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NORBERTO BOBBIO E UMA TEORIA GERAL DO DIREITO Norberto Bobbio and a Theory of Law
Sergio Manuel Fialho Lourinho
“A experiência jurídica é uma experiência normativa”
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RESUMO: Partindo da obra de Norberto Bobbio, pretende-se traçar a essencialidade do pensamento jurídico presente na mesma, abordando a Teoria da Norma, de fulcral estruturalidade no domínio de uma Teoria Geral do Direito.
ABSTRACT: Based on the work of Norberto Bobbio, we propose to identify the legal theory present in: A Theory of Judicial Norms, the most important work about law theory that exists in the legal comunity.
*Mestrando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná; Especialista em Direito Ambiental pela Universidade de Lisboa; Bacharel em Direito na área de Ciências Histórico-Jurídicas pela Universidade de Lisboa; Pesquisador da CAPES. 130 In: BOBBIO, Norberto, Teoria da norma jurídica, São Paulo, EDIPRO, 2001, Pág. 23.
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PALAVRAS CHAVE: Norberto Bobbio – Teoria do Direito – Filosofia Jurídica KEY-WORDS: Norberto Bobbio – Law Theory - Legal Philosophy 1.
INTRODUÇÃO
O Direito carece de uma Teoria Geral. Norberto Bobbio, autor considerado clássico ainda em vida, feito de notável apreço, resume na obra em análise: Teoria da Norma Jurídica, não apenas um exaltar de uma concepção jurídica, mas um verdadeiro contributo para uma Teoria Geral do Direito. A Teoria da Norma Jurídica afirmou-se como o paradigma e todas as considerações e análises críticas às teorias jurídicas suas contemporâneas são o seu bastante alicerce que cimentam o fortalecimento de uma doutrina que ainda hoje se releva como fundamental e necessária para fazer face aos problemas do Direito atual. Abordamos aqui primeiramente a colocação da Teoria face ao estado de coisas pretérito no momento da sua construção. Seguidamente relacionamos as questões jus-filosóficas imanentes que fomentam a base de todo o jurídico. Por último tratamos da diferenciação a ser feita de entre a norma jurídica e demais tipos de norma, concluindo pelo critério eleito de Bobbio referente à sanção como critério unificador e caraterizador da norma jurídica que, por contraposição à social e moral por suas pretensas caraterísticas vem a suprir inconveniências que teria no caso das duas antereferidas.
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2.
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TEORIAS DO DIREITO CONSIDERADAS
Norberto Bobbio parte da definição de direito como “um conjunto de normas ou regras de conduta” de forma a acentuar o cariz de normatividade. O ser humano na sua vivência em sociedade vê-se envolto numa teia de procedimentos aos quais está adstrito, sejam estes de cariz moral, social, religioso ou jurídico. Toda e qualquer sociedade está permeada por uma normatividade implícita que varia de época para época, de sociedade para sociedade, a análise histórica perfaz esse conhecimento e oferece uma resposta á interligação que é feita em volta de todo esse poder da norma, essa força vinculante que obriga, com mais ou menos coercitividade, seja esta apanágio do Estado enquanto regente da civilização ou do meio religioso, moral ou do mero trato social que vincula, muito embora de forma distinta. A multiplicidade normativa distingue-se pelo tipo de finalidade, pelo escopo perseguido pela regra em questão, no entanto, tanto a imponente regra jurídica como a regra de conduta de trato social tem em comum o fato de se constituirem como meio de influenciar comportamentos. Os momentos preliminares desta obra deixam já transparecer uma teoria jurídica, a teoria normativa, nem se pense que se esgota aqui toda uma forma de ver o direito, abordamos uma de entre várias outras formas de pensar o jurídico. O autor traz agora á colação duas outras teorias, o direito como instituição e o direito como relação.
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2.1.
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TEORIA INSTITUCIONALISTA
Desenvolvida por Santi Romano, a Teoria da Instituição refere que o direito assenta em três vetores essenciais: Sociedade, Ordem e Organização. Na definição de Romano: “Existe direito quando há uma organização de uma sociedade ordenada”, ou seja, o conceito de instituição referese a uma sociedade ordenada e organizada, é de fato esta última vertente o cerne da sociedade jurídica, a organização como meio a partir do qual um ente social passa a adoptar a sua regulamentação. Bobbio alerta para a incongruência interna da teorização, o brocardo: “ubi ius ibi societas” é de admitir, pois com certeza que onde existe direito existe sociedade, o direito pressupõe a sociedade, já o inverso: “ubi societas ibi ius” não será admissível na medida em que nem toda a sociedade é jurídica. O autor contrapõe a teoria da instituição face à teoria estatalista do direito, a qual reconduzia ao Estado a fonte de todo o direito, não admitindo qualquer outro meio de produção de norma vinculadora, descurando a realidade social e a existência de outras ordens que não a jurídica. Esta teoria é fruto das vicissitudes da saída de um estado de ordens plúrimas como era o estado medieval, neste coexistiam os diversos “estados” dentro do estado, e mesmo fora deste, persistiam outras entidades como a Santa Sé e os impérios civis que a estes obrigavam. A centralização do poder normativo, apanágio de um estado que se materializou numa congregação de poderes outrora pertencentes a entidades distintas formalizou e consubstanciou-se numa teorização que veio a identificar o direito com o Es-
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tado. Entendendo o poder como a capacidade para ditar regras que vinculam a totalidade de um grupo ao qual se dirigem, usando inclusivamente da coação para fazê-las cumprir, facilmente identificamos o Estado Moderno como entidade congregadora desse expediente, com caráter de exclusividade. É neste estado de coisas que surge a teoria institucionalista, frente a um Estado monopolizador do poder que se revela no meio de produção de normas e de as fazer cumprir através de um outro poder que lhe advoga o meio de coagir pela força ao cumprimento das referidas. Bobbio cumpre uma prévia observação metodológica que nos surge como de extrema relevância para a questão. Da análise de uma teoria restam considerações de cariz ideológico e de cariz científico, constituindo a segunda vertente aquela que esta em causa na sua análise, o saber se a doutrina em questão oferece resposta para a o seu escopo, que é, no caso, uma melhor compreensão do fenômeno jurídico. Dessa análise, resultam duas críticas: A teoria da instituição não se configura como oposta à teoria da normativa aqui referida, os seus antípodas situam-se conforme referido na teoria estatalista que com a segunda não se identifica. A amplitude da teoria estatal não será inferior à teoria nomativa sendo esta também compatível com um pluralismo jurídico. A segunda crítica diz respeito ao surgimento do direito na sociedade, Santi Romano advoga que é na organização que se funda a génese, no entanto, Bobbio demonstra que a regra tem uma significação prévia ao elemento caraterizador em questão, pois uma sociedade organizada, para o ser, carece de normas, que a vão
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caraterizar enquanto tal, dessa forma, não tem sentido afirmar a primordialidade da organização, na medida em que esta mesma vai buscar a sua essência própria á normatividade que emana e que a vai consagrar. Conclui o autor pela inclusão na teoria da instituição, da teoria da normatividade do direito e saudando a primeira pelo seu contributo na mediação entre uma teoria das normas juridicas para uma teoria do ordenamento jurídico.
2.2.
TEORIA DA RELAÇÃO INTERSUBJETIVA
Olhar o direito como relação intersubjetiva parte do pressuposto que o direito nasce do fenômeno social, tal como na teoria intitucionalista. No entanto também sobre esta doutrina os institucionalistas lançaram farpas, alegando que o mero acordo de vontades entre dois indivíduos é insusceptível de gerar direito porque padece da ausência do elemento institucional. Em Kant, encontramos uma vertente da teoria da relação, este definindo o direito como “o conjunto das condições por meio das quais o arbítrio de um pode acordar-se com o arbítrio de um outro segundo uma lei universal da liberdade” traça a dissociação daquilo que considera como relação jurídica, das outras ordens existentes (moral, religiosa, social). Avançando numa mais concreta diferenciação entre ação moral e ação jurídica e pretensas caraterísticas das referidas, Del Vechio assenta a
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primeira numa base subjectiva e unilateral e a segunda de cariz intersubjectivo e bilateral. Temos numa mais recente teoria da relação jurídica, da autoria de Alessandro Levi, a qual, segundo Bobbio, denota indícios de que tal como a teoria da instituição também esta assenta em pressupostos que a reconduzem aos fundamentos da teoria da normatividade. Desde logo o que origina a juridicidade não é a relação em si mas sim a norma que vai regular essa relação, também no discriminar das características da relação jurídica, Levi aponta a tutela, a sanção, a pretensão e a prestação, aos quais Bobbio alerta para o fato de se manifestarem como constituintes de qualquer relação que não exclusivamente a jurídica, ou seja, algo mais restará para que se considere elemento fundamental e esse elemento será a norma reguladora. A relação jurídica consiste numa relação entre dois sujeitos, na qual um detém um direito e o outro um dever. A origem desta relação que estatui direito e dever, tem como base uma norma, que nos indica que o sujeito A e o sujeito B são titulares deste direito ou daquele dever. É a norma o elemento qualificador de uma relação jurídica. Temos então a diferenciação entre relação de fato e relação de direito. A primeira não está imbuída do axioma que lhe imprimirá a juridicidade, não obstante uma mesma relação será de fato e de direito simultaneamente, tal como o exemplo da fidelidade dos conjugues, atracada num pilar ético-moral ao qual o ordenamento jurídico vem
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fornecer a juridicidade e transformar uma mera relação de fato numa relação eminentemente jurídica. A conclusão obtida é portanto, ante o exposto, pela inclusão da teoria normativa nas doutrinas supra-referidas, mais do que isso, pela consideração desta como pressuposto de validade das demais. Assume uma
complementariedade
das
três, com
prevalência
do
aspecto
normativista.
3.
A NORMA JURÍDICA
3.1. JUSTIÇA, VALIDADE E EFICÁCIA
Toda a norma jurídica deve passar pelo crivo da justiça, validade e eficácia. Os três critérios estão dissociados entre si e estabelecem pretensões distintas. Por norma justa deve entender-se a correspondência desta com os princípios estruturantes, com o ideário finalístico do ordenamento da qual ela faz parte. Trata-se da questão que entrelaça o ser com o dever ser, a norma justa é aquela que deve ser e aquela que é, isto se optarmos por uma equiparação entre os valores reais e ideais e se admitirmos que o real exprime o ideal, a norma injusta está sempre no plano do que não deveria ser. É este o “problema deontológico do direito”.
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A validade coloca-nos num plano de estrita observância técnica, não se ajuíza de um ponto de vista axio-valorativo, mas sim técnicojurídico. Saber se uma norma é válida é saber se esta faz parte do ordenamento jurídico, desta forma três análises podem ser feitas: indagar da autoridade do órgão que a emanou; saber da sua possível ab-rogação, direta ou implícita. Tratamos aqui da problemática “ontológica do direito”. Por fim, a eficácia, diz respeito à norma na sua relação com os destinatários da mesma, a questão que se coloca é saber se uma determinada norma é ou não seguida e as razões advenientes, no caso de resposta negativa, é aqui colocado o “problema fenomenológico do direito”. Conforme supra-referimos, os três critérios encontram-se de forma dissociada pelo que o autor expõe seis proposições onde se verifica na prática essa independência: 1. Uma norma pode ser justa sem ser válida 131; 2. Uma norma pode ser válida sem ser justa132; 3. Uma norma pode ser válida sem ser eficaz133; 4. Uma norma pode ser eficaz sem ser válida 134; 5. Uma norma pode ser justa sem ser eficaz135; 131
Normas de direito natural podem ser justas, mas só serão válidas quando incorporadas num sistema de direito positivo. 132 A escravidão era injusta , mas era válida. 133 A lei seca nos E.U.A.. 134 As regras de boa educação, são eficazes no sentido que aceites e aplicadas por todos mas para serem válidas têm de ser incorporadas num sistema de direito objectivo
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6. Uma norma pode ser eficaz sem ser justa136. Os três critérios exprimem os fundamentos da análise jurídica, como teoria da justiça, como teoria geral do direito ou como sociologia jurídica. Estas disciplinas resultam em abordagens específicas a problemáticas jurídicas que constituem um problema jurídico central137. A sugestão e análise independente, visa o afastamento de certas teorizações reducionistas que reconduzem validade à justiça (doutrina do direito natural), ou justiça à validade (positivismo jurídico) ou por fim, a validade à eficácia (realismo) e que são descaracterizadoras da totalidade dos três elementos constitutivos da “experiencia jurídica”. Perante a teoria do direito natural, a lei deve estar de acordo com a justiça. Bobbio alerta para o fato desta perspectiva se colocar no plano ideal, contraposto a um real, leis injustas não perdem o seu cunho que as caracteriza como tal, muito embora se colocarmos a questão no plano do dever ser, aí, toda a lei será justa. O problema que se coloca aqui diz respeito à definição de justiça, a doutrina do direito natural não hesita em assumir essa qualificação, no entanto, esta é mutável, ao longo das épocas apresentou diferentes conceptualizações e desta forma não terá como assumir uma verdade única sobre o dever ser de justiça como tal. A conclusão a que chegamos é a que não existe uma distinção universalmente aceite sobre o que é justo e injusto, desta forma indaga-se a quem deve 135
Se a norma pode ser justa sem ser válida, também podemos dizer , a fortiore, que pode ser justa sem ser eficaz 136 O mesmo acerca da escravidão. 137 Esta tripartição referida, foi desenvolvida por Del Vecchio no séc. XX e adotada até hoje, numa abordagem atual, mas baseada na mesma metodologia V. Rescoe Pound e os conceitos de Jurisprudência analítica, jurisprudência crítica ou ética e jurisprudência sociológica.
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competir traçar essa solução. Duas alternativas surgem: ou àqueles que detém o poder, ou a todos os cidadãos, o que em ambas as situações se objeta no sentido da não recondução da validade à justiça. Exemplificando, o autor identifica uma aparente aplicação da pretensa recondução da validade à justiça: O direito natural não cumpriria a função de direito sem o auxílio do direito positivo, e, o fato do próprio direito positivo em discordância com o direito natural dever obediência, logo, daqui se infere a diferenciação entre validade e justiça, o direito que não é justo pois não está de acordo com a lei natural, é obedecido num plano de validade ainda que não o seja num plano de justiça. Reduzindo a justiça à validade, o positivismo jurídico afirma a justiça de um comando pelo simples fato de no plano da sua validade este se considerar como tal válido. Do racionalismo Hobbesiano 138 ao positivismo strictu sensu de Kelsen, remontando aos sofistas helénicos, é exposta a fundamentação pela qual se obriga, e assume-se assim a validade como forma de fazer obedecer a um comando, o qual, após válido se torna justo, ou não relevando aqui uma forma de justiça num plano material, mas sim formal, de acordo com o cariz de obediência ao qual está adstrito por força da validade que por sua vez se concretiza por uma lei do mais forte numa vertente sofística.
138
Bobbio entende que foi Hobbes quem melhor representou o ideal positivista, destacando a indiferenciação entre entre validade e justiça da norma, nas suas palavras: “no estado de natureza não existe direito válido, tampouco há justiça, e onde há justiça significa que há um sistema constituído de direito positivo”
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Surge em oposição às duas grandes doutrinas do direito uma nova concepção que se denomina de realismo jurídico. Parte da crítica ao idealismo característico do direito natural e ao formalismo excessivo positivista. A primeira manifestação dá-se pela Escola histórica do direito, encabeçada por Savigny e que traz consigo uma nova perspectiva do direito, assume o direito consuetudinário como expressão do sentimento jurídico popular e portanto aquele que melhor pode caracterizar o direito. A concepção sociológica do direito, consagra uma nova manifestação desta corrente realista que aponta um desfazamento entre a lei que existe como tal positivada e o espírito jurídico popular, evoca o direito judiciário, pela mão do terceiro poder como expediente prático para consagrar e corrigir esse desfazamento. O movimento do direito livre bem como a jurisprudência realista são exemplos de manifestações desta corrente139. Por último, temos na América do Norte o terceiro momento de manifestação do realismo em oposição ao excessivo formalismo positivista, seguindo esta vertente sociológica pela mão do juiz Holmes, rompendo contra um excessivo tradicionalismo jurídico das cortes introduz uma “interpretação evolutiva do direito”, outros nomes como Roscoe Pound e Jerome Frank assumiram-se como protagonistas num movimento de insurreição contra a vertente dominante, em favor do denominado realismo jurídico que pujantemente defendiam.
139
A doutrina que representa esta corente, encontramos em Kantorowicz o expoente máximo do Movimento do direito livre, cujo apanágio considerava a exaltação da livre criação normativa pelo juiz. François Gény, que advogava uma preterição da técnica jurídica no sentido desta representar uma subordinação do direito técnico e um maior apego à ciência jurídica que tenha em consideração a realidade social, tomando em linha de consideração o plano histórico e material. Eugen Erlich numa linha mais relativa ao empirismo social, tomado em linha de conta pela análise da sociedade. Phillipp Heck, com a defesa de uma “jurisprudência dos interesses” pela via de um melhor dirimir dos conflitos entre as partes, por oposição é claro de um direito estatal rígido.
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Em resumo, a doutrina realista, assume a crítica no plano das fontes, na medida em que deseja incrementar outras para além do tradicional monopólio estatal-legal. Por último, o autor relaciona o plano da validade e eficácia no panorama das novas fontes introduzidas pela corrente em questão (direito consuetudinário e direito judiciário). Conclui pela inclusão dos dois elementos, validade e eficácia, no seio das sub-referidas em situação análoga à da própria lei.
3.2. CRITÉRIOS MATERIAIS DE DISTINÇÃO
Para efetuar uma diferenciação entre a norma jurídica de outros tipos de norma é necessário tomar uma apriorística baseada numa vertente material, abandonando uma perspetiva formal, tal como foi ante-refutado por Bobbio quando tratou das questões atinentes à: - Imperatividade - Heteronomia - Autonomia Referentes à diferenciação entre Direito e Moral, nos primeiros capítulos obra.
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1.
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Conteúdo
A norma jurídica visa sempre regular uma relação intersubjetiva, constituindo a bilateralidade sua caraterística fundamental que se releva pela instituição simultânea de um direito e um dever aos sujeitos no âmbito da relação intersubjetiva. Crítica de Bobbio:
É perfeita a diferenciação entre o Direito e Moral, no entanto
permanece a confusão entre norma jurídica e norma social pelo fato desta última partilhar da caraterística apontada da bilateralidade e do conteúdo como relação intersubjetiva.
2.
Fim
As relações intersubjetivas reguladas pelo Direito são específicas e isso o distingue da ordem social cujas normas regulam situações genéricas. A finalidade do ordenamento jurídico pela manutenção da sociedade regulada como tal imprime a especificidade própria do escopo finalístico das suas normas. A norma social não considerada como essencial a esta mesma teleologia configura-se como distinta num plano acessório em relação à primeira.
Crítica de Bobbio:
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A consideração sobre a essencialidade é de cariz subjetivo
e mutável por natureza. Certas sociedades atribuem relevância a disposições que lhe conferem cariz jurídico.
Impossibilidade de definição pacífica e universal sobre o que
torna uma regra essencial á conservação da sociedade.
3.
Sujeito que estabelece a norma
Assume este critério que é a entidade que emite a norma que lhe confere a juridicidade. Neste caso, quem detém o poder soberano, na medida em que estabelece a norma, lhe confere essa caraterística fundamental. Parte-se do pressuposto que uma norma é sempre uma expressão do poder, nos termos do positivismo jurídico no qual não releva o escopo finalístico material mas apenas uma confissão de fé no poder soberano que inclusivamente decidirá sobre o que é a norma essencial para a conservação da sociedade. Crítica de Bobbio:
O poder soberano faz valer a sua essencialidade das nor-
mas pelo recurso à coercibilidade.
4.
Tese jusnaturalista – conceito de justiça
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A essência do direito está contida nos valores em que o legislador se inspira. O poder soberano dita as regras, não obstante está prévinculado a esses referidos valores. É jurídica a regra que foi formulada de acordo com os mesmos valores aos quais se dá o nome de justiça. Para ser jurídica é necessário ser justa. Crítica de Bobbio:
Divergência de opiniões acerca do conceito de justiça.
Impossibilidade de regular o critério.
5.
Natureza da obrigação
Importa seguir como critério a forma como a norma é recebida pelo destinatário, a forma como é obedecida. Temos duas teorizações: 1.
Kant – A norma jurídica é a que é obedecida pelas vanta-
gens que dela se possam tirar. Satisfaz-se com uma mera adesão exterior. Não pune motivações.
2.
Haesaert – Só é jurídica a norma se o seu destinatário esti-
ver convencido da sua obrigatoriedade. Crítica de Bobbio:
A norma jurídica, pela sua posição intermédia entre a norma
moral e social é caraterizada em traços de confusão com cada uma das re-
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feridas. Para traçar a diferenciação da norma jurídica com a moral, agregase caraterísticas da norma social e o mesmo face à norma moral.
3.3. CRITÉRIO EXPOSTO - SANÇÃO
Tratamos aqui do momento da resposta à violação. Quando uma ação real não corresponde à ação prescrita, gera-se uma violação a qual se denomina ilícito. Esta assume duas formas mediante a norma violada constitua um imperativo negativo ou positivo: Norma: Imperativo negativo – ilícito = ação – sua violação constitui-se como inobservância Imperativo positivo – ilícito = omissão – sua violação constitui-se como inexecução Após uma violação encontramos então a sanção como meio de resposta e que se configurará nos termos seguintes expostos por Bobbio, caraterizando os diversos tipos de sanção: 1.
Sanção Moral
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Pode-se definir a própria norma moral como aquela cuja sanção é “puramente interior”. Temos aqui sanção como uma consequência desagradável adveniente da violação de uma norma. A Sanção moral consistiria num sentimento de culpa, num estado de angústia, perturbação, no remorso e no arrependimento. Pelas caraterísticas da moral, a sanção moral denota especificidades próprias inerentes à pretensa autonomia da mesma. Crítica de Bobbio - Ineficácia
2.
Sanção Social
Por oposição à ante-caraterizada sanção interna que constitui a sanção moral, encontramos uma externa, tratamos obviamente de uma sanção que atinge o violador da norma, provindo de uma ação de outrem, este, por seu turno, representa a sociedade que rodeia e estipula tacitamente o comportamento a seguir. No plano da eficácia, este tipo de sanção posiciona-se nos antípodas da primeira supra-citada. De referir ainda os diversos graus que pode tomar uma sanção social (desde a pura e simples reprovação de comportamento até à eliminação do grupo). Crítica de Bobbio – Desproporcionalidade
3.
Sanção Jurídica
De forma a suprir os inconvenientes supra-citados da:
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Interioridade
Não institucionalização
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Temos a sanção na sanção jurídica uma resposta:
Externa
Institucionalizada
Á violação de uma norma jurídica. A institucionalização da sanção vem trazer:
Certeza da reposta
Proporcionalidade
Imparcialidade
Que por sua vez vai gerar um aumento da eficácia das regras institucionais.
Querela doutrinária O autor adverte para o fato do critério introduzido poder não ser aceite por parte da doutrina que não considera a sanção como elemento constitutivo do direito, relegando-lhe relevância secundária. Temos aqui a contraposição doutrinária entre sancionistas e não-sancionistas.
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Argumentos sustentados pela doutrina não-sancionista 1.
Adesão espontânea
O ordenamento jurídico conta primeiro do que tudo com a adesão espontânea às suas regras. Quem obedece, fá-lo por consenso e não por temor à consequência adveniente do não cumprimento. A violação das normas não constitui a regra, mas sim a exceção. Crítica de Bobbio:
A adesão espontânea não fornece garantia suficiente
O problema não diz respeito à necessidade da sanção para
todo e qualquer momento, mas somente para quando uma norma é violada.
Não se nega a adesão espontânea, esta funciona ao lado do
poder sancionatório.
2.
Normas sem sanção
A existência de normas sem sanção obstariam a que se considerasse a sanção como critério caraterizador da norma jurídica. Crítica de Bobbio:
“Quando se fala em uma sanção organizada como elemento
constituinte do direito, nos referimos não às normas singulares, mas ao or-
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denamento normativo tomado no seu conjunto, razão pela qual, dizer que a sanção organizada distingue o ordenamento jurídico de outro tipo de ordenamento não implica que todas as normas desse sistema sejam sancionadas.”
Caso das normas superiores na hierarquia normativa
o
Aplicação sanção pressupõe um aparato coercitivo, pressu-
põe o poder. o
Conforme nos aproximamos da fonte de poder, diminui-se a
carga de autoridade entre quem estabelece a norma e quem a obedece. o
Questão lógica de não contradição entre o conceito de po-
der supremo
3.
Ordenamentos sem sanção
Dando como exemplo o ordenamento jurídico internacional, o qual alegadamente não poderia impor sanção nos termos do ordenamento estatal. Bobbio alega que existe sanção, muito embora distinta no modo como é regulada. Apelando aos conceitos de auto-tutela e hetero-tutela, segundo o autor o ordenamento internacional executa a sanção pelo primeiro, existindo assim uma diferença de grau face ao ordenamento jurídico-estatal mas não de substância. Exemplifica o fenómeno das guerras, embargos económicos internacional.
e
políticos
como
sanção
no
ordenamento
jurídico-
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4.
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Processo ao infinito
“Se é verdadeiro que uma norma é jurídica só se é sancionada, também a norma que estabelece a sanção será jurídica só se for sancionada, e, na sequência, a norma que sanciona a primeira norma sancionadora, para ser jurídica, deverá remeter-se por sua vez a uma nova norma sancionadora” Bobbio retoma a argumentação acerca da crítica á adesão espontânea, no sentido de que esta é também admitida, paralelamente. Ademais, traça a ruptura lógica na qual entraríamos por via de tal argumento “quis custodiet custodes”140.
4.
CONCLUSÃO
Norberto Bobbio foi sem sombra de dúvidas o grande teorizador do Direito do Século XX. O seu legado, para além de uma extensa obra no domínio da Filosofia Política e do Direito do Estado, engloba também o presente domínio da Teoria Geral do Direito, e, dentro desta, a Teoria da Norma e a Teoria do Ordenamento constituem marcos teóricos essenciais para a formação do jurista.
140
Quem governará os que nos governam?
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O presente trabalho, teve como principal preocupação, atentar ao domínio da base de toda a concepção jurídica do autor, pela Teoria da Norma Jurídica que, posteriormente se vai agregar a uma Teoria do Ordenamento, a qual não foi estudada na presente, mas que se considera essencial para uma melhor percepção de uma Teoria Geral do Direito da autoria do senador italiano.
BIBLIOGRAFIA
BOBBIO, Norberto, Teoria da norma jurídica. Bauru: EDIPRO, 2001. _____. Teoria do ordenamento jurídico. 6 Ed. Brasília: Ed. UNB, 1995. _____. O Direito e o Estado no pensamento de Emanuel Kant. 3 Ed. Brasília: Ed. UNB, 1995. _____. O Filósofo e a Política. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2003. BUENO, Roberto, A filosofia jurídico-política de Norberto Bobbio. São Paulo: Editora Mackenzie, 2006. DUTRA, Delamar José Volpato, Manual de Filosofia do Direito. Caxias: EDUCS, 2008. FERRAZ JR., Tércio Sampaio, Teoria da norma jurídica. 2 Ed. São Paulo: Editora Forense, 1986.