física também se estrutura em métodos e princípios próprios. Idêntico fenômeno se passa, no séc. XIX, com a Biologia, com a História, com o Direito. Na quadra atual destacam-se a Psicologia, a Sociologia. Esse processo de desprendimento continua e, em rigor, apenas não se destacaram a Ontologia e a Gnoseologia: a teoria dos objetos e a teoria do conhecimento integram a Filosofia, pois possuem convergência para o universal, para a totalidade das coisas.

3.2 As Especializações Jurídicas e o Fenômeno de Desprendimento de Matéria. Estará o Direito, à semelhança do que se passou com a Filosofia, suscetível de um processo de desprendimento de matéria? No período histórico que antecedeu o Direito Romano, a Jurisprudência era, na realidade, um corpo de regras que não apresentava divisões. Abrangia, ao mesmo tempo, preceitos que disciplinavam os mais variados aspectos da vida social. Com o sistema romano, contudo, surge a separação entre o Direito Público e o Privado e, mais tarde, a subdivisão das duas classes, com novos ramos se despontando na árvore jurídica, conformados a uma sistemática de métodos e princípios particulares. Se outrora os juristas possuíam saber enciclopédico do Direito, atuàlmente esse domínio absoluto de conhecimento vai se tornando inacessível, em face do crescente alargamento nos limites do território jurídico e pela complexidade da matéria legislativa. Seguirá daí que, num futuro não previsível, as novas províncias jurídicas irão se alhear umas das outras, a ponto de se tornarem estranhas? A semelhança do processo de evolução jurídica com a atomização do objeto da Filosofia é apenas acidental. As especializações que surgem não provocam a mudança conceptual do Direito, como se passou com a Filosofia, nem alteram o seu objeto de estudo: correspondem a um imperativo de natureza apenas metodológica. O fato de as disciplinas jurídicas possuírem uma teoria particular, alguns princípios hermenêuticos próprios, valores típicos, não poderá estabelecer um abismo ou cisão entre as suas áreas de estudo. A pesquisa unilateral de um ramo jurídico, quando desenvolvida no plano estritamente teórico e alheio ao Direito Positivo, pode conduzir a uma visão hermética e revelar distâncias científicas comprometedoras da unidade imanente ao Direito. Quando, porém, a especialização se forma à luz da Dogmática Jurídica, no estudo e sistematização de um ramo, a interligação e o parentesco das disciplinas se patenteiam. E o fator decisivo que impede a desagregação interna da Jurisprudência é a vinculação de suas partes a um sistema unitário, em um nexo de complementação e coerência. Ademais, cada positivação do Direito toma por base a mesma realidade social e expressa igual ideologia. 3.3 Concepção Atual da Filosofia. Modernamente a Filosofia se identifica como método de reflexão pelo qual o homem se empenha em interpretar a universalidade das coisas Não exige a compreensão geral de todas as coisas: algo inatingível, atualmente, em face da verdadeira explosão de conhecimentos que se opera no campo científico. Leibniz, no séc. XVII, foi, provavelmente, o último dos filósofos a dominar todo o saber de sua época. Quando se a afirma que a Filosofia constitui a noção das coisas por seu aspecto universal, se deseja expressar, em realidade, que, ao fazer a reflexão sobre cada objeto ou fato, o filósofo deve premunir-se de todos os conhecimentos pertinentes ao assunto a ser tratado. A Filosofia caracteriza-se como indagação ou busca perene do conhecimento, mediante a investigação dos primeiros princípios ou últimas causas. O espírito filósofo não se satisfaz com a leitura dinâmica dos fatos ou com simples observações. Ele questiona sempre e, de cada resposta obtida, passa a novas perguntas, até alcançar a essência das coisas. A Filosofia corresponde a uma atividade espontânea, instintiva, pela qual o homem procura captar a realidade como um todo e apreender o profundo significado dos objetos. A sua única motivação é o amor à sabedoria. A reflexão se faz desinteressada, numa expansão natural do espírito e, por isso, é pensamento independente e autêntico. Mas a Filosofia não é puro exercício mental, atividade lúdica ou devaneio. Como modelo de interpretação, ela se projeta na realidade concreta, influenciando as ciências, o comportamento dos homens, os rumos da Humanidade. As ciências, ao analisar e fazer a crítica em seus postulados básicos e na delimitação de seu campo de pesquisa. Cada ciência acha-se comprometida com uma determinada ordem de conhecimentos e o seu conjunto não fornece uma

noção universal, mas visões parciais, setorizadas. À Filosofia compete promover a grande conexão entre todas as perspectivas e ser, assim, a grande intérprete da realidade. O seu papel não é apenas o de decodificar o mundo objetivo, pois também desenvolve a crítica da conduta humana e do saber acumulado. Ao considerar a universalidade dos objetos e revelar o sentido da vida, indica aos homens os seus valores fundamentais e orienta os caminhos da Humanidade. Na expressão de Will Durant "a ciência dá-nos o conhecimento, mas somente a Filosofia nos pode conferir sabedoria." 4. A Filosofia do Direito 4.1 Noção. Ao criar modelos de comportamento social, à luz dos valores de conservação e desenvolvimento do homem, o Direito torna possível a convivência e participa, por sua importância e como área definida do saber, na ordem geral das coisas. Como objeto do conhecimento, não pode ser considerado parte destacada da realidade e cultivado isoladamente. A sua compreensão precisa ser alcançada na visão universal dos fatos e fenômenos. É certo que o seu conhecimento científico atende às exigências operacionais de criação, exegese e aplicação, mas revela-se insuficiente para preservar a plena correspondência entre os conteúdos normativos e a idéia do ius. Há, pois, um papel relevante a ser cumprido pela Filosofia na esfera jurídica. Como produto da experiência, o Direito, em sua concreção fática, pode adotar diferentes ideologias e assumir variados modelos. As formações jurídicas não se fazem alheias às correntes de pensamento: pressupõem sempre uma opção ideológica, uma interpretação objetiva da realidade. Tal é a importância da scientia altior para esse campo do pensamento, que não se consegue chegar ao Direito legítimo sem a reflexão filosófica. É que o fenômeno jurídico, por influenciar a vida humana, deve ser estudado paralelamente à análise do homem, e as suas formulações devem desenvolver projetos homogêneos de existência. Tal assertiva é válida também para os redutos da Filosofia do Direito, onde praticamente tudo é passível de discussão. A controvérsia é própria e imanente à Filosofia e em nada se poderá estranhar a pluralidade de opiniões sobre um mesmo objeto. Esta característica do pensamento filosófico não impede, todavia, ao longo dos anos, que novos princípios e teorias senão consagrados mundialmente. Em um processo longo de sedimentação, formam-se também correntes diversas, interpretadoras da realidade jurídica. Pela sua racionalidade e força lógica de expressão, preeminentes jurisfilósofos aceleram a marcha de evolução do pensamento, estabelecendo novas veredas dialéticas e atraindo seguidores. Como objeto cultural dotado de complexidade, o Direito comporta diferentes planos de estudo. Em sua dimensão legal, é abordado pela Ciência do Direito, disciplina fundamental que interpreta e sistematiza o ordenamento vigente, sem preocupar-se com o problema axiológico. Do ponto de vista fatual, é tratado pela Sociologia do Direito, que considera as relações entre o fenômeno jurídico e a sociedade, com atenção básica para a adaptação do Direito à realidade social. Não analisa as categorias lógicas, nem cogita do dever-ser e de valores. Sob o aspecto evolutivo, o fenômeno jurídico é objeto da História do Direito, que pesquisa a etiologia e o desenvolvimento das instituições, com a análise concomitante dos fatos históricos. Outro plano de investigação é o comparativo, pelo qual se faz o cotejo dos sistemas pertencentes a diferentes povos. Dele se ocupa o Direi to Comparado, disciplina auxiliar que objetiva esclarecer o sentido do progresso científico e registrar a consolidação de novas tendências. Quando a atitude filosófica se projeta nos domínios da Jurisprudência, tomando o fenômeno jurídico por objeto de indagação, a análise se processa em um riquíssimo plano, onde se questionam problemas da maior relevância para a organização social. O estudo ontológico do Direito, a pesquisa de seus

elementos universais e necessários, o exame axiológico de suas formas de expressão constituem a matéria de reflexão da Filosofia Jurídica. Podemos dizer, resumidamente, que a Filosofia Jurídica consiste na pesquisa conceptual do Direito e implicações lógicas, por seus princípios e razões mais elevados, e na reflexão críticovalorativa das instituições jurídicas. 4.2 Objeto. Como estudo reflexivo, que aspira à compreensão do Direito dentro de uma visão harmônica da realidade, a Filosofia Jurídica dispõe de um amplo temário de análise que se divide em dois grandes planos de reflexão: um de natureza epistemológica, onde se pesquisa o conceito do Direito e assuntos afins, e outro de caráter axiológico, no qual se submetem as instituições jurídicas a um exame crítico valorativo. A primeira grande tarefa atribuída à Filosofia Jurídica é a de esclarecer, em seus aspectos universais e necessários, a noção do Direito. Uma reflexão segura sobre temas jurídicos requer uma ampla noção do ius. Tal estudo envolve o exame de numerosas questões, sendo que a posição a ser assumida pelo jurisfilósofo fica na dependência de suas inclinações ideológicas. Vê-se, por aí, a íntima relação existente entre a Filosofia geral e a Filosofia do Direito, pois as grandes correntes filosóficas possuem vigor e se irradiam por numerosos ramos do saber. A elaboração de um conceito do Direito é ato complexo, que impõe opções doutrinárias de longo alcance na problemática jurídica. Daí por que o exercício dessa liberdade cultural pressupõe a experiência jurídica e o conhecimento das alternativas filosóficas. De acordo com o paralelo firmado por Emmanuel Kant, enquanto a Filosofia do Direito responde a pergunta Quid Jus? (o que é o Direito?), à Ciência Jurídica compete esclarecer a indagação "Quid Juris?" (o que é de Direito?). De fato, a tarefa de definir o Direito não se acha reservada às disciplinas jurídicas particulares, pois estas analisam apenas uma parcela da realidade jurídica e estabelecem os balizamentos de legalidade. A Dogmática Civil, por exemplo, define o seu próprio campo de estudo e não está em condições de definir o todo no qual se insere. A Ciência Penal enumera as suas fontes de conhecimento, mas não está credenciada a informar sobre as do Direito em geral. Como a Filosofia do Direito contempla a árvore jurídica em sua totalidade e na sua relação com as coisas em geral, a ela está reservada a missão de dizer o que é o Direito e buscar as soluções para os problemas vinculados a essa indagação. Paralelamente ao problema conceptual, nessa ordem de pesquisas emergem questões fundamentais, como a relativa aos elementos constitutivos do Direito; a indagação se este compõe-se de norma e é a expressão da vontade do Estado; se a coação faz parte da essência do Direito; se a lei injusta é Direito e, como tal, obrigatória; se a efetividade é essencial à validade do Direito etc. A outra tarefa da Filosofia do Direito, de natureza axiológica, é de alcance mais prático e consiste na apreciação valorativa das leis, institutos ou do sistema jurídico. A pesquisa pode situar-se no plano de lege lata, com a crítica ao Direito vigente, ou no de lege ferenda, em um ensaio do Direito ideal a ser criado. Durante esta pesquisa o pensamento iusfilósofico é norteado por princípios éticos e, fundamentalmente, pelo valor justiça, por intermédio dos quais avalia o ordenamento, para justificá-lo ou negar-lhe validade. Esta segunda parte está mais ligada aos imperativos da vida social e visa ao enriquecimento da Ciência do Direito, pois julga os critérios da lei em função dos valores humanos e sociais. Quando se examina a figura da eutanásia, por exemplo, à luz do que determina o Código Penal, o estudo é de ciência jurídica, mas quando a atividade intelectual extrapola esse plano, a fim de julgar o critério legal com base nos postulados éticos,a tarefa desenvolve-se no âmbito e com os métodos da Filosofia do Direito. Enquanto a investigação epistemológica se converge para o Direito em sua forma pura e é do interesse restrito dos jurisprudentes e filósofos do Direito, a perspectiva axiológica, que se concentra em torno do Direito como regulamentação concreta de fatos sociais, no propósito de

ajustá-lo à natureza positiva das coisas, é matéria de interesse também do homem simples do povo, na qualidade de destinatário do Direito Positivo e como ente capaz de se posicionar valorativamente. Alguns autores, como Icilio Vanni e Del Vecchio, apontam ainda, como parte do objeto, a pesquisa histórica, que teria a missão de averiguar os fatores que determinam a elaboração do Direito e o seu desenvolvimento. Reconhecemos que esta ordem de indagação é relevante, mas que se acha afeta, hoje, à Sociologia do Direito, disciplina que já alcançou autonomia científica.